Vou descendo. Muito devagar, em direção às profundezas do oceano. Estou dentro de uma cabine aberta que, aos poucos, me vai levando cada vez mais para o fundo. Estou submerso e oiço-me respirar. Passa uma tartaruga por mim, indiferente, e segue em direção à escuridão. Há medusas por todo o lado e quase que lhes consigo tocar. O ambiente é de calma — pelo menos para já.
Ao fim de algum tempo, tudo isto me parece real. Habituei-me, estou lá dentro. Mas aquele mundo não é o meu: na realidade, encontro-me no sexto andar de um edifício junto ao Parque das Nações, em Lisboa, onde ficam os escritórios da Sony. E estou a experimentar os óculos de realidade virtual da PlayStation, uma tecnologia mais conhecida por PlayStation VR, que será lançada ao público em outubro deste ano. Esta demonstração chama-se The Deep, e não é difícil perceber porquê.
Mas voltemos ao jogo. “Olha um tubarão”, digo, enquanto uma criatura cinzenta e enorme desfila à minha volta. “Tem cara de poucos amigos”, penso. Deve ter-me lido o pensamento: num ápice, atira-se à minha cabine. Com os dentes afiados, arranca a garrafa de oxigénio que me dava sustento. E não se fica por ali: em poucos segundos a cabine está quase desfeita. O tubarão arranca as proteções que me impedem de cair para a frente… e, nessa altura, sinto uma forte vertigem. Olho para baixo e quase me desequilibro, tanto na cabine como na realidade. Mas está tudo bem. Afinal, é só um jogo.
O admirável mundo da realidade virtual
Muita tinta tem corrido acerca desta tecnologia. Os óculos da PlayStation estão longe de serem pioneiros e o certo é que a realidade virtual já move toda uma indústria: existem diversos headsets, de vários tipos e marcas diferentes. Em março de 2014, o Facebook comprou a Oculus VR, a empresa criadora do Oculus Rift, um par de óculos de realidade virtual — pagou dois mil milhões de dólares por ela, quase 1,5 mil milhões de euros ao câmbio de então. Também a Samsung lançou um gadget deste tipo (o Gear VR) em novembro do ano passado. E a Alcatel estreou-se este ano com um telemóvel cuja caixa se transforma nuns óculos desse tipo. Além disso, a HTC e a Valve lançaram o Vive em 2015 e suspeita-se de que a Apple também esteja a trabalhar em algo do género.
Em todos estes aparelhos, a lógica sensorial é a mesma: os óculos ajustam-se à cabeça do utilizador (parte visual) e um bom par de headphones cumpre a tarefa de isolar o utilizador do som ambiente. Juntos, estes fatores transportam-no para outra dimensão. É como enganar dois dos nossos sentidos — a visão e a audição — e o resto vem por acréscimo. Como a sensação de desequilíbrio, por exemplo, que facilmente é provocada pela realidade virtual. Ou seja, fica-se praticamente imerso na tecnologia, no mundo virtual. Só as bases do funcionamento podem mudar entre aparelhos: uns usam um smartphone acoplado aos óculos, mas outros são uma peça única e independente. É o caso do PlayStation VR.
Uma tecnologia distinta é a do Microsoft HoloLens. São uns óculos, sim, mas diferentes de todos os que mencionei acima. Em vez de realidade virtual, estou a falar de realidade aumentada — ou seja, elementos virtuais que são sobrepostos à realidade (imagine um versão mais muito evoluída do que os ultra-básicos Pokémons). A imersão não é completa. É um dos produtos deste género mais aguardados no meio tecnológico. E quem já os experimentou, gostou.
Dentro da realidade virtual da Sony
Há muito a dizer sobre os óculos da PlayStation. Desde logo, o preço: 400 euros, cerca de 50 euros mais do que a própria consola PlayStation 4 que é necessária ao funcionamento da realidade virtual. O gadget, conhecido desde fevereiro de 2014 pelo nome de código Project Morpheus, foi apresentado em setembro de 2015. Desde então, o lançamento oficial é aguardado com muita expectativa. Não se conhece a data. Só se sabe que será em outubro, a tempo do Natal.
No geral, os óculos são leves e confortáveis, quando comparados com muitos aparelhos do género. Porém, são um pouco difíceis de ajustar: uma vez colocados na minha cabeça e apertados por um orientador (por serem um protótipo, a Sony não me deixou colocá-los sozinho), há um botão na parte inferior que me permite puxá-los mais para junto da minha cara — mas basta um pequeno deslize para que a visão me pareça turva. Há ainda uma espécie de abertura para o nariz que, no início, me causou algum desconforto.
Depois, quem usa óculos graduados (como eu), poderá ter de os manter por baixo dos óculos de realidade virtual (e ainda bem que levei tecido para os limpar após a experiência). No final, tive de pôr uns headphones que se ligam a um grande cabo que vai dos óculos à consola — e é preciso cuidado para não tropeçar nele.
Foram cinco as experiências que tive com os óculos da Sony. Após The Deep (a primeira), joguei Headmaster, onde temos de cabecear bolas de futebol para derrubar alvos e somar pontos. Estou num campo de futebol fracamente iluminado, enquanto me vão sendo dadas instruções através de um auscultador. Um corvo vai esvoaçando lá nas alturas. Nada disto me parece perfeitamente real, mas é muito, muito imersivo: temos de fazer os movimentos certos para a bola ir na direção certa. E isso é o suficiente para uns breves momentos bem passados. Ao fim de algum tempo, o jogo torna-se aborrecido.
A terceira experiência foi, talvez, a melhor. O jogo chama-se Until Dawn: Rush of Blood e junta duas coisas muito populares na realidade virtual: o terror e uma montanha-russa. Um pormenor interessante é que há um palhaço, no início da demonstração, que me dá algumas dicas dobradas em português. Para a jogar, preciso de uma cadeira e dois comandos PlayStation Move. É com eles que controlo as minhas mãos no jogo. Por isso, agarro-os bem e sento-me. A aventura vai começar.
Vejo-me ao olhar para baixo. Vejo as minhas pernas, os meus braços e as minhas mãos, que seguram duas pistolas. Encontro-me sentado num vagão que assenta sobre carris enferrujados e estou prestes a iniciar uma descida vertiginosa rumo ao desconhecido. Oiço risos e vários passos ecoam na escuridão. “Calma, é só um jogo”, repito para mim mesmo.
É quando olho para o lado que as vejo: duas raparigas com a cara desfigurada, mesmo juntinho a mim. “É só um jogo, não é real“, repito mais uma vez. O vagão começa, então, a deslizar pelo caminho-de-ferro. À minha volta há muito sangue a escorrer e animais esventrados que gritam, olham para mim e me tentam morder. Desvio-me deles. E também das serras elétricas que passam a milímetros da minha cara. A esta altura, em vez de pistolas, seguro duas caçadeiras de canos serrados.
A demonstração vai seguindo assim. Uma mistura de sensações entre o medo e a adrenalina. No final do percurso, vejo-me frente a frente com o boss final, uma criatura mascarada com o quádruplo do meu tamanho. Vai invocando pequenos monstros à minha frente, que tenho de abater. Cada caçadeira tem dois cartuchos — e é preciso fazer um movimento brusco com o braço para as recarregar. Mexo-me rapidamente, de forma a abater cada um dos monstros antes que ele me alcance. E são muitos.
É no final do jogo que dou conta de uma luz que irrompe pela parte inferior dos óculos. E estou com calor, embora a sala tenha ar condicionado. Percebo que os óculos não estão bem ajustados ao meu rosto magro e, se olhar bem para baixo, vejo o chão. Não o do jogo, mas o chão real. Já o Edgar Caetano, que também testou a tecnologia, não teve esse problema. Teve outro: por ser muito alto, por vezes não foi detetado pela câmara da PlayStation 4, que tem de estar direcionada para nós durante a experiência para que tudo funcione bem. Apesar dos problemas, lembre-se: estamos a testar um protótipo.
O próximo jogo que me permitem testar é o The London Heist, também sentado, também com com um comando PlayStation Move em cada mão. Só que desta vez estou numa carrinha que circula a alta velocidade numa autoestrada de Londres. Não sou eu quem está a conduzir. É um homem corpulento, careca, que segue ao meu lado com o pé bem assente no acelerador. Posso agarrar em coisas e atirá-las pela janela. Posso abrir a porta em andamento e olhar para a estrada que rapidamente desaparece atrás de nós.
O meu condutor passa-me uma arma — uma Mini-Uzi –, enquanto vários motociclistas disparam à queima-roupa contra nós. Com uma mão, seguro a minha metralhadora. Com a outra, pego em carregadores de balas. Quando se acabam, há que fazer com os comandos o movimento de introduzir o carregador na ranhura da arma. São cada vez mais os inimigos a abater, que disparam rajadas de balas contra mim e contra a carrinha. Também têm mísseis. Mas tudo terminou bem. E nem eu nem o meu pseudo-chauffeur nos aleijámos.
Jogos não são tudo na vida
Já lá vai o tempo em que as consolas só serviam para jogos. Hoje, seja com uma PlayStation 4 ou com uma Xbox One, podemos aceder à internet, projetar fotografias ou até ver filmes. A realidade virtual promete dar todo um novo significado a essas funções, e os óculos da Sony não são exceção.
É possível, por exemplo, assistir a um filme usando os óculos de realidade virtual. Mas aqui o funcionamento é um bocadinho diferente do dos jogos. Em vez de um novo mundo em 360 graus, somos transportados para um ambiente escuro com um grande ecrã virtual à nossa frente. Será algo como assistir a um filme num ecrã de seis metros, garantiu-nos um responsável da Sony Portugal.
Mas a realidade virtual é uma tecnologia que ainda tem um longo caminho a percorrer. Não espere, por isso, que a qualidade da imagem seja igual à do seu televisor. Aliás, usar os óculos de realidade virtual por longos períodos de tempo pode ser desconfortável, ou provocar enjoos. Ponha tudo na balança e avalie se, realmente, vale a pena o esforço.
Uma última experiência
Battlezone, um jogo futurista de combate, é a minha última experiência com o PlayStation VR. Estou dentro de um tanque de guerra num cenário colorido. Nas mãos, um comando normal, dualshock 4, da PlayStation 4. Uso os botões analógicos para controlar a mira e guiar o carro de combate. Outros tanques, semelhantes a hologramas, disparam mísseis na minha direção. Tenho de me esquivar deles e acertar-lhes com uma das minhas armas: ou mísseis, ou rajadas de metralhadora.
Os inimigos vão mudando. A dada altura, tenho de disparar contra torres que me estão a atacar e, mais tarde, contra um enxame de helicópteros que esvoaça esgrouviadamente e dispara contra mim. A demonstração entra na reta final quando uma máquina gigante serpenteia pelo céu. Felizmente, tenho um trunfo na manga: uma bomba EMP (Eletronic Magnetic Pulse), que desativa todos os equipamentos eletrónicos à minha volta. Uso-a e… todos os meus inimigos adormecem. O jogo acaba. Foi bom enquanto durou.
Importa recordar que, para uma experiência completa, precisa da consola e do comando, dos óculos, da câmara e dos controladores Move. Aliás, alguns destes acessórios são obrigatórios para jogar certos jogos de realidade virtual na PlayStation 4. Tudo isto é vendido em separado — mais os jogos: inicialmente, estarão disponíveis mais de 30 títulos (a lista pode ser consultada aqui).
Com todas as coisas boas e menos boas que lhe referi neste artigo, o leitor decide. Vale ou não a pena? O grau de imersão da experiência não deixará ninguém indiferente mas será a carteira de cada um a definir se se trata de um bom investimento, numa altura em que a tecnologia ainda é jovem. Uma coisa é certa: horas depois do jogo, tanto eu como o Edgar ainda não estávamos completamente de volta ao mundo real.