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A execução orçamental de 2017 continua a estar bem servida: o défice registado em outubro de 2017 fixou-se nos 1.838 milhões de euros, apresentando desta forma uma melhoria de 2.664 milhões face ao período homólogo.

Tendo a despesa mantido o seu comportamento de estabilização, este mês a melhoria orçamental deve-se exclusivamente à componente de receita, que apresentou um crescimento de 4,2%. O ingrediente principal foi, uma vez mais, o crescimento económico (de 3% no terceiro trimestre do ano), ao permitir uma variação homóloga de 5,1% da receita fiscal. Desta forma, e considerando os potenciais desvios (globalmente positivos) que se devem verificar no final do ano, está assegurado o cumprimento da meta de 1,6%. Segundo as últimas estimativas do IPP, o défice de 2017 poderá mesmo chegar a atingir 1,2%.

Em outubro de 2017, o IPP aponta para uma previsão do défice com um desvio de cerca de 1.700 milhões de euros abaixo do orçamentado, ao que corresponderá um défice de 1,2%

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Continuamos a prever um saldo global mais baixo do que o Governo. A estimativa que vinha associada ao Orçamento para este ano era de -1,6%. Foi revista, no Orçamento para 2018, para uma estimativa de execução de -1,4%. Pelas nossas contas, continua a ser pessimista: as tendências das várias rubricas apontam para um saldo das administrações públicas de -1,2%. Naturalmente, o Ministério das Finanças terá mais informação sobre o que se perspetiva, ainda, em termos de despesa (sobretudo na área do investimento), nos últimos dois meses do ano, mas o resultado final andará certamente neste intervalo de -1,2% a -1,4%.

Isto é permitido, desde logo, pelo crescimento surpreendente das receitas fiscais que, alicerçadas no crescimento surpreendente da economia, estão a dobrar o ritmo de aumento previsto no Orçamento. Mas a contenção nas despesas com aquisição de bens e serviços, na Segurança Social (aqui em grande medida “automática”) e no investimento, permitirá esta folga considerável quanto à meta do défice para este ano.

Projeção dos desvios face ao orçamentado para 2017

Consumo público: uma execução exemplarmente controlada

Nas despesas com o pessoal residirá a principal chave para se perceber até que ponto a execução de 2017 foi tão boa como parece – e até que ponto a de 2018 poderá ser difícil. Este ano, a confluência de reposições, em especial no que diz respeito ao subsídio de Natal. No ano que vem, o impacto do descongelamento das progressões.

No que diz respeito a 2017, o Governo reviu já a sua estimativa para esta rubrica. A estimativa de execução apresentada (no Orçamento do Estado para 2018) para as despesas com o pessoal da administração central (16.295 milhões de euros, em contabilidade pública) excede em 371 milhões o que se previa no Orçamento para este ano. As nossas contas apontam para um excesso algo superior, da ordem dos 590 milhões. Dito isto, o Ministério das Finanças terá bastante margem para controlar esta variável, dado que pelo menos parte do valor a pagar em novembro e dezembro terá origem nas margens de contingência (uma das formas das cativações).

Em qualquer caso, o facto de este ser basicamente o único desvio negativo de relevo na execução orçamental da administração central tem duas leituras. Uma positiva: apesar de beneficiar dos ventos a favor, a execução orçamental deste ano foi em geral exemplarmente controlada. Uma negativa: alguma suborçamentação das despesas com pessoal deve motivar preocupações no Ministério das Finanças e não só sobre o que poderá acontecer nesta rubrica para o ano, tendo em conta as diversas pressões sobre estas despesas que se perspetivam em 2018. Conseguirá a redução do défice resistir-lhes?

De resto, na outra vertente do consumo público, a despesa em aquisição de bens e serviços, tudo continua controlado. Até outubro, foram gastos 6.501 milhões de euros aqui (considerando Administração Central e Segurança Social), uma ligeiríssima aceleração (uma variação homóloga de 0,9%) que, ainda assim, mantém esta rubrica essencialmente ao mesmo nível do ano anterior.

Não era o que previa o Orçamento, onde se estimava um crescimento da ordem dos 6%. Sem mais informação sobre as cativações, é difícil perceber onde e como esta diferença teve impacto, mas certo é que é uma diferença substancial face ao cenário do Orçamento para este ano, que mereceria um escrutínio aprofundado. Como habitual, algo que permite melhor análise das consequências desta supercontenção é a realidade dos Hospitais EPE.

Penso rápido na dívida dos Hospitais EPE

A dívida dos Hospitais EPE atingiu no mês de outubro 1.020 milhões de euros, o que representa um aumento homólogo de 266 milhões. No entanto, o press release do Ministério das Finanças vem confirmar as últimas declarações do ministro da Saúde, referindo que se antecipa “uma redução significativa até ao final do ano” dos pagamentos em atraso. Tal deve-se à injeção de 1,4 mil milhões de euros que será feita até ao final do ano.

É certo que este montante é, à partida, suficiente para levar a dívida dos Hospitais EPE a zeros, sendo significativamente superior à regularização que ocorreu em dezembro do ano passado (200 milhões). Não obstante, e tal como já temos vindo a referir, não é uma injeção de capitais, via regularização extraordinária, que resolve o problema a longo-prazo. Se esta regularização não for acompanhada por mudanças estruturais que visem melhorar potenciais problemas de gestão da despesa do sistema de saúde e das suas respetivas unidades, vamos assistir a uma nova recuperação da dívida dos Hospitais até aos montantes atuais. Relembre-se ainda que, por experiência, regularizações extraordinárias dão lugar ao crescimento da dívida a um ritmo superior nos meses seguintes.

Quanto a este aspeto, o Governo já procurou tranquilizar os contribuintes, afirmando que até março de 2018 irá “apresentar uma proposta que seja estruturada” para que “este processo de acumulação e geração continuada de dívida seja atenuado e resolvido até final da legislatura”. Isto após a Comissão Europeia ter acusado Portugal de um “fraco planeamento e controlo orçamental”.

Uma injeção de 1,4 mil milhões de euros até ao final do ano deverá ser suficiente para os Hospitais EPE começarem 2018 sem dívida, mas não é uma solução sustentável

Saldo da Administração Local agridoce

Como temos referido ao longo do ano, o facto de em outubro terem ocorrido eleições autárquicas representou uma pressão adicional no saldo da Administração Local. Deste maio que se tem registado uma deterioração do seu saldo, a um ritmo médio de 15,4%. Desta forma, de uma previsão de 1.020 milhões de euros para o balanço da Administração Local no Orçamento do Estado para 2017, o Governo passou para 644 milhões aquando do Orçamento para 2018. Atualmente, o saldo ascende a 523 milhões.

No entanto, nem tudo são más notícias. Esta dinâmica de deterioração assenta num aumento substancial do investimento local, que em outubro – ou seja, mesmo já após as eleições –, ascendeu a 1.045 milhões de euros, o que representa um aumento homólogo de 50%. Ainda assim, só com o decorrer da execução orçamental é que será possível analisar se o crescimento do investimento local foi efetivamente estimulado por problemas que precisavam de ser resolvidos, ou se correspondeu meramente a um excesso de despesa por nos encontrarmos em época de eleições.

O saldo da Administração Local não deverá, de certo, atingir o valor previsto no OE2017, e mesmo para alcançar o nível revisto no OE2018 tem de apresentar uma melhoria de 121 milhões de euros

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A receita elaborada pelo Governo para cumprir o défice este ano parece ter apenas uma pequena parte de mérito próprio. A receita de sucesso – e por isso merecedora da estrela Michelin – parece ser, sem sombra de dúvidas, o crescimento económico.

Pela forma como tem sido conduzida a execução orçamental deste ano – e agora o Orçamento para 2018 –, parece que o crescimento aos níveis atuais tem estado connosco desde sempre, lado a lado, e que tão depressa não se vai embora. Sem este, a “derrapagem” que se vai verificar este ano – e provavelmente em 2018 – nas despesas com o pessoal não poderia ser compensada pelo aumento extraordinário a verificar nas receitas fiscais.

No entanto, este menu poderá ter de ser alterado brevemente. As previsões mais recentes da Comissão Europeia confirmam uma diminuição do ritmo de crescimento já para 2018, prevendo-se que Portugal cresça “apenas” a um ritmo de 2,1% do PIB, o que quebra, desde já, a rota de convergência com a zona euro. E, para 2019, já diminui para 1,8%.

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luistm@ipp-jcs.org – joanav@ipp-jcs.org

Investigadores do Institute of Public Policy (IPP)

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