Imagine uma box de assistência numa corrida de Fórmula 1. A Startup Lisboa é isso, explica, em entrevista ao Observador, João Vasconcelos, diretor executivo da incubadora. “Não somos o carro, nem os pilotos, mas eles têm de parar cá para trocar pneus, para pôr combustível. Ajudamo-los a fazer upgrades para o ano que vem, a ver o que é que as outras equipas estão a fazer na estratégia da corrida. Damos-lhes formação, mas não somos nós que estamos a conduzir os carros”, revela.
Três anos depois de ter nascido em pleno coração lisboeta, a incubadora de empresas ajudou a criar 180 novos negócios, 600 postos de trabalho e é responsável pela captação de 13 milhões de euros de investimento. Esta quinta-feira, decorre a terceira edição do evento anual, o Startup Lisboa Takeoff, no lounge executivo do Aeroporto de Lisboa.
Depois de o Orçamento Participativo da Câmara Municipal de Lisboa ter aberto as portas da baixa da cidade ao empreendedorismo em 2011, o que mudou? Há capital de risco, estrangeiros que se mudam para Lisboa para lançarem negócios e investidores que incluem Portugal nos circuitos de caça às startups, explica João Vasconcelos. Mas ainda falta fazer com que as universidades embarquem na viagem e afinar os instrumentos de financiamento, de apoio e as incubadoras. Objetivo: promover Lisboa como destino para empreender.
Esta quinta-feira, acontece o evento anual da Startup Lisboa. Mas o objetivo não é o de atrair investimento. Qual é?
Não. Existe a ideia de que, no empreendedorismo tecnológico, a prioridade são os investidores, mas nós não defendemos isso. A prioridade são os clientes e a capacidade de tração. Provar que têm um produto e que as pessoas querem esse produto. O investimento deve ser visto como um instrumento para que as empresas possam desenvolver esse produto ou serviço. Por isso, os nossos eventos não são para angariar investimento, mas clientes e parceiros.
A nossa experiência em Portugal diz-nos que fazer um pitch público para dezenas de investidores na mesma sala não tem tido resultados. Não conheço uma única empresa que tenha angariado investimento em eventos desse género, muito pelo contrário: já conheci várias empresas prejudicadas por participar neste tipo de eventos.
Prejudicadas porquê?
Porque se fazem um pitch público para cem investidores numa sala e nenhum investe, alguma coisa eles detetaram. A nossa experiência diz-nos que o investimento angaria-se durante o ano, em reuniões bilaterais. Os investidores gostam de ter acesso a informação privilegiada antes de outros investidores, gostam de saber mais do que o resto do mercado.
As startups ficam, em média, um ano connosco. Se estamos com elas nas primeiras alegrias, quando constituem a empresa, quando emitem a primeira fatura, também estamos com elas quando têm de despedir os primeiros funcionários, quando falta tesouraria para pagar impostos e ordenados. Também estamos com elas quando têm de fechar o negócio, porque não correu bem, não teve sucesso.
Em três anos, foram muitas as empresas que encerraram?
A nossa taxa de mortalidade é muito inferior ao que acontece na generalidade, porque fazemos uma grande seleção das startups. Recebemos duas mil e tal candidaturas e apoiámos cerca de 190 empresas. Reprovamos mais de 90% daquelas que se candidatam à Startup Lisboa, por isso é que a nossa taxa de mortalidade não deve servir de exemplo – é muito menor do que aquilo que realmente acontece. Temos de ter noção: na área da tecnologia, nove em cada dez empresas morre em Silicon Valley, que é o melhor ecossistema do mundo. A mortalidade neste género de empreendedorismo é uma coisa muito comum, porque é rápida e barata.
Rápida e barata. Como assim?
Eu monto um restaurante, abro o restaurante, não tenho sucesso: gastei cem ou duzentos mil euros em cozinhas e ar condicionado, por exemplo, e vou andar a pagar aquilo durante dez ou 20 anos. Numa startup tecnológica, na maior parte dos casos, são seis meses ou um ano de trabalho dos fundadores, e talvez cinco mil ou dez mil euros que se gastaram. Falhar aqui é barato, é rápido, é fácil. Quando as empresas falham, é muito raro não aparecerem com outro projeto. Mais sólido e evoluído, porque aprende-se mais nas derrotas do que nas vitórias. São poucos os que desistem de ser empreendedores.
Mas o falhanço ainda é um estigma?
Isso é uma conversa de há três anos. Era das conversas mais típicas, quando não havia ecossistema nem havia nada ouvia-se isso: que havia estigma do falhanço, que não corríamos riscos. Para mim, isso ainda está tudo por provar. Acho que o português é muitíssimo mais empreendedor do que as culturas que eu conheço na Europa. Somos um país que tem 200 mil pessoas a trabalhar em Angola. Estas 200 mil pessoas podiam montar um negócio em Portugal, perfeitamente. Somos muito mais disruptivos, muito mais independentes, muito mais criativos do que um alemão, um sueco ou um finlandês.
Como é o regresso destes empreendedores?
Vêm mais humildes. Vêm conscientes de que as coisas não correm sempre como as planeamos. Há sempre surpresas, sempre imprevistos. E vêm mais assertivos, porque, à segunda, já não querem falhar. À segunda, os projetos e ideias de negócio são muito mais sólidos e muito mais eficazes.
E os investidores? Como veem estes segundos e terceiros projetos?
Gostam. Nós temos casos desses. Os investidores, tal como nós aqui na Startup Lisboa, escolhem as equipas, não as ideias de negócio. É um enorme erro achar que o empreendedorismo são ideias e que o sucesso de uma empresa é a ideia. Ideias, tenho ali uma caixa cheia delas, fabulosas. O segredo está na execução, está na equipa. A mesma ideia aplicada ou executada por nós os dois vai ter resultados completamente diferentes. Equipas mais maduras e com experiência de falhanço são aquelas que os investidores preferem.
Nestes três anos, como evoluiu o capital de risco em Portugal?
Pelo menos, temos. Há três anos, quase não tínhamos. Houve uma revolução no setor, que se deveu à Portugal Ventures, que veio, finalmente, investir neste género de empresas: globais, tecnológicas, com crescimento rápido. Tem sido um ótimo parceiro na criação do ecossistema e essencial para reter estas empresas em Portugal. Na Startup Lisboa, temos dezenas de empresas que, se não fosse o investimento da Portugal Ventures, não estariam no país. Já estariam em Londres ou nos Estados Unidos da América.
Outro dado importante é que os privados também começaram a acompanhar este processo. Temos, por exemplo, a Caixa Capital, que tem feito um trabalho extraordinário no último ano e a Faber Ventures, que neste momento, é o principal investidor early stage da Startup Lisboa. Tem investido em dezenas de empresas com procedimentos internacionais. Os empreendedores chamam-lhe smart money, porque interferem no negócio, percebem o negócio, ajudam no crescimento da empresa, não só com investimento, mas com know-how. Nada disto existia há três anos. Agora, temos cá investidores estrangeiros quase todas as semanas.
Que vêm à procura de quê?
Vêm para encontrar negócios antes dos outros. O mais importante que já cá tivemos foi um um partner da Kleiner Perkins Caufield Byers, que é uma das maiores empresas de investimento de Silicon Valley. Descobri no Twitter que vinha a Portugal. Ele é de São Francisco e é surfista. Vinha cá surfar e eu perguntei lhe se queria conhecer a Startup Lisboa. E ele veio.
Ficou interessado nalguma empresa?
A Kleiner Perkins Caufield Byers só faz investimentos acima dos 10, 15 milhões de dólares, mas ficou a saber que há pipeline em Portugal, que existem empreendedores tecnológicos em Portugal. Os investidores norte-americanos começam a fazer circuito europeu e começaram a incluir Lisboa nesses circuitos. Quanto mais cedo detetarem as boas empresas melhor negócio fazem.
Na tecnologia, onde é que acha que pode estar o futuro?
Há uma coisa que está provada: os portugueses são bons em web, mobile e software. Temos bons engenheiros e basear uma empresa dessas em Portugal é bom. É por aí que temos de apostar, não vale a pena inventar mais. E este foi um sinal que o mercado já nos deu: 30% dos empreendedores da Startup Lisboa são estrangeiros que decidiram montar a sua empresa em Lisboa. E isto foram eles que decidiram.
O melhor é acompanhar isto, melhorar isto, afinar os instrumentos que temos para receber mais, acolher mais e apoiar mais empresas destas cá. Temos de afinar os instrumentos de financiamento, de apoio, os eventos, as incubadoras, para promover melhor Lisboa como um destino para se montar uma empresa, em vez de estarmos nós a achar outra coisa qualquer. Isto é o que os estrangeiros já decidiram: Lisboa é uma boa cidade para montar uma empresa tecnológica. Então, vamos preparar-nos para isso.
E é boa porquê?
Por várias razões. Muitas. E cada empresa tem as suas. Tenho aqui empresas que estão cá pela qualidade média de inglês dos portugueses, outras que estão por causa da quantidade de voos low-cost que existem para as várias capitais europeias – podem estar aqui com a equipa e ter reuniões com os clientes na Europa toda, porque é fácil e barato -, há outras que estão aqui simplesmente porque é barato. Temos outras que estão aqui porque estamos mais perto da América central, do Sul ou África. Depende de empresa para empresa.
Nestes últimos três anos, o que é que a Startup Lisboa já conquistou?
A marca já é um nome incontornável na cena do empreendedorismo português, credível e sério, mas não é isso que nos mede. Nós medimo-nos pelo número de postos de trabalho criados e pelo impacto que temos na cidade que nos apoia e financia. Vamos para três edifícios em Lisboa completos, mais de 600 postos de trabalho diretos, criados em zonas históricas. Fomos uma das principais razões que atraiu 200 estrangeiros para Lisboa, para virem cá montar os seus negócios. Isso fez com que tenhamos superado todas as expectativas iniciais.
Os nossos mentores são fundadores ou líderes executivos de empresas. Quem escolhe as empresas que entram para a Startup Lisboa são empresários e são eles que as acompanham. A maior parte dos nossos mentores tem muito pouco tempo disponível, porque têm os seus negócios. Quando vêm aqui uma hora ou duas apoiar uma empresa, esta tem de ser merecedora, tem de ser uma empresa que vai crescer, que, mesmo que falhe, seja um projeto merecedor. A ideia e a equipa devem ser merecedoras da sua atenção. Por isso, selecionam as melhores.
Tem exemplos de startups que tenham nascido aqui e que já estejam totalmente emancipadas?
Temos a NMusic, e aí já estamos a falar de milhões de euros. Eles já estão a operar em quase 15 países. Foram eles, a Uniplaces, que está quase com 70 postos de trabalho e a Hole19 Golf, que já criou 20 postos de trabalho.
E quais são as perspetivas para o futuro?
Felizmente, existe um ecossistema que não existia há três anos. Há muitos empreendedores, mas há várias coisas que continuam a não funcionar bem, quando nos comparamos com organizações semelhantes noutras cidades europeias. Por exemplo, a principal fonte de empreendedores são as universidades. Em Portugal, não, nem pensar. E isso tem de mudar, apesar de haver exceções. Existe uma maior perceção para a importância do empreendedorismo, por parte das escolas de negócios, mas nós também temos de trazer as faculdades de Ciência a bordo disto.
Continuamos com alocação de financiamento para a investigação na área das biotecnologias e das ciências, totalmente desfasado dos setores económicos que estão a gerar emprego e empreendedorismo. Isso tem que ser mudado. Quem decide onde se investiga nas universidades também tem que ter em conta o tecido empresarial português e os setores onde estão a surgir mais startups. Nós temos aqui empresas que precisam de contratar engenheiros e programadores em linguagem de software que nenhuma universidade portuguesa ensina. Isso não pode acontecer.
Há algum modelo que vos sirva de inspiração?
Há um género de acelerador que está a surgir e que é muito importante: os aceleradores verticais ou corporate. Quando uma empresa como a Bayer, por exemplo, cria um acelerador de startups na área farmacêutica, na Europa, então é porque vai ser cliente das melhores. Isso é importante, porque a startup sabe que vai participar em algo que vai levá-la a conhecer os decisores de uma grande multinacional, que podem vir a fazer diferença na sua empresa, nomeadamente para um cliente ou um investidor.
Em Portugal, já temos alguns casos de empresas grandes com incubadoras.
Sim, mas há outras que também podiam fazer isso. A banca toda, por exemplo, as seguradoras e a imprensa também. Eu acredito muito mais em aceleradores setoriais porque vão gerar negócio. Há esse objetivo e isso é bom. Nós cá, temos o Lisbon Challenge, que também é um ótimo exemplo e que muito tem contribuído para atrair estrangeiros e para a marca de Lisboa como cidade friendly do empreendedorismo tecnológico, na Europa.
E fora de Lisboa?
Fora de Lisboa, há muita coisa a acontecer. Em Braga, há a Startup Braga, que é nosso parceiro. A UPTEC também tem feito um trabalho ótimo, no Porto. O Instituto Pedro Nunes [em Coimbra] é um ótimo exemplo na área de Ciência e Tecnologia. Há uma analogia que podemos utilizar para aquilo que estamos a fazer aqui: imagine uma box de assistência numa corrida de Fórmula 1.
Nós somos isso. Não somos o carro, nem os pilotos, mas eles têm de parar cá para trocar pneus, para por combustível. Ajudamo-los a fazer os upgrades para o ano que vem, a ver o que é que as outras equipas estão a fazer na estratégia da corrida. Damos-lhes formação, mas não somos nós que estamos a conduzir os carros. Isso devem ser os empreendedores, mesmo que se vão estampar na primeira curva. O nosso papel é o de assistência para quem está a correr.