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Coincidindo com o centenário da lendária viagem de Lenin de Zurique a Petrogrado, a Temas & Debates publicou em Portugal, com tradução de Artur Lopes Cardoso, a obra de divulgação Lenin no Comboio, de Catherine Merridale, uma historiadora britânica com importante obra sobre a Rússia, de quem a Temas & Debates já cá editara, em 2014, o premiado Fortaleza Vermelha: O coração secreto da história da Rússia.
O livro, que chega a Portugal escassos meses após a edição original (de Outubro de 2016), faz um relato detalhado do percurso sinuoso – em mais do que um sentido – do líder bolchevique entre a Suíça e a Rússia, mas antes de nos determos nos eventos relatados no livro, convirá providenciar-lhes contexto.
Da vitória rápida ao impasse na lama
Em 1917, a Alemanha era um país em apuros. Aquilo que os líderes alemães sempre tinham receado – ficarem entalados entre uma aliança franco-britânica a Ocidente e os russos a Oriente – acabara por acontecer. De nada tinham servido os planos de guerra que o Estado Maior alemão delineara, testara, revira e discutira até à exaustão durante anos.
O marechal Alfred von Schlieffen (1833-1913), chefe do Estado-Maior do Exército Imperial Alemão entre 1891 e 1906, concebera o plano Aufmarsch I (que passaria à história como o “Plano Schlieffen”), que visava assegurar uma vitória rápida e decisiva numa guerra contra a França, a grande potência rival no ocidente do continente europeu e com a qual a Alemanha tinha um longo historial de conflitos. Ao longo dos anos, foi convertendo-se num plano minucioso, rígido e assente numa calendarização rigorosa da mobilização dos exércitos e da movimentação das unidades, que parecia desdenhar da imprevisibilidade que costuma reger todos os conflitos.
Schlieffen reformou-se em 1906 e foi substituído na chefia do Estado-Maior pelo general Helmuth von Moltke (1848-1916), conhecido como “o Jovem”, para o distinguir do “velho” marechal Moltke (1800-1891), que fora chefe de Estado-Maior do Exército Prussiano e desempenhara papel crucial no processo da unificação alemã. E, naturalmente, além de herdar o cargo de Schlieffen, Helmuth von Moltke herdou também o seu plano.
Os “jogos de guerra” usados para testar o Plano Schlieffen nunca tinham extinguido as suas dúvidas quanto à infalibilidade do plano e nem mesmo a pesada derrota sofrida pela Rússia às mãos do Japão, em 1905, aliviara as preocupações quanto à frente Leste. Em 1914, porém, a Rússia rearmara-se, reformara-se e modernizara-se: o seu exército tornara-se mais poderoso do que tinha sido antes da guerra com o Japão e a nova rede de linhas de caminho de ferro permitia deslocar rapidamente as unidades militares para a frente de combate, um factor crucial na lógica bélica da época.
Acontece que a evolução da geopolítica europeia e, em particular, a Triple Entente, estabelecida entre britânicos, franceses e russos, fizera com que a entrada da Rússia na guerra contra a Alemanha passasse de eventualidade a certeza. Assim, foi preparada uma versão revista do Plano Schlieffen que previa que 20% das tropas alemãs sustivessem as primeiras ofensivas do exército russo a leste, enquanto o grosso do exército alemão obtinha uma rápida e decisiva vitória sobre os franceses – para tal, era preciso cometer uma pequena pulhice, que era usar a Bélgica, cuja neutralidade estava consagrada nos tratados europeus, como forma de contornar as poderosas defesas francesas na fronteira com a Alemanha. E era muito provável que a violação da neutralidade da Bélgica arrastasse a Grã-Bretanha para a guerra.
Quando, no seguimento do assassinato de Franz Ferdinand em Sarajevo, a 28 de Junho de 1914, a Europa entrou numa escalada belicista, a Alemanha e a Austro-Hungria ficaram de um lado e a França, a Rússia e a Grã-Bretanha do outro. A Leste, a ofensiva russa ganhou algum terreno na Prússia Oriental, mas acabou por ser rechaçada, com pesadas baixas, na Batalha de Tannenberg, em 26-30 de Agosto de 1914, e na Batalha dos Lagos da Masúria, a 7-14 de Setembro.
O que já não correu como previsto, foi a “Corrida para o Mar” das tropas alemãs a Ocidente, através da Bélgica e do Norte de França, que era vital para contornar o flanco franco-britânico. Esta foi perdendo ímpeto e em meados de Setembro fora detida e os exércitos de ambos os lados começaram a escavar trincheiras e a erguer linhas fortificadas. Ninguém poderia imaginar que, com alguns modestos avanços e recuos, conseguidos à custa de centenas ou milhares de vidas por metro, esta linha de frente se manteria por quatro anos. Há quem explique o fracasso da ofensiva alemã pelas debilidades no Plano Schlieffen, mas a verdade é que Moltke fizera modificações tão profundas no plano que seria provável que o seu criador não se revisse nele.
Estômagos vazios e diplomacia inepta
Independentemente da atribuição de responsabilidades, a verdade é que a Alemanha caíra na “guerra de atrito” que quisera evitar a todo o custo. E ao fim de mais de três anos de bloqueio naval aliado – apesar dos investimentos febris realizados nas vésperas da guerra, a marinha alemã não era oponente à altura da Royal Navy –a Alemanha estava à beira da inanição. Em 1917, o consumo médio diário de calorias caíra para 1000 e começavam a alastrar doenças associadas à malnutrição, como escorbuto e tuberculose. As estimativas dos efeitos da malnutrição na Alemanha durante a guerra oscilam em 424.000 e 763.000 mortes.
Mas a malnutrição não produzia apenas efeitos fisiológicos, afectava também o moral: os estômagos vazios ou alimentados a Kiegsbrot (“pão de guerra”, confeccionado com sucedâneos de trigo) e nabos (o Inverno de 1916-17 ficou conhecido na Alemanha como “Inverno dos nabos”, devido ao afunilamento das opções dietéticas) davam provas de ter maior relutância em combater e trabalhar e propensão a revoltar-se.
Mas não era só a falta de comida a ensombrar os primeiros meses de 1917 na Alemanha: os EUA pareciam cada vez mais dispostos a entrar na guerra ao lado da França e Grã-Bretanha. O afundamento do paquete Lusitania, a 7 de Maio de 1915, com a perda de 128 vidas americanas, constituíra um importante precedente, amplamente explorado pela propaganda britânica e pela imprensa de todo o mundo (ver “Lusitania: Crónica de uma tragédia anunciada“), mas a tensão agravara-se quando, a partir de 1 de Fevereiro de 1917, a Alemanha declarou a “guerra submarina sem restrições”, o que significava que qualquer navio de qualquer nação encontrado na “zona de guerra” seria afundado.
Igualmente decisivo para a entrada dos EUA na guerra seria o “telegrama Zimmermann”, que Arthur Zimmermann (1864-1940), o secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros alemão, que Merridale descreve como “imprevisível, apreciador de vinho Mosela (de que costumava beber um litro ao almoço) e viciado em operações secretas”, enviou, a 19 de Janeiro de 1917, ao embaixador alemão no México, Heinrich von Eckardt. Prevendo que a “guerra submarina sem restrições” que se avizinhava levaria os EUA abandonar a neutralidade, Zimmermann instruiu Eckardt a incitar o presidente mexicano a aliar-se à Alemanha, prometendo-lhe como compensação os territórios do Texas, Novo México e Arizona, que o México tinha perdido para os EUA. Os serviços secretos britânicos interceptaram e descodificaram o telegrama e mostraram-no ao secretário da embaixada americana em Londres, que achou o conteúdo tão ultrajante que pensou tratar-se de uma falsificação. Mas em breve o telegrama subiu até ao presidente Wilson e chegou à imprensa americana, que o publicou a 1 de Março. Quaisquer dúvidas sobre a sua autenticidade se dissiparam dois dias depois, quando o inepto Zimmermann (quiçá toldado por uma refeição bem regada) admitiu a sua autoria numa conferência de imprensa.
A entrada de um colosso industrial e populacional como os EUA na guerra poderia levar alguns meses até ganhar ímpeto, mas seria uma pressão adicional que a assoberbada Alemanha dificilmente seria capaz de suportar.
A Revolução de Fevereiro
Porém, na Rússia, a marcha da história deixava algumas esperanças aos alemães: a incompetência, o desnorte e a corrupção do Estado russo tornavam-se cada vez mais evidentes a cada dia de guerra que passava e a popularidade do czar minguava a olhos vistos. Merridale dá este exemplo revelador sobre a forma como a guerra era conduzida pelos russos: “O Estado Maior, o chefe de cada grupo de exércitos e o Ministério da Marinha tinham, cada um, os seus próprios agentes secretos, mas a competição entre eles era tão feroz que nenhum podia dispensar muita energia [ao esforço de guerra propriamente dito]”.
O descontentamento explodiu a 8 de Março de 1917 em Petrogrado (então a capital russa, cujo nome fora alterado em 1914, por São Petersburgo ter uma ressonância germânica) e, após vários e confusos recontros entre manifestantes e forças da ordem, as principais unidades do exército passaram para o lado dos revoltosos, levando à abdicação do czar três dias depois.
Merridale dá uma imagem vívida da Revolução de Fevereiro (assim chamada por ter começado a 23 de Fevereiro segundo o calendário russo, que tinha um desfasamento de 13 dias para o resto do mundo) e do clima vivido em Petrogrado nos dias subsequentes, com o poder a ser partilhado entre o governo provisório chefiado pelo príncipe Georgy Lvov e o Soviete da cidade.
Num primeiro momento, pareceu prevalecer o consenso quanto a manter o empenho na guerra contra a Alemanha, até porque alguns membros do governo provisório esperavam que, se honrassem os acordo com a França e a Grã-Bretanha, seriam recompensados com o controlo de Istambul e dos estreitos que dariam livre acesso russo ao Mediterrâneo, a partir do Mar Negro.
Como outros líderes bolcheviques, Lenin vivia exilado na Europa Ocidental já há alguns anos. A eclosão da guerra surpreendera-o na Galícia, então parte do Império Austro-Húngaro, onde chegou a ser preso, por ser cidadão de um país inimigo. Após se ter apurado que se tratava de um inimigo figadal do governo czarista, Lenin foi libertado e instalou-se em Zurique.
A visão de Lenin sobre a guerra era contrária à que prevalecia em Petrogrado: tratava-se de uma guerra imperialista e, como tal, ganhasse quem ganhasse, só aproveitaria a capitalistas e imperialistas, pelo que era urgente convertê-la numa “Guerra Civil Europeia”, em que todo o proletariado europeu, transcendendo divisões nacionais, se unisse na luta contra as classes detentoras do poder e da riqueza. Porém, isolado em Zurique, numa era de comunicações lentas e ineficazes, era difícil a Lenin impor a sua visão aos camaradas de Petrogrado. Lenin bem se esfalfava a escrever exortações e manifestos, mas o percurso dos documentos até à Rússia era tortuoso: “A rede era frágil e com frequência as únicas pessoas de Petrogrado que tinham a oportunidade de estudar cuidadosamente a produção de Lenin eram os agentes da Okhrana [a polícia secreta czarista]”. Mesmo quando chegavam aos dirigentes bolcheviques, nem sempre produziam o efeito desejado, pois “a maior parte dos escritos de Lenin – cheios de invectivas, por vezes pedantes, e juncados de nomes perfeitamente desconhecidos e que pareciam estrangeiros – continuavam a ser difíceis de entender e profundamente complexos” (não admira que, alguns anos depois, Stalin se ufanasse de ser o único que compreendera plenamente a visão política de Lenin).
O impulso natural de Lenin seria correr para Petrogrado, mas a França e a Grã-Bretanha, que estavam conscientes de que Lenin pretendia que a Rússia saísse da guerra, nunca permitiriam que o líder bolchevique passasse pelos territórios e mares sob o seu controlo.
A Alemanha, pelo contrário, teria todo o interesse em que Lenin chegasse a Petrogrado, mas não tinha forma de lhe facultar passagem sem que tal intenção se tornasse manifesta e sem que Lenin emergisse como um traidor. Atormentado, Lenin ia considerando e descartando sucessivas propostas para fazer a viagem entre Zurique e Petrogrado, com maior ou menor conivência alemã e envolvendo estratagemas como disfarçar-se com uma cabeleira postiça e adquirir o passaporte de um surdo-mudo sueco (o que, supostamente, ocultaria o seu desconhecimento da língua sueca).
A 4 de Abril de 1917, duas semanas após o afundamento de três navios mercantes americanos por submarinos alemães, os EUA declararam formalmente guerra à Alemanha e esta ficou consciente de que, apesar de os americanos precisarem de tempo para mobilizar, treinar e armar o seu exército e fazê-lo atravessar o Atlântico, o seu tempo estava a escoar-se.
A caminho de Petrogrado
As negociações e contra-negociações entre os representantes alemães e os exilados bolcheviques na Suíça tornaram-se frenéticas e, a 9 de Abril, Lenin e 32 acompanhantes embarcaram num comboio de Zurique para Singen, na fronteira germano-suíça. Escreve-se frequentemente que os alemães levaram Lenin de Zurique para Petrogrado numa “carruagem selada”, mas Merridale repõe a verdade: a viagem implicou transbordos entre vários comboios e não foi feita numa carruagem selada. Embora, para evitar acusações de traição, os bolcheviques tivessem exigido que a carruagem fosse considerada uma entidade extra-territorial enquanto atravessasse a Alemanha, não só não era selada como era repartida entre os representantes das autoridades alemãs e os bolcheviques por uma mera linha traçada a giz no pavimento da carruagem.
Lenin e o seu séquito chegaram a Sassnitz, na costa alemã do Báltico, e atravessaram este num ferry para Trelleborg, na Suécia. Aí chegado, Lenin teve de convencer as autoridades suecas, neutrais, de “que não houvera contactos com potenciais espiões alemães […] Era a Grã-Bretanha imperialista, bloqueando escandalosamente todas as rotas óbvias a partir da Suíça, que tinha a responsabilidade por o ter obrigado até a atravessar a Alemanha”. A viagem prosseguiu para norte, até Karungi, no extremo do Golfo de Bótnia, na fronteira com o Grão-Ducado da Finlândia, que fazia, então, parte do Império Russo. Aí chegado, Lenin atravessou de trenó o rio gelado que fazia de fronteira fino-sueca e embarcou, na estação de Tornio, num comboio rumo a Petrogrado.
A 16 de Abril foi recebido em apoteose na Estação Finlândia pelos seus correligionários e logo começou a movimentar-se activamente para impor a sua perspectiva em relação à guerra, não só contra os socialistas como contra os bolcheviques.
Os exemplares do Pravda que obtivera na Finlândia tinham-lhe causada profunda irritação: apenas uma fracção do que ele escrevera fora publicado e, ainda assim, de forma truncada, sendo os cortes “evidentemente sistemáticos e deliberados” de forma a distorcer as suas ideias – que excluíam liminarmente o apoio ao Governo Provisório, a possibilidade de aliança com os mencheviques (ou qualquer outro partido) e a continuação da guerra. Eram tudo ideias que iam contra as de Lev Kamenev, um dos principais líderes bolcheviques, que regressara a Petrogrado, do exílio siberiano, após a Revolução de Fevereiro, e reactivara o Pravda. Enquanto Kamenev via a guerra como “um combate para a autodefesa revolucionária”, Lenin resumia-a a uma “aventura capitalista sangrenta”.
O radicalismo das ideias de Lenin surpreendeu os outros bolcheviques e começou por encontrar escassa adesão entre estes. Porém, Lenin, animado por uma determinação sobre-humana acabou por fazer prevalecer as suas ideias e vencer a oposição que lhe foi feita por Kamenev, impondo a ideia de “não uma república parlamentar […] mas uma república de delegados do soviete dos trabalhadores, dos assalariados rurais e dos camponeses do país inteiro. Abolição da polícia, do exército e da burocracia”.
Mais difícil ainda foi impor tais ideias contra a vontade ou sentimento dos outros partidos e forças sociais. Escreve Merridale que “se Lenin não tivesse conquistado o seu partido e não tivesse conseguido apoios fora dele nos dois meses seguintes, as Teses de Abril poderiam ter desaparecido no canto de um arquivo infestado de ratos. Uma das razões do seu triunfo foi a força da sua convicção. Enquanto os outros conversavam e faziam estranhas concessões mútuas, Lenin sabia para onde queria ir e a razão precisa porque queria fazê-lo”. As citações de escritos de Lenin que Merridale dissemina ao longo do livro dão bem ideia da sua implacabilidade e fanático sentido de missão. A quem alimente a ilusão de que Lenin representava o lado benévolo do bolchevismo, que medite sobre esta: “Não conheço nada que seja maior do que a [Sonata para piano n.º 23] Appassionata [de Beethoven]. Mas não posso ouvir música com demasiada frequência. Afecta-me os nervos, faz com que queiramos dizer coisas estúpidas e simpáticas e acariciar as cabeças das pessoas […] Não devemos acariciar as cabeças de ninguém […], a nossa mão pode ser arrancada à dentada. Temos de lhes bater na cabeça, sem a menor piedade”.
Mas talvez Lenin, apesar da sua férrea determinação, não tivesse logrado os seus intentos se não dispusesse de meios – e aqui surge a questão incontornável: onde foi o Partido Bolchevique desencantar dinheiro para montar, num ápice, uma formidável máquina de propaganda para colocar o povo e os soldados russos contra a guerra?
Quando um general britânico se propôs conduzir na Rússia uma campanha que contrariasse a campanha anti-guerra dos bolcheviques, estimou que seriam necessários dois milhões de libras só para os três primeiros meses, uma quantia que estava obviamente fora do alcance dos recursos do Partido Bolchevique, que, em Abril de 1917, recolheu 11.500 rublos em quotas dos membros, quantia que, apesar do apreciável crescimento do partido, se ficou, em Junho, pelos 30.000 rublos.
Muito se falou do “ouro” que a Alemanha colocou ao dispor de Lenin para esta operação e choveram acusações e denúncias na imprensa da época, e até se revelaram documentos forjados que atestariam o envolvimento alemão, mas sem que tivesse sido possível provar nada. Merridale é clara: “Não resta a menor dúvida de que a Alemanha estava a enviar dinheiro a rodos para a Rússia”, como também a Grã-Bretanha fazia, com intuito oposto, e é provável que, apesar dos intermediários oportunistas e desonestos – como Aleksandr Helphand ou Gelfand, um judeu bielo-russo mais conhecido como Parvus – e do fraco discernimento da espionagem alemã, muito desse dinheiro terá chegado aos bolcheviques.
Graças à intensa actividade desenvolvida por Lenin e os seus correligionários, a 7 de Novembro (25 de Outubro pelo calendário russo), os bolcheviques eram já suficientemente fortes para derrubar o governo provisório. Assumido o poder, apressaram-se a negociar um armistício com a Alemanha, assinado a 15 de Dezembro.
As negociações de paz não correram bem e a 18 de Fevereiro a Alemanha e os seus aliados retomaram as hostilidades, conquistando com relativa facilidade, perante o estado caótico do exército russo, os Estados Bálticos, a Ucrânia e a Bielo-Rússia, e obrigando a Rússia a assinar o muito desvantajoso Tratado de Brest-Litovsk, de 3 de Março de 1918.
Nele, a Rússia cedia os Estados Bálticos à Alemanha, alguns territórios no Cáucaso do Sul ao Império Otomano, reconhecia a independência da Ucrânia (que ficaria, porém, sob controlo germânico), retirava as suas tropas da Finlândia e comprometia-se a pagar à Alemanha seis milhões de marcos em indeminizações de guerra.
Com a paz assim obtida, a Alemanha pôde deslocar todas as tropas da Frente Leste para uma nova ofensiva a Ocidente – mas essa é já outra história.
Epílogo
A chegada triunfal de Lenin à estação Finlândia, a 16 de Abril, foi recriada num quadro de Mikhail Sokolov, um obediente cultor do “realismo socialista”. O quadro surge na capa da edição portuguesa de Lenin no comboio e mostra na porta da carruagem, logo atrás de Lenin, uma figura que, na realidade, não esteve presente na recepção: é Stalin.
Assim que tomou o poder na URSS, Stalin tratou não só de imiscuir a sua figura junto da de Lenin em quadros e fotografias, por “artes mágicas” (ver “Reescrevendo a história com tesoura e cola“), como foi eliminando, pouco a pouco e com pretextos diversos, a maioria dos companheiros de viagem de Lenin – o inventário que Merridale faz dos seus destinos é arrepiante.