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Fernando Lemos: um elogio da vida livre

Partindo de um novo documentário da autoria de Jorge Silva Melo, Vasco Rosa recorda a vida e a obra de uma figura fundamental "duma certa Lisboa em aventuras de forte inspiração surrealista".

(Artigo republicado por altura da morte de Fernando Lemos, em dezembro de 2019)

Um documentário de Jorge Silva Melo, há dias apresentado em ante-estreia, na Fundação Calouste Gulbenkian (e em Abril será visto na RTP), veio de novo chamar a nossa atenção para a vida e obra de Fernando Lemos, quase 92 anos e único sobrevivente, com José-Augusto França (que fará 96 a 12 de Novembro) e Cruzeiro Seixas (98 a 3 de Dezembro), duma época e duma certa Lisboa em aventuras de forte inspiração surrealista.

Embora o valor cultural e histórico de registos pró-memória seja totalmente indiferente à larga maioria dos excelsos tutores culturais, assessores de ministro e outros magnânimos que convictamente nos pastoreiam (não esteve nem um, na sessão do dia 15!), ele é, mais que evidente, necessário, no caso fixando para o futuro as ideias, as pequenas estórias, a voz, os gestos e o humor dessa figura (melhor seria dizer, com apropriada estridência brasílica, dessa figuraça) cuja redescoberta tão tardia é tanto mais anacrónica quanto permanece, ainda hoje, sobeja e notoriamente parcelar.

Como muito bem sublinhou Margarida Acciaiuoli no pequeno livro que lhe dedicou em 2005 e é talvez o melhor da sua bibliografia, Fernando Lemos “cedo abandonou a fotografia — a que hoje deve o seu maior reconhecimento”, o que tem deixado de parte a sua obra de designer gráfico e expositivo, pintor, ilustrador, etc. etc. etc. Além disso, o exacerbar mítico do seu laço e empenho nos meios portugueses anti-salazaristas activos em São Paulo, para onde decidiu ir viver em 1953 e de lá não voltou para ficar, também ocultou tudo ou quase tudo o que ali fez à época e muito para cá desse tempo já antigo, para já não falar da empatia com que foi recebido, da facilidade com que se integrou e progrediu, do amplo campo de acção ali posto à disposição da sua criatividade multimédia, estimulada pela excelência da comunidade literária e artística que encontrou, formada em parte por estrangeirados, acabados de chegar como ele.

[imagens do documentário sobre Fernando Lemos:]

Tudo indica que não “comeu o pão requentado que o exílio amassou” que evoca no poema “Aviso para poetas”, escrito em memória de Adolfo Casais Monteiro, falecido aos 64 anos, em Julho de 1972. O convite de Jaime Cortesão, historiador dos Descobrimentos portugueses, para que trabalhasse na representação nacional ao cinquentenário da fundação da cidade de São Paulo (1954), foi providencial. Lemos conta no documentário que, pouco mais de um ano saído de Lisboa, pôde — nada menos, nada mais — ajudar a grande pintora Tarsila do Amaral a completar o alto painel Procissão do Santíssimo no pavilhão histórico dessa exposição comemorativa, em 1954, ano em que também retratou fotograficamente Hilda Hirst (“em estilo Hollywood”, comentará Jorge Silva Melo) e Lygia Fagundes Telles, duas escritoras em evidência, o pintor Hércules Barsotti, entre outros, certamente.

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Não surpreende. A temporada brasileira de António Pedro, nos anos 1942-43, descortinara para os portugueses uma cena cultural pujante e em ebulição do outro lado do Atlântico, com novas figuras emergentes, que tão bem havia acolhido e tanto inspirara o autor de Apenas uma Narrativa, que dela daria conta numa palestra ilustrada no Secretariado de Propaganda Nacional (logo depois impressa na Atlântico) e em breve polarizará colaborações brasileiras na sua revista Variante.

Lemos saiu de Lisboa com cartas de Casais Monteiro e Jorge de Sena recomendando-o a Manuel Bandeira (de que o primeiro havia organizado em 1944 um estudo crítico e uma breve antologia poética), e muito provavelmente também de António Pedro para Jorge de Lima e alguns outros. Dirigiu-se de imediato ao arquitecto, cenógrafo e decorador português Eduardo Anahory (note-se que primeiro dono do quadro “Pescadores das Berlengas”, 1949, do seu grande amigo Marcelino Vespeira), que havia pouco voltara ao país convidado a trabalhar com Óscar Niemeyer nas comemorações de São Paulo, num ápice conseguiu mostrar nos museus de arte moderna paulista e carioca as suas “fotografias de arte”, ao lado de projectos de painéis decorativos de Anahory, também ilustrador das crónicas de Ruben Braga na Manchete, capista da revista Sombra e um amigo de Lúcio Costa.

A sua produção artística, entre desenhos, óleos e guaches, não era de somenos, a avaliar pelo que havia mostrado na Casa Jalco, em Janeiro de 1952. Reavaliando esse conjunto, em artigo de 1973, José-Augusto França classificou-o como "uma das mais importantes pinturas praticadas em Portugal nesse período.

O catálogo da exposição no Rio foi apresentado pelo adorável autor de Estrela da Manhã e de Crónicas da Província do Brasil. Manuel Bandeira destaca os seus “nus fascinantes”, em que “a sensualidade está presente, mas sublimada como transparece em certos poetas de forma depurada — Góngora, Mallarmé”, para concluir que o português “traz realmente uma contribuição original à arte fotográfica”.

Espaços difusos, sentido envolvente

A sua produção artística, entre desenhos, óleos e guaches, não era de somenos, a avaliar pelo que havia mostrado na Casa Jalco, em Janeiro de 1952: mais de 70 obras, além das 55 fotografias hoje repetidamente impressas, ainda que nem sempre com a qualidade devida. Reavaliando esse conjunto, em artigo de 1973, José-Augusto França classificou-o como “uma das mais importantes pinturas praticadas em Portugal nesse período — doces na sua superfície aveludada, profundas num jogo de figuras e de espaços difusos de sentido envolvente” (Colóquio Artes, n.º 12, pp. 17-18).

Fernando Lemos também pôde levar na mala o seu Teclado Universal, pequeno livro de versos saído meses antes com a prestigiante chancela dos “Cadernos de Poesia”. A sua colaboração poética e plástica em Uni-córnio, dirigido por José-Augusto França, era um bom cartão de visita, e o quadro de Vespeira Carne Vegetal (“a obra mais importante desta primeira frase do surrealismo português”, assevera França, e que Lemos lhe comprava na exposição de 1949, selando assim o início duma bela amizade), certamente também.

A partir de Maio de 1954, pôde também mostrar e oferecer no milieu cultural Voo sem Pássaro Dentro, poemas de Adolfo Casais Monteiro ilustrados com dez desenhos da sua mão surrealista, um magnífico objecto bibliográfico de formato nobre, tiragem reduzida, bom papel (Ulisses, como convinha…), chancela da Ulisseia de Joaquim Figueiredo de Magalhães e arranjo gráfico do próprio Lemos — uma obra dedicada, note-se, pelos seus dois autores ao poeta brasileiro Murilo Mendes, “em sinal de admiração e profunda amizade”.

Quem folheie Cá & Lá, seguido de Teclado Universal (Imprensa Nacional, 1985) também encontrará — além de “Croquis do pintor-poeta”, uma homenagem de Haroldo de Campos — poemas, não datados, que Lemos consagrou à pintora Tomie Ohtake, à escultora Maria Bonomi, a Mira Schendel, ao pintor Alfredo Volpi, à gravadora Renina Katz, ao crítico e pintor Arnaldo Pedro d’Horta, e ao crítico Paulo Emílio Salles Gomes, sinais enfim de uma convivialidade reforçada na laboriosa construção do suplemento literário do jornal Estado de São Paulo criado em 1956 sob direcção de Antônio Cândido — Lemos foi um habitual ilustrador abstraccionista e diagramador dessas folhas em formato broadsheet e tipo-grafia de excelência (um colírio para os olhos de entendidos e curiosos das coisas gráficas) — e do seu trabalho adentro das célebres Bienais de Arte de São Paulo.

Em 1973 desenharia a capa de Obra Consentida, volume póstumo da poeta Lupe Cotrim Garaude. Críticos de arte muito conceituados naqueles anos, como Mário Pedrosa e Sérgio Milliet, haveriam de escrever para catálogos das muitas exposições do artista português.

Se entre a exposição surrealista de Janeiro de 1949 e a sua partida para o Brasil em Agosto de 1953, Fernando Lemos conviveu intensamente com “uma galeria de figuras que […] habitavam um espaço reduzido num país dividido pela ditadura”, “homens notáveis” “inventando a liberdade com a consciência possível da inter-intimidade, ainda que premida e vigiada de perto pela censura”, todo um “ambiente de coacção sofisticada policialmente” (como escreveu para Retratos de quem?, Instituto Camões, São Paulo, 2000), a desenvoltura da vida artística e a pujança industriosa da grande metrópole paulistana acentuaram-lhe ainda mais — pelo impacto do contraste — a percepção do confinamento português e a consciência do fardo salazarista.

Retrato de António Pedro por Fernando Lemos

O xulé dos agentes da polícia política que procuravam coagir o homem de 20 e poucos anos em carros eléctricos entre Chiado e Rato (referido na primeira entrevista a Silva Melo) representa só o grotesco anedótico de um estado de coisas cujo mais profundo e dramático diagnóstico nos é dado pela solidão de António Pedro caminhando por longa e estreita azinhaga — a fotografia que, um tanto ao jeito de despedida, Fernando Lemos tirou ao seu mestre, esse inegável gigante de talentos, precisamente quando o visitou em Moledo do Minho, alguns dias antes de embarcar. Aliás, António Pedro apadrinhou-lhe vivamente a viagem, escrevendo então nas costas de um retrato os seguintes versos:

“Leva o que não trazes — a tua mocidade
Traze o que não levas — ter vivido.
É a história do mundo a sua crueldade
E o sonho o seu sentido.”

Não admira, portanto, que o artista se tenha associado àqueles que da pátria chegavam a São Paulo, contrariados com a ditadura, de que importa destacar Victor Cunha Rêgo (1933-2000), ali co-fundador de uma pequena editora muito activa em 1962-64, para a qual Lemos desenhou algumas capas de livros, entre as quais Memórias do Capitão Sarmento Pimentel, a partir de uma sessão fotográfica bastante original.

Portugal Democrático, mensário de emigrados oposicionistas, também teria desde a primeira hora colaboração gráfica de Lemos. Todavia, seria assaz imprudente — para não dizer: desonesto — aferir que tais actividades o colocavam numa implacável e vigiada lista negra do regime. Fernando Lemos pôde representar-se em exposições colectivas em Lisboa e Porto em 1955 (na Pórtico, com Vespeira e Cargaleiro), 1959, 1962 e 1973 (inaugural da Galeria Quadrum), reeditou poesia na Moraes em 1963, foi correspondente da Colóquio Artes desde o primeiro número (onde pontificavam os seus velhos amigos Vespeira, Azevedo e França), e sobretudo ganhou em 1964 o concurso da companhia aérea pública portuguesa para três cartões de tapeçarias de Portalegre decorativas das duas principais lojas da TAP no Brasil, como em Fevereiro de 1967 o arquitecto Salvador Candia (1924-99) refere em artigo naquela revista da Fundação Gulbenkian, realçando os critérios estéticos da aprovação:

“Evitou o alegórico tradicionalmente descrito […] o vigor de sua expressão bastante actualizada melhor se coadunava com o espírito do desenho das agências. […] Registrou-se, aliás, cautelosa expectativa de alguns dirigentes da empresa, transformada em decidido entusiasmo quando viram completadas as agências com os desenhos do artista escolhido.”

Fernando Lemos sabia ler bem nas entrelinhas o poema de Alexandre O’Neill “Perfilados de medo”, incluído no livro de 1962 Poemas com Endereço — alguns versos apenas:

“Perfilados de medo, agradecemos
o medo que nos salva da loucura.
Decisão e coragem valem menos
e a vida sem viver é mais segura.

[…]

Rebanho pelo medo perseguido,
já vivemos tão juntos e tão sós
que da vida perdemos o sentido…”

Mas, para todos os efeitos, era já cidadão brasileiro, e um artista plástico sucessivas vezes premiado, que havia anos representava aquele país em muitos eventos mundo afora, espalhando a sua obra por museus e colecções particulares, da Argentina aos Estados Unidos da América, da Suíça ao Japão — um país que teve oportunidade de conhecer em 1963, enquanto decorador do pavilhão do Brasil na V Feira Internacional de Tóquio, demorando-se ali a maior parte desse ano, executando vitrais para edifício projectado por arquitecto brasileiro em Hakkone, produzindo estampagem têxtil numa fábrica de Osaka, ou visitando e trabalhando em estúdios de calígrafos de Kyoto e Tóquio com uma bolsa semestral da Fundação Gulbenkian que lhe permitiu “prosseguir o estudo sobre a influência da caligrafia japonesa na arte moderna”, de acordo com documento processual conservado no arquivo histórico daquela instituição.

Filho dum marceneiro-antiquário e duma bordadeira — dois ofícios nobres e antigos —, estudou litografia na Escola de Desenho Industrial António Arroio e pintura na Sociedade Nacional de Belas-Artes, e bem jovem ainda começou a trabalhar como impressor e desenhador em litografias industriais.

É toda esta dimensão dos vários ofícios em que a “poesia plástica” de Fernando Lemos se propagou que ainda nos escapa enquanto realidade visível. Jorge Silva Melo o disse, na folha de sala:

“Aqui em Lisboa, sabemos tão pouco do pintor, vemos ao longe o seu trabalho gráfico, os seus desenhos quase não os vimos, vimos também ao longe as suas tapeçarias, quase esquecemos a poesia que continua a escrever, é como se a sua revelação como fotógrafo tivesse atropelado as muitíssimas facetas em que foi desdobrando a sua generosa alegria de fazer, artesão e inventivo.”

Do cinema ao “lado avesso do teatro”

Filho dum marceneiro-antiquário e duma bordadeira — dois ofícios nobres e antigos —, estudou litografia na Escola de Desenho Industrial António Arroio e pintura na Sociedade Nacional de Belas-Artes, e bem jovem ainda começou a trabalhar como impressor e desenhador em litografias industriais, colaborou com agências de publicidade, foi assistente numa produtora de cinema e até se interessou pelo “avesso” do teatro.

A partilha de um espaçoso ateliê colectivo num último andar amansardado na Avenida da Liberdade, com arquitectos, designers (António Garcia…) e outros pintores — referido em Como, Não É um Retrato? — serviu-lhe de trampolim ou laboratório para uma vantajosa multifuncionalidade prática que o seu engenho e arte haveria de acelerar no Brasil e para a qual o Brasil lhe propiciaria ocasiões em abundância, como dito na lapidar frase autobiográfica “Tenho duas pátrias, uma que me fez e outra que eu ajudo a fazer”.

Dez anos depois de se ter mudado para o Brasil, Fernando Lemos publicou na colecção Círculo de Poesia da Moraes o seu Teclado Universal e outros poemas, com um prefácio de Jorge de Sena, a que António Ramos Rosa correspondeu com uma crítica, sublinhando que “a independência, o inconformismo radical e a raiva ansiosa de humanidade autêntica que encontramos nestes poemas, têm um valor exemplar no presente contexto cultural, mau grado ser a expressão plástica e não a poética o meio privilegiado de realização deste grande artista” (itálico meu). E acrescenta que “a qualidade lúcida e crítica da violência desta poesia […] pode constituir estímulo fecundo para os jovens poetas e é, de qualquer modo, a sua virtude maior”, na medida em que “a actualidade extremamente percuciente” destes versos “poderá vir a projectar-se no contexto poético presente e, em especial, na evolução do experimentalismo” (Colóquio, n.º 31, p. 72).

Aos poucos, Fernando Lemos foi-nos mostrando algum do seu trabalho. Em 1985 e 1987, apresentou na Gulbenkian de Lisboa e de Paris, trabalhos designados "Desenhos-memórias". Em 1999 exibiu na Casa Fernando Pessoa uma série inédita de 35 desenhos do diário da vinda a Lisboa por ocasião do 25 de Abril de 1974.

Seria preciso esperar mais uma década para que alguma pintura de Fernando Lemos pudesse ser vista em Lisboa. Curiosamente, na mesma Rua Ivens em que em 1952 havia exposto surrealismo — e a capa do catálogo da colectiva na Casa Jalco é uma fotografia dele, cuja origem, o depósito poeirento do sotão dos Armazéns Grandella, revelou a Jorge Silva Melo —, o pintor apresentou na Galeria Dinastia o seu depurado abstraccionismo concreto, de caligrafias filiformes ou “ovos negros” em dinâmicas telas de grande e médio formato.

Muita coisa mudara, em especial o traço oficinal do desenho, visível nas ilustrações de primeira página do Portugal Democrático, como também se haveria de ver muito bem, poucos anos depois, nas ilustrações para livros infantis de Sidónio Muralha que o saudoso editor Rogério de Moura haveria de publicar desde 1975 e alguns prémios receberiam: Valéria e a Vida, Todas as Crianças da Terra, O Rouxinol e a sua Namorada, Voa, Pássaro, Voa e Helena e a Cotovia ­— repercutindo em Portugal o trabalho desenvolvido desde 1963 na editora Giroflé, que ambos criaram em São Paulo com Fernando Correia da Silva, de que se destaca o livro duplamente premiado A Televisão da Bicharada. Considerada um marco na história editorial brasileira, o arrojo visual dos seus livros não se perdeu no tempo: em Janeiro de 2009, a reputadíssima editora Cosac Naify interessou-se por reeditá-los. Não há senão um exemplar em bibliotecas portuguesas…

Aos poucos, Fernando Lemos foi-nos mostrando algum do seu trabalho. Em 1985 e 1987, apresentou na Gulbenkian de Lisboa e de Paris, trabalhos designados “Desenhos-memórias”. Em 1999 exibiu na Casa Fernando Pessoa uma série inédita de 35 desenhos do diário da vinda a Lisboa por ocasião do 25 de Abril de 1974 (quase todos reproduzidos na revista Tabacaria, n.º 8). Em 2012 — dez anos após a morte de Vespeira — revelou e divulgou através da Fundação Cupertino Miranda e da editora Documenta, o facsímile da pequena peça teatral Adélia e Kovaco, que ambos haviam escrito e desenhado em Março de 1950, “compromisso e inquietação surrealista” em “cenas marítimas, ao ar livre, entre o assustador e o absurdo”.

Mas é ainda muito pouco, diante de tamanha originalidade e prolixidade, quando nos chamam a atenção trabalhos que nunca pudemos conhecer, como A Vinheta: da iluminura à carroçaria de caminhão, publicado em 1980 pela Prefeitura de São Paulo, uma história do ornamento “como design de sabedoria popular e bastante humilde, para consagrar os eventos criativos do homem nas marchas da civilização” (citado por J.-A. França numa breve recensão na Colóquio Artes de Junho de 1981, p. 74).

Ou a sua obra de vitralista e de ceramista, mas também, sem dúvida, o seu desempenho em prol de um museu nanbam em Nagasaki, sob convite do nosso Ministério dos Negócios Estrangeiros em 1977, e o seu trabalho com o historiador de arte Lourival Gomes Machado na mostra de 1961 “O Barroco no Brasil”, e o muito mais que notas biográficas sucintas não permitem descortinar.

A exposição da sua obra gráfica no MUDE, anunciada por Bárbara Coutinho para o outono deste ano ou para a primavera de 2019 — assim lhe sejam atribuídos todos os meios convenientes de pesquisa, trasladação de materiais e edição —, será certamente um bom ponto de partida para um resgate e um reconhecimento que tanto tardam, e importa fazer em vida do artista. O Atelier-Museu Júlio Pomar é, nesse âmbito e a todos os títulos, um admirável exemplo de lucidez acerca do que pode e deve ser feito em termos de arquivo, restituição e diálogo activo com a contemporaneidade. Mas infelizmente é caso raro, pois tal sorte não calha a todos, como bem sabemos.

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