Como tantos outros rapazes que pegam numa tábua de skate em tenra idade, Gustavo Ribeiro queria ser como Tony Hawk, o norte-americano que foi figura maior da modalidades nos anos 80 e 90. Ainda hoje, para muitos, Hawk é o primeiro nome que vem à cabeça quando se fala de skate. Pois bem, agora, principalmente para os adeptos portugueses, Gustavo Ribeiro é o nome a ter em conta. Principalmente na madrugada deste sábado para domingo, quando o jovem português vai tentar conduzir o seu skate a uma medalha.

Não será descabido pensar que, além de um possível triciclo, aqueles em que todos andamos em crianças, a primeira vez que Gustavo se deslocou rapidamente sem os pés no chão foi em cima de um skate. Foi logo aos cinco anos que um tio lhe deu uma tábua de skate pelo Natal. Tendo em conta que década e meia depois o jovem de 20 anos está a representar as cores nacionais na estreia olímpica da modalidade, que excelente Pai Natal foi aquele familiar, já a profetizar um atleta olímpico.

Juntamente com o irmão gémeo e parceiro do skate, Gabriel Ribeiro, foi já com muitos “kickflips” debaixo dos pés que Gustavo chegou a grandes competições de amadores. Cedo percebeu que aquelas tábuas com quatro rodas eram o seu amor e o seu sonho, mas foi em 2017 que as coisas ficaram mais sérias. Nesse ano, tornou-se o primeiro português a vencer o Tampa AM, nos EUA, o mais antigo campeonato de skaters amadores.

Quando soubeste que os Jogos Olímpicos iam ter skate começaste logo a pensar nessa possibilidade, ou não?

Claro que sim, até antes, um bocadinho mais cedo que isso. Desde pequenino que sonhava com isso mas nunca acreditei que fosse realmente possível. O skate sempre foi visto como uma cena mais rebelde e não tanto como um desporto. Sinceramente, nunca pensei na possibilidade de o skate entrar nos Jogos Olímpicos. Há três anos, houve a confirmação de que o skate ia entrar para a modalidade olímpica e é óbvio que desde que houve a confirmação continuei a trabalhar para conseguir a minha vaga. Vou para lá 100%. A preparação tem vindo a ser um pouco diferente, um bocadinho mais intensa, com fisioterapia e ginásio quase todos os dias, andar de skate todos dias e tentar ser o mais saudável possível.

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O skate é um estilo de vida e até há pouco tempo não era visto como um desporto. É diferente agora olhar para isto como uma modalidade desportiva? No teu caso, é diferente começares a pensar nisso como se fosses um atleta de alta competição? 

Antes, tínhamos muito mais liberdade do que temos hoje em dia. Temos muito mais regras e muita gente que pratica a modalidade ainda não vê bem isto. Sempre fomos pessoas muito livres, sem regras nenhumas e de há três anos para cá têm vindo a inserir muitas regras diferentes do que estamos habituados, mas são também as consequências de estar num desporto olímpico. Quem gosta, gosta, quem não gosta vê o skate à sua maneira. Eu fico muito feliz por finalmente podermos igualar os outros desportos todos e quero dar o meu melhor e trazer os melhores resultados possíveis, para mim e para Portugal.

Foi então na altura do Tampa AM que Gustavo Ribeiro decidiu que queria seguir o skate e deixar para trás, pelo menos por agora, os estudos. Fez então um acordo com os pais, como explicou à Federação Portuguesa de Patinagem: “Se eu for ao mundial (que era daí a dois meses) e ganhar, vocês [pais] dão-me a autorização para eu sair da escola.” Gustavo chegou a casa com o título e deu a volta à resposta “primeiro ganha e depois falamos” com uma lógica clara. “Cheguei a casa e a primeira coisa que disse aos meus pais foi: tínhamos um acordo, portanto vou dedicar-me 100% ao skate.”

Depois do mítico triunfo em Tampa, na Florida, Gustavo Ribeiro ganhou a hipótese de disputador o SLS Pro Open 2018, em Londres, onde conseguiu alcançar as finais depois de surpreender tudo e todos nas eliminatórias. Acabou num honroso 7.º lugar. Os bons resultados não pararam, tal como os 360º ou outras manobras em cima da tábua. Voltou aos EUA para um grande resultado em Long Beach, no AM Street Dew Tour, onde conseguiu um terceiro lugar. Mais tarde, no verão, venceu na competição “O Marisquiño”, um dos grandes campeonatos de skate da Europa.

Esta qualificação foi muito complicada para ti, ou não?

Sinceramente não foi muito complicada. No primeiro ano de qualificação, em 2019, consegui assegurar logo o 3.º lugar do ranking. Não foi fácil, foi preciso muito trabalho, mas nada é impossível. Em 2020, foi chato para toda a gente. Devido à Covid, não houve um único campeonato de skate todo o ano e, em 2021, tivemos duas etapas de qualificação e, na primeira etapa, eu desloquei um ombro. Não consegui competir e na última etapa também não consegui, ou seja, só tive o primeiro ano de qualificação em que consegui segurar o meu lugar. Podia ter sido muito pior e felizmente deu tudo certo.

Gustavo, foste o 3.º do ranking mundial em termos de pontos. Isto quer dizer que vais trazer uma medalha?

Não é certo a 100%, mas é um dos meus objetivos, claro que sim. E para ver se consigo melhorar, também. É óbvio que quem vai aos Jogos Olímpicos quer sempre trazer uma medalha, mas tens de te focar e melhorar para isso. Há muita gente que sonha ir para lá mas depois não trabalha para atingir os seus objetivos. Se tiveres um mindset positivo e trabalhares para isso, tudo pode acontecer.

Antes de chegar aos excelentes resultados de ranking mundial de que fala, Gustavo Ribeiro “surfou” com muito sucesso os rails de tantos outros torneios, com destaque para a qualificação para os SLS World Championships, em 2019. Nessa competição chegou às meias-finais e conseguiu a sua primeira nota 9. Foi daqui que deu o salto para o SLS World Tour, onde alcançou em 2019 o terceiro lugar do ranking mundial e a qualificação para os Jogos Olímpicos. Nesse mesmo ano, disse adeus à vida de amador e passou a skater profissional. Para marcar esse momento na carreira, lançou um vídeo seu gravado entre Portugal e EUA.

Tens o teu irmão que também continua andar de skate. Ele também te tem dado uma ajuda? Como é que tem funcionado em termos de trabalho e treino com ele?

Eu ando de skate com o meu irmão desde que comecei, desde os meus 4 anos e nós nunca tivemos rivalidade um com o outro. Se eu perdia e ele ganhava, eu ficava feliz porque ele ganhou. Treino com ele todos os dias. Obviamente que andar de skate sozinho é sempre chato e eu ando todos os dias com o meu irmão e ele puxa-me para eu dar manobras novas, eu puxo-o a ele, picamo-nos um com o outro e é óbvio que teres um irmão gémeo para andar de skate todos os dias é ótimo e não há muita gente que tenha.

A vantagem do skate é que sabes mais ou menos onde vais competir, o sitio onde vais treinar. Já tens uma ideia definida de quais são as manobras que vais tentar meter?

Já, já. Eu recebi a planta do skate park há uns 2 meses e já tenho tudo planeado e estudado. Claro que é muito melhor do que o surf porque eu já sei quais são as alturas dos corrimões, quais são os gaps e tenho já várias ideias estudadas para, se uma não correr bem, usar a segunda, a terceira ou a quarta. Para conseguires ganhar, tens de ser mais esperto que os outros, e não é só andar de skate mas sim saber jogar o jogo. Isto acaba por ser um jogo e tens de saber jogá-lo.

No Japão, sítio onde nunca esteve, nem com tábua nem sem tábua, Gustavo diz que se vai “desenrascar” no que toca à comunicação e aos restantes desafios do país. O atleta leva dois skates montados e mais dez tábuas, todas “com desenhos únicos para os Jogos Olímpicos e que não vão ser vendidos”.

É o teu mindset que te traz uma grande vantagem no skate atual. És conhecido por isso, por seres frio na forma como fazes o teu skate. Esse mindset como é que se cria?

Eu só tenho uma coisa na cabeça: se não acreditares em ti próprio, mais ninguém vai acreditar. Isso é a regra base. Porque nós portugueses temos uma cabeça muito inferior, moramos num país pequeno. Mas toda a gente tem as oportunidades que quiser, tu é que tens de querer e lutar por elas. E, se eu acreditar em mim mesmo, não vejo porque não conseguir. Então eu acho que a regra número um é mesmo acreditar em mim e se os outros não acreditarem, isso não importa porque, no final, a opinião dos outros não me vai deixar com uma melhor ou pior performance.

Talvez não fosse o desporto no qual, à partida, os portugueses depositassem mais esperanças, mas a verdade é que Gustavo Ribeiro é um dos melhores do mundo e pode muito bem sair do skate park de Tóquio com uma medalha. Esta noite, pela 1h00 da madrugada, o jovem de 20 anos vai tentar que o tal “mindset” — além da sua habilidade com o skate, claro está — o coloque no pódio, na história nacional e nos livros dos Jogos Olímpicos como um dos primeiros medalhados da modalidade.

Declarações de Gustavo Ribeiro ao jornalista João Gama, em entrevista à Rádio Observador.