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Há, no mínimo, 25 mil alunos sem professor. Mas números reais podem ser quase o dobro

Os piores cenários são em Lisboa e Setúbal, dois distritos que juntos representam mais de metade das necessidades de professores. Português e Matemática estão na lista de disciplinas onde há falhas.

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Os números são dinâmicos e variam ao longo do dia. Os horários por preencher nas escolas, sinónimo de alunos sem professores, têm flutuado entre os 300 e os 500 nas últimas semanas. Na quarta-feira, a oferta era de 426 horários, equivalentes a quase 5 mil horas semanais (4.739). Contas feitas, há, no mínimo, 25 mil alunos que ainda têm disciplinas sem professor atribuído quando faltam cinco semanas para o final do 1.º período. Mas os valores reais poderão ser quase o dobro.

“Nunca serão menos de 25 mil alunos e numa perspetiva muito conservadora, que fica muito aquém dos estudantes afetados, para não sermos acusados de especular”, diz Vítor Godinho, membro do secretariado nacional da Fenprof. “Por comparação ao que calculámos o ano passado, não tenho dúvidas de que os números reais andarão entre os 40 e os 50 mil alunos”, acrescenta. A pedido do Observador, o responsável pelo grupo de trabalho sobre concursos e colocação de docentes da Fenprof calculou o número de alunos sem professor com base nos horários por preencher a 11 de novembro.

No ano passado, as contas da Fenprof apontavam para 20 mil alunos com falta de professores quando havia 250 horários em contratação de escolas. “Este ano ainda não baixaram dos 300 e já chegaram aos 1200. O problema está muito mais agudo do que no passado”, defende o professor.

Para calcular o número de alunos, Vítor Godinho partiu, por exemplo, do princípio de que cada turma teria apenas 20 alunos. Na verdade, a maioria dos agrupamentos onde ainda falta colocar professores fica em Lisboa, em escolas lotadas, e que tendem a ter um número de alunos por turma superior à média nacional.

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Por outro lado, três dias depois de colocados na plataforma da Direção-Geral da Administração Escolar (DGAE), a oferta de emprego é retirada. Analisam-se os candidatos e passa-se à seleção. Mesmo estando invisíveis, e fora do bolo de 426 horários, está longe de ser verdade que esses professores chegaram às salas de aulas. E são estas variáveis que tornam mais difícil chegar a um número exato de alunos afetados.

“É sempre um exercício especulativo. Se calcularmos que cada horário afeta uma única turma estamos a chegar a um número de alunos que pode ser exagerado. Em contrapartida, o habitual é que falte mais do que um professor na mesma turma: o número de afetados é menor, mas o problema é maior”, argumenta Vítor Godinho.

Os piores cenários são em Lisboa e Setúbal, dois distritos que juntos representam mais de metade das necessidades de professores, mas o problema espalha-se por todo o país, em maior ou menor escala. Só no distrito de Castelo Branco não havia nesta quarta-feira horários de professores por preencher. Faro surge em terceiro lugar, com 36 horários, Porto tinha 19, Santarém 16 e Beja 15. Todos os demais distritos tinham uma oferta abaixo dos dois dígitos.

Da oferta total, 73% dos horários eram temporários (312) — isto quer dizer que correspondem a necessidades temporárias das escolas como, por exemplo, a substituição de um professor que está doente ou de uma professora em licença de maternidade. Os restantes 114 horários eram anuais e destes apenas 15 eram horários completos, ou seja, de 22 horas letivas semanais, os mais apetecíveis para os professores.

Quanto aos grupos de recrutamento (as disciplinas estão agrupadas em diferentes conjuntos), Informática era a disciplina com mais horários por preencher (50) e mais horas em branco (574). Em número de horários, todos com mais de três dezenas de ofertas, seguiam-se o grupo de Biologia e Geologia (35), Português (33) e Geografia (30). Em contrapartida, Latim e Grego, Alemão, Língua Gestual Portuguesa, Ciências Agropecuárias e Música não tinham horários em oferta.

Olhando para o número de horas, e passando Informática, a disciplina seguinte é Português (368), logo seguida de Matemática (354), Biologia e Geologia (337) e Artes Visuais (333).

Haver falta de professores de Informática é um problema habitual. Este ano, a regra mantém-se e, como se vê, é nesta disciplina que faltam preencher mais horários e mais horas. O que não é tão habitual é Português e Matemática surgirem entre as disciplinas com mais horas em oferta. “É algo que há uns anos era impensável. A Informática sabemos que há mesmo falta de professores, como também há de Geografia, História e Filosofia. Apesar disso, como são disciplinas com menos horas semanais não se sente tanto. Já Português e Matemática têm mais horas, mas também têm um número de candidatos bastante elevado. Nunca apareciam nos horários mais representados”, esclarece Vítor Godinho.

Quem não estranha o lugar da Matemática na lista é Lurdes Figueiral, presidente da associação de professores desta disciplina e membro do Conselho Nacional de Educação. “É um problema que tende a agravar-se e não só nesta disciplina. Os cursos de Matemática têm ofertas de emprego muito diferenciadas e em algumas áreas são muito convidativos. Do ponto de vista financeiro são mais apelativos e, para além da questão salarial, há um grande desprestígio da profissão docente.”

Falando pelos diretores de agrupamentos e escolas públicas, Filinto Lima lembra que a falta de professores é um problema estrutural. “Ninguém quer ser professor, só vai para professor quem quer ser aventureiro”, diz o presidente da ANDEP, associação de diretores. “Nesta década irão jubilar-se 58% dos professores, há 50 mil docentes que se vão reformar. O primeiro-ministro não pode depois dizer, como disse da segunda vaga da pandemia, que ninguém previu que ia chegar tão cedo. Está farto de ser avisado.”

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Devolver valor e dignidade à profissão é a solução apontada por Lurdes Figueiral que acredita que o problema vai aumentar

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Contratação de escola. Como é que funciona?

Antes de se chegar à contratação de escola, as necessidades de cada agrupamento devem ser resolvidas através das reservas de recrutamento de professores, onde se encontram os docentes que aguardam uma oferta de emprego e não fazem parte dos quadros, trabalhando a contrato. Se, depois de ir duas vezes à reserva, a necessidade da escola não for satisfeita, então avança-se para esta contratação mais direta.

Todos os horários que têm 8 ou mais horas devem, à partida, ser preenchidos nas reservas de recrutamento que vão sendo ciclicamente publicadas ao longo do ano letivo. Se não o foram, há dois motivos: recusa dos candidatos ou falta de professores na reserva. Já os horários com menos de 8 horas nunca passam pela reserva, vão diretamente para contratação de escola, assim como acontece com a contratação de técnicos especializados, como psicólogos, seja qual for o horário oferecido.

Chegada a fase de contratação de escola, durante três dias, os horários que as escolas têm para oferecer estão visíveis na plataforma da Direção-Geral da Administração Escolar (DGAE) para que os professores a eles se possam candidatar. Ao fim desse tempo desaparecem e começa o processo de seleção. Ou seja, o facto de não estarem visíveis não quer dizer que os horários já tenham sido preenchidos, podem estar apenas na fase seguinte do processo, e, no final, reaparecerem na plataforma.

Vamos aos detalhes. O anúncio surgiu na plataforma, e durante três dias vários professores candidataram-se. A escola olha para os candidatos e seleciona o primeiro da lista, o mais graduado.

Depois de a escola escolher um professor, e de ele ser avisado que foi selecionado, tem 24 horas para dizer se aceita ou não o horário em causa. Nada o obriga a aceitar. Se a resposta for negativa, a escola entra em contacto com o segundo da lista e, por aí fora, até encontrar quem aceite o horário.

Se esgotada a lista de candidatos a vaga continuar por preencher, o horário volta a ser colocado na plataforma já que a escola tem de abrir um novo concurso. De novo, durante três dias, a oferta estará à vista para quem se queira candidatar.

Como as ofertas são feitas agrupamento a agrupamento, o professor observa todos os horários e pode candidatar-se a vários, em várias escolas, e até em diferentes pontos do país.

“No final, um professor até pode aceitar mais do que uma oferta desde que não ultrapasse o equivalente a um horário completo, de 22 horas letivas no 2.º e no 3.º ciclo e de 25 na educação pré-escolar e no 1.º ciclo. Até cumprir essas horas, o professor pode aceitar várias ofertas, desde que os horários sejam compatíveis. Já aconteceu, embora sejam casos raros, termos professores a aceitar horários em Lisboa e no Porto porque não eram coincidentes no dia da semana”, conta Vítor Godinho, da Fenprof. E as escolas estão tão desesperadas que tudo fazem para compatibilizar horários, acrescenta.

“Nesta década irão jubilar-se 58% dos professores, há 50 mil docentes que se vão reformar. O primeiro-ministro não pode depois dizer, como disse da segunda vaga da pandemia, que ninguém previu que ia chegar tão cedo. Está farto de ser avisado.”
Filinto Lima, presidente da ANDAEP

Horário temporário, abaixo do salário mínimo, longe de casa. Há candidatos?

A dificuldade em preencher horários tem sobretudo a ver com os horários que vão a concurso, defende Vítor Godinho. “O binómio custo-benefício recai no custo. Se, para aceitar, o professor vai ter de se deslocar e arranjar alojamento, não vai pagar para trabalhar.”

O exemplo dado é de um professor que reside no Norte do país e que é escolhido para uma oferta temporária, de um mês, para preencher um meio horário de 12 horas. Se for em Lisboa, terá de contar com um custo de alojamento que rondará os 600 euros.

“Um professor recebe por 12 horas semanais um ordenado bruto que varia entre os 500 e os 600 euros. Querer que ele aceite uma oferta assim é esperar um milagre”, diz o professor. “Em escolas de Lisboa tem acontecido sucessivamente e o Ministério da Educação tem grande dificuldade em fazer baixar este número.”

No distrito de Lisboa, na quarta-feira, havia 178 horários em oferta. A maioria era no concelho de Lisboa (35), seguindo-se o concelho de Odivelas (29), o de Sintra (26) e o de Cascais (24). Quando a curva da oferta atingiu o seu pico, Lisboa chegou a ter mais de 400 horários em contratação de escola, nas últimas semanas tem ficado abaixo dos 200.

Outra questão que complica a vida das escolas, é que os professores não deixam de pensar que se aceitarem um horário temporário, de um mês ou dois, podem deixar de estar disponíveis para aceitar uma oferta melhor que apareça a seguir. “Hesitam. Se hesitam, a necessidade não é preenchida.”

Já o diretor do agrupamento Dr. Costa Matos, de Vila Nova de Gaia, diz que os professores são maltratados e isso explica a falta de vontade de aceitar algumas ofertas de emprego. “O sistema educativo é tirano e despreza os professores contratados. No dia 1 de setembro despede milhares deles, muitos com 10 anos ou mais de serviço, prescinde dele como se não precisasse deles”, apesar de passados uns dias, voltar a ir buscá-los, argumenta Filinto Lima. “Voltam a ter um horário anual e completo e isto é o sistema a servir-se da pior forma dos novos professores. Eles cansam-se e vão para outras áreas.”

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"Não ter professor ou ter um mau professor são duas opções igualmente más para os alunos”, diz Filinto Lima

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Soluções? Há a curto, médio e longo prazo

“Este problema tenderá a agravar-se de tal forma que não basta embelezar o horário, que é uma solução para o curto prazo. Tem de ser visto de dois ângulos: o ângulo de ataque imediato e o ataque a médio e longo prazo”, defende Vítor Godinho. Uma das soluções apontadas pelo professor é há muito defendida pela Fenprof: “É preciso um ambicioso plano de formação inicial de professores, todos os anos se atingem novos recordes negativos de quem escolhe seguir a profissão docente.”

Se voltar a encher as faculdades e os cursos que formam professores tem de ser prioridade, não deixar que as escolas fiquem vazias é outro. O sindicalista lembra quem no espaço de 5 anos há 16 mil professores que se irão reformar, no espaço de 10 anos serão os 50 mil já referidos pelo diretor do agrupamento de Vila Nova de Gaia.

Filinto Lima defende que deveria haver uma vinculação extraordinária de professores, por exemplo para quem tem mais de 15 anos de ensino, já que era uma forma de conseguir que docentes que têm experiência ficassem nas escolas. “O meu maior medo é que desistam e vão para outras áreas. Também era importante investir na carreira, torná-la motivadora para os jovens, com salários mais altos e menos trabalho administrativo.”

Soluções imediatas, o presidente da ANDAEP também tem. “Para evitar que este incêndio se alastre a todo o país podíamos só ter de ir uma vez às reservas de recrutamento. Ganhava-se algum tempo e a contratação de escola tornava-se mais célere.”

Devolver valor e dignidade à profissão é a solução apontada por Lurdes Figueiral que acredita que o problema vai aumentar, precisando de olhos atentos e vontade política determinada para ser resolvido. “A carreira tem sido banalizada e se alguma lição tiramos deste período de pandemia é a necessidade de uma valorização social muito forte da escola — e isso pode ter efeito levando a que alguns jovens queiram ser professores.”

E se os professores começarem mesmo a escassear? A presidente da Associação de Professores de Matemática revela o mesmo receio que Filinto Lima. “Aconteceu em vários países da Europa e pode acontecer cá também, com a falta de professores voltamos aos anos 1970 e 1980 quando bastava ter o 7.º ano do liceu para dar aulas.” Na década seguinte, recorda Lurdes Figueiral, houve uma forte aposta na formação inicial dos docentes que não pode ser perdida.

“Não podemos voltar a ter professores com habilitações mínimas nas escolas como acontecia no passado. É a qualidade do ensino que vai por água abaixo. Não ter professor ou ter um mau professor são duas opções igualmente más para os alunos”, conclui Filinto Lima.

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