Foi uma investidura com um desfecho anunciado. O líder do Partido Popular (PP), Alberto Núñez Feijóo, tentou reunir apoios para formar governo ao longo deste mês, depois de o Rei Felipe VI lhe ter dado a oportunidade de o fazer. O VOX, a Coligação Canária (CC) e a União do Povo Navarro (UPN) deram-lhe a mão, mas o líder popular ficou a quatro votos da maioria absoluta. Sexta-feira haverá uma segunda votação para que Feijóo se tente tornar o próximo chefe de governo de Espanha, mas o desenlace deverá repetir-se, a não ser que haja uma surpresa de última hora.
Contra a proposta de governo espanhol votaram o PSOE, o Sumar, a Esquerda Republicana Catalã (ERC), o Junts Per Catalunya, o Eh Bildu, o Partido Nacionalista Basco (PNV) e o Bloco Nacionalista Galego (BNG), totalizando 178 deputados (a maioria alcança-se com 176). De esquerda ou com um cariz regional, nenhuma destas forças políticas parece querer mudar o seu sentido de voto na sexta-feira e todas estarão inclinadas a votar a favor de um governo “progressista” liderado por Pedro Sánchez.
O atual chefe de governo parece convencido de que será reeleito. Ainda num comício em Barcelona este domingo, Pedro Sánchez garantiu: “Vai haver um governo socialista. Para nós, é claro: há números [nos apoios parlamentares] para um governo progressista do PSOE com o partido de Yolanda Díaz”. Porém, para isso acontecer, nenhum dos partidos que votou contra a primeira investidura de Alberto Núñez Feijóo poderá mudar de ideias — e o secretário-geral do PSOE terá de convencer o Rei Filipe VI de que existe uma alternativa governativa.
O que pode mudar em 48 horas?
A Constituição espanhola estipula que, da primeira votação para a segunda investidura de um candidato, têm de passar exatamente 48 horas. Assim sendo, a presidente da Mesa do Congresso, Francina Armengol, detalhou que a próxima tentativa de formar governo terá de ocorrer a partir das 13h22 (12h22 em Lisboa), precisamente a hora a que os primeiros resultados foram declarados.
Mas a segunda votação deverá ultrapassar largamente aquela hora, uma vez que a nova sessão da investidura está marcada para as 12h15 (11h15 em Portugal continental) de sexta-feira e todos os grupos parlamentares terão oportunidade de discursar.
A partir das 13h22 de sexta-feira, os 350 deputados espanhóis vão votar novamente se concordam, se discordam ou se se abstém da formação de um novo governo chefiado por Alberto Núñez Feijóo. Os três apoios (VOX, UPN e CC) que os populares reuniram esta quarta-feira deverão manter-se. Mesmo o partido liderado por Santiago Abascal já disse que se manteria leal ao Partido Popular.
Do outro lado da barricada, deverá manter-se tudo inalterado. O PSOE já rejeitou por várias vezes formar um governo de bloco central. “Queriam derrotar o sanchismo e agora querem coligar-se connosco?”, chegou a questionar Óscar Puente, deputado e o rosto inesperado que representou os socialistas no primeiro debate da investidura. Nem mesmo os apelos do PP a alguns socialistas descontentes com Pedro Sánchez para que se abstivessem na sessão de sexta-feira deverão surtir efeito — pelo menos, esta quarta-feira todos os deputados do PSOE votaram contra Alberto Núñez Feijóo.
Fruto das divergências ideológicas, o Sumar nem sequer cogita apoiar o Partido Popular. E nem faria sentido que os dois partidos independentistas catalães — o Junts Per Catalunya e a ERC — apoiassem Alberto Núñez Feijóo, por conta dos ataques do popular a uma eventual lei da amnistia e a um possível referendo para a autodeterminação da Catalunha. “Saio com a minha integridade política e pessoal intacta, assim como liberdade e dignidade”, declarou o popular no final da intervenção no Congresso dos Deputados, numa alusão às cedências do adversário Pedro Sánchez.
Numa primeira sessão de investidura dividida em dois, esta quarta-feira foi o dia em que dois partidos bascos intervieram — o Eh Bildu e o Partido Nacionalista Basco. Relativamente ao primeiro, não há qualquer possibilidade de acordo com o Partido Popular. Alberto Núñez Feijóo tem atacado duramente aquela coligação, que colocou nas listas eleitorais alguns condenados por crimes de terrorismo, na altura levados a cabo pelo grupo ETA. Aliás, o líder do PP defendeu, esta quarta-feira, que o sistema político espanhol deve formar um “cordão sanitário” em redor daquela força.
A coligação Eh Bildu também deu um “não rotundo” à possibilidade de uma investidura de Alberto Núñez Feijóo. “Apostaram tudo no confronto connosco, os independentistas de esquerda, para tentar erodir as opções de continuidade do governo, mas a verdade é que foram as maiorias populares dos povos e nações de Estados e os independentistas que erodiram e deixaram sem opções o projeto de Feijóo”, afirmou Mertxe Azpurua, porta-voz do partido basco no Congresso dos Deputados.
Contudo, a situação é diferente no que diz respeito ao PNV. Em termos ideológicos, aquele partido define-se como centrista. O porta-voz do partido basco, Aitor Esteban, confirmou, esta quarta-feira no Congresso de Deputados, que até “podia ter sido possível” chegar acordo com o Partido Popular. Os cinco deputados que a força partidária elegeu seriam fundamentais para o PP atingir maioria absoluta. Mas o problema para o PNV chama-se VOX, o parceiro essencial para os populares formarem governo. “Os nossos critérios foram sempre claros. A nossa opinião foi sempre clara: não gostamos do apoio [do VOX] ao franquismo e o seu desejo de desfazer o Estado das autonomias”, afirmou.
“Para somar os nossos votos, [Feijóo] ter-se-ia de livrar dos 33 votos do VOX”, aclarou Aitor Esteban, que se mostrava preocupado com a imagem que podia ser projetada de Espanha no cenário europeu — seria um “sinal nefasto” para a União Europeia (UE) se o país fosse governado por um governo com o apoio da “extrema-direita”.
Em resposta aos partidos bascos, Alberto Núñez Feijóo foi bastante duro com o Eh Bildu — até chegou a atirar a frase “não quero os vossos votos, deem-nos ao Sánchez”. Mas o líder popular tentou convencer os bascos mais moderados: “Temos a mesma base social e eleitoral.” O líder popular tentou ainda mostrar a contradição que significa o apoio do PNV a uma coligação progressista de esquerda: “Vão apoiar as propostas de Bildu, Sumar, ERC? É isso que querem para o País Basco? Há eleições dentro em breve e isso incomoda a base social e o eleitorado.”
Aitor Esteban não cedeu e até se mostrou ofendido pela comparação feita entre o Eh Bildu e o seu partido. O porta-voz do PNV chegou mesmo a dizer que, se é para escolher entre a amnistia ou Feijóo, prefere a primeira opção. E assegurou igualmente que votaria contra um governo do PP na sexta-feira, atirando contra o líder do Partido Popular: “Sai daqui com muitos amigos.”
Por todas estas razões, será praticamente impossível que Alberto Núñez Feijóo consiga assegurar o apoio de 176 deputados que votem a favor da sua investidura. O popular até já assumiu que “provavelmente” não será o próximo líder do governo espanhol — mas prometeu que vai continuar a “trabalhar” por Espanha e que não vai desistir.
E se tudo permanecer igual?
O cenário mais plausível é precisamente que os 178 deputados mantenham o voto contra à formação de um governo liderado pelo PP. Após uma provável segunda investidura falhada, a presidente da Mesa do Congresso vai falar com o Chefe de Estado, o Rei Felipe VI, que vai novamente receber todos os partidos que concordem com uma reunião com o monarca (os partidos independentistas rejeitam-no, por exemplo). Antes disso, caberá ao secretário-geral do PSOE garantir os apoios necessários para formar governo.
O PSOE já admitiu que vai receber todas as forças partidárias e vai tentar entender quais serão as exigências de cada um, tentando chegar a compromissos. O apoio do Sumar, dos dois partidos bascos e do BNG parecem garantidos. Além disso, a Coligação Canária, enquanto força centrista, não fechou por completo a porta a apoiar um governo de Pedro Sánchez, isto se o secretário-geral dos socialistas se comprometer com o cumprimento do que dizem ser a “agenda canária”.
Mais difícil para Pedro Sánchez será o caso dos independentistas catalães (ERC e Junts Per Catalunya), que têm aumentado a parada para darem a luz verde a um governo progressista — e até já falam da realização de referendo. Ainda esta terça-feira, o porta-voz da ERC, Gabriel Rufián, foi claro sobre duas das exigências ao socialista: “Ou a amnistia contempla uma saída para que o povo da Catalunha vote no seu Estado político, ou servirá de muito pouco”.
Se a amnistia já parece ser um assunto mais ou menos tolerado pelos socialistas — ainda que sublinhem que tem de ser feito de forma constitucional —, com o referendo a situação é diferente e poderá mesmo colocar em causa a unidade de Espanha.
Após reunir-se com os partidos, o Rei Felipe VI terá de analisar se o secretário-geral do PSOE tem possibilidades de formar governo. Caso o monarca dê luz verde à investidura do socialista, a investidura de Pedro Sánchez deverá ocorrer, segundo diz a Cadena Ser, na terceira semana de outubro — entre 16 a 22 de outubro.
Tal como aconteceu com Alberto Núñez Feijóo, o socialista terá de intervir numa investidura em que todos os grupos parlamentares discursam, havendo depois uma votação. Se na primeira tentativa não conseguir obter os apoios necessários, ocorrerá uma segunda sessão da investidura 48 horas depois.
Se Pedro Sánchez não reunir os apoios necessários para formar governo numa segunda investidura ou se o Chefe de Estado considerar que não estão reunidas as condições para formar um novo governo, realizar-se-ão novas eleições. O Congresso dos Deputados será dissolvido a 27 de novembro e, em janeiro, há eleições com apenas uma semana de campanha. Todo este complexo processo dependerá das exigências dos partidos catalães e, em última instância, do Rei Felipe VI.