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Está oficialmente aberta a corrida ao trono do CDS. Depois de Adolfo Mesquita Nunes ter pressionado Francisco Rodrigues dos Santos a convocar eleições internas, o líder democrata-cristão garante “não ter medo rigorosamente nenhum” de enfrentar o seu adversário, mas vai fazê-lo percorrer o caminho das pedras. “Não se convocam eleições no CDS por dá cá aquela palha. Nada impede que Adolfo Mesquita Nunes reúna as assinaturas necessárias”, provocou. Desafio devolvido.
A entrevista a Francisco Rodrigues dos Santos aconteceu poucas horas depois de o antigo vice-presidente de Assunção Cristas ter pedido, num artigo publicado no Observador, uma clarificação sobre a liderança do partido. O presidente do CDS resistiu em comprometer-se com uma ida a votos mas não evitou a provocação: “Sempre que fui a votos, dentro do meu partido, contei com o apoio maioritário dos militantes”. O presidente do CDS acredita que tem o partido do seu lado.
Se a não convocação de eleições significar uma debandada de quadros como Adolfo Mesquita Nunes, é a vida. “Se for a sua opção, respeitarei sempre a sua liberdade”, reconheceu. Não foi a única vez, aliás, que Francisco Rodrigues dos Santos sugeriu que a saída de militantes do partido pode ser boa para o CDS. “Se [a fuga de quadros para o Chega] tornar o CDS um partido mais habitável, mais respirável não vejo inconveniente algum”.
Ainda a propósito do Chega, e de um eventual acordo escrito com o partido de André Ventura no pós-legislativas, à semelhança do que aconteceu nos Açores, Francisco Rodrigues dos Santos manteve tudo em aberto: “Nas legislativas temos de falar”, teorizou.
Veja aqui os melhores momentos da entrevista a Francisco Rodrigues dos Santos:
Num artigo publicado hoje no Observador, Adolfo Mesquita Nunes pede a convocação de eleições internas porque diz que “o CDS tem um problema de sobrevivência”. E diz também que não há muito tempo para resolver esse problema. Está disposto a ir a votos imediatamente, ainda antes das eleições autárquicas?
Na circunstância atual que o país atravessa, creio que o foco de qualquer partido democrático com responsabilidades políticas nos órgãos de soberania deve ser colocar o interesse nacional acima da mercearia interna dos partidos. Foi isso que procurei fazer enquanto líder do partido nesta fase atravessada pela pandemia, que bate agora todos os recordes ao nível da mortalidade e também do número de infetados. No entanto, tomei boa nota e registei a opinião de Adolfo Mesquita Nunes — que, de resto, corre ao arrepio da opinião que tinha expressado no último Conselho Nacional, que ocorreu há sensivelmente um mês e onde defendeu precisamente a tese contrária, que esta direção tinha de concluir o seu mandato. Mas queria assegurar ao país e aos militantes do partido que este lugar não é meu, pertence aos militantes do CDS. Não fui eleito por padrinhos ou por barões. Fui eleito pelos militantes, que sabem desde a primeira hora que este lugar lhes pertence e que eu construí um partido de baixo para cima e não de cima para baixo
Portanto, admite convocar eleições agora, é isso?
O que lhe estou a dizer é que tenho uma agenda do partido que está marcada, tenho reuniões previamente agendadas, esta semana, com os órgãos nacionais do partido, nomeadamente com a Comissão Política e com a Comissão Executiva, e naturalmente analisaremos estas questões que foram suscitadas pelo militante Adolfo Mesquita Nunes — que saúdo, naturalmente, pelo seu regresso à atividade interna do partido.
Mas então admite convocar eleições?
Sou totalmente livre, como dizia o hino da Juventude Popular, a que presidi. Gostava de discutir esta questão dentro dos órgãos internos do partido.
Mas, na realidade, tem falado várias vezes de tentativas de boicote, por isso esta podia ser uma oportunidade para resolver isso e perceber o que é que o partido pensa.
Gostava também de saber o que Adolfo Mesquita Nunes pensa. Disse no último Conselho Nacional que, seguindo o mote que tenho lançado desde que fui eleito presidente do partido, que é o de tentar reunificar o CDS independentemente das fações e das trincheiras, pretendo auscultar todas as sensibilidades. E, curiosamente, veja a ironia do destino, ontem liguei a Adolfo Mesquita Nunes ao início da tarde para me encontrar com ele neste mês para conversarmos. Não me atendeu e devolveu-me a chamada ao final do dia, dando nota deste artigo. O meu objetivo era precisamente ter uma conversa franca e leal — e preservar o CDS.
Mas agora já sabe o que ele pensa.
Claro, exatamente.
Ele pensa que o senhor não funciona. Acha que se fosse a eleições contra Adolfo Mesquita Nunes — enfim, ele não diz que se candidata — ganhava?
Sempre que fui a votos, dentro do meu partido, contei com o apoio maioritário dos militantes, como aconteceu no último Congresso, onde a minha direção foi eleita com mais de 65% dos votos. E sinto-me perfeitamente legitimado para continuar este mandato. Agora, sobre estas questões suscitadas acerca da sobrevivência do CDS, gostava de avivar um bocadinho as memórias. Não fui eu o líder do CDS — nem pertenci à direção — que conduziu o CDS ao pior resultado eleitoral da sua história, 4%, e que plantou à direita do CDS dois novos partidos que concorrem diretamente com ele. E custa-me um bocadinho aceitar esta narrativa de desgaste público do CDS, que de resto não é nova neste artigo de opinião. Mas há muitas figuras e fontes que alimentam notícias sobre o CDS a quererem desgastar esta liderança externamente quando o partido está numa situação, de facto, em que exige de todos nós uma capacidade de nos reinventarmos. Repare numa coisa: as lideranças são avaliadas pelos resultados eleitorais. Vamos então aos dois testes da minha liderança. Eleições regionais dos Açores: pela primeira vez, enfrentámos o Chega e a Iniciativa Liberal, depois de estarem no Parlamento, e conseguimos o estatuto de terceira força política nos Açores. Tivemos mais votos do que o BE e o PCP juntos, tivemos mais 1700 votos do que nas legislativas de 2019 e estamos a governar pela primeira vez na história na região autónoma dos Açores.
Está a comparar eleições regionais com eleições legislativas. Mas se formos comprar estas eleições regionais nos Açores com as anteriores, a verdade é que perdeu votos.
Tem razão, exatamente.
Perdeu 940 votos.
É isso mesmo.
Não só perdeu 940 votos como, à direita, todos ganharam muitos votos: o PSD ganhou 6301 votos, o Chega ganhou 5260 votos e a Iniciativa Liberal ganhou 2012 votos. Portanto, havia muitos votos à direita para conquistar e o seu CDS perdeu votos. De facto, ficou como terceira força política mas, como sabe, a diferença para o Chega não é sequer de mil votos. Foi assim uma vitória tão grande? Na realidade, o CDS foi para o governo à boleia dos votos ganhos pelo PSD e pelo Chega.
Consigo perceber que o CDS perdeu votos, mas nós estamos a enfrentar um contexto à nossa direita que nunca na história se verificou. Temos dois partidos sentados no hemiciclo…
Mas, nos Açores, o contexto que estava a enfrentar era um em que a direita teve mais votos. Simplesmente, os eleitores de direita não querem votar no seu CDS, preferem votar noutros partidos. Até seria uma boa altura para o CDS ganhar votos porque havia mais eleitores disponíveis para votar na direita — não escolheram foi o CDS.
O CDS conseguiu ser, à direita do PSD, o partido mais votado. Não podemos escamotear essa realidade. Acontece é que o CDS perdeu 900 e picos votos. Mas, se observarmos os resultados, verificamos que isso foi um epifenómeno que aconteceu na ilha de São Miguel, onde o CDS é sempre tradicionalmente bastante fraco. Nós não ganhámos a ilha de São Jorge por apenas 17 votos, crescemos também na ilha Terceira e tivemos ótimos resultados no restante arquipélago.De facto, temos um problema em São Miguel e temos que o colmatar. Agora, é preciso dizer que o CDS resistiu, influencia as políticas e sem CDS não havia governo na região autónoma dos Açores. Somos a segunda força política que compõe essa solução governativa. Claro que é normal que partidos que nasceram agora e que não têm o dano reputacional do CDS e o desgaste da nossa marca concorram e consigam atingir novos eleitorados. E não é necessariamente verdade que muitos vão buscar votos à direita, como se vê através dos estudos de opinião onde se mostram essas flutuações do eleitorado, que muitas vezes até vêm do lado diametralmente oposto, como é o caso da extrema-esquerda.
Acha que o líder do CDS nos Açores, que aliás é seu vice-presidente no partido, tem um “dano reputacional”?
Não, estava a referir-me à marca CDS. Porque, de facto, o CDS ficou depauperado há um ano, quando fomos a eleições legislativas — e está neste momento a reerguer-se. O primeiro teste foram as eleições regionais dos Açores e conseguimos catapultar o partido para uma dimensão de governo que nunca tinha acontecido na nossa história. E deixe-me dizer-lhe: tivemos mais votos do que o BE e o PCP juntos. Creio que isso é bastante positivo.
Há pouco remeteu a decisão de ir a votos internamente para as reuniões que vai ter com os órgãos do CDS, mas há aqui um lado de vontade pessoal. Tem vontade de ir a votos?
Tenho vontade pessoal de cumprir o meu mandato. E eu não provoco incidentes no meu partido para interromper as lideranças. E nem percebo qual é o argumento, porque confesso que não tive ocasião ainda de ler o artigo…
O argumento pode resumir-se a: “Não está a resultar”.
E eu tenho argumentos para contrariar essa tese, nomeadamente os resultados eleitorais. Mas eu estou disponível para haver clarificações dentro do CDS. Agora, eu quero perceber quais são as motivações de fundo que estão por trás disto. porque a verdade é que, desde que fui eleito presidente do partido, tenho contado com um conjunto de protagonistas que, através da comunicação social, se têm empenhado em desgastar a imagem do CDS e em depauperar a credibilidade do líder.
Quem é que eles são? Quais são os nomes?
Não vou referir.
Mas é uma questão de frontalidade. É preciso saber quem são essas pessoas.
Há uma diferença entre os críticos internos e o presidente do CDS. É que eu falo nos órgãos próprios do partido e não contribuo para a lavagem de roupa suja na comunicação social. Entendo que é meu dever institucional discutir os assuntos dentro de portas, preservando a imagem do partido. E as pessoas sabem quem são. Aliás, uns falam em on e outros falam em off com os jornalistas. E eu não tenho pruridos nenhuns em notar que não foi esta liderança que permitiu ao CDS baixar de 18 deputados para 5, plantar dois partidos à direita do CDS e estar agora a lidar com uma circunstância que herdei de um partido desgastadíssimo do ponto de vista financeiro. Mas, em dados objetivos, estou satisfeito com os resultados que obtivemos até agora. Se a nível interno há pessoas que gostariam de ter um controlo material sobre o CDS, poder escolher representantes, manter o statu quo…
O único nome que referiu aqui foi o de Adolfo Mesquita Nunes. Mas, por exemplo, o ex-líder do partido José Ribeiro e Castro, que julgo ser insuspeito de ser um apoiante de Assunção Cristas, escreveu há dias, falando sobre as polémicas do último Conselho Nacional do CDS: “Qualquer dia, não sobra nada”. Esta análise também está errada?
Compreendo que a própria reconfiguração da direita obriga a uma reflexão profunda por parte dos partidos tradicionais. E já tinha expressado no passado a vontade de ter este diálogo interno no CDS para compreender qual é o posicionamento exato que o partido deve manter. Devemos tocar a rebate e perceber de que forma é que o CDS consegue enfrentar estas ameaças no seu espaço político. Agora, dizer que o CDS é irrelevante quando governa na região autónoma da Madeira, governa na região autónoma dos Açores…
Assunção Cristas também teve essa vitória: perdeu votos na Madeira e foi para o governo.
E na altura, como viu, não tivemos críticos. O que acho curioso é que, durante a direção anterior, todas estas personalidades que agora rasgam as vestes e batem com a mão no peito a dizer que o CDS está muito mal, ou foram coordenadores do programa eleitoral que foi a votos e teve 4%, ou foram indefectíveis da direção anterior até á última hora.
José Ribeiro e Castro não.
Sim, José Ribeiro e Castro não, mas José Ribeiro e Castro tem sido uma pessoa que tem tido uma postura absolutamente construtiva com esta direção do partido. Tenho bastante admiração e deferência por José Ribeiro e Castro, que é alguém que me contacta a dar os seus contributos para ajudar o CDS. Aqui está uma grande diferença entre aqueles que querem ajudar verdadeiramente o partido e aqueles que na comunicação social tentam destruir o CDS.
Posso dar-lhe outro exemplo: Manuel Monteiro diz que há “fragilidades objetivas e manifestas no CDS e no PSD”. Também está enganado?
Acabei de lhe dizer que Ribeiro e Castro não estava enganado e Manuel Monteiro também não está enganado. Sou o primeiro a reconhecer isso, com toda a humildade. O que não aceito é que queiram assacar responsabilidades à direção deste partido pela circunstância em que o CDS hoje em dia faz o seu combate político. Eu tenho uma proposta política para o CDS. E essa proposta é clara. Embora, numa sociedade cada vez mais polarizada, nós tenhamos que nos dirigir para a nossa gente e ter a capacidade de seduzir o eleitorado. Agora, alguns apresentam soluções, até dentro do CDS, de que o partido devia aproximar-se de franjas mais radicais e reproduzir esses segmentos do discurso. Não estou disponível para fazer isso. Porque o CDS tem de ser igual a si próprio, conservar os seus valores, ter moderação na ação e representar uma direita social, que sempre foi a sua. O partido nunca se quis travestir noutro tipo de extremismos. Se isto é popular nos dias de hoje? Acredito que não seja, mas nós devemos morrer por estas convicções.
Acha que o partido está a morrer?
Não acho que o partido esteja a morrer. Mas estou disponível para lutar até às últimas consequências pelos valores do CDS sem ter que os mudar. Agora, numa sociedade cada vez mais estigmatizada, em que vale mais o soundbite do que a proposta política, em que muitas vezes é mais interessante dividir portugueses uns contra os outros ou ter discursos irresponsáveis, que não conseguem apresentar soluções para os problemas normais das pessoas mas geram um alarido mdiático que concentra todas as atenções, eu prefiro que o CDS se mantenha nesta esteira de ser um partido responsável, institucional, profundamente moderado mas que tenha uma proposta que cative as pessoas e responda aos seus problemas. E eu já disse quais são. É dirigir-me para os idosos, que estão cada vez mais isolados, têm falta de rendimentos e estão a morrer com esta pandemia. Dirigirmo-nos aos mais jovens, eu tenho 32 anos e sei as dificuldades que a minha geração atravessa no início de carreira, em ter um trabalho estável, uma remuneração condigna com a sua qualificação profissional, em ter uma habitação, em constituir família, em combater a precariedade e os falsos recibos verdes. E, de resto, ter também uma mensagem regeneradora do sistema político: inovação, propostas de combate à corrupção, limitação de mandatos para todos os deputados, mudar as regras do sistema político. Enfim, creio que o CDS não se pode desviar do seu caminho. Se isto hoje é mais difícil do que antigamente porque temos uma concorrência que se pode dar ao luxo de ter um discurso mais irresponsável e demagógico e populista? É mais difícil. Mas quero também perceber quais são as soluções que estes críticos acérrimos do partido, que quando não havia concorrência à direita conduziram o partido ao pior resultado de sempre, têm para o momento atual. E até agora não recebi uma, apesar dos vários apelos.
Se não convocar eleições não teme uma debandada de quadros importantes do partido ou até que alguns deputados se tornem não-inscritos?
Conto com todos aqueles que queiram estar no CDS por convicção. As lideranças vão e os partidos ficam.
Se Adolfo Mesquita Nunes e outros saírem, não há problema para o líder do CDS?
Se for a sua opção, respeitarei sempre a sua liberdade.
E se ficasse com algum deputado não inscrito?
Nem sequer pensei nessa situação, confesso. É nas alturas mais árduas que se vê a craveira dos militantes e dos dirigentes. Nas alturas fáceis, todos estavam cá — quando havia lugares para distribuir no governo e na administração do Estado. Aí, éramos todos do CDS e batíamos com a mão no peito. Quando a luta aperta é que eu quero ver que são as pessoas que estão ao meu lado e ao lado direção para ajudar a reerguer o partido. E o que tenho visto em alguns sectores do CDS é interiorizarem as críticas que são feitas pelos nossos adversários políticos e, pior do que isso, passarem para o exterior um guião para descredibilizar esta direção. Esses não são amigos do CDS, são alguém que nesta altura quer ser adversário do partido. Se nas alturas de vacas gordas todos estão disponíveis para ajudar, nas de vacas magras há certamente gente que vai desertar, mas eu prefiro contar com aqueles que ficam do que com aqueles que estão no CDS pelas suas conveniências ou ao sabor do vento e que não procuram servir o interesse do partido.
Mas, afinal, as coisas estão a correr bem e o CDS está a ganhar força e até foi para o Governo nos Açores ou estamos num período de vacas magras e as coisas estão a correr mal?
Para algumas pessoas o diagnóstico é que as coisas estão a correr mal. Não tenho essa opinião. Quero ser cristalino nesta matéria. As direções dos partidos avaliam-se pelos resultados eleitorais. Nós, nas regionais dos Açores e nas presidenciais, tivemos bons resultados, que cumpriram os objetivos do CDS. Quanto ao mais, há certamente coisas a melhorar, temos que redefinir o posicionamento do CDS dentro desta geometria que existe à nossa direita, estamos num ciclo dificílimo na vida do país, atravessados por uma pandemia, o que condiciona a nossa própria atividade política. Mas tenho a certeza de que o CDS tem condições e personalidades para continuar a sua afirmação. Se alguns acham que as coisas estão mal, é uma opinião que respeito e registo. Outros, como eu, têm a confiança de que o caminho que está a ser feito terá frutos, mas não será com um estalar de dedos, de um momento para o outro.
Se tem essa confiança, esse discurso e essa agenda, por que não ir a votos e testar a sua liderança
Porque isto não é assim. Um ex-dirigente do CDS de repente volta a interessar-se pela vida política do partido, depois de ter coordenado um programa eleitoral…
Isso pode ser encarado como medo de ir a votos?
Não tenho medo rigorosamente nenhum. Mas não se convocam eleições no CDS por dá cá aquela palha ou porque há um ex-dirigente que decide voltar a ter opiniões sobre a vida interna do partido depois de se ter dedicado á vida profissional e os órgãos do partido vão todos atrás e convocam eleições. Os partidos são instituições, têm regras próprias, têm órgãos para tomar essas decisões. De resto, nada impede que Adolfo Mesquita Nunes seja consequente com o artigo que escreveu e reúna as assinaturas necessárias para, com um quinto dos membros, convocar um Conselho Nacional que possa deliberar a convocação de um Congresso. Essa pergunta não deve ser colocada a mim, mas sim ao Adolfo — se quer ser consequente com o artigo que escreveu. Olhei para os estatutos do partido atentamente e não observei na norma relativamente à convocação do Conselho Nacional “artigos no Observador”, por muito respeitável que seja o Observador, que muito estimo. Essa não é uma forma de convocar um Conselho Nacional. Se entenderem que esse é o caminho, vamos a isso. Mas eu tenho uma preparação das eleições autárquicas para fazer e as pessoas, ao terem este tipo de manifestações públicas nesta altura da vida do partido, em que temos um ciclo eleitoral exigentíssimo, como são as autárquicas, não têm noção — ou se calhar têm — do dano que estão a causar ao partido, numa altura em que precisamos de nos financiar junto da banca para conseguir desenrolar uma campanha condigna e que corresponda aos objetivos do CDS. O meu foco tem sido primeiro o país e depois o partido.
“Não fui eu que escolhi este grupo parlamentar”
Uma parte da ação do CDS deve-se muito ao grupo parlamentar e ao que é feito na Assembleia da República. Como está a sua relação com o grupo parlamentar do CDS?
A minha relação com o Grupo Parlamentar do CDS é boa. Francamente e falando com a máxima honestidade.
Então o episódio com Telmo Correia já está ultrapassado?
Claro que está. Eu sou presidente do CDS, manifestei uma opinião, que pode ser contrária à de Telmo Correia ou de qualquer outro deputado.
Mas no último Conselho Nacional Telmo Correia falou até em hipocrisia por estar constantemente a fazer apelos à união e não dar sinais disso. É um sintoma de uma boa relação?
Eu não retive essa crítica do Telmo Correia, com franqueza. Até porque eu acho que esse Conselho Nacional foi quase transmitido em stream na comunicação social e não foi certamente pelos membros desta direção. Agora, o que eu noto? Noto que este grupo parlamentar não foi escolhido por mim. Isto é importante deixar claro como é do conhecimento de todos, mas cada um deles tem feito um excelente trabalho em sede parlamentar. O grupo parlamentar é um instrumento fundamental para o trabalho político do CDS e é, de facto, exigente fazer esta coordenação entre a direção do partido e o Grupo Parlamentar.
A questão é que esse grupo parlamentar não reconhece o trabalho que a direção atual do CDS está a fazer. Por exemplo, João Almeida diz que o partido está muito pior do que estava há um ano. É isto que as pessoas dizem quando há uma boa relação?
As pessoas podem ter uma boa relação e ter opiniões diferentes. O João Almeida terá a sua. Agora, gostava de recordar que o partido não é só a direção do CDS. O partido também compõe os outros órgãos como é o caso do Grupo Parlamentar. Dizer que o partido está muito mal, acho que isso também soa um bocado a autocrítica do próprio deputado João Almeida porque sabemos que este trabalho tem sido desenvolvido em conjunto e atendendo ao próprio mediatismo que tem e a facilidade de aparecer do nosso Grupo Parlamentar, faço um balanço positivo. Não concordo com a opinião do João Almeida. Acho que o Grupo Parlamentar tem feito um bom trabalho, assim como a direção. Eu creio que este binómio está a funcionar. Se me pergunta: temos divergências de opinião? Naturalmente que temos. Nem sempre estamos de acordo? É verdade. Mas temos sabido articular posições e concertar ideias naquilo que é fundamental e essencial. De resto, diagnóstico, cada um fará os seus.
Outro exemplo: João Gonçalves Pereira, também ele deputado, e já vamos no terceiro deputado , disse que a sua liderança está a falhar e até avançou com o nome de Cecília Meireles para lhe suceder no cargo. Isto é um sintoma de uma boa relação entre a direção e o Grupo Parlamentar?
Estamos nesta entrevista há 20 minutos e estamos a falar sempre na vida interna do CDS. Acho respeitável, mas na altura em que o país atravessa gostava de falar também das propostas para o país. Mas não vou fugir à pergunta: viu alguma vez a direção do CDS apontar críticas públicas ao grupo parlamentar? Cite-me, por favor uma referência dessas. O que eu disse foi que faço um balanço extremamente positivo quer do grupo parlamentar, quer da direção do partido. Acho que tem havido sinergias e cooperação entre a direção e o grupo parlamentar.
Se é assim, porque é que outra deputada do CDS, Cecília Meireles, neste último Conselho Nacional se sentiu na necessidade de exigir respeito pelo trabalhado do Grupo Parlamentar perante as críticas que eram feitas por alguns elementos da sua direção à atuação deles?
O que aconteceu foi: de facto, nos Conselhos Nacionais há uma franqueza própria daquele órgão.
Que não há nas entrevistas, não é?
Exatamente.
Podemos presumir, portanto, que a sua opinião sobre o grupo parlamentar não é aquela que está a ter aqui.
A minha é. E, aliás, o que eu disse aqui foi o que disse no Conselho Nacional, honra me seja feita e quem teve acesso à informação que lá foi tratada pode confirmar isto que estou a dizer. Portanto, o que eu disse no Conselho Nacional é exatamente o que estou a dizer aqui
Mas as pessoas da sua direção não concordam consigo?
Não é isso. Aliás, essa resposta da Cecília Meireles nem teve que ver diretamente com atitudes de membros da direção do partido, mas até de próprios conselheiros nacionais, que são muitos deles militantes de base, dirigentes concelhios que decidiram apresentar as suas opiniões.
Raul Almeida que é um dos dirigentes do CDS defendeu que Cecília Meireles devia deixar o Parlamento para lhe dar lugar.
Exatamente.
Disse que Francisco Rodrigues dos Santos faria melhor. Acha que faria melhor?
A questão que deve aqui ser analisada é a seguinte: a deputada Cecília Meireles fez um conjunto de sugestões e apelos à direção do partido para lidar com a ameaça dos partidos emergentes. Que o CDS tinha de se definir e ter uma postura assertiva para estancar quaisquer possibilidades de haver uma transferência de eleitorado paraesses dois partidos. E o que o Raul Almeida disse foi o seguinte: ‘Bem, para essa crítica nós podíamos ter aqui uma solução que é colocar o líder do CDS no Parlamento para confrontar diretamente…
E concorda com essa solução?
O que eu disse foi: perante a proposta do Raúl Almeida, que foi colocar o líder no Parlamento para dar mais visibilidade e para colocar o presidente do CDS a confrontar diretamente o primeiro-ministro e até para criar ali uma parede para os partidos mais à direita podia ser uma solução encarada como útil e dar uma expressão mediática muito maior ao líder do CDS. Portanto, foi isso que o Raúl Almeida disse. Eu concluí a conversa dizendo que isto não era uma questão que estava em cima da mesa. Fui claro que nessa matéria. Porque até achei que o ciclo eleitoral que o CDS tinha pela frente é autárquico, é um trabalho de terreno, e que ganhava muito mais de ter a liberdade de andar pelo país e fortalecer as nossas candidaturas e as nossas estruturas do que estando fechado no Parlamento.
Portanto, não concorda com a opinião de Raúl Almeida.
Acho que todas as visões têm as suas vantagens. Compreendo a vantagem, e é para este lado que me inclino, de estar liberto das funções parlamentares para poder ter um trabalho de terreno a fortalecer as nossas estruturas e as nossas candidaturas locais, porque o nosso próximo círculo eleitoral são autárquicas, mas também compreendo o argumento de algumas pessoas que existem no CDS e creio que isto deve ser tratado com a máxima liberdade e frontalidade que acham que o CDS ganharia em ter o líder do partido lá, coisa que acontece com todos os outros líderes partidários.
“A minha intervenção na noite eleitoral não foi entusiástica. A vitória foi de Marcelo”
Para não estarmos sempre na vida interna do CDS, vamos falar agora de presidenciais. Atribuiu na noite eleitoral alguns louros ao CDS pela vitória de Marcelo Rebelo de Sousa, mas quando se candidatou há um ano disse na altura que “todos os cenários estavam em aberto” isto depois de Assunção Cristas já ter escolhido Marcelo Rebelo de Sousa. O CDS fez esta escolha apenas porque se sentia pressionado a estar do lado do candidato que ia vencer? Procurou um candidato melhor?
A escolha que o CDS fez foi uma escolha de convicção e o calendário que eu defini desde o Congresso foi rigorosamente o mesmo. Eu sempre disse o seguinte: que o CDS tomaria uma posição sobre as eleições presidenciais depois de saber se incumbente, Marcelo Rebelo de Sousa, era ou não candidato ao cargo. E mantive este discurso que foi absolutamente coerente e linear desde o início. E logo que Marcelo anunciou a recandidatura convoquei os órgãos próprios do partido e tomámos uma deliberação com o apoio do CDS, que foi votada com 81% dos votos expresso. Portanto, uma maioria esmagadora em Conselho Nacional. E, repare, fui eu que resgatei o debate sobre as presidenciais no seio do partido. Todas as outras pessoas que pertenciam à liderança de Assunção Cristas e que depois no Conselho Nacional se mostraram críticas sobre o apoio do CDS a Marcelo Rebelo de Sousa pertenciam à direção de Assunção Cristas que em janeiro de 2019, no hospital de Braga, PPP que foi extinta, disse que era óbvio que quem apoiava a primeira volta apoiava à segunda e que Marcelo Rebelo de Sousa tinha o apoio do CDS. Portanto, vejam o bizarro disto. O CDS apoiou Marcelo Rebelo de Sousa por uma razão muito simples. Ponto um, era o único candidato que colocou o interesse nacional acima dos interesses partidários. Enquanto uns iam a jogo para inflacionar o valor dos seus partidos, o CDS entendeu que este era o caso de escolher um chefe de Estado. A pessoa que tem mais perfil para o enquadramento daquelas funções. Segundo: Marcelo Rebelo de Sousa ergueu-se como um pilar afetivo da Nação, nas suas maiores crises, um homem dos afetos, próximo dos portugueses que deu esperança e uniu o país…
Ou, nas suas palavras: “O homem que quer estar em todo lado, que tem uma relação mais íntima com um quadrante que não é o seu de origem”. Também disse que era “homem providencial” e não diz isto com um tom elogioso.
Já aí vou. O terceiro ponto é que é, de facto, um homem da direita social que se revê na doutrina social da Igreja, portanto o CDS identifica-se com este programa humanista cristão. E depois é uma pessoa intimamente herdeiro da AD e que percebe a necessidade, e reforçou várias vezes, de construir uma alternativa de centro-direita para derrotar o PS no poder do país. Relativamente às críticas: as críticas ao Presidente da República são legítimas num líder partidário. Não digo que Marcelo Rebelo de Sousa esteja isento de crítica, não sou hipócrita. Aliás, muitas das críticas que lhe fiz publicamente tive ocasião de em audiências privadas de expressar o desagrado do CDS. Agora, se me perguntar assim: apesar das críticas, Marcelo Rebelo de Sousa é a pessoa certa para o exercício daquelas funções? Claro que sim. E acho que o exercício da crítica faz parte das democracias e os Presidentes da República também têm de conviver com ela. Eu apelei a que, de facto, houvesse alguma equidistância na arbitragem do sistema político.
Mas não é bizarro celebrar uma vitória de forma tão entusiasta depois desses problemas todos que apontou ao Presidente?
Vejam a gravação. A minha intervenção não foi minimamente entusiasta. O que eu disse foi o seguinte: havia outros que entendiam que o CDS devia apresentar um candidato quando pertencem a uma direção anterior que já tinha encerrado o tema e que agora vieram dizer que discordavam e na altura não disseram rigorosamente nada.
Estamos a tentar seguir na entrevista e está sempre a voltar aos críticos.
Tem razão. Mas agora vou concluir, [Essas pessoas] queriam seguir um caminho liberal na afirmação do partido e muitos deles fizeram campanha ativa pelo candidato da Iniciativa Liberal, que valeu 3,2%.
Está a voltar aos críticos outra vez.
Já não falo mais. Sobre presidenciais. O que é que disse nessa noite? Disse que os objetivos do CDS para essa noite eleitoral tinham sido cumpridos. A vitória foi de Marcelo Rebelo de Sousa, mas, sendo o candidato apoiado pelo CDS, o CDS tinha razões para festejar esta vitória eleitoral.
No início desta entrevista falou em duas vitórias, julgo que se estava a referir aos Açores e às Presidenciais.
O que eu disse foi que o CDS celebrou a vitória de Marcelo Rebelo de Sousa nas presidenciais, não digo que a vitória de Marcelo Rebelo de Sousa pertencia ao CDS. São coisas rigorosamente diferentes. Celebrámos duas vitórias: Nos Açores uma vitória em listas próprias, nas Presidenciais pelo nosso candidato ter ganho as eleições. E que objetivos é que eu disse que o CDS cumpriu? Em primeiro lugar, uma vitória da direita social contra as outras afirmações de direita das quais não nos identificamos. Depois, uma vitória à primeira volta e a terceira era não dividir os votos da direita, que podia ter sido fatal numa eleição desta natureza. Portanto, foi só isto que eu disse. E disse: o CDS contribuiu para a maioria presidencial e, quando tantos falam de sondagens, a última sondagem que saiu dizia que mais de 70% dos eleitores do CDS iam votar em Marcelo Rebelo de Sousa. Portanto, creio que esta evolução dos tais 4% que votaram no CDS nas legislativas foi ótimo. Os 4% do CDS não davam para dar um grande resultado a André Ventura nem para dar um resultado fantástico a Mayan, quando a maioria votou em Marcelo Rebelo de Sousa. Portanto, estou absolutamente convicto da escolha que o partido fez. Foi uma escolha em consciência no único candidato que achamos que teria condições para fazer um bom resultado que, de resto, foi apoiado por todos os ex-presidentes do CDS. Veja o bizarro disto: o conselho nacional maioritariamente votou o apoio, o nosso eleitorado votou expressivamente em Marcelo Rebelo de Sousa e agora o problema é de Francisco Rodrigues dos Santos e desta direção por o ter apoiado.
Não se esqueça desse elogio que fez às sondagens porque a seguir vamos falar sobre sondagens. Mas a propósito da pandemia: na segunda-feira, Marcelo Rebelo de Sousa disse que está em “total união” com o primeiro-ministro no combate à pandemia. O CDS, que celebrou de forma tão entusiasta, a vitória de Marcelo também está em total união com o primeiro-ministro?
Eu não percebo porque continuam a insistir na ideia que foi uma celebração entusiástica da vitória. Foi realista. Foi o que foi: factual.
Mas sente-se confortável que esse seja o primeiro sinal que Marcelo Rebelo de Sousa dê depois de ter sido reeleito?
Passa pela cabeça de alguém que os responsáveis dos principais órgãos do país estejam divididos como aquela que estamos a passar? Com toda a franqueza, eu sou líder partidário, mas a política é aquilo que menos interessa nesta altura.
Portanto, o Presidente deve apoiar os erros do Governo?
Não. Claro que não. E acho que não é isso que o Presidente da República tem feito. Foi o primeiro a pressionar o decreto do estado de emergência para que o país fechasse. Na questão da saúde pressionou o Governo para haver contratualização com o setor privado e social, na questão das vacinas tem alertado para que a operacionalização do plano contemple quer as farmácias, quer as freguesias, quer os hospitais particulares. Tem tido uma postura bastante interventiva no que diz respeito, por exemplo, à educação. Acho que foi graças à intervenção do Presidente da República que se permitiram fechar as escolas apesar da insistência errática do Governo em mantê-las abertas. Creio que, na questão da pandemia, o Presidente da República até no plano das reuniões do Infarmed, acho que tem estado sempre bastante vigilante às políticas do Governo e tem apelado com diplomacia e sentido de Estado a uma boa gestão desta crise pandémica. Quando o Presidente da República diz que está unido ao primeiro-ministro eu não entendo isso como uma união siamesa de toda a gestão que o Governo tem feito da pandemia. Entendo sim que, nesta altura, temos todos de conjugar esforços para que o país ultrapasse esta situação crítica que estamos a viver e nenhum português perdoaria que os partidos ou as instituições estivessem divididas quando precisamos de salvar vidas e dar a melhor resposta possível e impedir que as pessoas vão para o desemprego e percam as suas carreiras.
“O chefe Ljubomir até se viu na necessidade de pedir desculpa pela atitude”
Além da questão sanitária, falou aqui na questão do desemprego. Há vários problemas, um dos que tem sido mais vocal tem sido o da restauração e em dezembro foi visitar os representantes dos restaurantes, que estavam em greve de fome. A dada altura falou do CDS e o chefe Ljubomir Stanisic disse-lhe: ‘Se voltares a falar do partido vou ter de te pedir para saíres’. E a sua resposta foi: “Está bem. Ok.” Acha que o líder do CDS tem de ter vergonha de falar em nome do seu partido seja onde for ou com quem for?
Claro que não. Eu nunca tenho vergonha em falar do nome do meu partido, mas naquela altura impunha-se uma palavra de humanidade para pessoas que estavam numa greve de fome há quase uma semana, numa situação altamente desestabilizada do ponto de vista psicológico em sofrimento e eu não quis agravar a agonia da situação em que estavam, contrariando uma vontade que tinham que a política não fosse trazida em sentido partidário para aquela discussão. Foi só isto.
Mas os partidos são um problema.
Claro que não são.
A coisa correu tão mal, que até foi convidado a sair por uma das representantes do movimento e depois levantou-se, virou-se para trás e disse: obrigado. Um líder de um partido deve aceitar este tipo de situação?
Eu não fui convidado a sair. A sessão era curta e depois nos cortes que foram apresentados nas televisões parece que aquilo foi quase instantâneo a forma como decorreu o encontro. Mas não foi. Eu tinha duas opções naquela altura: contrariar e afrontar pessoas que estavam naquela situação de desespero e de sofrimento porque não comiam há quase uma semana e estavam em luta pelos seus direitos e pela sua carreira e atividade profissional ou respeitar o sofrimento que estavam a passar, dar uma manifestação de humildade e de humanidade e não entrar em quezílias num estado tão sensível quanto aquele que estávamos a encontrar. Eu optei naquela altura de ter a humildade e a humanidade de respeitar a vontade daquele conjunto de pessoas porque eu estava ali no sentido de as poder ajudar a solucionar os seus problemas. Creio que o contributo que tive foi positivo porque, depois de lá ter estado, todos os outros partidos tomaram a iniciativa, o chefe Ljubomir até se viu na necessidade de pedir desculpa pela imagem que tinha projetado no tratamento que teve comigo porque achou que não correspondeu ao seu sentimento nem à imagem que foi criada e nesse dia até aconteceu um encontro com Fernando Medina e que a greve pode ter um término. Não me arrependo da atitude que tive porque nestas alturas os políticos também têm de engolir o orgulho, descer à realidade das pessoas e ter a coragem de lá estar. Porque eu estive lá olhos nos olhos. Outros não estiveram. Ouvi as críticas. As pessoas estão saturadas da política, a verdade é esta. Em vez de ser motivo de crítica e de chacota, a posição que tive deve ser valorizado porque pelo menos estive, ouvi, senti e apresentei soluções, não ignorei.
“Não professo a religião das sondagens”
Um estudo de opinião publicado na semana passada pelo Observador e pela TVI diz que o CDS estará a perder neste momento 23,5% do eleitorado de 2019 para o Chega, um valor semelhante para o PSD e 11,8% para os indecisos. Fiéis ao CDS só sobram pouco mais de um terço (35,3%) dos seus eleitores de 2019. Porque é que os eleitores se estão a ir embora?
Primeiro ponto, eu não professo a religião das sondagens. Quer dizer isto de forma peremptória e acho que a história do CDS ensina-nos que somos sempre prejudicados ao nível das intenções de voto quando há esses estudos de opinião.
Registo que há pouco citou uma, porque era conveniente.
Mas eu assinalo. E disse: para aqueles que acreditam em sondagens, temos estes dados. As sondagens são meros indicadores, têm de ser interpretados, não excluo isso, mas não faço uma análise rigorosa, fidedigna daquilo que é o resultado das sondagens. Tenho sondagens para todos os gostos. Em julho tinha uma sondagem que dava 4,8% ao CDS, num estudo realizado pela Intercampus.
E isso é bom?
Claro que não é bom. Mas prefiro ter más sondagens e bons resultados eleitorais, como aconteceu nos Açores. Tivemos sondagens miseráveis e depois tivemos quase 6%, do que ter boas sondagens como aconteceu no passado e depois ter fiascos em resultados eleitorais. Portanto, o CDS sempre foi um partido maltratado pelas sondagens.
Está a insistir que teve bons resultados nos Açores. Mas perdeu votos e um dos seus deputados disse: “Perdemos eleitores, perdemos mandatos e infelizmente tivemos o pior resultado dos últimos 25 anos”. Não foi um bom resultado.
Acho que foi um bom resultado. Mesmo relativamente às legislativas do ano anterior conseguimos crescer…
E porque os votos do PSD e do Chega lhe permitiram chegar ao Governo. É por isso?
Mas porquê do PSD e do Chega!?
Porque eles ganharam votos e o CDS não.
O CDS foi o partido mais votado à direita do PSD. Pode-se dizer que o Chega conseguiu viabilizar um governo por causa dos votos do PSD e do CDS. Não o contrário. O Chega não é aqui o elemento que realiza esta possibilidade de Aliança Democrática. O Chega ficou atrás de PSD e CDS. Claro que o resultado não foi brilhante, tenho consciência disso. Mas foi bom um resultado. Sobre as sondagens: quero contrariar esta tendência e afirmar o CDS, afirmando um posicionamento claro que não ceda à tentação de aceitar discursos que são contrários à sua própria identidade. André Ventura teve 500 mil votos, mas estes resultados não têm leitura para as legislativas. O CDS teve 49% com Freitas do Amaral, Basílio Horta teve 14% e depois teve 5 e 4%.
Freitas do Amaral foi apoiado pelo PSD.
Basílio Horta não foi e teve 14% e depois o CDS teve 5% nas legislativas. Ou seja, estes 500 mil votos que André Ventura sejam votos de pessoas completamente lunáticas, fascistas ou extremistas.
Acordo com Chega? “Nas legislativas temos de falar”
O Chega é fascista?
Não, claro que não é. Estas pessoas também não são. Estão desconfiadas e descontentes com a atuação do próprio sistema político, que não lhes oferece respostas. Quando não há respostas para o problemas de segurança, da precariedade, da coesão territorial, da reforma do sistema político, da reparação do elevador social… O que é que acontece? As pessoas que têm umas atordoadas insidiosas são os que têm o monopólio da representação daquele eleitorado que ficou sem voz. O CDS tem de ter soluções razoáveis para contrabalançar com as propostas radicais de outros partidos. Não é desviarmo-nos desta rota de institucionalismo, de moderação, de uma direita social, demcorata-cristã.
Uma rota que levou a 0,3% numa sondagem. Uma coisa nunca vista.
Mas noutras estamos com 4%. Talvez seja por isso que haja esta precipitação e esta histeria toda à volta do CDS. As sondagens não podem ser treslidas, nem ter uma interpretação desproporcional face ao valor relativo que têm. Há sondagens de 0, 1, 2, 3 e 4%.
O tema de uma futura aliança de direita acabou por marcar a campanha presidencial. Marcelo Rebelo de Sousa disse que só daria posse a esse Governo com acordo escrito entre os vários partidos. Aceitaria pôr a sua assinatura ao lado da de André Ventura?
Estou empenhado em dar músculo ao CDS, em fazer o CDS crescer.
Sim ou não? É daquelas perguntas de sim ou não.
A pergunta é simples. Mas nós precipitarmos a abordagem a estas questões pode comprometer a própria posição do CDS, do valor e do peso que quer ter. Se eu admitir essa possibilidade seria dizer que o CDS está realmente derrotado e oferecer a outros partidos o peso que já teve no passado.
Tem dito em várias entrevistas que a probabilidade de entendimentos com o Chega é nula. Isso é uma posição de princípio. O que lhe estamos a perguntar é, precisamente, se poria ou não a sua assinatura ao lado da de André Ventura?
Estou empenhado… Por exemplo: nas autárquicas não vamos ter acordos rigorosamente nenhuns com o Chega. Fui o único líder partidário à direita que o disse.
Nas legislativas, será outra conversa.
Nas legislativas temos de falar. Até lá, quero que o CDS, com o PSD, tenham a capacidade de construir essa alternativa de poder.
Porque é que tanta gente que foi do CDS está optar por André Ventura e pelo Chega. Temos o caso de Abel Matos Santos, que foi da sua direção, e disse que nestas eleições que André Ventura era o verdadeiro democrata-cristão. E Pedro Borges Lemos, que não sendo seu apoiante desde a primeira hora, desistiu a seu favor no Congresso, já deixou o partido e até já tem uma pasta no Chega.
O CDS era o partido mais à direita do nosso sistema constitucional. E isso fazia com que muitas pessoas se inscrevessem no CDS porque não tinham alternativa política à direita do CDS. Se me pergunta se em alguns casos eu até vejo como positivo a saída de algumas pessoas do CDS para o Chega, posso dizer que vejo.
Está a falar de Abel Matos Santos? É que foi um importante apoio para si.
Abel Matos Santos continua no CDS.
Sim, mas fez elogios rasgadíssimos a André Ventura.
Em termos genéricos: se tornar o CDS um partido mais habitável, mais respirável e contrarie alguns fanatismos levar algumas pessoas a perceberem que o CDS não é o seu espaço não vejo inconveniente algum. O CDS nunca quis ser uma representação idêntica àquilo que o Chega é hoje em dia. Quanto a Abel Matos Santos, foi alguém que eu instei a que saísse da direção do partido.
No Congresso, quando precisou dos votos dele, até apareceram abraçados à frente dos jornalistas.
É verdade. Quando Abel Matos Santos renunciou à sua moção, fez questão de me dar um cumprimento. Também é certo que, depois disso, foram tornadas públicas expressões do pensamento de Abel Matos Santos que eu desconhecia e que a nossa direção ignorava.
Numa fase inicial, defendeu-o.
O que disse foi que, perante aquilo que estava a ser tornado público, a direção do partido iria reunir e foi isso que aconteceu — não ia dar uma cabeça de bandeja de um membro da comissão executiva sem conseguir apura a realidade e o contexto em que essas declarações foram feitas. Estávamos na primeira semana de mandato e fui logo bombardeado com esta torrente de publicações que desconhecia por completo.
Câmara de Lisboa? “Tornarei ao contacto com Assunção Cristas”
Autárquicas. Segundo notícias nunca desmentidas pela direção do CDS, este mês iria falar com Assunção Cristas sobre a hipótese de uma eventual candidatura à Câmara de Lisboa, nomeadamente para perceber a disponibilidade da ex-líder do CDS. Já falaram?
Fiz esse apelo a Assunção Cristas, que me respondeu, inicialmente, que me indicaria uma data para termos esse encontro já no início do ano, mas depois voltou a refletir e entendeu que não era o momento certo porque estávamos em plena pandemia e existiam umas eleições presidenciais. Agora que acabaram as eleições presidenciais, tornarei ao contacto com Assunção Cristas para perceber qual é a sua disponibilidade. Assunção Cristas, a par de outras personalidades dentro do partido, daria uma boa candidata a Lisboa. Seja em listas próprias, seja em listas de coligação do PSD.
Presumo que defenda uma coligação com o PSD a Lisboa. Nesse cenário, Assunção Cristas seria cabeça de lista dessa coligação?
Isso não depende apenas da vontade do CDS.
Mas o CDS está disposto a abdicar desse lugar de número um nessa eventual coligação?
Para mim, a prioridade é a direita conseguir fazer uma plataforma que derrote o PS e Fernando Medina. Isso obriga a que eu e Rui Rio tenhamos um diálogo estruturado para chegar à melhor solução possível.
Mesmo que o CDS, sendo o partido mais votado nas últimas autárquicas, não indique o número um?
Sim, mesmo que essa possibilidade venha a acontecer. Sendo que nessa conversação com o PSD, o CDS tem alguns nomes fortes que poderia apresentar, como Assunção Cristas. Agora, quem parte para uma negociação como esta, tem de estar com espírito aberto e colocar todas as cartas em cima da mesa com total lealdade e cooperação.
No Porto está disposto a apoiar novamente Rui Moreira apesar de ser arguido num processo?
Mantemos total confiança em Rui Moreira. É uma das figuras mais emblemáticas do ponto de vista autárquico, é ele o rosto de uma marca de qualidade, desenvolvimento, cosmopolitismo e cultura da cidade do Porto. Tem feito um trabalho, do ponto de vista ético, de transparência absolutamente irrepreensível. Não temos quaisquer reservas em apoiar Rui Moreira e fazer um juízo de fé sobre a sua integridade, competência e idoneidade.
Isso não é uma desconfiança em relação ao Ministério Público?
Claro que não. A Justiça que faça o seu trabalho. Não comento casos judiciais.
O facto de ser arguido não é um impedimento para o CDS apoiar candidatos?
No caso do Porto não é.
Qual é regra do CDS?
No caso do Porto, conhecemos a postura de Rui Moreira, trabalhámos com ele há oito anos e podemos atestar da sua integridade e idoneidade. Em todos os outros casos há um princípio de presunção de inocência e respeitamos esse princípio a menos que tenhamos indícios perfeitamente claros que nos permitam formar uma convicção de que a pessoa é culpada ou não. Mas isto dependerá sempre de uma avaliação caso a caso.
Chegou a ser discutida a hipótese de que o PSD poderia fazer depender um acordo global nas autárquicas de uma eventual cedência do CDS no Porto. Ou seja, o CDS teria de deixar de apoiar Rui Moreira para conseguir o acordo global. Esse apoio é irrevogável?
Essa questão nunca me foi colocada pelo PSD. Esse assunto está perfeitamente arrumado.
Admite candidatar-se a alguma cargo autárquico?
Admito candidatar-me onde sentir que posso ser uma mais valia para o partido. Agora, sempre o disse de forma muito categórica: não acredito em omnipresidentes, que são candidatos a tudo. São candidatos às autárquicas, depois querem ser candidatos a primeiro-ministro, querem construir uma alternativa no país mas depois estão interessados em derrubar o socialismo a nível local… Esta confusão baralha os eleitores.
Qual é o nível autárquico a que admite candidatar-se? Assembleia de Freguesia, Junta de Freguesia, Assembleia Municipal, Câmara Municipal..?
Acho que um presidente de um partido não deve ser candidato a uma Câmara Municipal. Não é esse o perfil, não é esse o fito que tem. O meu papel é procurar liderar uma oposição de direita ao Governo socialista. O CDS não é um partido unipessoal, tem outras figuras, outros protagonistas de qualidade e de craveira que podem assumir estes desafios.
Numa altura em que o CDS está rodeado das dificuldades que apontou, o seu contributo vai ser uma Assembleia Municipal. Não acha que é pouco?
Não. O CDS não é só o seu presidente. A maior parte dos eleitores não espera de um presidente do partido que seja candidato a Câmara Municipal. Senão seria um líder concelhio, um líder distrital. Um líder nacional tem uma abrangência de todo o território. Acantonar-se apenas num concelho coloca muitas vezes divisões para o resto do país e centra a atividade política do líder numa circunscrição que é muito mais pequena e redutora do que aquele que deve ser o trabalho de âmbito nacional. Até pela dignificação das funções do presidente do partido, que não têm essa natureza.
Já disse que não pretende apresentar nenhuma moção de censura ao Governo. Se depender de si, António Costa cumpre o mandato todo?
O que eu disse foi que durante este pico da crise pandémica que estamos a atravessar, não me passa pela cabeça apresentar uma moção de censura ao Governo. Era gerar mais instabilidade política num contexto em que o país tem de estar unido. Não me vou inibir de criticar o Governo, agora apresentar moções de censura ao Governo numa altura como esta que o país está a atravessar…
Então, quando a crise passar, eventualmente pode ser uma possibilidade.
Claro, exatamente. Não abdico dessas prerrogativas democráticas. Agora faz muito mais sentido criticar o Governo por esta gestão errática, que mais parece um barco à deriva nesta tempestade, e obrigá-lo a tomar medidas. Uma via verde para consultas, exames e cirurgias no hospitais sociais e particulares paga pelo Estado para que não haja portugueses a morrer à porta do SNS; aumentar a nossa capacidade de testagem e interromper as cadeias de transmissão; incluir os mais idosos na primeira fase do plano de vacinação; permitir o ensino à distância; e [avançar com] o encerramento de fronteiras, uma das medidas que tomámos na primeira vaga e que agora se exige — Portugal tem de considerar essa possibilidade.
Sobre a vacinação. Quem é que deve ser vacinado da classe política e de dirigentes políticos?
Só deviam ser vacinados o primeiro-ministro, o Presidente da República e o Presidente da Assembleia da República, no máximo.
Só?
Só. Não compreendo, acho um mau exemplo e um insulto colocar os políticos como prioritários. As pessoas terão noção do que são todos os órgãos de soberania? Vai desde as autarquias locais, os seus funcionários, à Assembleia da República. São milhares e milhares de pessoas. Colocar toda essa gente à frente dos nossos idosos, dos profissionais de saúde e das forças de segurança é uma imoralidade. Não posso pactuar com isto.
Veja aqui a entrevista na íntegra: