Harald V da Noruega tem 85 anos de vida, 31 de reinado e embora o tempo no trono pareça curto quando comparado com outros monarcas europeus, o Rei escandinavo acumula títulos. É o monarca reinante mais velho na Europa, e tornou-se viral nas redes sociais com um discurso de inclusão. Foi o primeiro príncipe a nascer no país em séculos, é apenas o terceiro Rei de uma Noruega independente, e ameaçou o pai que abdicava do trono se não o deixassem casar com a sua amada Sonja. Alterou a lei da sucessão para que a neta seja rainha e acabou por se render a ter um telemóvel com 83 anos. Harald da Noruega não faz tenção de passar o trono ao filho em breve, mas a sua saúde do carismático Rei está frágil e dá sinais de preocupação.
A 24 de junho de 1955 o iate Britannia levou a jovem Rainha Isabel II e o duque de Edimburgo até Oslo para a primeira viagem oficial da nova soberana a um país estrangeiro. Foi recebida pelo Rei Haakon e pelos dois netos, os príncipes Harald e Astrid. Passados quase 70 anos, em 2022, o jovem príncipe substituiu a Rainha britânica como veterano dos tronos europeus.
Em 2021, num discurso durante o tradicional evento com membros do parlamento que o Palácio Real costuma organizar, o Rei Harald confessou que só no ano anterior, com 83 anos, teve o seu primeiro telemóvel. E a culpa foi da pandemia. O Rei fazia um balanço do último ano e dos isolamentos pelos quais todas as pessoas passaram. “Se há algo que realmente aprendemos desde março do ano passado é a importância da tecnologia moderna para poder estar em contacto”, disse o monarca. “Portanto foi uma grande alegria para a minha família quando tive telemóvel. Só demorei 40 anos”, disse o Rei, citado pela Vanity Fair.
Ascendeu ao trono a 17 de janeiro de 1991, quando o pai morreu e tornou-se o rei Harald V. Atualmente, o seu papel é maioritariamente representativo e cerimonial. Embora a Constituição diga que “o poder executivo está investido no Rei”, isso agora significa que é no governo, segundo se pode ler no site da Casa Real norueguesa. Cabe ao Rei a abertura formal do parlamento (que tem o nome Storting), que acontece no outono; preside ainda ao Conselho de Estado e é o comandante das forças armadas. Até 21 de maio de 2012, o soberano era o chefe da Igreja da Noruega, mas deixou de o ser depois de uma emenda constitucional.
A saúde do Rei tem dado preocupações tanto à família como aos noruegueses. Ainda esta semana Harald esteve internado no hospital durante três dias para tratar uma infeção que obrigou a tratamento com antibióticos intravenosos. Fica agora no ar a dúvida se o monarca fará o habitual discurso de balanço no último dia do ano. O palácio ainda não confirmou se a tarefa caberá a Harald ou outro membro da família. Em novembro tinha estado de baixa por causa de uma constipação e em agosto esteve internado durante duas semanas com febre.
Em dezembro de 2003 a Casa Real norueguesa divulgou que sofria de um cancro na bexiga. O monarca, que não quis fazer da sua condição um segredo, foi operado no mesmo mês. No entanto, parece ser o coração que mais sustos tem dado ao Rei e aos noruegueses. Em abril de 2005 foi operado para substituir uma válvula cardíaca, e desde então foram várias as vezes que já teve que recorrer ao hospital. Em setembro de 2020 submeteu-se de emergência a nova intervenção cirúrgica.
As heranças Vikings e um reino muito jovem
Harald V da Noruega nasceu a 21 de fevereiro de 1937 e o acontecimento teve especial simbolismo porque foi o primeiro príncipe norueguês a nascer no país desde 1370. Recebeu o nome do primeiro soberano daquele país na época dos Vikings, Harald the Fairhead.
A Noruega é uma monarquia independente apenas desde 1905. Esteve unida à Dinamarca entre 1381 e 1814 e, depois, à Suécia até 1905. O avô do atual Rei Harald, Haakon VII, foi o primeiro Rei do país como monarquia moderna. O filho deste, Olav, nasceu na propriedade da família real britânica, em Sandringham (Inglaterra). A mãe era uma princesa inglesa e o príncipe chegou a ser batizado com um nome britânico, Alexander Edward Christian Frederick, contudo o pai rebatizou-o com um nome heróico de líderes vikings, Olav.
O Rei Olav morreu com um ataque cardíaco aos 87 anos e era, na altura, o monarca mais velho da Europa. Durante a Segunda Guerra Mundial e a ocupação nazi na Noruega, era príncipe herdeiro e foi considerado um símbolo da resistência. Esteve com o Rei e com membros do Parlamento escondido na floresta do norte do país durante dois meses, quando as tropas alemãs começaram a invadir o seu país. Depois, embora quisesse ficar e liderar a resistência, acabou por se exilar em Inglaterra onde se tornou enviado dos Estados Unidos. Reinou durante 34 anos, tinha uma postura de proximidade com os seus súbditos e foi um Rei amado, até lhe deram o título não oficial de “um Rei para todo o povo”, segundo conta o The New York Times.
Harald foi o terceiro filho e único rapaz do rei Olav V da Noruega e da princesa Martha da Suécia. Tem duas irmãs mais velhas, as princesas Ragnhild (1930-2012) e Astrid (1932). Quando nasceu também estava na linha de sucessão ao trono britânico, por ser trineto da rainha Victoria. Só se tornou herdeiro do trono quando o avô, Haakon VII, morreu e o pai ascendeu ao trono em 1957. A sua mãe, a princesa Martha, já tinha morrido em 1954.
Em 1940, quando o pequeno príncipe Harald tinha apenas três anos, perante a ocupação nazi na Noruega, a mãe saiu do país com os três filhos. Os Reis tinham viajado várias vezes aos Estados Unidos e o Rei era amigo do Presidente norte-americano Roosevelt, que convidou a rainha e os filhos para se instalarem na Casa Branca, onde viveram durante algum tempo. Depois mudaram-se para Pook Hill, ainda no estado de Maryland até regressarem a casa a 7 de junho de 1945. O pai e o avô de Harald estiveram exilados em Inglaterra até à primavera desse mesmo ano.
Enquanto era ainda príncipe, Harald estudou na Universidades de Oslo, na Balliol College em Oxford e na Academia Militar Norueguesa. É um desportista, uma herança do pai, que era praticante de ski e vela. Como velejador ganhou mesmo uma medalha de ouro olímpica, da competição de 1928. Harald também se especializou em vela e representou a Noruega nos Jogos Olímpicos de 1964, 1968 e 1972. Viria a ser patrono da World Sailing.
O discurso do Rei
Em 2016, Harald completou 25 anos no trono da Noruega, e o ano ficou marcado pelo discurso de cinco minutos que fez para dar as boas-vindas aos convidados numa festa no jardim do Palácio Real de Oslo. No momento foi ouvido por cerca de 1500 convidados, mas através das redes sociais chegou a todo o mundo. Uma porta-voz do palácio revelou que receberam uma série de pedidos de uma tradução oficial do discurso em inglês, que viria a ter mais de três milhões de visualizações e cerca de 80 mil gostos no Facebook, segundo o Guardian.
Harald, na altura com 79 anos, falou resumida e claramente sobre todas as questões quentes do momento: apoio a refugiados, tolerância religiosa, diversidade e direitos LGBT. O Rei disse que os noruegueses são “raparigas que amam raparigas, rapazes que amam rapazes e raparigas e rapazes que se amam uns aos outros”; os noruegueses creem “em Deus, em Alá, no universo — e em nada”. Falou ainda de “confiança, solidariedade e generosidade” e da noção de casa. “Nem sempre é fácil dizer de onde somos, de que nacionalidade somos. Casa é onde o nosso coração está”.
O Guardian lembra que na altura a Noruega era um país com cinco milhões de habitantes a braços com a dificuldade em integrar cerca de 30 mil pessoas que haviam chegado ao país em busca de asilo, tendo 5500 destas atravessado a Rússia de bicicleta vindas da Síria. A retórica anti-imigração crescia então a olhos vistos no país e a coligação de centro-direita, no Governo desde 2013, era altamente criticada por querer deportar para a Rússia os requerentes de asilo na Noruega. Sugeriram ainda a criação de uma vedação na fronteira entre os dois países.
O Rei reforçou no seu discurso que os noruegueses não vinham apenas das diferentes zonas da Noruega, mas também “do Afeganistão, Paquistão e Polónia, da Suécia, Somália e Síria”, reforçando a ideia de inclusão. E terminou com uma mensagem de união para o futuro. “A minha maior esperança para a Noruega é que consigamos tomar conta uns dos outros. Que continuemos a construir este país — com base em confiança, companheirismo e generosidade de espírito. Que sintamos que somos — apesar das nossas diferenças — um povo. A Noruega é uma.” Já em 2011 o Rei tinha liderado o luto do país em choque com os ataques de Anders Behring Breivik, que provocaram 77 mortes.
Sonja, a princesa encantada da Noruega
Não há consenso sobre o local e a data exata. Segundo alguns registos, o príncipe Harald e Sonja Haraldsen conheceram-se numa festa em 1958, outros referem que o primeiro encontro se deu num acampamento quando tinham 15 anos. A verdade é que se apaixonaram, ainda que o amor parecesse impossível. Viriam a casar anos mais tarde, em 1968. Os pais do príncipe opuseram-se ao namoro. De tal forma que Harald foi enviado para estudar em Oxford, para que esquecesse a namorada e talvez até arranjasse uma nova noiva, mais de acordo com o seu estatuto.
A princesa Sofia da Grécia, atual rainha emérita de Espanha, chegou a ser apontada ao seu caminho. Os Reis gregos e pais de Sofia, Pavlos I e Federica, visitaram Oslo em meados da década de 1950 com a filha. Esta terá dançado com o príncipe e até gostado dele. Há quem defenda que o romance não avançou porque o dote de Sofia não era suficiente para o Rei da Noruega, mas Harald também estaria decidido a ficar com Sonja.
Sonja era plebeia, estudou Design de Moda e trabalhou como costureira. O pai tinha uma loja de roupa feminina que era gerida pelo irmão de Sonja, na qual ela trabalhou como consultora de moda, e localizada na rua das lojas, Storgata. O pai pertencia à burguesia norueguesa e morreu em 1959, nove anos antes do casamento da filha. O primeiro sinal de que os dois namorados estavam a pensar em casamento data de 1961, quando Sonja deixou a sua carreira profissional para começar a dedicar-se ao estudo de línguas, arte, história e outros temas que seriam adequados para uma futura rainha, escreve o The New York Times na notícia do casamento. Quando se casou tornou-se o único membro da família real a falar francês.
A jovem terá ameaçado que se suicidava se Harald não se casasse com ela, conta a Vanity Fair. O príncipe, por seu lado, fez um ultimato aos pais, segundo o qual ou o deixavam casar-se com a sua amada ou renunciava aos seus direitos dinásticos. O Rei acabou por aceitar o compromisso, depois de confirmar com o seu parlamento que o casamento não viria a ser um problema político.
A 20 de março de 1968 o mesmo The New York Times noticiava que o Rei Olav V “dá a Harald aprovação para casar com uma plebeia”. O facto de Sonja ser plebeia foi um tópico quente na Noruega. As duas irmãs do príncipe já tinham casado com plebeus e Harald era o único na linha de sucessão, uma vez que só os homens podiam ascender ao trono. Assim, os três filhos dos reis casaram fora do universo da realeza. O jornal dá ainda conta de que chegou a haver “alguma discussão para alterar a Constituição para negar à mulher do príncipe herdeiro totais direitos reais” caso este se viesse a casar com uma plebeia. Contudo na altura o tema estava obsoleto e a monarquia gozava de popularidade desde a Segunda Guerra Mundial.
“Estudou francês e inglês na Universidade de Oslo, mas não tem licenciatura. Frequentou uma escola para raparigas na Suiça e também estudou em França. É uma instrutora de ski autorizada. Os jornais dizem que é boa cozinheira.”, descrevia ainda o artigo sobre a noiva.
O casamento real aconteceu na Catedral de Oslo a 29 de agosto de 1968, na presença de uma série de membros de casas reais europeias. A noiva chegou à catedral de limusine, conduzida até ao altar pelo Rei. Sonja desenhou o seu próprio vestido em seda branca e silhueta com cauda e véu em tule. O decote redondo subido e as mangas três quartos foram bordadas com pérolas e pequenas flores.
Em 2018 o casal de monarcas fez 50 anos de casamento e celebrou as suas bodas de ouro com a renovação dos votos na Catedral de Oslo perante 800 convidados, 200 destes eram representantes do povo. Chegaram no mesmo carro que os transportou no dia do casamento, em 1968. O Rei ofereceu à rainha uma pregadeira em forma de rosa, em ouro, que Sonja usou neste dia.
Em 2017 os Reis fizeram ambos 80 anos, pretexto para uma grande festa que reuniu vários membros da realeza em Oslo. Desta vez o monarca ofereceu à rainha um espaço de arte e cultura com o seu nome aberto ao público nos renovados estábulos do Palácio Real. Desde a Segunda Guerra Mundial que este local estava destinado a arrumação, agora chama-se “The Queen Sonja Art Stable”.
Uma família real e os dois futuros da monarquia
Os Reis Harald e Sonja têm dois filhos e cinco netos. E, nos últimos anos, têm sido exemplo das alterações que as monarquias europeias estão a passar. Pela primeira vez há uma mulher na linha de sucessão ao trono, a princesa Ingrid. Por outro lado, enquanto outros Reis enfrentam o desafio de reduzir o núcleo de membros da família real com privilégios, na Noruega foi a filha mais velha dos Reis que decidiu afastar-se dos seus deveres reais.
A princesa Martha Louise nasceu a 22 de setembro de 1971. A 24 de maio de 2002 casou-se com Ari Behn, de quem se divorciaria em 2017. Pelo meio tiveram três filhas: Maud Angelica (2003), Leah Isadora (2005) e Emma Tallulah (2008). Em 2019 o ex-marido da princesa, então com 47 anos, suicidou-se. Foi também neste ano que a princesa começou a sair com o guia espiritual de Hollywood, auto-proclamado xamã de sexta geração, Durek Verrett. Em junho deste ano anunciou na sua conta de Instagram que estão noivos. E, mais recentemente, em novembro, renunciou aos seus deveres reais através da mesma rede social, esclarecendo que a sua decisão tinha por base “trazer calma à Casa Real” e que foi tomada em conjunto com a rainha, o Rei e o resto da família real, de forma “amigável”. Märtha Louise mantém o seu título de princesa, mas deixará de representar a Casa Real.
A princesa e o xamã: o casamento que agita a monarquia norueguesa
O príncipe Haakon Magnus nasceu a 20 de julho de 1973 e é o herdeiro do trono. A 25 de agosto de 2001 casou-se com Mette-Marit Tjessem Hoiby, mas a noiva real não foi imediatamente um sucesso. O facto de ter tido uma juventude rebelde, ser mãe solteira e o pai do seu filho ter estado preso por traficar droga deram muito que escrever à imprensa e que pensar aos noruegueses. Numa entrevista a um podcast em 2021, a princesa confessou que os primeiros anos neste papel foram muito difíceis, tal o excessivo foco mediático, mas agora não há nada que a faça pensar que não é “boa o suficiente de uma ou outra maneira”. Em 2018 a princesa anunciou que sofria de fibrose pulmonar crónica e teve de reduzir a agenda pública.
Ingrid Alexandra, uma princesa norueguesa a caminho do trono
Haakon e Mette-Marit têm dois filhos: Ingrid Alexandra (2004) e Sverre Magnus (2005). A 21 de janeiro de 2022, Ingrid Alexandra alcançou a sua maioridade e, apesar das grandes celebrações terem sido canceladas, a data foi assinalada com distinção. No dia do seu aniversário cumpriu um ritual de visitas aos três poderes do Estado, foi ao Parlamento, à sede do poder judicial e ao gabinete do primeiro-ministro.
Em 2004 o Rei mudou a lei da primogenitura para garantir que um irmão mais novo não lhe passasse à frente. Será a segunda rainha da Noruega, a primeira chamava-se Margarida e reinou entre 1387 e 1412 o reino conjunto da Dinamarca, Noruega e Suécia, explica a Tatler.