Um estudo sobre o impacto da menstruação na saúde e na qualidade de vida; grupos de trabalho para estudar, avaliar, apresentar propostas — para a despoluição do rio Paiva, as juntas médicas ou a poluição luminosa —; uma avaliação às “infraestruturas hidráulicas”; e um livro branco — sobre o trabalho sexual e a prostituição em Portugal. Entre outras, muitas outras propostas. A maior parte das medidas da oposição viabilizadas pelo PS não compromete o Governo a alterações significativas do seu Orçamento, mas antes incumbem-no a estudar hipóteses, possibilidades, cenários. Nada de muito concreto e que, portanto, também não tem grande impacto orçamental, mas que serviu para Livre e PAN poderem gabar-se de terem conseguido fazer aprovar propostas.

Nada que tenha passado despercebido às críticas da oposição. Paula Santos, do PCP, acusou os partidos de Rui Tavares e Inês Sousa Real de se terem prestado “novamente” ao papel de “caucionar as opções do PS; encharcando o orçamento com mais estudos e grupos de trabalho, próprios de quem não pretende resolver problema algum”. Também Pedro Filipe Soares, do Bloco, afinou pelo mesmo discurso: “Este orçamento tem estudos, comissões, planos e até tem grupos de trabalho Não é uma acaso, as decisões estruturais já estavam tomadas e não mudaram”.

Certo é que em 2023 o Governo terá muitos dossiês, cadernos e até um livro para estudar. Exatamente sobre o quê?

Estudos e avaliações

Foi uma das primeiras medidas do PAN a receber luz verde do PS, mas noutra tonalidade: o Governo terá de apresentar à Assembleia da República um estudo sobre o impacto da “taxa rosa” em Portugal. Objetivo? “Estimar as diferenças de preço que os compradores masculinos e femininos enfrentam ao comprar produtos com características semelhantes”. É que, refere o PAN, já foram feitos estudos no Reino Unido e nos EUA que concluem existir um diferencial entre o mesmo tipo de produtos vendidos para mulheres (mais caros) e para homens. O mesmo será feito para Portugal. Por exemplo, o partido de Inês Sousa Real cita um estudo de 2018 feito no Reino Unido segundo o qual um creme facial para mulheres custava mais 34,28% do que um creme facial para homens.

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A captura indevida de mamíferos e aves marinhas nas redes de pesca também terá direito a um estudo, por proposta do PAN, que inclui o impacto no declínio das espécies.

O PAN propôs ainda e o Governo aceitou a criação de um “atlas de risco das alterações climáticas”, que identifique, de acordo com diferentes cenários, o real impacto das alterações climáticas em Portugal. Só assim, diz o partido, se poderá ter a informação necessária para um “correto exercício de planeamento do ordenamento do território, dos recursos hídricos, da floresta e da agricultura”. Esta foi uma das propostas que já tinha sido aprovada para o OE deste ano, mas não viu a luz do dia.

Mas foi o Livre o grande vencedor no campeonato dos estudos: também conseguiu um estudo de diagnóstico e avaliação do transporte escolar e da mobilidade “flexível, polivalente e ecológica”. O estudo vai considerar a realidade dos territórios de baixa densidade populacional ou as consequências na economia e dinâmica familiares, assim como na segurança rodoviária. A ideia é depois ser realizado um projeto-piloto num município ou Comunidade Intermunicipal num território de baixa densidade populacional.

Nos planos do Governo terá de constar um estudo sobre o impacto da menstruação na saúde e na qualidade de vida em Portugal. A proposta, do Livre, já tinha sido aprovada em maio, para o Orçamento de 2022, mas nunca chegou a ver a luz do dia. Volta agora a ver a sua oportunidade em 2023.

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Os socialistas concordaram com a proposta de se promover um estudo nacional sobre poluição luminosa que avalie “o grau de contaminação provocado pela luz artificial e seu impacto na biodiversidade, na saúde humana, na qualidade de vida e na qualidade do céu noturno”.

Na proposta sobre o passe ferroviário para comboios regionais, até 49 euros por mês, compromete o Governo e as autoridades de transporte a apresentar um estudo sobre a revisão do tarifário dos serviços ferroviários que estão ao abrigo de obrigações de serviço público, que preveja a sua simplificação e os moldes em que se poderá fazer o alargamento do passe ferroviário nacional às restantes categorias de serviço.

O Livre também propôs a implementação do programa Cartão +Cultura, +Cidadania, que facilitaria o acesso à cultura com a atribuição de um abono para atividades e produtos culturais. Mas o que ficou aprovado foi o lançamento de um estudo sobre a eventual aplicação do programa. As regras do estudo terão de ser estabelecidas pelo Ministério da Cultura, com base em contributos recolhidos por um grupo de trabalho alargado que envolve entidades do setor da cultura, artistas e organizações da sociedade civil que trabalham na área”.

A proposta de alocação das verbas do programa 3C — Casa, Conforto e Clima também prevê um estudo sobre a criação de um crédito fiscal a atribuir a todos os aderentes ao programa, de até 10% do valor despendido por projeto.

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Na proposta do Livre de dinamização e apoio da criação de cooperativas de habitação foi aprovado um número que obriga o Executivo a identificar, de entre os imóveis integrados no inventário do património imobiliário do Estado com aptidão para uso habitacional, os imóveis que podem ser mobilizados para as cooperativas de habitação.

Na concertação social, o Governo fica obrigado a estudar “formas e mecanismos de incentivar a mobilidade ativa e sustentável por parte dos cidadãos, designadamente no que se refere às deslocações entre casa e locais de trabalho”.

Outro presente que o PS deu ao Livre foi a avaliação das infraestruturas hidráulicas existentes em território nacional, bem como a elaboração da Estratégia Nacional para a Remoção de Infraestruturas Hidráulicas.

Também foi aprovada a proposta de atualização do Plano Nacional para o Alojamento no Ensino Superior 2018-2030. O Governo fica responsável por identificar as necessidades de adaptação dos alojamentos para estudantes com deficiência.

Por unanimidade, o partido de Rui Tavares saiu ainda do Parlamento com um estudo sobre a viabilidade técnica e financeira da implementação de um regime de comparticipação especial dos encargos com nutrição artificial (entérica e parentérica), fora do contexto hospitalar.

O PS não tratou só de aprovar estudos. Também os propôs. Um deles sobre o impactos dos estágios curriculares, mais concretamente das despesas que os estudantes incorrem por frequentarem essa componente letiva que é obrigatória para obterem o grau académico. A ideia é que, mais para a frente, se equacione a remuneração dos estágios curriculares obrigatórios.

A maioria absoluta também aprovou a proposta dos socialistas para que o Governo faça uma “avaliação técnica das necessidades de acesso a tratamentos de reabilitação oral através de prótese dentária, no âmbito do Programa Nacional de Promoção de Saúde Oral”. Aqui o objetivo é que o SNS possa disponibilizar próteses dentárias removíveis a todos que precisem.

Da parte do PCP, os socialistas deram luz verde à proposta que reforçava o orçamento do Instituto da Conservação Natureza e Florestas (ICNF) em um milhão de euros. Mais: a proposta do PCP prevê que o ICNF coordene a atualização do diagnóstico do estado de conservação dos valores naturais nos territórios integrados em áreas protegidas.

Para 2023, fica também marcado um inquérito nacional de caraterização sociodemográfica da população com deficiência, após proposta do Bloco.

Um projeto-piloto

Há casos em que o Executivo terá de ir mais longe do que apenas estudar um tópico: terá mesmo de um pôr em prática numa amostra, através de um projeto-piloto, segundo as propostas (aprovadas) do PAN e do PS. Em relação à menstruação, terá de fazer esse teste para a  distribuição gratuita de bens de higiene pessoal feminina, que terá de ser articulado com as autarquias locais e organizações não governamentais e incluir a divulgação e o esclarecimento sobre tipologias, indicações, contraindicações e condições de utilização. O Bloco de Esquerda tinha uma proposta que ia mais longe — não falava em projeto-piloto, mas em distribuição gratuita em centros de saúde, escolas, universidades, prisões e junto de populações “socialmente excluídas” — assim com o Livre — que incluía centros de emergência para sem-abrigo ou casas de abrigo. Mas não foram bem sucedidos.

Grupos de trabalho

O Livre conseguiu a criação de dois grupos de trabalho. Um para avaliar as circunstâncias que devem dispensar a realização de uma junta médica, de avaliação de incapacidade, para a emissão de atestado médico de incapacidade multiuso.

Outro vai estudar a possibilidade de haver uma comparticipação aos sistemas de perfusão sub-cutânea contínua de insulina para pessoas com diabetes de tipo 1”, prevendo a proposta prioridade “a crianças e jovens e outras pessoas especialmente vulneráveis”.

De forma semelhante, o PS fez aprovar a criação de um grupo de trabalho para “avaliar as condições de alargamento do acesso aos sistemas híbridos de perfusão subcutânea contínua de insulina aos doentes diabéticos tipo 1, em especial às crianças, em condições a definir do ponto de vista técnico”.

Há um outro grupo de trabalho que será particularmente específico: um, proposto pelo PAN, para se dedicar à despoluição do rio Paiva. Nele participarão autarquias, organizações não-governamentais e cientistas, que terão como responsabilidade a execução e implementação de um plano de monitorização, despoluição, valorização e defesa da sustentabilidade do rio e afluentes.

A poluição luminosa não vai suscitar apenas um estudo. Também terá de ser criada, por proposta do Livre, uma comissão técnica e científica para avaliar e apresentar propostas para mitigação da poluição luminosa e controlo da luz artificial exterior, e para definir metas nacionais de redução de contaminação luminosa. Curiosidade: o PS não se quis comprometer com a parte da proposta que implicava compromisso financeiro para assegurar a inspeção e monitorização do brilho do céu noturno, luz intrusiva e impactos da luz nos ecossistemas.

Sob proposta do PAN tem de ser formada uma comissão técnica multidisciplinar que tem de apresentar um relatório com propostas para que se inicie a execução de um plano anual de formação sobre bem-estar animal destinado a órgãos de polícia criminal e magistrados.

Ainda por proposta do PAN, o Governo deve criar um grupo de trabalho, coordenado pelo ICNF, para executar o Plano de Ação Nacional para a Gestão e Conservação de Tubarões e Raias. Em articulação com organizações não-governamentais de ambiente, comunidade científica e organizações representativas da pesca.

Desenvolvimento de estratégias e iniciativas

Na lista de afazeres do Executivo consta o desenvolvimento de uma estratégia de prevenção e combate à violência contra idosos de forma a “intervir junto dos destinatários, o mais precocemente possível”. Terá, por isso, de ser elaborado um “plano intersetorial” de formação especializada “que será objeto de uma avaliação semestral contendo as recomendações que se considerem necessárias, sendo estas remetidas às entidades competentes para a sua implementação”. Foi uma proposta do PSD.

Por incumbência do Bloco, a Estratégia Nacional de Compras Ecológicas, que implica a formação dos funcionários públicos com funções nesta área, mas também a divulgação, monitorização, avaliação da inclusão de critérios ambientais, criação de um sistema de acompanhamento do cumprimento e implementação de critérios e divulgação de informação.

O Orçamento terá 100 mil euros para pôr no terreno estratégias de promoção e proteção da língua mirandesa, para a qual foi criada uma iniciativa, por proposta do Livre. Após um processo de consulta, serão definidas e operacionalizadas estratégias de proteção e promoção do mirandês como língua viva. Outra curiosidade: a “Nota Justeficatiba” (nota justificativa) foi escrita em mirandês.

Um Livro Branco

Esta proposta teve três vidas. Começou por ser aprovada pelo PS, que horas depois mudou o sentido de voto para contra, mas minutos a seguir voltou a viabilizá-la. Neste caso, é explícita ao referir que o Governo terá de encomendar o trabalho — a uma entidade externa e independente. O quê ao certo? Um livro branco sobre o trabalho sexual e a prostituição em Portugal. Em concreto, terão de ser avaliadas as necessidades e possibilidades para a regulamentação da atividade, o que terá por base o direito comparado e a auscultação de várias entidades da sociedade civil, incluindo as pessoas diretamente envolvidas.

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