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Irvine Welsh nasceu em Edimburgo em 1958. "Trainspotting" foi o primeiro romance que escreveu, adaptado ao cinema em 1996 por Danny Boyle. "Dead Men's Trousers", de 2008, é o seu mais recente livro
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Irvine Welsh nasceu em Edimburgo em 1958. "Trainspotting" foi o primeiro romance que escreveu, adaptado ao cinema em 1996 por Danny Boyle. "Dead Men's Trousers", de 2008, é o seu mais recente livro

Irvine Welsh nasceu em Edimburgo em 1958. "Trainspotting" foi o primeiro romance que escreveu, adaptado ao cinema em 1996 por Danny Boyle. "Dead Men's Trousers", de 2008, é o seu mais recente livro

Irvine Welsh: "Ninguém escreve um filme a pensar no ecrã do telemóvel. Escreve-se a pensar na sala de cinema"

O que fez antes dos livros. As adaptações e os argumentos originais. E os efeitos de "Trainspotting", o seu grande sucesso. Antes do FEST, Irvine Welsh falou de tudo isto com o Observador.

Numa videochamada desde a sua Edimburgo natal, o escritor Irvine Welsh conta ao Observador, num sotaque escocês menos intenso do que o receado, de como chegou à escrita por manifesta falta de jeito para a música, a sua primeira paixão. Um dia pensou que se era capaz de escrever letras de canções, então também conseguiria escrever um livro. Assim nasceu Trainspotting, em 1993, e assim se deixa uma marca no mundo. Não que o escritor, entretanto tornado argumentista e produtor, pare um segundo para pensar nisso — está demasiado ocupado a escrever argumentos de séries, de filmes e até já tem um novo livro no prelo.

O autor de culto vai estar em Espinho a 9 de outubro para apresentar uma masterclass de escrita no âmbito da 17.ª edição FEST — Festival Novos Realizadores, Novo Cinema, o pequeno festival de cinema onde se podem ver bons filmes, sim, mas onde o destaque vai quase todo para os eventos de partilha de conhecimento e de networking com veteranos e especialistas da indústria cinematográfica que, entre os dias 4 e 11 de outubro, voltam a ocupar a cidade onde as ruas não têm nome (têm números).

Os realizadores Asghar Farhadi e Béla Tarr e a atriz oscarizada Melissa Leo são exemplos de figuras proeminentes do cinema que participaram recentemente no FEST. A edição de 2021 inclui ainda masterclasses com Isabel Coixet, Chris Simon e Tony Grisoni, além de uma extensão online na plataforma de streaming Filmin, e extensões offline no Cinema Trindade, no Porto, e na Culturgest, em Lisboa.

"Uma adaptação é um território de negociação, mas ao entrar como argumentista, aí é possível ditar as regras", diz Irvine Welsh

Vai estar no FEST, em Espinho, a dar uma masterclass sobre a sua carreira, a sua experiência na indústria de cinema e em ter livros adaptados para o grande ecrã. Já preparou a matéria para a “aula”?
Não tenho propriamente uma ideia definida sobre as melhores práticas… Penso que quando se tem um livro adaptado para o cinema, todas as relações com quem faz o filme — o realizador, produtores, atores — mudam de filme para filme. É sempre diferente. É mesmo importante pensar no tipo de relação que se tem com estas pessoas, o que é que elas querem de nós, ou o que é que querem que façamos — o que é que, realisticamente falando, conseguimos trazer para a mesa? Se tudo estiver a ser bem feito e não conseguirmos acrescentar nada, então só estamos a estorvar e a única coisa que podemos fazer é sair da frente para não atrapalhar. Noutras vezes, o realizador ou produtor vai querer que façamos parte da equipa, vai querer que escrevamos o argumento ou que nos tornemos produtores executivos, ou, porque nos querem por perto, que apenas façamos o chá. Depende das relações que se criam. Se alguém se encontra na situação de ter um livro adaptado… bem, isso é muito diferente de escrever um argumento original. E eu fiz ambos. Uma adaptação é um território de negociação, mas ao entrar como argumentista, aí é possível ditar as regras.

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Foi o que aconteceu com a adaptação de “Lixo” [“Filth”, de 2013, com James McAvoy], em que também assinou o argumento?
Estive muito envolvido no filme, mas não assinei o argumento, que foi escrito pelo realizador, Jon S. Baird. Um amigo mútuo apresentou-nos e demo-nos logo bem. Ele demonstrou ter muita paixão por este projeto e fez força para que eu estivesse envolvido desde o primeiro momento. Acabei por ser produtor-executivo. Não escrevi o argumento, mas acabei por estar mais envolvido do que se tivesse escrito.

[o trailer de “Lixo”:]

Como assim?
Escrevi o argumento para “The Acid House” [de 2008, realizado por Paul McGuigan], e posso dizer que estive mais envolvido na adaptação de “Lixo”.

Por causa da relação com Jon S. Baird?
Sim, sem dúvida. Ele é muito colaborativo e queria-me por perto desde o início. Era assim que ele tentava vender o projeto para atrair mais gente. Fomos a Hollywood os dois procurar financiamento, falar com diretores de casting e produtores. Foi uma experiência muito interessante para ambos porque estávamos ainda um pouco verdes nesta área. Acabámos por ter o mesmo agente [da CAA] nos Estados Unidos. Em “The Acid House”, o realizador [Paul McGuigan] tinha as suas próprias ideias, e eu já tinha escrito o guião. Foi esse o meu contributo.

Esta vai ser a sua primeira vez em Portugal?
Não, já estive aí muitas vezes, mas sempre em lazer.

Então suponho que conheça bem o Algarve.
E não só. Da última vez, já há um par de anos, estive no Porto com amigos escritores e fizemos o Caminho de Santiago até à Galiza. Foi ótimo.

Tenta manter-se em forma?
Faço por isso… Tento mais hoje do que há alguns anos, mas sem virar fundamentalista do fitness.

Em que argumentos tem estado a trabalhar?
Fiz um filme, “Creation Stories” [2021], que correu muito bem, mas que infelizmente não se estreou nas salas, apenas esteve disponível para download. Ninguém escreve um filme a pensar no ecrã do telemóvel. Escreve-se a pensar na sala de cinema. Isso foi um pouco desapontante, não poder mostrar o filme num ecrã apropriado. Esperamos que venha a estrear-se mais tarde. Também ando a fazer muita coisa para televisão. Tenho uma série a sair em novembro, chamada “Crime” [a partir do seu livro homónimo de 2008, publicado entre nós pela ], que acredito que terá algum impacto. Acredito mesmo que as pessoas vão falar disto.

"Tentei ser músico durante um tempo, depois tive aquele tipo de empregos que se tem quando não se sabe realmente o que é que se quer fazer da vida. Trabalhei em construção civil, em restaurantes, tive empregos administrativos, esse género de trabalhos em que esperamos não ficar encalhados. E se tivermos sorte, tropeçamos em algo que realmente queiramos fazer."

A televisão é o meio mais apetecível neste momento para um argumentista?
Talvez seja… não sei… mas gostava de voltar a escrever para cinema. Fazer televisão é ótimo, não quero ser mal interpretado, mas são sempre grandes projetos que me obrigam a trabalhar durante muito tempo, ao passo que no cinema é terminar o argumento, passá-lo a alguém que o queira filmar e já está, posso esquecer o assunto e seguir em frente. Na televisão não. Na televisão, quando temos sucesso, há novas temporadas, spin-offs e ficamos submersos na burocracia. É como ter um emprego normal outra vez.

Quando foi a última vez que teve um emprego normal?
Provavelmente há 30 anos. Não conseguiria voltar a essa vida. Perdi todas as minhas habilidades, hoje já não sei fazer nada. Cheguei a trabalhar como reparador de televisões, mas agora mal consigo mudar uma lâmpada em casa sem correr o risco de ser eletrocutado.

O que fazia antes do sucesso de Trainspotting?
Um pouco de tudo, tentei ser músico durante um tempo, depois tive aquele tipo de empregos que se tem quando não se sabe realmente o que é que se quer fazer da vida. Trabalhei em construção civil, em restaurantes, tive empregos administrativos, esse género de trabalhos em que esperamos não ficar encalhados. E se tivermos sorte, tropeçamos em algo que realmente queiramos fazer. Descobri que sabia escrever.

Quando e como é que descobriu isso, que escrever seria uma opção?
Estive metido no meio musical durante muito tempo. Tive bandas, escrevia canções e às vezes eram baladas com histórias longas. A música nunca me levou lado algum por isso decidi escrever um livro. Foi assim que escrevi Trainspotting [1993]. Depois fiquei tão extasiado pelo facto de ter terminado um livro que continuei a escrever histórias, e assim saiu o The Acid House [1994]. Comecei então a escrever outro, mais ambicioso, o Marabou Stork Nightmares [1995]. E foi nesta altura que percebi que me tornara um escritor de verdade. Ainda não tinha um livro publicado e já ia a meio do seguinte.

"Já tive regimes de trabalho mais disciplinados, de me fechar num quarto de hotel até terminar o que tinha em mãos. Mas isso depende do contexto familiar. Quem com alguém que diz "for fuck sake, sai-me de casa", então é melhor encontrar outro sítio onde escrever."

Houve algo de catarse nesse momento de, subitamente, com 30 e poucos anos, encontrar o seu rumo?
Foi libertador descobrir que havia esta coisa — escrever — que eu era capaz de fazer. Porque na música, onde tentei singrar durante anos, na verdade nunca fui muito bom. Ainda tentei ser DJ, mas passar a música de outros artistas deixava-me insatisfeito. Eu queria era tocar a minha! Os livros e os filmes deram-me a oportunidade de fazer a minha própria cena, de criar obras que me interessavam ler e ver.

Trainspotting foi logo um sucesso ou só explodiu três anos mais tarde, quando Danny Boyle o levou ao cinema?
Foi de imediato, estranhamente. Esforcei-me para ter uma carreira na música durante tanto tempo e nada resultou. Já na escrita foi o contrário. No momento em que o livro saiu, a sua fama começou a espalhar-se. O passa a palavra foi intenso. Primeiro em Edimburgo e Glasgow, depois Londres e Manchester, sobretudo nos meios urbanos muito cools. O livro chegou ao mainstream quando começou a circular entre os estudantes. Tornou-se um livro que as pessoas queriam ler. Fez-se uma peça de teatro, o que aumentou a sua notoriedade, e depois veio o filme, que o colocou num palco mundial.

[o trailer de “Trainspotting”:]

E como foi o seu envolvimento? Danny Boyle quis tê-lo por perto durante a produção ou nem por isso?
Sim, dei-me muito bem com o Danny e os produtores. Impressionou-me o entusiasmo deles. Eles mostraram-me o “Pequeno Crimes Entre Amigos” [de 1994, Shallow Grave no título original] e achei que estava muitíssimo bem realizado e que queria este tipo de energia para as minhas personagens. Achei melhor não interferir naquela dinâmica. Fiquei de fora, a apoiar: sempre que me mostravam uma versão do argumento apenas respondia: “Brilhante, não mudem uma vírgula”. Ajudei mais tarde com a banda sonora. Como não havia dinheiro para a música, consegui que as bandas [como Blur, Underworld, Iggy Pop] ] nos cedessem as canções sem nada em troca. Em vez de contactar as editoras ou os agentes, falei diretamente com os músicos. Ajudei no que pude.

Nos anos seguintes nunca pensou “pronto, o meu trabalho está feito, deixei a minha marca no universo, vou reformar-me”?
Quer dizer, como escrevo muito e estou sempre a ir de projeto em projeto, nunca parei realmente para pensar nisso. Estou tão imerso no que faço que perco a noção do que me rodeia. Às vezes, acontece alguém perguntar-me se estou entusiasmado com uma antestreia na semana seguinte, e não sei do que estão a falar. Depois vou ao email e percebo que está quase a estrear um filme que escrevi ou que foi adaptado de um livro meu, e que, portanto, tenho de arranjar um fato. Isto acontece porque me desligo do projeto no último dia de rodagem. É quando me convenço que já está, que não vou ter de voltar a pensar nisso. O que é mentira, porque depois vem a pós-produção e a parte de promover o trabalho, de dar entrevistas, de ir às televisões, rádios, etc. Mas terminar uma rodagem é sempre um alívio enorme, sobretudo nos filmes independentes, porque há tanto que pode correr mal.

É mais trabalhoso do que escrever livros?
Não, nem pensar. A escrita de um argumento obedece a um calendário rigoroso para entregar diferentes versões até se chegar ao guião final. Já um romance pode levar anos a completar. Podemos perder-nos a escrever um romance, mas não um argumento convencional estruturado em três atos. Num argumento, o diabo está nos detalhes. E há pessoas com quem trocar bolas: realizadores, produtores, toda uma equipa criativa. No romance estamos por nossa conta. É-se mais autor de um romance do que de um argumento, que tem essa faceta mais colaborativa.

"Não me recordo de dois livros ou dois argumentos que tenha feito seguindo o mesmo método. O meu próprio regime de trabalho é quase aleatório"

Desde o primeiro livro, há quase 30 anos, o que mudou no seu processo de escrita?
Não sei dizer, para ser sincero. Sinto que tudo o que fiz, fiz de forma diferente. Gosto de deixar o conteúdo ditar a forma. Certas personagens ou certos temas como que me levam a trabalhar de uma certa maneira. Não me recordo de dois livros ou dois argumentos que tenha feito seguindo o mesmo método. O meu próprio regime de trabalho é quase aleatório. Às vezes acordo de madrugada e escrevo por um par de horas antes de voltar para a cama. Noutras vezes vou a uma matiné e tento trabalhar durante a tarde. Noutras ainda, acabo por escrever só de noite, como uma criatura noturna. Já tive regimes de trabalho mais disciplinados, de me fechar num quarto de hotel até terminar o que tinha em mãos. Mas isso depende do contexto familiar. Quem com alguém que diz “for fuck sake, sai-me de casa”, então é melhor encontrar outro sítio onde escrever.

Desde os anos 90 viveu em São Francisco, Londres, Barcelona, Chicago e, mais recentemente, Miami. Mas pela hora a que estamos a conversar só posso presumir que esteja deste lado do Atlântico…
Neste momento estou na minha cidade natal de Edimburgo, mas geralmente estou em Miami ou Londres.

Em que medida é que a sua escrita é influenciada pelo ambiente que o rodeia?
Depende, porque há dois tipos de escrita. Há a escrita de uma primeira versão, um esboço do que será a obra final que é mais sobre reunir ideias. E aí consigo sair, divertir-me, mergulhar num pouco de vida e conciliar isso com sessões de trabalho. Dá até para procurar inspiração nos locais que frequento e integrar esse ambiente na escrita. Enquanto a segunda versão é muito mais específica. Quando preciso de transformar o primeiro rascunho numa história prefiro fechar-me num quarto, cuja localização passa a ser irrelevante.

É conhecido o estilo de vida hedonístico e a sua relação com as drogas de quando era mais novo. Entretanto, já passou dos 60, como é que essa relação se foi modificando ao longo do tempo?
Agora já não consigo tomar drogas. Costumava tomar muitas. Adorava. Quer dizer, obviamente com a heroína é outra conversa. A certa altura criei adição à heroína, o que não foi muito sensato da minha parte. Nada me impelia para a adição além do aspeto físico, que só consegui ultrapassar depois da desintoxicação. Mas foi uma experiência interessante. Foram quase dois anos muito estranhos, muito formativos em termos de escrita, não apenas pela droga em si, mas também pelas relações que se constroem e pelas pessoas que se conhecem nesse contexto.

"O que os escritores odeiam mais do que tudo são as distrações. Com a pandemia não tive outra solução que não ficar em casa a fazer o que tinha para tratar. Não tive de ir a reuniões. Gostei de ficar em casa com a minha namorada a ouvir discos antigos e sair apenas para longas caminhadas."

Diferentes drogas trazem diferentes contextos. Há algum em especial de que sinta saudades?
Das drogas recreativas, sem dúvidas. Costumava ir a raves um pouco por todo o mundo e aí consumia ecstasy, mas acho que já tomei todo o tipo de drogas. O que acontece quando envelhecemos é que por já nos termos intoxicado tantas vezes isso deixa de ser excitante. Temos uma moca muito maior a apreciar um pôr do sol, uma floresta ou um lago. Eu sei qual é a sensação de chutar para a veia ou de tomar um comprimido e entrar noutra dimensão. Essas coisas já não me interessam muito.

Qual foi o ponto de viragem?
Decidi que já chegava quando tinha 40 e muitos anos, talvez já 50. Aconteceu-me mais tarde do que acontece à maioria das pessoas.

Que tipo de constrangimentos lhe causou a pandemia?
Em termos pessoais, a pandemia foi ótima para mim porque me obrigou a ficar em casa. O que os escritores odeiam mais do que tudo são as distrações. Com a pandemia não tive outra solução que não ficar em casa a fazer o que tinha para tratar. Não tive de ir a reuniões. Foi bom não estar com pessoas, digo isto sem entrar numa toada anti-social. Gostei de ficar em casa com a minha namorada a ouvir discos antigos e sair apenas para longas caminhadas.

Desde Trainspotting já escreveu mais quatro livros com as mesmas personagens e já houve dois filmes [1996 e 2017], ambos de Danny Boyle Quando sai o próximo livro?
Tenho um livro a sair no próximo ano, mas não está relacionado. É centrado na mesma personagem do programa de televisão que vai estrear-se em novembro, a partir do meu livro Crime. Não tenho a certeza de que vá fazer outro livro com as personagens de Trainspotting, mas nunca se sabe.

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