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António Costa e Mário Centeno já podem respirar de alívio – bem como os serviços e funcionários públicos, que começam um novo ano e podem finalmente ver descativada parte da sua despesa. O défice orçamentado para 2017 irá ser cumprido. Mais, ficará abaixo do orçamentado. Mas de quem é o mérito desta favorável evolução das finanças públicas? Das diferentes políticas que o Governo tem vindo a aplicar? Do crescimento económico atípico e superior ao esperado? Ou do investimento público que ficou 850 milhões de euros aquém do prometido? Respostas há muitas, dependendo, como a beleza, dos olhos de quem vê, é claro.

Certo é que o défice melhorou 1.607 milhões de euros face a 2016, e irá alcançar novamente um valor histórico: 1,2% em contabilidade nacional – de acordo com António Costa e as projeções do IPP nos últimos meses. Certo é também que a contenção da despesa desempenhou um papel quase de figurante (tendo mesmo sofrido um crescimento de 1,6% em dezembro), ficando o aumento da receita responsável por este sucesso.

Um grande corte no défice

A síntese de execução orçamental mostra que o défice das administrações públicas, em contabilidade pública, ficou em 2.574 milhões de euros. Trata-se de um valor inferior em mais de 2 mil milhões face ao valor previsto no Orçamento para 2017, sinal inequívoco de como a dimensão da retoma económica apanhou o Ministério de surpresa.

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Se os ajustamentos entre óticas (ou seja, a “conversão” destes dados em contabilidade nacional, a que interessa a Bruxelas) em 2017 se mantiverem no valor líquido previsto no Relatório do Orçamento para 2018, registaremos mesmo um défice de 1,2% do PIB, em linha com as últimas previsões do IPP, e ainda assim melhor do que se previa para a execução de 2017 no Relatório do Orçamento para 2018 (1,4%).

Só a recapitalização da Caixa Geral de Depósitos pode estragar esta pintura. Explicámos aqui porque, em nossa opinião, só deverá contar uma parte dos custos dessa operação para o défice e, nesse cenário, combinando com o desvio positivo registado, nem isso faria o défice passar a barreira dos 3%.

Em qualquer caso, será o quarto ano consecutivo em que o défice orçamental nominal descerá…

Crescimento aparece no IVA e IRC, mas falta à chamada no IRS

A boleia do crescimento pela via da receita fiscal não foi, vendo bem, tão grande quanto isso, considerando a dimensão da surpresa económica. O IVA destaca-se pela positiva, pois os 15.977 milhões de euros arrecadados representam um crescimento de 6% face a 2016, quando o Orçamento apenas previa 1,5% (e mesmo o IPP/Observador apenas previa, em setembro, que alcançasse 4,5%), representando um desvio positivo face ao cenário do Orçamento em quase 700 milhões de euros. Maior ainda, em termos relativos, foi a surpresa no IRC, que cresceu 10% face ao ano anterior, algo que já se afigurava atingível em setembro.

O bónus do crescimento ajudou principalmente pela via do IVA e do IRC, pois os impostos especiais sobre o consumo cumpriram os mínimos e o IRS até ficou aquém das expectativas…

Fonte: DGO/MF

Nos outros impostos, porém, surpresas só pela negativa, destacando-se aí claramente o IRS, onde a receita líquida basicamente não cresceu (aumento de 0,1%). Ficou, assim aquém do previsto no Orçamento, que já de si era relativamente conservador (aumento de 1,8%), o que fazia sentido tendo em conta o fim da sobretaxa que faseadamente teve lugar o ano passado. Porém, uma eventual subestimação desse efeito não parece ser suficiente para explicar este comportamento num ano em que foi batido um recorde de vinte anos na criação de emprego.

Investimento só cresce no papel

No investimento público (investimento da Administração Central em contabilidade pública), troika = geringonça?

O investimento da Administração Central (ou seja, sem municípios e regiões) tem ficado sempre aquém do orçamentado, pelo menos desde 2012. Mas a discrepância torna-se mais grave a partir de 2015.

Apesar de proclamações várias, é inegável que, em 2017, ficou mais uma vez aquém do esperado. O Orçamento para 2017 previa um aumento de 26,4% neste indicador face a 2016. A realidade da execução trouxe uma queda de 9%. Refira-se que o IPP, já em outubro com os dados do 3.º trimestre, previa um desvio de mais de 900 milhões de euros, pouco acima do desvio de 893 milhões que se verificou.

Para este ano de 2018, o aumento implícito no Orçamento aprovado é ainda maior. Partindo do agora conhecido valor executado de 2.292 mil milhões de euros, para em 2018 chegar ao nível previsto no Orçamento (3.408), o investimento teria de aumentar 48,7%!

Problemas na Segurança Social, a existirem, não são certamente para já
O negro cenário traçado pelas discussões e previsões algo catastrofistas sobre a sustentabilidade de longo prazo da Segurança Social (quanto ao seu sistema previdencial) parece cada vez mais distante em face do bom comportamento que o sistema apresenta no atual contexto de retoma. O desempenho voltou a surpreender, contribuindo para o resultado acima do esperado no défice.

Desde logo, na receita, onde as contribuições e quotizações cresceram 4,1%, provavelmente acima do crescimento do PIB (nominal). E até a CGA, sistema já fechado a novos subscritores e, portanto, em perda de dimensão, surpreendeu, pois essas receitas caíram apenas 2,2% quando o OE previa 3,7%.

Contenção da aquisição

Quanto à aquisição de bens e serviços, ou seja, consumos intermédios que são alvo prioritário das famigeradas cativações, confirma-se mais um ano de contenção. Os 8.623 milhões de euros registados representam um aumento de apenas 0,4%, abaixo da inflação. O desvio positivo face ao orçamentado é significativo (quase meio milhar de milhões de euros), para o que terão contribuído valores “não descativados”.

A contribuir para esse resultado esteve a aquisição de bens e serviços atribuível ao Serviço Nacional de Saúde, que segundo a DGO acaba por cair 1,1%, para 5.042 milhões de euros, o que não deixa de ser estranho tendo em conta a dinâmica dos pagamentos em atraso.

Novo ciclo na dívida dos hospitais?

O ano de 2017 complicou a situação dos pagamentos em atraso dos hospitais EPE. No final de dezembro, esta dívida não financeira (837 milhões de euros) representava já 78% do total das Administrações Públicas (1.075 milhões).

Registou-se uma variação mensal de -266 milhões, a qual se deve, no entanto, ao facto de uma das tranches da regularização extraordinária já ter ocorrido, tendo sido realizado um reforço de capital nos hospitais EPE de 500 milhões de euros no final do ano. Se considerarmos o período homólogo – pautado também por uma regularização “extraordinária” –, já se verifica um aumento de quase 300 milhões.

Se excluirmos então o último mês do ano, a taxa de crescimento dos pagamentos em atraso dos hospitais EPE desde janeiro de 2017 foi de 80%. Esta é já uma situação insustentável, à qual o Governo vai tentar pôr um fim em 2018. A ideia de Mário Centeno é que o reforço substancial de verbas que ocorreu em 2017 irá permitir “uma redução dos pagamentos em atraso mais pronunciada em 2018”, com o objetivo final de trazer esta dívida para valores muito inferiores aos registados atualmente, para ser possível controlá-la no futuro. Não obstante, isso será apenas uma solução de curto prazo, sendo crucial uma estratégia integrada que permita adotar uma posição de sustentabilidade, bem como a elaboração de orçamentos mais realista que não coloquem uma pressão financeira adicional e utópica na gestão das contas dos hospitais.

O ano de 2017 assistiu a uma aceleração do ritmo de crescimento da dívida não financeira dos hospitais EPE. O reforço de capital que ocorreu acabará com estes problemas, ou incentivará a aumentar o nível de despesa (à semelhança do que ocorreu em anos passados com regularizações)?

Eleições na Administração Local contrariam controlo do investimento

Tal como já referido, o controlo no investimento foi um dos grandes drivers do resultado défice de 2017. Porém, esse controlo foi apenas ao nível da Administração Central. Como previmos aqui, o investimento na Administração Local parece ter sido afetado pelas eleições autárquicas, tendo-se registado um aumento homólogo de quase 40%.

Como consequência, o saldo da Administração Local ascendeu a apenas 466 milhões de euros, face aos 1.020 milhões previstos, o que representa somente 46% do montante total. Nos últimos dois anos – onde não houve lugar à realização de eleições autárquicas –, o saldo global foi superior (em quase 30% em 2016), tendo os saldos orçamentados nos anos respeitantes sido muito mais próximos dos efetivamente alcançados no fim do ano. Assim, não só o crescimento do investimento tem sido na ordem dos dois dígitos desde fevereiro, como consequentemente a deterioração do saldo da Administração Local tem também sido nessa ordem de grandeza desde julho.

Confirmam-se as expectativas do IPP de um aumento do investimento a nível local em ano de eleições, o que pode sugerir que ainda há trabalho a fazer para quebrar os ciclos político-económicos vigentes nos municípios portugueses, associados a gastos pré-eleitorais excessivos com vista à obtenção de apoio político. Não há registo nos últimos largos anos de tal comportamento (em 2013, em pleno programa da “troika”, o investimento da administração local cresceu muito modestamente), tratando-se um dado que merecerá uma análise mais aprofundada.

* * * * *

O ano de 2017 foi atipicamente positivo, tendo Portugal beneficiado da “sorte” que adveio do aumento surpreendente do crescimento económico. No entanto, é também preciso retirar algumas ilações do decorrer desse ano, analisando qual seria o défice que António Costa teria de anunciar com um crescimento menos brilhante. Se desconsiderarmos o desvio positivo de cerca de mil milhões de euros nos impostos – efeito direto do crescimento económico superior ao previsto – a estimativa para o défice já escalava para 1,7% do PIB. Se, adicionalmente, o investimento público na Administração Central tivesse sido da ordem dos 3.184 milhões de euros, tal como previsto no OE 2017, o défice já alcançaria os 2,2%. E sem o desvio positivo na aquisição de bens e serviços, teríamos 2,5%, já acima do valor de 2016.

Este simples exercício demonstra a importância de o Governo refletir sobre o Orçamento de 2018, pois não se afigura fácil assegurar um conforto semelhante mesmo sem nenhuma surpresa no crescimento e, preferencialmente, aliviando a pressão cativadora sobre os serviços públicos.

Encorajamos os leitores a contactar-nos com quaisquer questões ou comentários:

luistm@ipp-jcs.org – joanav@ipp-jcs.org

Investigadores do Institute of Public Policy (IPP)

As opiniões aqui expressas vinculam somente os autores e não refletem necessariamente as posições do IPP, da Universidade de Lisboa, ou de qualquer outra instituição a que quer os autores, quer o IPP estejam associados.