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Os PC compatíveis com IA têm uma arquitetura especial para assegurar as operações ligadas a esta tecnologia

Bloomberg via Getty Images

Os PC compatíveis com IA têm uma arquitetura especial para assegurar as operações ligadas a esta tecnologia

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Febre da IA gerou uma nova categoria de computadores. O que são os PC com IA?

A febre da inteligência artificial chegou aos computadores, com componentes a pensar na IA. Ainda que as consultoras prevejam milhões de vendas de PC compatíveis com IA, há que convencer o consumidor.

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Um computador bege da IBM, lançado em 1981, abriu o caminho à revolução dos computadores pessoais (PC). Mais de 40 anos depois, o PC pode estar a entrar numa nova era: a da inteligência artificial (IA). Com a popularidade da IA generativa — o exemplo na boca do mundo é o ChatGPT — a indústria dos computadores olha para este novo segmento de PC com IA como uma possibilidade para animar um mercado que já teve dias mais felizes.

Na prática, um PC com IA é um computador com uma arquitetura e um componente específico, uma unidade de processamento neural (NPU, em inglês), que permite acelerar o software de inteligência artificial. As NPU são “microprocessadores desenhados especificamente para este tipo de tarefas de IA”, explica ao Observador o professor João Leite, presidente do departamento de Informática da Nova FCT. São unidades “baseadas numa arquitetura chamada reduced set of instructions computing“. Significa isso que, enquanto num PC normal, o processador “é uma unidade muito complexa, com muitas instruções e que faz coisas muito complicadas”, neste caso estas unidades são baseadas “numa arquitetura com um conjunto de instruções muito simples” e otimizadas para executar menos tarefas, “mas em larga escala”. A ideia é que, devido à existência da NPU, os PC sejam capazes de executar de uma forma mais expedita as tarefas de IA, como por exemplo a geração de imagem ou análise de documentos.

Há várias empresas a trabalhar no desenvolvimento destes PC com IA — uma definição que ainda não é unânime para toda a indústria. A Microsoft tentou posicionar-se neste campo, revelando esta semana o conceito de Copilot+ PC, usado para denominar computadores com sistema operativo Windows desenhados para que consigam aguentar tarefas de IA. Criou uma série de requisitos para que um computador possa ser enquadrado nesta categoria — ter uma NPU capaz de processar mais de 40 TOPS (trillions operations per second, biliões de operações por segundo em português), pelo menos 16 GB de RAM e 256 GB de armazenamento.

Ao mesmo tempo, com comparações de desempenho e tempo de bateria, a Microsoft reavivou a rivalidade com a Apple, que em 2020 deu início a uma mudança de arquitetura nos seus computadores. A tecnológica abandonou os componentes da Intel, substituindo-os pelos seus próprios processadores, já com compatibilidade com IA.

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Embora o Copilot seja uma ferramenta da Microsoft, o movimento Copilot+ PC não quer dizer que a tecnológica seja a única a disponibilizar estes equipamentos. Foram anunciados, durante a apresentação da Microsoft desta semana, os PC da Acer, Asus, Dell, HP, Lenovo e Samsung que vão entrar neste segmento Copilot+ PC. Têm um aspeto semelhante aos portáteis convencionais, mas vão ter a particularidade de já ter funcionalidades de IA da Microsoft pré-instaladas e recorrer ao “chip” compatível com IA desenvolvido pela Qualcomm. Ao todo, foram anunciados mais de 20 modelos PC com IA, que vão chegar ao mercado em meados de junho.

A Qualcomm está longe de estar sozinha no mercado de componentes compatíveis com IA. A Intel e a AMD também já têm as suas opções disponíveis no mercado ou estão já a trabalhar para lançar versões mais avançadas. Numa entrevista à Bloomberg, até a Nvidia — que por várias vezes notou que os seus chips GPU resultariam melhor para a inteligência artificial do que os NPU da concorrência e que criticou os requisitos dos computadores IA — deixou no ar estar a trabalhar com a Dell no desenvolvimento de um portátil com IA.

Todas estas movimentações e anúncios da indústria são acompanhadas de previsões das consultoras, que sublinham a possibilidade de um novo fôlego para energizar o mercado em queda dos PC. A Canalys, por exemplo, antecipa que, em 2028, sete em cada dez PC sejam compatíveis com IA.

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Que outras diferenças tem um PC com IA?

Toda a atenção dada à IA justifica esta vontade da indústria de avançar nos PC com IA. Mas, em parte, a promessa da nova era dos PC adaptados à inteligência artificial também é aguçada pela necessidade. João Leite, professor da Nova FCT, explica que a popularidade dos sistemas de IA, acessíveis através da internet, tornou-se um problema para os centros de dados. “Estão a levar ao limite aquilo que era ultimamente a forma como implantámos a computação, com tudo na cloud”.

As interações com os sistemas baseados em IA, como o ChatGPT, estão associadas a “grandes centros de dados, que têm uma capacidade computacional absolutamente gigantesca”, mas que são feitas “à distância”, nota. “Obriga a ter uma ligação à internet e, mesmo assim, o tempo de resposta [nas interações e pedidos] é muito elevado”. Por exemplo, quando se pede a um serviço de IA para gerar uma imagem, dependendo de vários fatores, incluindo a qualidade de ligação, pode demorar algum tempo.

“Só precisávamos de um computador simples e de um browser [navegador], porque tudo se passava na cloud”. Algo que, acredita o professor, “em parte, levou ao recente declínio dos PC, já que estavam a ser substituídos por telemóveis e tablets”. As interações com modelos de IA “vieram colocar uma tensão enorme neste modelo de computação, o que faz com que já não seja muito viável estar a depender destes modelos de IA nesta arquitetura em que vamos à internet e consultamos tudo na cloud”, explica.

Por um lado, o académico destaca o movimento por parte das tecnológicas de “tentar reduzir o tamanho destes modelos para que possam correr dentro de um PC”. Uma vez que conseguem executar as tarefas (modelos de linguagem simples) localmente, ou seja no próprio computador, “têm a vantagem óbvia de não ter esta necessidade de sobrecarregar a comunicação com os centros de dados”, diz este especialista. E, como são “arquiteturas com poucas instruções, são também muito mais económicas do ponto de vista de energia”. Até agora, os modelos de PC com IA anunciados prometem autonomia de até 22 horas de reprodução vídeo com um único carregamento, por exemplo.

“É típico que os fabricantes de processadores – a Intel, AMD, etc – tentem arranjar formas de acelerar algumas aplicações-chave de IA”, explica Pedro Tomás, professor associado do Instituto Superior Técnico e investigador do INESC-ID. “Hoje em dia há uma emergência muito grande de aplicações de IA, de deep learning [aprendizagem profunda]”. “Ainda por cima são regularmente pesadas, por isso torna-se importante que os fabricantes introduzam nas suas arquiteturas componentes especializados para acelerar essas aplicações.”

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A popularidade de serviços baseados em modelos de IA, como o ChatGPT da OpenAI, gera pressão para os centros de dados

NurPhoto via Getty Images

Em relação ao anúncio feito pela Microsoft, dos Copilot+ PC, Pedro Tomás resume que a tecnológica “está a adicionar a camada de software que permite a utilização” desta nova arquitetura. Na apresentação, a criadora do Windows enumerou questões como um desempenho mais eficiente do PC ou a criação e edição de imagens no próprio software do portátil ou a possibilidade de traduções em direto de qualquer áudio que passe pelo computador, funcionando mesmo sem ligação à internet.

A promessa de mais privacidade (ou não) e a possibilidade de um assistente à medida

Além dos componentes a pensar na otimização de funcionalidades de IA, estes PC são apresentados como dispositivos que vão permitir uma interação bastante diferente com os sistemas e assistentes baseados em IA. “A maior parte das pessoas já experimentou o ChatGPT”, mas agora existe a promessa de uma experiência “mais integrada e avançada”, realça Francisco Jerónimo, vice-presidente de dispositivos da região EMEA da consultora IDC.

“Neste momento, o processamento de dados tem de acontecer na cloud. Há dois problemas: ter de fazer o carregamento da minha informação pessoal, ficheiros, etc, e permitir que tudo vá para a cloud para haver processamento da informação e depois surgir uma resposta”, contextualiza este especialista. “Se quiser que me faça um sumário de um documento, tenho de fazer o upload — só que essa informação torna-se pública.” No fundo, é dada autorização para aceder à informação, que pode ser mais ou menos sensível. Dar autorização significa também que os documentos possam ser usados para treinar algoritmos de IA, acrescenta Jerónimo.

Nos computadores com IA, fica a promessa de um processamento dessa informação na própria máquina. “Mantém-se privada porque é informação nossa, mas o motor está a fazer todas as análises e a processar o conteúdo, algo que ocorre localmente, sem necessidade de enviar para a cloud”, explica o analista da IDC. “É a lógica do edge computing [conceito para o processamento de informação localmente], que permite ter mais rapidez, mais privacidade e acesso à ferramenta sem ter de partilhar a informação na cloud.”

Se, por um lado, fica a promessa de reforço de privacidade, também surge o receio de uma funcionalidade chamada Recall. Nos Copilot+ PC, que foram anunciados pela Microsoft, esta ferramenta vai lembrar-se de tudo aquilo que passa pelo ecrã do computador. Se o utilizador viu, a IA também viu – e a ideia é que use essa espécie de memória fotográfica para conseguir ajudar o utilizador a encontrar informação de forma mais rápida, usando a NPU. Por exemplo, viu online uma mala castanha mas não se lembra do site. Bastará perguntar ao PC, em linguagem natural, onde é que viu o objeto para surgir uma resposta.

“O que ainda ninguém experimentou verdadeiramente é ter o seu ChatGPT pessoal, o seu assistente, algo que não se sinta que é um chatbot genérico, mas sim algo que com o tempo vai aprendendo quem somos.”
João Leite, presidente do departamento de Informática da Nova FCT

“Há óbvias preocupações de segurança com uma funcionalidade que regista tudo o que vê”, admite Kieren Jessop, analista de PC da consultora Canalys. “Os utilizadores podem desligar ou apagar as capturas do Recall – da mesma forma que conseguem apagar o histórico do navegador de internet”, nota, lembrando que “a parte mais importante é que tudo isto é feito no dispositivo”. “O Recall nunca sai do equipamento e, por isso, alguns utilizadores podem sentir-se confortados por essa possibilidade”, reconhece, mas acredita que “comunicar isto ao consumidor comum vai ser uma batalha para a indústria”.

Além do tema da privacidade, João Leite, presidente do departamento de Informática da Nova FCT, acredita que a personalização pode tornar-se um fator relevante nesta tendência. “Andamos todos fascinados com o ChatGPT, mas não é personalizado”, lembra. “O que ainda ninguém experimentou verdadeiramente é ter o seu ChatGPT pessoal, o seu assistente, algo que não se sinta que é um chatbot genérico, mas sim algo que com o tempo vai aprendendo quem somos.” Agora, se os consumidores vão habituar-se à ideia ou não, já depende de cada consumidor, acredita o professor universitário.

Consultoras antecipam vendas de milhões de computadores com IA… mas também a dificuldade de comunicar com o consumidor

Ainda que o mercado dos PC com IA esteja a dar os primeiros passos, as consultoras acreditam que pode vir a tornar-se num segmento relevante nos próximos anos. A IDC, por exemplo, estima que já este ano sejam vendidos 47,4 milhões de PC compatíveis com IA. Em 2025, ainda mais – 98,3 milhões de unidades.

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Nos últimos anos, as vendas de PC têm sido marcadas por quedas

SOPA Images/LightRocket via Gett

A Canalys, outra consultora, estima que este ano os PC com IA possam chegar às 48 milhões de unidades, representando 18% do mercado total. As projeções para 2025 superam as da IDC, antecipando 100 milhões de unidades, o que representaria 40% do mercado total de PC. Até 2028, são esperados valores na ordem dos 205 milhões. Kieren Jessop antecipa que, nesse ano, sete em cada dez computadores vendidos tenham uma NPU no interior. “Prevemos que os segmentos empresariais e de PME tenham uma adoção inicial mais rápida, com os consumidores a aderir quando os casos de uso estejam mais articulados.”

Mas são os PC com IA suficientes para convencer os consumidores da necessidade de mudar de máquina? “Diria que não é suficiente, pelo menos no curto prazo”, explica Francisco Jerónimo, da IDC. Primeiro, porque “a maior parte das pessoas desconhece o que isto significa”. “Já toda a gente ouviu falar no ChatGPT, mas daí a vê-lo funcionar nos nossos computadores totalmente integrado ainda vai demorar algum tempo — dois, três anos, no máximo”, nota.

A consultora acredita na possibilidade de um “ciclo grande de renovação de PC e de smartphones provavelmente daqui a cinco anos”. Nessa altura, acredita Francisco Jerónimo, já será possível que o consumidor tenha uma perceção “muito clara” do valor de equipamentos compatíveis com IA.

Além da questão de utilidade, há o eterno tema do preço. “Ainda estamos a falar de PC com preços bastante elevados” para ter esta compatibilidade com a IA. “Para podermos ter a massificação desta capacidade e inteligência nas nossas máquinas temos de a ter acessível e em preços muito mais baixos.”

O analista da IDC levanta também a dúvida sobre o tema das subscrições. “Vai demorar tempo até as próprias empresas perceberem como vão rentabilizar toda esta tecnologia, porque oferecer IA no computador… para mim como utilizador é muito interessante, mas vai ser grátis ou vão cobrar por isso?”

“No momento em que começarem a cobrar, como já cobram pelo ChatGPT Plus [OpenAI] ou pelo Copilot Pro [Microsoft], as pessoas vão perguntar se retiram valor de mais uma subscrição”. Até porque, sublinha, “os rendimentos das pessoas não são ilimitados”.

A Microsoft está interessada em reavivar a rivalidade com a Apple

Alex Wong/ Getty Images

Depois de apontar o alvo à Google, Microsoft vai atrás da Apple

Satya Nadella, CEO da Microsoft, tem sido muito claro em relação aos alvos que tem na mira. No ano passado, desafiou a líder Google no campo da pesquisa, ao usar os modelos da OpenAI para dotar o Bing de IA. Agora, decidiu ir atrás da Apple, mas numa área diferente: os computadores portáteis.

Google é um “gorila” na pesquisa que a Microsoft quer “pôr a dançar” na inteligência artificial

Na apresentação dos PC com IA não faltaram as comparações com os MacBook da Apple: “um desempenho 58% superior que o Macbook Air de 15 polegadas” ou “mais 20% de autonomia do que o Macbook Air em reprodução de vídeo”. Mas o que é que faz com que a Apple seja um alvo a abater, se nem é líder de mercado (ocupa o quarto lugar das marcas mais vendidas)? “O poderoso chipset M3 da Apple é supostamente o standard de ouro na computação pessoal e os OEM [fabricantes original de equipamento] e fabricantes de chips normalmente têm a Apple como alvo nas suas especificações de desempenho”, contextualiza Anisha Bhatia, analista sénior de tecnologia da GlobalData.

Da análise de Francisco Jerónimo, da IDC, a Microsoft está a tentar ganhar terreno através destes PC com IA. “As máquinas Windows estavam atrasadas em relação ao que a Apple oferece com os Mac no momento em que mudaram para a tecnologia ARM [uma arquitetura para processamento]”, explica. “No momento em que deixaram os processadores da Intel [em 2020, quando foi revelado o processador M1, feito pela Apple] passaram a ter máquinas com mais capacidade de processamento e em que a bateria dura muito mais tempo”, explica.

Foram precisos quase três anos para que toda a linha Mac usasse os “chips” desenvolvidos pela Apple. As várias versões do processador da Apple já tinham compatibilidade com funcionalidades de IA, ainda que, até agora, a tecnológica esteja a manter alguma distância desta tendência.

Se se concretizarem as promessas dos anúncios destes PC com IA, a arquitetura e a inclusão da NPU colocam os equipamentos como “concorrentes diretos do Macbook”, nota Kieren Jessop, da Canalys. “Vamos ver se é como anunciado, mas se assim for, estamos a falar de um salto relativamente grande [para os equipamentos da Microsoft]”, completa Francisco Jerónimo, da IDC. Por agora, é uma incógnita a resposta da Apple. A 10 de junho, a empresa vai ter a conferência anual de programadores, a WWDC, sendo expectáveis anúncios ligados à inteligência artificial.

Mesmo que não haja conclusões à vista nesta rivalidade entre a Microsoft e a Apple, já surgiu um vencedor: a Qualcomm, a fabricante do componente principal dos PC com IA anunciados pelos vários fabricantes esta semana. “Para a Qualcomm é uma possibilidade de negócio imensa para se conseguirem expandir ao ter esta parceria com a Microsoft diretamente”, nota Francisco Jerónimo.

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