O ministro das Finanças entrou nas reuniões com os partidos sobre o próximo Orçamento do Estado a pintar um cenário de incerteza, pressionado pela situação internacional, e também a alertar para as limitações que os dois próximos anos vão trazer à margem orçamental por causa da parte dos empréstimos do PRR. Uma postura que a oposição vê como um encurtar da margem orçamental para negociar medidas que venham de fora.
Desde manhã que Joaquim Miranda Sarmento esteve a liderar as reuniões que o primeiro-ministro quis marcar para antes das férias de verão — a que acabou de faltar por motivos de saúde — e foi o ministro que acabou por ditar as prioridades para a negociação que agora começa e onde ficaram já novas reuniões apalavradas para o início de setembro.
Da parte do Governo o aviso que apareceu à cabeça, de acordo com o descrito ao Observador por dirigentes dos partidos que estiveram nas reuniões, foi que o Programa do Governo “não pode ser desvirtuado“. Miranda Sarmento também fez saber que, no entender do Executivo, as “grandes decisões fiscais estão já tomadas” e, por fim, alinhou duas más notícias: a componente de empréstimo do PRR vai aumentar os gastos em 2025 e 2026, o que implica restrições orçamentais, e a situação de conflitos internacionais e a situação política incerta nos EUA também não aconselham a aventuras.
No ano passado foi feita a reprogramação do PRR depois do aumento dos custos dos projetos, sobretudo por causa da inflação, mas a Comissão Europeia aceitou financiar apenas até 19% do aumento de cada projeto, o que levou o Governo de António Costa a ter de recorrer aos orçamentos do Estado para responder aos aumentos em investimentos de maior dimensão. Assim, até ao ano-limite para a execução dos investimentos financiados pelo PRR (2026), ficou definido que o Estado vai ter acrescentar 1,2 mil milhões de euros — um valor que Miranda Sarmento está a aproveitar para justificar menos margem para poder aceitar outras medidas.
Além disso, o ministro das Finanças prevê um excedente entre os 0,2 e os 0,3% do PIB, o que já disse publicamente serem valores equivalentes aos que estavam previstos inicialmente no Orçamento para este ano. Outra das preocupações assumidas por Miranda Sarmento nas conversas que manteve com os partidos com representação parlamentar foi a necessidade de manter a trajetória de redução da dívida pública — recorde-se que o objetivo assumido pelo Governo no programa eleitoral é garantir que a dívida fica abaixo de 90% do PIB em 2028.
Ainda de acordo com fontes que estiveram nessas reuniões, o Executivo, representado por Miranda Sarmento, António Leitão Amaro (Presidência) e Pedro Duarte (Assuntos Parlamentares), mostrou pouca abertura para revisitar duas propostas estruturais: a redução transversal do IRC (uma exigência do PS) e a alteração dos pressupostos para a redução do IRS para os mais jovens (que merece críticas da esquerda à direita, incluindo entre a Iniciativa Liberal).
De resto, a delegação do Governo abriu muito pouco o jogo. No essencial, limitou-se a ouvir e a repetir os avisos sobre a necessidade de não desviar muito o rumo em relação àquilo que já estará mais ou menos consensualizado. Aliás, uma das bandeiras do Governo — a tal criação do 15.º mês, um prémio de desempenho isento de impostos para os trabalhadores — não deverá ter acomodação orçamental já neste exercício.
Promessas de boa fé, ameaças veladas e portas fechadas
Nem todos os representantes partidários saíram com o mesmo otimismo das negociações. Ainda assim, com um dado a reter: PS (sem Pedro Nuno Santos) e Chega demonstraram margem para negociar o Orçamento — e um dos dois terá, necessariamente, de viabilizar o documento. À saída da reunião, a líder parlamentar socialista, Alexandra Leitão, garantiu que o “objetivo é que as negociações possam chegar a um bom resultado” e que não há razões para “estar pessimista”.
André Ventura, por sua vez, apareceu a a jurar que o partido encara com seriedade as negociações do próximo Orçamento do Estado e disse ter sentido “uma atitude positiva” do lado do Governo. Apesar de tudo, o líder do Chega voltou a pressionar Montenegro a escolher um parceiro: ou ele ou Pedro Nuno Santos. “O Governo não pode querer estar a jogar nos dois tabuleiros. Se o Orçamento for para seguir as mesmas linhas que o PS seguiu nos últimos anos e que Pedro Nuno Santos quer seguir, então é melhor dizerem-nos já e não há mais nada para conversar”, disse.
Para já, a Iniciativa Liberal, o parceiro preferencial de Luís Montenegro — ainda que não seja suficiente para fazer viabilizar o Orçamento –, prefere não abrir o jogo para já. “A IL não fará nenhuma declaração de intenções em relação ao sentido de voto”, começou por dizer Rui Rocha à saída da reunião, antes de lamentar que o Governo não tenha demonstrado “grande abertura” para revisitar a sua proposta de reduzir o IRS Jovem, uma medida que a IL considera ser “discriminatória”.
Apesar de tudo, Rui Rocha elencou quatro propostas que o partido levou para a mesa das negociações: a redução do IRS; a redução do IVA da construção; o cheque-creche; e eliminação de derramas para as empresas. Além disso, o liberal assinalou a abertura do Governo para flexibilizar o regime de contabilidade para os trabalhadores por conta própria, criticando, em contrapartida, a falta de abertura para estudar propostas para reduzir o “peso do Estado”.
A estratégia do Livre passa por contrapor propostas para aquelas que não concorda, como por exemplo a herança social para substituir o IRS Jovem, ou os apoios às pequenas médias empresas para substituir a baixa generalizada do IRC. Isso além de ainda tentar conseguir algum ganho, junto do Governo, na concretização de medidas que vêm do Orçamento passado mas ainda sem concretização, como o alargamento do passe ferroviário nacional ou a regulamentação do fundo de emergência para a habitação.
No caso do Bloco e PCP, a porta parece não estar semi-aberta, com os líderes de ambos os partidos a darem o tempo da reunião como perdido. Mariana Mortágua, do BE, ouviu no Governo “afunilamento ideológico” e também que as principais “escolhas fiscais, económicas, políticas para o país estão feitas e que depois haverá uma pequena margem para os partidos poderem dizer se concordam ou não”. “As reuniões são menos produtivas do que poderiam ser”, disse Mortágua aos jornalistas no palacete de São Bento. Já Paulo Raimundo disse que “o Governo apresentou pressupostos” a que o PCP se opõe “frontalmente”: “Não valia a pena perdermos tempo. Viemos embora.”
No PAN, Inês Sousa Real saiu com uma perspetiva diferente e viu alguma “aproximação” em matérias como a habitação e impostos. O partido defende “deduções sobre habitação, atualização do IRS à taxa de inflação” e ainda a recusa de “retrocessos” na proteção animal e promete ficar em jogo, ou seja, na negociação até outubro.