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Daniel Delang

Daniel Delang

Girls Lean In, as mulheres também têm voz

Girls Lean In chega à capital portuguesa esta quarta-feira para mostrar que os negócios também se fazem no feminino. Mariana Duarte Silva, do Village Underground Lisboa, é a voz do primeiro 'meetup'.

Mariana Duarte Silva, 35 anos, dois filhos, vive em Lisboa. A mulher por detrás do Village Underground Lisboa, o espaço de cowork que junta autocarros da Carris e contentores marítimos a artistas empreendedores, é a oradora do primeiro meetup mensal – encontros informais entre pessoas que partilham o mesmo interesse – do Girls Lean In, em Lisboa, esta quarta-feira, pelas 19 horas. Em Braga, decorre em simultâneo a nona edição da iniciativa.

Durante o evento, que quer dar voz às mulheres empresárias ou em cargos de liderança, Mariana Duarte Silva vai contar a sua história. Da insistência do pai para que tirasse um curso superior, à mudança crucial para Londres e ao regresso a casa, para replicar em Lisboa o que viu e viveu no Reino Unido. Com suor, lutas e lágrimas. Que “valem a pena”, explicou ao Observador.

O Girls Lean In nasceu em Braga pelas mãos de Catarina Sousa e Catarina Campos, duas jovens de 30 e 23 anos que se conheceram nos meetups organizados pelo Factory Braga, um espaço de cowork e incubação de startups na cidade minhota. A ideia de criar os encontros Girls Lean In surgiu depois de Catarina Sousa, gestora de comunidade no local, ter reparado que os encontros organizados pelo Factory Braga só tinham oradores masculinos. Entre a assistência, o número de homens presentes também era superior ao das mulheres. “Quisemos dar voz às mulheres”, conta.

Catarina Campos e Catarina Sousa, fundadoras do Girls Lean In

Foi num desses meetups que conheceu a cofundadora da iniciativa, Catarina Campos, estudante de mestrado em engenharia informática na Universidade do Minho, e dinamizadora da iniciativa Portugal Girl Geek Dinners, que junta mulheres programadoras e da área de informática à mesa. Aliou-se a vontade que Catarina Sousa tinha de lutar pela igualdade de direitos entre homens e mulheres à experiência que Catarina Campos tinha na organização de iniciativas do género. Mensagem: porque não arriscar em lançar novos projetos?

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O nome da iniciativa foi inspirado no livro que Sheryl Sandberg, responsável pela área operacional da rede social Facebook, lançou em 2013, o Lean In: Women, Work, and the Will to Lead – que na versão portuguesa, lançada pela Editorial Presença, se chama Faça Acontecer – Mulheres, Trabalho e a Vontade de Liderar – e nos Lean In Circles que organiza. É nestes encontros regulares entre pequenos grupos de pessoas, organizados para que possam aprender e crescer juntos, “com o poder dos pares”, que se discutem vários temas ligados à igualdade de género.

Sheryl Sandberg, responsável pela área operacional do Facebook, lançou o "Lean In: Women, Work, and the Will to Lead" em 2013

Getty Images

Para os encontros do Girls Lean In, Catarina Sousa convida várias mulheres de negócios a contarem as suas histórias para uma audiência que se quer mista. “Porque queremos que os homens façam parte da mudança e fiquem sensíveis em relação à igualdade de género”, explicou Catarina Sousa ao Observador. E recorda o discurso que a atriz Emma Watson fez nas Nações Unidas para lançar a campanha HeforShe, no sábado, 20 de setembro, e que tem sido partilhado nas redes sociais.

Na UN Women, a Organização das Nações Unidas (ONU) para os Direitos das Mulheres, a atriz que faz de Hermione Granger na saga Harry Potter, afirmou que a iniciativa HeForShe pretende “galvanizar tantos homens e rapazes quanto for possível para a mudança” e que o termo “feminismo” não é sinónimo de ódio aos homens, mas “a crença de que homens e mulheres devem ter direitos e oportunidades iguais”. E é isso que Catarina Sousa pretende com os meetups do Girls Lean In, que surgiram em novembro de 2013 em Braga: mudar paradigmas.

Os meetups mensais do Girls Lean In começaram em Braga

Os encontros promovidos pelas jovens realizam-se na última quarta-feira de cada mês, em horário pós-laboral. Começam por volta das 18h30 e terminam cerca de uma hora e meia depois. Os homens são convidados a assistir, mas têm aderido pouco. “Quando dizemos para participarem nos meetups, respondem-nos ‘mas vão falar de quê: cozinha, costura?’ É por isso que queremos fazer isto. Para evitar estas reações e mostrar que as mulheres também podem falar de negócios”, explica Catarina Sousa ao Observador.

As mulheres ainda têm receio de arriscar, revela. “Porque são mais retraídas e nós queremos que elas saibam que é possível lutar pelos seus sonhos. Os homens ainda estão muito ligados à inteligência e as mulheres à beleza. Nós queremos dizer que tanto eles como elas podem ser ambos: bonitos e inteligentes”, avança.

Sobre os preconceitos que Catarina Sousa conta que ainda existem no mercado de trabalho, revela que a luta para que as mulheres se mantenham em cargos de topo deve continuar. “Existe, acima de tudo, o preconceito de que a mulher não pode ser líder e mãe ao mesmo tempo. Uma criança pode mudar a vida de uma pessoa, mas tal como uma mãe é mãe, um pai também é pai e é possível ter as duas coisas: uma carreira e uma família, desde que haja uma equipa em casa”, revela. O Girls Lean In sai esta quarta-feira, pela primeira vez, de Braga, para se render à capital. Para breve, há Girls Lean In em Coimbra.

Andreia Reisinho Costa

Mãe de duas crianças e 14 contentores para gerir

Maternidade a par e passo com o empreendedorismo. Mariana Duarte Silva estava grávida de oito meses de Lucas, agora com quatro anos, quando soube que tinha três autocarros da Carris à sua disposição para avançar com o Village Underground Lisboa, o projeto que fez com que quisesse deixar Londres e regressar à cidade que a viu crescer. Na altura em que estava a arrancar com a obra na Estação de Santo Amaro, em Lisboa, nasceu o filho mais novo, Nuno, em 2012.

O Village Underground Lisboa é o segundo projeto da empreendedora de 35 anos, que se licenciou em Gestão de Empresas em 2001, por insistência do pai. O último ano letivo mudou-lhe a vida: fez Erasmus nos Alpes franceses e a experiência “abriu-lhe horizontes”. Chegou a Portugal e começou a trabalhar em produção de publicidade, passou pelo departamento de marketing da TVI, e por vários projetos editoriais. Foi um dos nomes por trás da estreia da série “Morangos com açúcar”, mas foi da revista Maxmen que se despediu para ir atrás de outro sonho: a música.

Mariana Duarte Silva fundou a Madame Management, em 2005 e o Village Underground Lisboa em 2014

Daniel Delang

Desde 2001 que Mariana estava rendida a tudo o que faz mexer o universo musical. Começou por ter um bar no Tamariz, em Cascais, e por trabalhar como relações públicas em festas de música eletrónica com o coletivo Da Providers. Foi aí que conheceu a dupla de Djs Stereo Addiction, de quem se tornou numa espécie de manager, sem saber. Escrevia-lhes os comunicados de imprensa e arranjava-lhes patrocínios. O interesse pela dupla foi tanto que anos mais tarde casou com um deles, Gustavo Rodrigues. O pedido foi feito por ela, num clube noturno londrino. O amor nasceu na música. E a paixão também. No negócio, sobretudo.

Em 2005, Mariana Duarte Silva lançou a Madame Management, uma empresa que começou por fazer agenciamento e management de artistas de música, mas que agora também faz assessoria de comunicação de festivais. Foi a paixão pela Madame que a levou a despedir-se e a rumar a Londres, em 2007, pré-crise financeira. A par de um trabalho na área da publicidade, começou a organizar festas na capital londrina com ADN português na cabine do DJ. Foi assim que nasceu o conceito “O Baile”, onde a dança se cruzou com a música portuguesa para se divertir em inglês. O sucesso foi tal que os irmãos Octa Push, que foram a Londres a convite de Mariana Duarte Silva, acabaram por tocar mais tarde num dos mais conhecidos clubes londrinos, o Fabric.

Em 2008, Mariana Duarte Silva deixou o trabalho que tinha numa agência londrina para se dedicar em exclusivo ao Madame Management e arrendou uma carruagem de metro no Village Underground London, por onde passava todos os dias para ir para a agência onde trabalhava. Até a crise ter começado a afetar o negócio e as saudades a apertarem. Fez as malas e regressou a Portugal. Trazia duas novidades: estava noiva e queria montar um Village Underground em Lisboa.

5 fotos

Chegou a Lisboa e começou a procurar parceiros e um sítio para montar os contentores que ainda eram um sonho. Mas Portugal “estava enfiado no meio da crise” e a prioridade não era apoiar projetos como o Village Underground Lisboa. “Ainda não se ouvia falar em empreendedorismo, muito menos ligado às indústrias criativas”, contou ao Observador. Foram três anos de luta, “a remar contra a maré”. A primeira boa-nova aconteceu depois de uma reunião que teve com a Carris. Gostaram tanto do projeto que saiu dos escritórios da empresa de transportes com “três autocarros na mão”. Estava grávida de oito meses.

Uma batalha ganha. Outras tantas por travar. O ponto de viragem deu-se quando António Costa, presidente da Câmara Municipal de Lisboa, leu a entrevista que Mariana Duarte Silva deu à Time Out, onde dizia que tinha quase tudo para avançar com o projeto. Faltava-lhe o sítio. O telefonema que António Costa fez para Graça Fonseca, vereadora da CML com o pelouro de Economia e Inovação, mudou-lhe a vida: o executivo camarário estava interessado em apoiar o projeto.

Em 2011, Mariana Duarte Silva mudou-se para a incubadora Startup Lisboa, onde conseguiu ter o apoio necessário para desenvolver o plano de negócios do Village Underground Lisboa e teve acesso à linha de crédito Finicia, programa promovido pelo IAPMEI (Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e à Inovação) para apoiar a criação de empresas: cerca de 45 mil euros. Não eram suficientes. Noutra linha de crédito do Montepio, conseguiu financiamento para mais 67 mil euros e os restantes 112 mil euros necessários para avançar foram investimento feito com capitais próprios, da empreendedora e do sócio inglês, fundador do Village Underground London.

No Village Underground Lisboa, moram vários projetos na área da moda, escrita, alimentação, produção musical, televisiva, entre outros. Mas ainda há contentores por arrendar, diz Mariana Duarte Silva. O “caos” que antecedeu o lançamento do Village compensou, porque “mais vale lutar pelos teus próprios sonhos do que estares a trabalhar e a ser paga para concretizares os sonhos de alguém”.

“Existe acima de tudo o preconceito de que a mulher não pode ser líder e mãe ao mesmo tempo."
Catarina Sousa, fundadora do Girls Lean In

Em Portugal, apenas 8,7% dos cargos de administração de empresas são ocupados por mulheres, segundo os dados divulgados esta quarta-feira pela Comissão Europeia. É o quinto país europeu com pior classificação. Em abril de 2014, a média europeia situou-se em 18,6%.

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