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Pp, Vox And Ciudadanos, Participate In A Concentration In Colon (madrid) Against The Pardons To The Prisoners Of The 'proces'.
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Europa Press via Getty Images

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Insistir no falso apaziguamento da Catalunha

Sánchez parece insistir numa premissa que não funciona. E o maior perigo é esquecer que as democracias modernas não operam com base em particularidades raciais ou linguísticas. Ensaio de Diogo Noivo.

José Luis Rodríguez Zapatero é dono de um optimismo pertinaz. Encontramos um de muitos exemplos deste traço de personalidade em Dezembro de 2006, quando as negociações entre o governo de Espanha e a organização terrorista ETA iam de mal a pior. O negociador designado pelo Executivo de Zapatero manifestava receios crescentes e o ministro do Interior Alfredo Pérez Rubalcaba, um dos políticos espanhóis mais notáveis dos últimos 40 anos, suplicava ao Presidente de Governo por prudência. Ainda assim, Zapatero falou ao país em conferência de imprensa para anunciar: “Podemos estar perante o fim da violência”. Sem hesitar, acrescentou: “Dentro de um ano estaremos melhor do que hoje”. Nem 24 horas depois, a ETA detonou um engenho explosivo no aeroporto de Madrid, matando duas pessoas e dinamitando por completo as condições de diálogo com o governo.

Na Catalunha aconteceu algo semelhante, embora entre declarações e desgraça tenha passado mais tempo. Também em 2006, a propósito do novo Estatuto de Autonomia da Catalunha, Zapatero deu uma entrevista ao director do jornal El Mundo na qual afirmou: “Dentro de 10 anos Espanha estará mais forte, a Catalunha estará melhor integrada em Espanha e você e eu estaremos cá para vê-lo”. Já a Juan Luis Cebrián, então presidente do Grupo Prisa, detentor do diário El País, Zapatero apresentou o estatuto como “uma oportunidade para resolver o problema da Catalunha”. Cebrián perguntou-lhe “Para os próximos 20 anos?”. Zapatero respondeu: “Para sempre”.

Passados os 10 anos referidos ao El Mundo – em bom rigor, 11 – a Catalunha foi palco de uma conjura separatista sob a forma de alegado referendo à independência, a maior crise constitucional desde 23 de Fevereiro de 1981, quando um grupo de Guardias Civis entrou aos tiros no parlamento para tentar um golpe de Estado que invertesse a transição democrática em curso.

O estatuto defendido por Zapatero já o adivinhava. Fonte de um psicodrama que envolveu arengas partidárias e recursos para tribunal, o estatuto revelava uma pulsão separatista com tendências unilaterais. Confirmava que o nacionalismo catalão estava apostado numa independência obtida através da violação premeditada da Constituição e da manipulação de instituições públicas. Talvez mais sintomático, desvendava um nativismo étnico que vive de instigar emoções viscerais nas massas, pois atribuiu à indignação virtude moral com validade política.

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Mas Zapatero não viu razões para alarme. O novo Estatuto de Autonomia era de uma generosidade inédita na forma como atendia às principais reivindicações do nacionalismo catalão e, em si, provava o espírito de diálogo espanhol. Oferecia distensão política no presente e garantia condições para a concórdia futura. Segundo Zapatero, as razões para optimismo eram evidentes.

Porém, a realidade decidiu coisa diferente. A arena partidária catalã recompôs-se para eliminar a tradicional dicotomia esquerda-direita e substituí-la por uma que opõe nacionalistas a não-nacionalistas. Intensificou-se a espiral de diligências associativas, partidárias e parlamentares que prometiam – e preparavam – a ruptura. Já o tão ansiado Estatuto de Autonomia teve de converter-se em agravo: apesar de consagrar poderes e direitos sem precedentes, há muito reivindicados, fora expurgado de umas poucas inconstitucionalidades flagrantes, o que permitiu ao separatismo transformar o ramo de oliveira em ofensa pérfida à dignidade da Catalunha.

Tudo culminou no Outono de 2017 com acto performativo ao qual se chamou referendo e na subsequente declaração unilateral de independência. O escritor Daniel Gascón descreveu o sucedido como um fenómeno emparentado ao Brexit, feito de azáfama identitária e de críticas populistas ao establishment. De facto, tratou-se de uma rebelião nascida num território que goza de amplos poderes autonómicos e cujo PIB per capita é dos mais elevados de Espanha. Aliaram-se técnicas modernas de propaganda em redes sociais à velha épica dos mitos fundadores da nação singular e orgulhosa. Falou-se mais de emoções, percepções e supostos ultrajes do que de factos e argumentos racionais. E, como sucede com todos os nacionalismos virulentos, limaram-se os contornos de um inimigo externo chamado Espanha ao qual se imputaram todos os males da pátria agrilhoada.

Em síntese, ensaiou-se uma ruptura que não só violou a Lei Fundamental como atropelou deliberadamente os direitos dos não-independentistas residentes na Catalunha – cerca de metade da população. Este é um dos aspectos cruciais da pulsão separatista: fala de um conflito entre Espanha e a Catalunha para ocultar que o verdadeiro conflito está dentro da região. Há independentistas, catalanistas que defendem a manutenção da Catalunha como parte de Espanha, gente que se sente simultaneamente catalã e espanhola sem ver conflito algum entre as duas identidades, pessoas que apenas se sentem espanholas. Cada uma destas categorias pode ser declinada noutras mais complexas. Como qualquer sociedade moderna e democrática, a Catalunha é diversa e plural, o que constitui uma séria ameaça para o relato separatista segundo o qual existe um povo uno e homogéneo alçado em prol da independência.

Sanchez Announces That The Government Will Approve Tomorrow The Pardons To The Prisoners Of 1-0

Sem soluções evidentes à vista, o Presidente de Governo espanhol Pedro Sánchez decidiu indultar os separatistas condenados.

Europa Press via Getty Images

Os resultados do desafio são conhecidos: fuga de empresas, erosão das instituições regionais e nacionais, polarização emocional e ideológica e uma deterioração gravosa da convivência social. O passar do tempo aprofundou os abismos, que se converteram numa espécie de novo normal. Sem soluções evidentes à vista, o Presidente de Governo espanhol Pedro Sánchez decidiu indultar os separatistas condenados. Tal como Zapatero em 2006, Sánchez oferece distensão e concórdia, mas as melhores intenções poderão gorar-se por força de vícios instalados. Desde logo porque os agora indultados se dizem presos políticos.

Políticos Presos

Delito, sim, mas delito de opinião. Foi desta forma que os condenados do ‘procés’ – processo que levou ao alegado referendo e à declaração unilateral de independência – entenderam as penas de prisão atribuídas pelo Tribunal Supremo. A tese é subscrita por quem os apoia dentro e fora de Espanha. Contudo, a realidade dos factos é pouco meiga com esta interpretação.

De maneira deliberada, estes indivíduos violaram a Constituição, o Estatuto de Autonomia da Catalunha e decisões de vários tribunais. Também com manifesta intenção, infringiram as normas do parlamento catalão e os pareceres da assessoria jurídica dessa câmara. Por último, organizaram uma campanha separatista com recurso a verbas provenientes do erário público. Portanto, foram condenados pelos delitos que praticaram, não pelas ideias que defenderam. Aliás, os partidos e organizações separatistas às quais pertencem não foram ilegalizados, facto importante para demonstrar que se julgaram actos ilegais e não convicções ou objectivos políticos.

Importa olhar brevemente para a sentença. Os organizadores e executores da conjura separatista chegaram ao banco dos réus acusados dos crimes de rebelião, sedição, desvio de fundos e desobediência. O Tribunal Supremo, apesar de considerar provada a existência de violência para a obtenção de fins políticos, considerou-a insuficiente para provar o crime de rebelião, deixando-o cair. Isto é relevante porque a rebelião é um crime contra a ordem constitucional e a sedição um crime contra a ordem pública, logo menos grave. Por esta e outras razões, as penas atribuídas pelo Supremo foram inferiores às solicitadas pelo Ministério Público. Entre os milhares que agitaram a bandeira da sedição nas ruas, a justiça condenou 12 pessoas, três das quais com pena suspensa. Ao contrário do propagandeado pelas fileiras independentistas, a sentença foi branda.

As estirpes mais obstinadas dos nacionalismos espanhol e catalão não pouparam nas críticas. O primeiro sentiu que a lei não foi cumprida por razões políticas (amenizar a pulsão separatista) enquanto o segundo disse-se vítima de um ordenamento jurídico politizado (destinado a obliterar a identidade nacional catalã). Por desagradar aos extremos, houve quem visse na sentença a abertura de uma via para o diálogo entre moderados.

Vox Files A Complaint Against The Council Of Ministers For The Approval Of Pardons

Manifestação à porta do Supremo espanhol contra os indultos

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A esperança não passou disso mesmo. O independentismo deturpou o conteúdo da sentença, levou a contestação para a via pública e regressou ao mantra da “judicialização da política”. Segundo diziam, o aparelho judiciário estava inquinado e constituía um obstáculo à criação de soluções políticas. Argumentou-se que nenhuma instituição se deve sobrepor à vontade das massas nem a quem diz representá-las.

De forma algo provocatória, mas bastante acertada, o ensaísta Juan Claudio de Ramón discorda, argumentando que a judicialização da política é uma necessidade imperiosa, sob pena de o poder político ficar isento de cumprir o direito positivo. Viver num Estado de Direito significa viver protegido da discricionariedade daqueles que exercem os vários poderes. A lei assegura direitos, liberdades e garantias a todos os cidadãos e respalda as instituições nas quais se funda a democracia. Porventura mais importante, estabelece separação de poderes e sistemas de freios e contrapesos que poupam a sociedade a concentrações de poder – e aos caprichos de quem o exerce. Dito de outra forma, em democracia a lei estabelece os limites da actividade política e penaliza quem os ultrapassa. Se assim não for, a política transforma-se numa área de privilégio, a salvo da justiça, o que anula as bases democráticas de qualquer Estado.

Alheio a estas considerações, o separatismo catalão entende que os tribunais não se podem envolver na política, mesmo em casos de ilegalidades ostensivas, mas defende que a política pode e deve limitar as decisões judiciais. Além de peculiar, é irónico: acusam Espanha de autoritarismo e, para resolver o problema, propõem que Espanha viole a separação de poderes, tal como sucede nas ditaduras.

Indultos

Distensão e concórdia. Estes foram os argumentos apresentados por Pedro Sánchez para fundamentar a decisão de indultar os condenados do procés. Em discurso proferido no Gran Teatro Liceu de Barcelona, disse compreender aqueles que se opõem à medida, mas propõe a superação do “conflito político”. Na balança das decisões, pesam mais as expectativas de futuro do que os agravos do passado.  Para chegar a acordo, alguém tem de dar o primeiro passo e o Presidente de Governo assume esse gesto abnegado. Impõe-se abrir espaço à política. Os indultos são, portanto, “uma mão estendida à reconciliação”. Já esta quarta-feira, em debate parlamentar, apelou novamente à capacidade de perdoar e à recuperação do espírito de pactos que funda a Constituição. Note-se que os indultos têm especial valor político, pois vão em sentido contrário aos pareceres não vinculativos emitidos pelo Tribunal Supremo e pelo Ministério Público.

No dia seguinte ao discurso de Sánchez em Barcelona, a jornalista Pepa Bueno perguntou a Elsa Artadi, deputada do partido independentista Junts per Cat, o que tinham aprendido os separatistas até à data. Convicta, Artadi respondeu “que temos razão”. Não foi a única a encontrar nas palavras do Presidente de Governo uma validação do separatismo. Oriol Junqueras, presidente da ERC e independentista condenado, recebeu o indulto como um “triunfo” e uma prova da “debilidade” institucional do Estado. O também condenado Jordi Turull foi igualmente claro: “Deram-nos um indulto condicionado, revisável e parcial; Ouçam-nos bem: o nosso compromisso em terminar o que começámos a 1 de Outubro [de 2017] não é parcial, nem revisável, nem condicionado”. Já Jordi Cuixart, líder da organização separatista Òmnium Cultural, falou em “prelúdio da derrota que sofrerá o Estado espanhol”, acrescentando que os indultos demonstram que o sucedido em 2017 “não foi nenhum delito”. A CUP, partido radical anti-capitalista, pediu que se “recomece a confrontação com o Estado”. Pere Aragonès, actual Presidente do Governo Autonómico da Catalunha, afirmou que “os indultos não solucionam nada”: “Queremos referendo” e “autodeterminação”. Dias depois, se dúvidas houvesse, Aragonès clarificou: “Que ninguém se iluda, não renunciamos [à independência]”. Todas as declarações proferidas por independentistas afinam pelo mesmo diapasão, havendo ainda quem detecte um aroma fascista em Sánchez por não aprovar amnistias totais, sem condicionalismos.

“Deram-nos um indulto condicionado, revisável e parcial; Ouçam-nos bem: o nosso compromisso em terminar o que começámos a 1 de Outubro [de 2017] não é parcial, nem revisável, nem condicionado”
Oriol Junqueras, presidente da ERC e independentista condenado

Tudo isto revela três conclusões importantes. Primeiro, o arrependimento dos condenados não é sequer uma miragem. A pulsão independentista encontrou nos indultos motivo para renovar ânimos. É certo que o arrependimento não é condição prévia ao indulto, mas é igualmente verdade que todas as redenções requerem actos de contrição. Segundo, o que o governo espanhol apresentou como um gesto magnânimo foi entendido pelos visados como a antecâmara da capitulação espanhola, debilitando assim a autoridade do Estado. Por fim, como resultado das conclusões anteriores, a revogação política de decisões judiciais como via para a concórdia não terá surtido qualquer efeito, apenas fragilizou a capacidade legal e institucional da democracia espanhola.

Lamentavelmente, o enfraquecimento dos pilares político-institucionais da democracia não fica por aqui. Aventa-se a criação de uma mesa de diálogo entre o governo de Espanha e o Governo autonómico da Catalunha à margem dos fora instituídos para negociação entre Executivos regionais e o governo central. O que parece um exercício tautológico constitui, na verdade, uma forma de agir à margem das instituições. Sabendo-se sem mandatos suficientes para impor a sua vontade, o independentismo tenta criar um fórum paralelo, livre das regras democráticas de representatividade parlamentar, onde poderá obter aquilo que os votos expressos em urna não lhe deram. Mais importante, pode ser uma maneira de conseguir indultos absolutos: o gesto de clemência do governo retirou os condenados da prisão, mas não anulou as penas de inabilitação para exercício de funções políticas; ora, em tese, uma mesa de diálogo em moldes mais ou menos informais permite aos condenados reinserir-se na liderança do independentismo. Pedro Sánchez garantiu que os indultados não participarão no processo, mas há pouco mais de um ano asseverou que nunca os indultaria, o que autoriza dúvidas legítimas.

Estas dúvidas sugerem outras, como bem lembrou esta quarta-feira no parlamento Gabriel Rufián, deputado da Esquerda Republicana da Catalunha e uma das vozes mais truculentas do movimento separatista. Sánchez repetiu aos deputados que, com ele, não haverá referendo nem independência, ao que Rufián respondeu: “O senhor também disse que não haveria indultos, logo dê-nos tempo”.

Insistir na premissa

Na segunda metade da década de 1970, a política territorial foi um dos eixos estruturantes da construção da democracia em Espanha. Dado que o regime cessante era centralista e centralizador, uma das vias seguidas pela democracia para romper com o passado foi a criação de uma arquitectura territorial assente em profunda descentralização, criando comunidades autónomas com parlamentos, governos e competências próprias. A estratégia ficou conhecida como “café para todos”, frase cunhada pelo então Ministro Para as Regiões Manuel Clavero.

Todos bebiam café, mas uns bebiam mais do que outros. Nesta Espanha das regiões, a Constituição discriminou de forma positiva aquelas que tinham “direitos históricos” e que, por conseguinte, partiram no pelotão da frente no processo de transferência de competências e poderes do Estado central: Catalunha, País Basco e Galiza. Por isso, Espanha é hoje composta por 17 comunidades autónomas que conformam um espaço político com assimetrias vincadas, onde a Catalunha se encontra num estado de quase soberania e em concorrência com o Estado central em várias matérias, enquanto outras regiões detêm pouco mais do que lhes foi outorgado nas décadas de 1970 e 1980.

O desequilíbrio territorial não é fruto do acaso, mas de uma intenção explícita do legislador. A concessão de estatutos de privilégio a estas três comunidades radica em algo que o politólogo David Jiménez Torres chamou “A Premissa”: a crença de que o sistema autonómico seria um instrumento eficaz para integrar na democracia os nacionalismos sub-estatais, nomeadamente o catalão e o basco. O auto-governo, a cedência a reivindicações antigas e recentes, bem como a criação de um contexto de manifesto privilégio em relação às demais regiões acabariam por dissolver os sectarismos étnicos no Estado de Direito democrático.

Esta crença originava outras, duas muito relevantes. Primeiro, mesmo que o processo de integração democrática fosse tenso, os nacionalismos nunca extremariam as relações com Espanha ao ponto de ruptura. E segundo, se os nacionalismos periféricos continuassem a desenvolver um caderno reivindicativo isso dever-se-ia ao facto de ainda não se ter chegado a um ponto de equilíbrio, donde cabia ao Estado central transferir mais competências.

“A Premissa” estava imbuída do espírito do momento posterior à queda do Muro de Berlim. Era o célebre “Fim da História”, de Francis Fukuyama, segundo o qual o término da Guerra Fria pusera fim a todos os conflitos ideológicos, dada a supremacia da democracia liberal. A integração económica e política num mundo cada vez mais globalizado transformaria os nacionalismos em artefactos históricos. O apego à tribo converter-se-ia num devaneio.

No mundo e no caso particular de Espanha, os primeiros anos pareciam confirmar a teoria. No plano internacional proliferaram Estados democráticos até em zonas onde se pensavam impossíveis. Em Espanha, não obstante reticências e irritações, os nacionalismos catalão e basco governavam os próprios territórios e viabilizavam no parlamento espanhol governos de esquerda e de direita.

Carles Puigdemont, em 2017

David Ramos/Getty Images

Mas no mundo e no caso particular de Espanha, o curso do tempo encarregou-se de desmentir o vaticínio. O terrorismo islamista, a Rússia, a China e os autoritarismos árabes demonstraram que a globalização gera convergências, mas também aprofunda abismos. Já em Espanha mostrou-se que os nacionalismos não são uma fase, mas fenómenos versáteis e dinâmicos que necessitam de movimento para se manterem vivos.

No cumprimento da Premissa, os sucessivos governos espanhóis foram cedendo competências à Catalunha em busca do tal ponto de equilíbrio. A isto chamou-se ‘diálogo’. Por sua vez, o nacionalismo autóctone usou os novos poderes e recursos públicos para construir a nação – em particular, através de uma constelação mediática vinculada ao poder autonómico, do uso das políticas linguística e educativa como veículos de doutrinamento e sedimentando a ideia segundo a qual a Catalunha era uma entidade homogénea e dissociada de Espanha. A abordagem deu frutos: desde os anos de 1970 até ao início do século XXI, o apoio ao independentismo na Catalunha oscilou à volta dos 15%; hoje rondará os 40%.

À medida que os governos espanhóis de turno iam transferindo cada vez mais competências, menos ficavam para transferir, o que naturalmente agravou as condições do diálogo. O nacionalismo usou então a ameaça de independência como instrumento de pressão, conseguindo assim mais poder. Tudo isto enquanto passava para Espanha a responsabilidade pelos males regionais, lógica em tudo semelhante à aplicada por alguns Estados-Membros na sua relação com a União Europeia: imputam à Europa os erros nacionais aos mesmo tempo que nacionalizam os sucessos europeus.

Assim chegámos a 2017, ano da crise constitucional. Claro está que este círculo vicioso contou com elementos adicionais de perturbação, que apenas o intensificaram, entre os quais erros clamorosos de gestão política por parte do PSOE e do PP, as ondas de choque provocadas pela crise económica de 2008 e os gravíssimos casos de corrupção no seio do nacionalismo catalão que foram disfarçados, radicalizando o discurso independentista. Pontos de tensão à parte, a Premissa norteou a acção de todos os governos espanhóis desde 1978. Os resultados foram invariavelmente os mesmos: a cada momento reivindicativo corresponde uma cedência de poderes inédita; a tensão mitiga-se apenas para continuar dentro de momentos.

Com os indultos, Pedro Sánchez parece insistir numa Premissa que não funciona. As leituras mais cínicas veem na medida de graça um ardil para garantir a manutenção no poder: Sánchez lidera um governo minoritário que depende do apoio parlamentar dos separatistas catalães – e dos bascos, aos quais também fez cedências impensáveis – para assegurar o cargo de Presidente de Governo. Independentemente da motivação, e a avaliar pela reacção dos indultados e seus apoiantes, desta vez não haverá grande interregno nas hostilidades.

Porventura o maior perigo destes indultos e da mesa de diálogo é esquecer que as democracias modernas não operam com base em particularidades raciais, singularidades linguísticas, mitos fundadores ou locais de nascimento. Pelo contrário, assentam em direitos e deveres comuns, normas colectivas que permitem a cada indivíduo viver a sua identidade como bem entender numa sociedade aberta e plural. Este deveria ser o objectivo de qualquer negociação. Esperaremos por melhores dias.

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