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As alterações climáticas, a biodiversidade e a sustentabilidade são temas que vão fazer parte da pedagogia científica que o Parque de Serralves quer passar aos seus visitantes
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As alterações climáticas, a biodiversidade e a sustentabilidade são temas que vão fazer parte da pedagogia científica que o Parque de Serralves quer passar aos seus visitantes

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As alterações climáticas, a biodiversidade e a sustentabilidade são temas que vão fazer parte da pedagogia científica que o Parque de Serralves quer passar aos seus visitantes

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Helena Freitas quer investir na Cultura da Ciência: "Este é o tempo do Parque de Serralves"

Foi nomeada diretora do Parque de Serralves há poucos dias. Em entrevista, Helena Freitas revela mudanças em curso e reforça a missão "pedagógica" e "interdisciplinar" de um "espaço de excelência".

Exercia já o cargo de coordenadora geral da equipa diretiva do Parque de Serralves desde agosto de 2020. Foi agora nomeada diretora. No seu currículo conta com o desempenho de variadíssimas funções académicas e públicas. É professora catedrática na área da Biodiversidade e Ecologia no departamento de Ciências da Vida da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, é coordenadora da unidade de investigação Centre for Functional Ecology – science for people and the planet, coordenadora científica ainda do FitoLab — Laboratório de Fitossanidade do Instituto Pedro Nunes. Em julho de 2019 foi selecionada para o Mission Board for Climate Change Adaptation, including Societal Transformation da Comissão Europeia, Programa Horizonte Europa, e em Agosto do mesmo ano foi nomeada Ponto Focal de Portugal para o IPBES – Intergovernmental Platform for Biodiversity and Ecosystem Services (ONU).

Na esplanada do restaurante da Fundação de Serralves, no Porto, conversou com o Observador sobre alterações climáticas, biodiversidade e sustentabilidade, temas que lhe são caros e que leva agora a peito na pedagogia científica que o Parque de Serralves quer passar aos seus visitantes. Entre a programação para este ano e a centralidade daquele espaço em termos expositivos, a conversa revela o lado inquieto de uma das nossas figuras de proa no domínio das preocupações ambientais. A interdisciplinariedade como premissa marca uma personalidade que define a ciência como cultura e vice-versa. A cidadania e a esperança em lugar de destaque.

Já conhece bem o Parque. Pergunto-lhe, por isso, o que é que ele tem de especial?
De facto, nos últimos dois anos, acompanhei a gestão do Parque e as atividades de educação e ciência. Agora, trata-se de assumir a direção porque há uma dinâmica crescente. E, como diz, este parque é realmente singular no panorama nacional e até internacional. Destaca-se pela forma harmoniosa com que conseguiu conciliar a conservação do património natural, não necessariamente da diversidade nativa, uma vez que é um parque urbano, não tem essa função, apesar de ter a pedagogia das espécies nativas e do mundo autóctone, com uma inspiração que também resulta da harmonia com a arte, com a ciência, e com a capacidade que teve de trazer público jovem, a iniciativas até de grande expressão como o Serralves em Festa.

"Os artistas, de facto, na sua responsabilidade também cívica e na sua condição humana, notam cada vez mais a urgência de olharmos para a questão ambiental"

©Filipe Braga / Divulgação

O Parque tem que se relacionar necessariamente com o Museu ou pode ser independente?
Acho que já foi construído e pensado na sua génese com essa relação com o museu, com uma certa inspiração artística e até arquitetónica. E esse é um dos atrativos que tem e que o torna mais inspirador. O grande desafio deste parque é manter essa harmonia.

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Ou seja, o Parque como a arte também tem capacidade para nos encantar?
Absolutamente. É muito interessante essa ideia. Sou bióloga de formação e seduzida por aquela natureza avassaladora que nos interpela na nossa vulnerabilidade e na nossa condição biológica até. Os grandes Canyon, os grandes glaciares, a selva africana… este parque também tem essa capacidade de nos interpelar, mas é sobretudo fruto dessa relação harmoniosa entre aquilo que é a natureza que aqui se expõe e aquilo que é atividade humana, a nossa dimensão artística e até espiritual.

A sustentabilidade, o ambiente, as alterações climáticas são temas que cada vez mais fazem parte do discurso artístico, como olha para esse facto?
Foi isso que me seduziu. Há um tempo de convergência e assumo esse tempo entre a minha própria vida, o meu percurso, a vida do Parque e o tempo de todos aqueles artistas e agentes que aqui vão trabalhar neste período que vamos partilhar. Há um encontro de momentos e este é o tempo do Parque. E os artistas, de facto, na sua responsabilidade também cívica e na sua condição humana, notam cada vez mais a urgência de olharmos para a questão ambiental. A pandemia acrescenta ainda mais essa narrativa porque o que foi claro nesse tempo foi a perceção de uma vulnerabilidade. O artista sente esse apelo da apropriação da vulnerabilidade.

"Este é um espaço de excelência, é um espaço de uma singularidade excecional na cidade do Porto, tem também já muita programação em colaboração com a autarquia. Quero continuar a valorizar a capacidade de chegar aos públicos jovens, às crianças, às escolas, àquelas situações até de alguma fragilidade social."

O Parque é uma zona de transmissão de conhecimento?
Sim. Portanto, é inequívoca a necessidade de trazer mais essas questões da sustentabilidade para cima da mesa. Questões como a biodiversidade e o clima também. Coisas que na realidade já se fazem aqui. Tenho o privilégio de me associar a uma equipa que tem feito um trabalho extraordinário, quer na gestão do espaço verde, quer na programação científica e pedagógica.

Nesse ponto da programação científica e pedagógica esperamos de si uma intervenção mais forte. E é nesse sentido que pergunto o que gostava de fazer em primeiro lugar?
Na vertente do património natural, como se vê, o Parque está muito bem cuidado, mas mesmo assim teremos dois ou três elementos novos. Um estará em breve concluído. Trata-se do roseiral, um espaço icónico que quero valorizar até porque é também um elemento de encontro entre a natureza e um certo tempo romântico que o parque teve. Quanto à programação que diz respeito à sustentabilidade e à questão científica e educativa é uma aposta forte. Este é um espaço de excelência, é um espaço de uma singularidade excecional na cidade do Porto, tem também já muita programação em colaboração com a autarquia. Quero continuar a valorizar a capacidade de chegar aos públicos jovens, às crianças, às escolas, àquelas situações até de alguma fragilidade social. A reabilitação da Quinta é um projeto muito inclusivo, também queremos chegar às crianças com dificuldades motoras. E quero reforçar a ciência através de ciclos de conferências numa sintonização cada vez maior com as outras valências da Fundação. Vamos tentar fazer mais programações interdisciplinares.

Helena Freitas exercia já o cargo de coordenadora geral da equipa diretiva do Parque de Serralves desde agosto de 2020

O serviço educativo é aqui chamado em todas as frentes?
Sim. Vamos também ter um pequeno laboratório de ciência integrado no serviço educativo para criar mais oportunidades de vivência e de experiência num laboratório. Estamos a construí-lo já, está em processo de adjudicação.

E em termos expositivos?
Vamos fazer uma exposição muito bonita dedicada aos fungos, designada exatamente “A Arte dos Cogumelos”. A ideia é a do discurso transdisciplinar. A ciência dos fungos é ainda muito desconhecida, talvez seja mesmo o universo mais desconhecido da ciência. Mas, nos próximos anos, vai-se revolucionar esse mundo. Ele tem uma importância extraordinária para as plantas, é no diálogo entre os fungos e as plantas que se dá a ocupação da terra. A vida, sempre que conseguiu a simbiose, foi sempre mais eficaz. As redes colaborativas são estratégicas na natureza. A colaboração é a linguagem da natureza.

Ainda temos a aprender com a natureza?
É exatamente uma das mensagens que queria trazer para aqui. Vamos trazer então uma grande conferência da Sociedade Europeia de Fungos a realizar em junho aqui em Serralves. Uma conferência científica onde se vão apresentar os últimos números relativos aos fungos do continente europeu. Vamos ter, paralelamente, outro conjunto de iniciativas, entre as quais esta exposição no parque que nos vai mostrar outra forma de olhar para os fungos. A ideia é criar uma dinâmica à volta de um grupo de organismos que têm uma importância essencial para a vida.

"Temos conseguido com muito êxito trazer as escolas e os jovens, mas é muito importante encontrarmos contextos de valorização intergeracional. Por isso, claro que os grandes eventos, como Serralves em Festa, ou o Bio Blitz, podem fazer esse papel, mas também temos que ser mais inovadores. Isso é um desafio a que estamos muito atentos e muito sensibilizados."

As exposições do Museu vão este ano estender-se muitas vezes ao Parque…
Sim, vamos ter escultura, música, som, luz, tudo isso.

Será uma zona de experimentação artística?
Sem dúvida. Se há algum impulso que possa aqui dar, para lá do fator ciência, é o da interdisciplinaridade. Tenho essa leitura em tudo o que me envolvo. Interdisciplinar e muito colaborativa, muito integradora. Espero trazer a mesma leitura aos diálogos que vou ter com os diversos espaços do parque. Por outro lado, ainda a questão da sustentabilidade, que me é muito cara. Nesse âmbito, queremos também ter um roteiro de descarbonização. Esta instituição também teve no seu desígnio pela qualidade, sempre teve a preocupação de certificar os procedimentos, a eficiência na utilização de recursos. Queremos também programar a sustentabilidade da vida institucional e trazer precisamente o roteiro da descarbonização. Estamos todos envolvidos e queremos perceber também, do ponto de vista da instituição, qual é a nossa pegada. Fizemos uma quantificação de todas as emissões de carbono, todas, no ano inteiro de 2019, pois nos anos seguintes estivemos em pandemia. Esse vai ser o nosso ponto de partida para perceber para onde temos de ir para fazer esse caminho da descarbonização. Também queremos contribuir para a descarbonização da economia portuguesa e de Portugal. Com isso, trazemos também outro projeto importante chamado “As Árvores, o Carbono e o Clima”, que vai permitir perceber toda a dinâmica do ciclo do carbono e da água numa árvore. Isto, para que as pessoas percebam porque é que as árvores são tão importantes para conseguirmos resolver a questão climática, ou pelo menos mitigar e adaptar os contextos urbanos à pressão climática e às temperaturas elevadas que vamos passar a ter. Na adaptação das cidades é vital termos estes seres tão extraordinários, que fotosintetizam e que, de facto, se alimentam de carbono. Vamos ter uma árvore completamente sensorizada para que se perceba o que acontece no dia a dia da árvore.

É uma questão de pedagogia?
Associada está uma programação pedagógica destinada a mobilizar qualquer público, sim. É preciso criarmos incentivos para dinâmicas intergeracionais. É verdade que temos conseguido com muito êxito trazer as escolas e os jovens, mas é muito importante encontrarmos contextos de valorização intergeracional. Por isso, claro que os grandes eventos, como Serralves em Festa, ou o Bio Blitz, podem fazer esse papel, mas também temos que ser mais inovadores. Isso é um desafio a que estamos muito atentos e muito sensibilizados.

O objetivo de tornar o parque tão visitado quanto o museu "está latente no desafio que a direção me colocou ao assumir de maneira mais formal esta minha ligação ao Parque", diz Helena Freitas

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Há o objetivo de tornar o parque tão visitado quanto o museu?
Está latente no desafio que a direção me colocou ao assumir de maneira mais formal esta minha ligação ao Parque. Talvez haja também uma maior disponibilidade da sociedade para ir ao encontro dessa experiência e dessa vivência do espaço natural. Mas não quero que isso signifique qualquer espécie de competição.

São complementos, Parque e Museu?
E quero que continuem a complementar-se. Acho que tem havido por parte do Museu a intenção acrescida de valorizar o Parque enquanto elemento central, também, na abordagem expositiva das obras de arte. Se isso continuar a ser inspirador, não vejo qualquer problema.

Sobre programas de requalificação do Parque, falou no roseiral, há mais?
Já tivemos, durante a pandemia, a reconstrução do charco com o objetivo de valorizar a água no meio urbano. Deixar a água fluir e, ao mesmo tempo, mostrar a biodiversidade associada a estes ecossistemas tão particulares e que estão muito ameaçados. As zonas húmidas são os habitats mais ameaçados que temos, pelo calor, pela contaminação das águas e pelo excesso de nutrientes. No charco temos algumas das espécies que até são endémicas, e exclusivas de Portugal. Vamos valorizar também a Quinta, substituindo a estufa, associando-lhe uma programação na área do solo. Queremos uma programação científica para que se possa conhecer e perceber a fauna do solo, o papel que tem na produtividade agrícola, e também na alimentação.

"Em Portugal fico muito desapontada quando vejo, por exemplo, a nossa política agrícola, quando vejo o que está a acontecer em termos de habitação turística em Grândola, o que está a acontecer no sudoeste alentejano, o que está a acontecer na Costa Vicentina. O que está a acontecer com o plano de regadio que não tem em conta os cenários climáticos. Tudo isto revela uma incapacidade extraordinária."

Há solução para o planeta?
Isso é uma questão muito importante. Estamos mesmo num tempo de emergência. Temos mesmo duas grandes crises planetárias, que nos vão colocar enormes problemas e uma grande exigência e vamos ter que fazer a transição. O custo dela é que é assustador. Isto, porque, de facto, não temos qualquer preparação para isso. Não temos modelos de mudança preparados, temos ainda uma inércia muito grande no sistema, a nossa formulação é muito pouco sistémica, e a mudança é sistémica. A questão climática penso que já entrou na nossa perceção geral, começa a perceber-se o impacto que terá. No entanto, no que respeita à transição energética, e quando pensamos nas soluções para essa transição, temos uma série de problemas. Ou é o lítio que conflitua com a conservação de alguns territórios, ou as tecnologias… Além disso, temos narrativas controversas, o cidadão nem percebe o que deve ou não fazer. Devo ter ou não uma viatura elétrica, vem aí o hidrogénio? Há, de facto, uma profusão de narrativas que tornam tudo muito difícil e há uma falta muito grande de literacia sobre a matéria. A Comissão Europeia lançou agora uma recomendação que tem a ver exatamente com a necessidade de educação ambiental e uma forma do cidadão ficar habilitado a compreender o que se passa.

E o Parque associa-se naturalmente a essa recomendação?
É uma das coisas que me inspira. Porque essa mudança é inexorável. Vamos ter que a fazer. Se demorarmos muito tempo, perdemos muito e a transição será muito mais injusta e pode ser tarde quando lá chegarmos.

"Queremos uma programação científica para que se possa conhecer e perceber a fauna do solo, o papel que tem na produtividade agrícola, e também na alimentação"

Pedro Granadeiro/Global Imagens

As consequências serão piores?
Os cenários de temperatura são realmente assustadores.

E a outra crise planetária?
É a crise da biodiversidade. Vai haver uma convenção para a biodiversidade na China, em abril, da qual se espera que saia um acordo muito próximo daquele que aconteceu em Paris, mas para a biodiversidade. Desejavelmente, isto significará uma forma diferente e bastante mais conseguida de conservar espaços para a natureza. É um enorme desafio. Temos, de facto, uma década muito exigente. A verdade é que temos conhecimento, a verdade é que temos hoje meios para fazer o caminho, mas, quando vejo uma guerra à porta da Europa, tenho dúvidas. Não era expectável.

Vamos ter esperança?
Trabalho sempre por aí. Mas em Portugal fico muito desapontada quando vejo, por exemplo, a nossa política agrícola, quando vejo o que está a acontecer em termos de habitação turística em Grândola, o que está a acontecer no sudoeste alentejano, o que está a acontecer na Costa Vicentina. O que está a acontecer com o plano de regadio que não tem em conta os cenários climáticos. Tudo isto revela uma incapacidade extraordinária. No entanto, a narrativa europeia é muito feliz. Pelo menos aponta um caminho, o da Agenda Ecológica Europeia. Estou muita atenta a estas coisas, sou uma grande defensora das políticas públicas e estamos no momento em que é preciso renovar a sua abordagem. Esperemos ter mais gente inspiradora. Tentarei, no meu espaço de cidadania, fazer esse trabalho.

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