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Noite eleitoral das eleições legislativas de 2022: Noite eleitoral do Partido Socialista, António Costa, secretário-geral do PS e candidato a primeiro-ministro, no Hotel Altos em Lisboa. As eleições legislativas realizaram-se este domingo e o Partido Socialista ganhou com maioria absoluta. Lisboa, 30 de janeiro de 2022. JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR
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Momento em que António Costa ouve o líder do Chega chamá-lo através das televisões que estão na sala: "António Costa, eu vou atrás de ti agora". O líder socialista cerra os punho e ergue-os no ar, como se fosse um combate. Ri-se. Nessa altura já sabe que tem na mão a maioria absoluta

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Momento em que António Costa ouve o líder do Chega chamá-lo através das televisões que estão na sala: "António Costa, eu vou atrás de ti agora". O líder socialista cerra os punho e ergue-os no ar, como se fosse um combate. Ri-se. Nessa altura já sabe que tem na mão a maioria absoluta

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“Já posso dizer que há maioria absoluta?” As reuniões decisivas da campanha do PS vistas por dentro

Nestes 15 dias, o Observador assistiu a conversas do estado-maior socialista sobre o rumo da campanha que levou António Costa à maioria absoluta. Saiba o que aconteceu nas salas onde tudo se decidiu.

“Mas porque é que não vemos já tudo hoje?” Passa da meia-noite, já é dia 19 de janeiro e António Costa está a poucas horas de levantar voo da Madeira. Enterrado num pequeníssimo sofá no hall do Hotel Cliff Bay, no Funchal, já está de pullover azul, sem a gravata que usou o dia inteiro. Já bebeu dois chás de menta e ainda não quer dar a reunião de trabalho por encerrada. O seu diretor de campanha, Duarte Cordeiro, bem tenta, já falaram sobre os primeiros dias de estrada no continente, mas Costa quer despachar tudo até ao fim de semana. Está irritado com a agenda para esses dois dias. “O programa é um excesso”, comenta com desagrado. A equipa fica mais silenciosa quando o começa a sentir impaciente.

Domingo quer ter imagens fortes para passar ao final da manhã nas televisões e está a ver o caso mal parado. Nesse dia vai votar antecipadamente e se demorar muito tempo pode não haver mais nada para mostrar à hora de almoço, nos telejornais, do que o socialista na fila. “Pois não sei”, comenta Duarte Cordeiro cansado de uma reunião que já vai longa. “Pois, nem eu!”, atira Costa, ríspido, sem dar sequer hipótese para que uma pergunta retórica banal fique no ar.

Tinha falado dias antes com o presidente da Câmara do Porto que lhe disse que estariam 50 mesas instaladas no Pavilhão Rosa Mota para o voto antecipado — já sabia que Rui Moreira lá estaria, até tinha ficado de lhe dizer a hora da sua votação para que se encontrassem: 9h30. O líder socialista inscreveu-se para dar o exemplo e agora temia que pudesse ter de ficar demasiado tempo à espera, ainda para mais para sair dali e ir enfiar-se numa entrevista no Porto Canal. Se esperasse muito tempo para votar e depois seguisse para a entrevista, à hora do almoço as televisões não teriam nada para mostrar. “Comigo a votar de manhã, mesmo o comício de Viseu da noite anterior serviu para zero. Não serve para nada!“.

A entrevista era vista, por Tiago Antunes, como vantajosa naquele dia em que parte das pessoas estava a votar. Havia mais de 300 mil inscritos e aquele que é também o secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro discordava do chefe. “É um dia bom para dar uma entrevista”. Mas Costa não podia estar mais longe de concordar. Irritou-se e a voz subiu de tom: “Quem vota dia 23 já sabe! São só eleitores já convencidos. Diga-me um indeciso que vote no dia 23? Um?” Não era uma pergunta que esperasse resposta. Estava dito.

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Durante toda a reunião o secretário-geral do PS bebeu dois chás de menta

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Queria mesmo ir para as Caxinas mais cedo. Ficou a matutar com os seus botões, com todos à volta a ouvir. Já menos enervado, porque afinal o seu assessor de imprensa, David Damião, lhe lembrou que agora a lógica das televisões mudou um pouco. “A CNN faz diretos a lançar as imagens mais recentes” a todo o momento. Costa ouve e continua a fazer contas consigo mesmo, sentado no sofá com as pernas todas esticadas: “Chegamos às Caxinas quando as pessoas já saíram da missa e já estão em casa a fazer o almoço”.

Não tinha razões para tanta preocupação, afinal nesse domingo levou pouco mais de cinco minutos entre entrar no pavilhão e estar sozinho numa cabine de voto a riscar a cruzinha. Mas a sua vontade foi feita, a entrevista que se seguia acabou por saltar da agenda — Duarte Cordeiro tratou do assunto — e o candidato lá conseguiu ir logo para onde queria: para a rua, mais precisamente Vila do Conde, Caxinas, a freguesia fetiche do PS onde, em 2015, chegou a pedir a maioria absoluta. “É para não haver variantes para qualquer adjetivo. Uma maioria clara, inequívoca, maioritária. Uma maioria absoluta é o que o PS precisa, é o que o país precisa para ter paz, estabilidade e um novo rumo na governação”, disse nesse dia 26 de setembro de 2015. Seis anos depois, também a quer, mas neste domingo já não a pediria. Apareceu antes nos tais telejornais da hora do almoço, no mesmo local, mas agora a garantir que vai fazer uma campanha “em crescendo”, na moldura humana que queria a enquadrá-lo.

Na primeira semana não conseguira, no entanto, libertar-se de outro momento mediático que lhe levantava muitas resistências. “Não é possível acabar com essa coisa absurda? É um horror”. Falava do debate organizado por três rádios, com muitas dúvidas sobre o modelo. “É o último”, incentivavam-no os membros da equipa a dois dias do debate. Era o décimo, depois de oito frente-a-frente e um debate televisivo com todos. Sabia ali, naquela reunião, que ainda por cima o seu principal adversário Rui Rio não ia estar. “Se nem o Rio vem com quem é que vou debater? Convinha não ser só com o Ventura…” Nem com o líder do Chega debateu já que este também faltou e Costa acabou centrado numa inesperada discussão sobre nuclear, suscitada pelo próprio socialista, completamente fora da caixa e a dar a ideia que aproveitou aqueles minutos para mais uma jogada de tática política ao misturar tudo, criação de centrais nucleares com a investigação em fusão nuclear: agradou ao PAN e deu palco a Rui Tavares, um potencial aliado para acordos futuros, numa altura em que a ideia da maioria absoluta já estava a perder gás.

Foram poucas as vezes que António Costa interrompeu a reunião num hotel na Madeira para falar ao telemóvel

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A reunião que resvalou para a manhã seguinte e pôs fim ao pedido de maioria

A maioria absoluta já estava, nesta fase da campanha, perdida em combate, Costa já não a pedia desde quinta-feira, noite de um comício em Santarém onde essa ausência foi notada, sobretudo quando parecia estar a subir de tom e ter pegado de estaca no discurso socialista. Quatro dias depois dessa noite,  precisamente na noite dessa segunda-feira, no Porto, depois de um dia intenso de braço de ferro com Rui Rio nas ruas do Norte do país, deu-se a volta definitiva nessa mensagem. A equipa já estava cansada, mas Costa ainda tentou uma reunião noturna que acabou por ser concluída só já na segunda-feira de manhã, no Hotel Sheraton, onde António Costa esteve hospedado durante os dias em que esteve a Norte.

Foi uma reunião longa e mais estratégica, com a ideia de reavaliar a mensagem na entrada para a última semana de campanha e que concluiu que mais do que não falar na maioria absoluta — coisa que o líder já não referia desde a quinta-feira anterior — era preciso “assumir que não era casual, fazer uma transição menos suave e mais assumida”, como explica um conselheiro de Costa.

Logo no dia seguinte, em Coimbra, o líder socialista foi questionado no meio do frenesim e dos bombos de uma arruada na Ferreira Borges sobre o desaparecimento do pedido e o socialista admitiu que, na rua, o que tinha “sentido era que as pessoas querem uma solução de Governo estável, mas assente no diálogo e na criação de consensos”. Estava assumida a correção de estratégia.

A reunião num hotel da Madeira durou até ao início da madrugada

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Na tal reunião que antecedeu este realinhamento, Costa ouviu o seu círculo do costume, onde se integram Duarte Cordeiro, mas também Mariana Vieira da Silva e Tiago Antunes (além dos assessores e restante staff) e o sentimento geral era que “insistir na maioria era prejudicial”, “contraproducente”. Que a mensagem estava apreendida e que agora era preciso falar para os que não acreditavam que fosse possível alcançar uma maioria, mas que começavam a ver o PS acantonado apenas nessa solução.

Mas não foi só isso. Mal a CNN Portugal começou a disparar as tracking poll diárias (um estudo de opinião que monitoriza continuamente o comportamento do eleitor, para apurar tendências), o PS foi fazendo estudos paralelos para alinhar a dinâmica de campanha — Duarte Cordeiro já tinha estado noutras direções de campanha e essa experiência já lhe ensinou a importância de ter os seus próprios dados.

Os números que chegavam do partido eram sempre diferentes dos que iam sendo publicados diariamente pelo canal de notícias (mais folgados para o PS e nunca com inversão de tendência, ou seja, nunca com o PSD acima do PS), mas nem por isso permitiram que a caravana seguisse com nervos de aço. O falhanço recente das sondagens em Lisboa e o tremendo desgosto que isso representou para os socialistas não dava espaço a qualquer tranquilidade. A primeira consequência disso foi o fim do pedido de maioria absoluta.

Na Madeira, menos de uma semana antes, era difícil que Costa acreditasse que não a teria — como acabou por acontecer numa noite surpreendente (ver mais abaixo). Dizia a quem lhe perguntasse que isso era possível. Os socialistas apoiavam-se em estudos qualitativos que indicavam que as pessoas estavam menos receosas com um Governo nessas condições. As mensagens a passar em campanha estavam fechadas: deixar clara a responsabilidade da crise política; apresentar a maioria com a melhor solução de estabilidade; bipolarizar o discurso; consolidar as diferenças face ao PSD de Rio e aproximá-lo do Chega. A primeira já tinha passado sobretudo nos debates e, nesta altura, ganhava terreno a segunda.

Sem a pressão das tracking polls já presente, a convicção era mesmo a da maioria. Mas nem assim Costa estava totalmente relaxado com os dias de rua e não só.

António Costa no avião da TAP a caminho da ilha da Madeira para os primeiros dias de campanha

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“E não se arranja um independentezinho?”

Com o telemóvel na mão, no sofá ali mesmo ao lado do Cliff Bay do Funchal, Duarte Cordeiro debruçava-se sobre o visor onde fazia correr a agenda dos próximos dias. O indicador deslizava para cima e para baixo, enquanto Costa bebia o seu chá e atirava perguntas a cada linha da agenda. Sem piedade. Quer saber que percurso vão fazer por Évora, no dia seguinte, 20, numa das primeiras arruadas dignas desse nome naquela campanha. Teima com um percurso, tem receio de não encontrar muita gente ao final da manhã, e depois lá concede: “Bom, não nos metemos nisso e fazemos como o Capoulas [cabeça de lista pelo distrito] mandar, é isso?”.

Depois seguem para as obras do Hospital Central do Alentejo, também em Évora, vai debitando o diretor de campanha. Mais um golo de chá quente e: “O hospital já está acima do solo ou são só fundações? As televisões só vão filmar um buraco? É bom que esteja acima do nível do solo”. Duarte ainda desabafa que nunca teve “essas métricas”. Quando lá chegam, na quinta-feira seguinte, dia 20, há pouco mais do que um monte de pó que deixa os sapatos brancos e… o tal buraco. “Mas era um enorme buraco”, graceja um dos dirigentes dias depois.

O bombardeamento de perguntas durante um simples acerto de agenda não tem fim. Não há nenhuma iniciativa que Costa não questione. “Amanhã está um frio de rachar em Beja, não?”. “O comício de Santarém é onde? No auditório da CNEMA [Centro Nacional de Exposições]?! É que aquilo é muito grande…”. Mas a pergunta que mais repete é “e… quem fala?”.

António Costa reunido com o seu núcleo duro. Na imagem com Duarte Cordeiro, diretor de campanha

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A cada elenco que Duarte Cordeiro descreve, a cada distrito, há outra pergunta sempre repetida pelo líder: “E não se arranja um independentezinho?”; “Não se consegue arranjar um independente, para dar um ar de sua graça?” Ao ponto de, a dada altura, quando Duarte Cordeiro diz quem vai discursar, antecipa logo a preocupação de Costa. “Na lógica dos independentes, temos de ver…”. O que é facto é que, nos comícios, se não estavam previstos inicialmente, os tais independentes lá foram aparecendo aqui e ali. Por exemplo, em Santarém não havia nenhum na lista inicial, mas no dia do comício acabou por discursar Carlos Calado, um médico independente. O mesmo em Faro, onde falou mais um médico, Nuno Marques.

E depois também houve a piada de António Costa sobre Castelo Branco, onde não havia nenhum independente alinhado. Bom, lembrou logo Duarte Cordeiro antes que o líder pudesse contestar: “Temos a Ana Abrunhosa”. E Costa disparou com ar gozão, suscitando risos à volta: “E temos a certeza de que já se desfiliou do PSD?”. A ministra da Coesão Territorial do seu Governo é uma conquista à direita, já que foi nomeada em 2014 pelo então primeiro-ministro Pedro Passos Coelho para presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro e aceitou integrar o Governo socialista, cinco anos depois.

A presença de independentes é tão valorizada que boa parte da reunião noturna no Funchal foi passada com essa preocupação. Para sexta-feira, 21, depois da entrevista ao Observador, a caravana socialista quis aproveitar estar em Lisboa para reunir um conjunto de figuras da cultura — mais um punhado dos independentes que o candidato procurava. Mas é terça-feira e ainda não há segurança nessa iniciativa. Costa está preocupado até porque já recebeu alguns telefonemas de pessoas que “se tivessem sido contactadas pela Aida tinham dito que sim…”  Aida Tavares, a programadora cultural e diretora artística do Teatro Municipal São Luiz desde 2015, é em quem confia para aquela tarefa de telefonemas para figuras que possam querer integrar a lista de apoios à sua candidatura e, algumas delas, até assinar um manifesto de apelo ao voto útil no PS. “Temos uma lista gigantesca, mas quem quer apoiar o manifesto? Há pessoas que apoiam mas não querem assinar o manifesto. Mantemos o manifesto?”

Mais uma vez está impaciente com a falta de um quadro já fechado quando faltam três dias para o encontro que quer promover em Lisboa. “Há coisas que têm de se tratar hoje, para a terça-feira da próxima semana”. Aconselha mas naquele tom de quem diz que é para fazer assim: “Não era melhor pôr a Mariana a fazer essa avaliação?”. Mariana Vieira da Silva só se juntará à caravana mais tarde, já que está isolada preventivamente nesta altura e Costa vê ali disponibilidade para alguém da sua total confiança (e a quem reconhece capacidade de organização) pegar no assunto e preparar o evento onde coloca importância.

Nessa altura nem sonhava que seria ali que teria um caso de campanha. Rosa Mota, a campeã olímpica que não falha um apoio a uma campanha socialista, apareceu em Lisboa e falou do que conhece: o Porto e quem o governou muitos anos, Rui Rio. Chama-lhe “nazizinho” e a expressão rapidamente chega aos ouvidos de Rio que logo comenta que é António Costa que “sabem quem mete dentro da sala”. O assunto é tão delicado que o próprio líder do PS vem logo deitar água na fervura, demarcando-se da expressão usada. “Eu estou muito grato pelo apoio que ela me deu, estou muito grato pelos apoios de todos os cidadãos e cidadãs independentes, que quiseram expressar o seu apoio. Naturalmente cada um fala por si, eu falo por mim e nunca utilizei essa expressão”. Na noite da maioria absoluta, mesmo à saída do palco do Altis, no meio da turba socialista em êxtase, estava a pequena atleta pronta para receber um emotivo abraço do líder. O episódio já estava lá atrás.

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Os “perigos” no caminho que foram sendo afastadas

“O que é isso?”. A pergunta foi dirigida a Duarte Cordeiro que acabara de lhe dizer que em Leiria estava prevista uma visita à sede dos autarcas da região centro. Percebe logo pelo tom o desagrado do chefe. Sem vacilar, responde simplesmente com os olhos postos no telemóvel: “Então, são autarcas do centro”. “São os do PSD, querem reivindicar. Isso é um perigo”, concluiu logo o líder socialista que, aproveitou a deixa para comentar que o seu diretor de campanha “está muito complacente com os presidentes de federação”. Não quer esse encontro nesta altura, não vê vantagens em ir ouvir reivindicações em plena campanha e está a sentir-se levado pela agenda dos dirigentes locais, mais focados nas suas questões do que no impacto que se exige a uma campanha nacional e onde uma visita pode deitar tudo a perder. “Pronto, vamos à Iberomoldes se não formos à tal sede da região centro”, negoceia com Cordeiro. O encontro que não queria não aconteceu.

Costa jogou sempre na defensiva no campo eleitoral. Na preparação das visitas, mal ouve que vão visitar uma qualquer empresa, pergunta logo “e não há aí nenhuma história sinistra?“. Nesta mesma organização da agenda também se mostra desconfortável com alguns encontros em regiões específicas. “Reunião com empresários na Guarda? Não faz muito sentido…” Duarte Cordeiro ouve o líder e primeiro-ministro socialista e já conhece o tom mais baixo com que fala, olhando por cima dos óculos, antes de levantar a voz. Explica-lhe calmamente que é uma iniciativa conjunta entre as distritais da Guarda e de Castelo Branco. Mas António Costa não vê vantagens e explica porquê: “É que 90% das intervenções vão ser sobre as portagens”. Aqui intervém Tiago Antunes que lembra que também há obra a apontar naquela região, o primeiro porto seco (fora do mar, na região interior, e ligado a um porto marítimo por via férrea e rodoviária) do país será na Guarda e foi aprovado em Conselho de Ministros mesmo no final de dezembro. Será, com toda a certeza, elogiado pelos empresários da região, confia o governante, esperançoso que possa ser valorizado esse impulso à competitividade das empresas do interior.

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Já Costa, está totalmente cético. “Eles querem sempre mais”. Está focado na questão das portagens e conhece bem a pressão nessa região, sobretudo de empresários, para que sejam eliminadas as portagens na A23 e na A25. Falar no assunto nesta altura, teme, “só enfraquece a posição negocial do Estado em 2023″, altura em que termina boa parte dos contratos de concessão e em que o Governo já assumiu que “será uma boa altura para rever os contratos e para os analisar”, pela voz da ministra da Coesão Territorial. A tendência tem sido reduzir os valores das portagens nas ex-SCUT sobretudo naqueles territórios do interior. Mas não eliminar.

“Sim, portagens não é bom”. Tiago Antunes mostra-se convencido, ao mesmo tempo que Duarte Cordeiro previne: “Mas este ainda não é o programa. Só estou a dizer o que eles [dirigentes locais] propõem”. Costa mostra-se novamente impaciente: “Mas não estamos aqui para ver o que eles propõem. Não estou muito convencido”. No dia 21, sexta-feira, partem de Lisboa em direção à Guarda com um programa reduzido a uma deslocação a pé pelo centro da cidade e um comício, com a caravana a partir de seguida para outro comício, em Castelo Branco. Não há qualquer paragem para conversas com empresários locais potencialmente insatisfeitos com uma redução de portagens que continua longe do que defendem.

O assunto até aparece, mas apenas e só no manifesto que saiu da “cimeira do interior”, o encontro entre os quatro cabeças de lista do PS que representam a região (Ana Abrunhosa, por Castelo Branco, Ana Mendes Godinho, pela Guarda, Ricardo Pinheiro, por Portalegre, e João Azevedo, por Viseu) que se realizou antes da passagem de Costa pelo território. O texto não é mais do que a transposição das propostas do partido para o interior e lá consta a “anulação dos custos de contexto, nomeadamente através da redução dos custos das portagens da A23, mas também da A25, da A24”. Não houve discussão sobre o tema que lhe entrasse pela campanha adentro.

Há um tema final ainda para acertar naquela reunião interminável. Muda-se a mensagem ou não? Os cartazes ditam “continuar a avançar”, o lema da campanha. “O Rio mudou agora…  aparece com o braço no ar”, descreve o líder. Ainda valerá a pena? Duarte Cordeiro e Tiago Antunes acham que não, defendem que se mantenha o que está. A menos que, arrisca Cordeiro, António Costa tenha alguma na manga para o apelo final. Em 2009, quando procurava a maioria absoluta na campanha autárquica em Lisboa, foi o próprio candidato que propôs a mensagem dos cartazes para os últimos dias. Ao lado da sua imagem estava escrito simplesmente: “Preciso do seu voto”. Mas ali declara estar aposentado dessas funções.

Na reunião no início da campanha, na Madeira, esteve Duarte Cordeiro, Tiago Antunes, David Damião e a sua secretária pessoal de há anos

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Já passa da uma da manhã e Costa já está de pé pronto para subir para o quarto, onde o aguarda o “Águas passadas” de João Tordo que anda a ler. É um thriller que mete dois crimes brutais.  “É impressionante”, Costa descreve-o e cerra os olhos como quem nem se quer lembrar. Mas não consegue parar de o ler. Agora não tem tido tempo para as séries que também costuma ver nas plataformas de streaming e anda com este livro que faz questão de ler sempre um bocadinho todos os dias, ou à noite ou de manhã, nas fases em que anda a acordar cedo. Nem em campanha prescinde desse desligar do botão.

“Já posso dizer que há maioria absoluta?”

A agenda de campanha vai sendo traçada a cada momento, fazendo o equilíbrio possível entre aquilo que são as conveniência dos dirigentes locais — que são, afinal, quem tem a mão diretamente na mobilização das pessoas da terra — e aquilo que o líder quer para a sua campanha. Quando há choque, ganha o último. Pelo meio está Duarte Cordeiro. Conhecem-se há anos, Cordeiro esteve na equipa de Costa na Câmara de Lisboa e dirigiu-lhe campanhas internas e nacionais, mas nem assim o tratamento é mais informal, tratam-se por você.

Duarte não queria ter mais esta direção de uma campanha caída fora do plano e depois de falhar tudo no Parlamento, onde assume desde 2019 a pasta dos Assuntos Parlamentares. É um elemento de peso da geração que se prepara para seguir no PS, o pedronunismo. É amigo muito próximo de Pedro Nuno Santos com quem aproveitou para jantar quando a caravana foi a Aveiro para um comício. Ao lado de Costa, o líder distrital que todos veem como sucessor na liderança fez um discurso de posicionamento ideológico dentro do PS e o mais que destacou o atual líder foi no par de vezes em que apontou para ele, ali sentado na fila da frente.

Noite eleitoral das eleições legislativas de 2022: Noite eleitoral do Partido Socialista, António Costa, secretário-geral do PS e candidato a primeiro-ministro, no Hotel Altos em Lisboa. As eleições legislativas realizaram-se este domingo e o Partido Socialista ganhou com maioria absoluta. Lisboa, 30 de janeiro de 2022. JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Sala onde António Costa e o secretariado do PS assistiram aos resultados das eleições, no 13º piso do Hotel Altis, em Lisboa

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Duarte Cordeiro está por todo o lado nesta campanha, conhece bem a máquina do partido, é cumprimentado no final das arruadas pelos dirigentes locais que tentam saber se foram de acordo às expetativas que a caravana trazia para a terra. Até aproveitam para fazer contas a alguns gastos com material de propaganda e o diretor de campanha encaminha tudo para o mandatário financeiro Hugo Xambre. Duarte é normalmente um pessimista — foram vários os orçamentos do Estado negociados à esquerda em que achou que era dessa que tudo ruía, até ter mesmo razão — mas nesta caravana ao seu papel de gestor de cada um dos dias e de aplacar os humores do líder somou o de sossegar nervosismos com os números que iam caindo ao longo dos 12 dias de estrada.

Na manhã de domingo, dia das eleições, tranquilizava quem o procurava para saber o que esperar dessa noite. Se tudo estiver normal, o PS fica à frente com uns seis pontos de vantagem. Só não seria assim se houvesse uma anormalidade. Era mais ou menos o que previa. Ninguém falava em maioria absoluta. Ainda se encontrou com Costa durante o sábado para acertar pontos para a noite eleitoral, seria no Altis, como sempre, embora o líder do PS tivesse algumas reservas sobre o sobe e desce de dirigentes entre os pisos onde se concentram os socialistas.

Noite eleitoral das eleições legislativas de 2022: Noite eleitoral do Partido Socialista, António Costa, secretário-geral do PS e candidato a primeiro-ministro, no Hotel Altos em Lisboa. As eleições legislativas realizaram-se este domingo e o Partido Socialista ganhou com maioria absoluta. Lisboa, 30 de janeiro de 2022. JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR Noite eleitoral das eleições legislativas de 2022: Noite eleitoral do Partido Socialista, António Costa, secretário-geral do PS e candidato a primeiro-ministro, no Hotel Altos em Lisboa. As eleições legislativas realizaram-se este domingo e o Partido Socialista ganhou com maioria absoluta. Lisboa, 30 de janeiro de 2022. JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR Noite eleitoral das eleições legislativas de 2022: Noite eleitoral do Partido Socialista, António Costa, secretário-geral do PS e candidato a primeiro-ministro, no Hotel Altos em Lisboa. As eleições legislativas realizaram-se este domingo e o Partido Socialista ganhou com maioria absoluta. Lisboa, 30 de janeiro de 2022. JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR Noite eleitoral das eleições legislativas de 2022: Noite eleitoral do Partido Socialista, António Costa, secretário-geral do PS e candidato a primeiro-ministro, no Hotel Altos em Lisboa. As eleições legislativas realizaram-se este domingo e o Partido Socialista ganhou com maioria absoluta. Lisboa, 30 de janeiro de 2022. JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Durante toda a noite António Costa ia alternando entre olhar para a televisão, responder a SMS, atender chamadas e a receber felicitações de colegas e amigos

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É que além da sala do piso -1 onde os dirigentes vão reagindo ao longo da noite, há uma sala com convidados no 12º piso do hotel e no piso acima reúne-se o secretariado com o líder. Numa das salas desse andar, Costa está ao cimo das mesas dispostas em U, em mangas de camisa e gravata, com Duarte Cordeiro à direita e Pedro Nuno Santos à sua esquerda. Na sala ao lado estão a ser recebidos os resultados apurados em cada distrito, é de lá que vem a informação mais precisa sobre a realidade do país. As projeções das oito da noite permitiram um alívio, sim, mas agora havia outras contas que começavam timidamente a fazer-se.

Costa está num frenesim. Não larga o telemóvel onde vai recebendo, a cada minuto, relatos sobre os tais números reais que já são os únicos em que se concentra naquela altura. Na sala reina a confiança e boa disposição e dispara mesmo em gargalhadas, faltavam cinco minutos para a meia-noite, quando André Ventura faz a sua declaração. António Costa está distraído quando ouve o líder do Chega chamá-lo através dos aparelhos que estão na sala. “António Costa, eu vou atrás de ti agora”. O líder socialista cerra os punho e ergue-os no ar, como se fosse um combate. Ri-se. Nessa altura já sabe que tem na mão a maioria absoluta.

A convicção foi regressando à sua bolha, mas só mesmo no decorrer da noite e à medida que ia sendo feita a contagem dos votos. O cenário começou a ser visto como viável já depois de Costa ter dito à RTP, pelas nove da noite, que não lhe parecia “previsível”, era “um cenário extremo”, dizia apontando para o teto máximo das margens das projeções. Pouco depois soube que em Bragança o PS tinha ficado à frente, por uma margem curtíssima (15 votos) que lhe garantia dois deputados pelo círculo, roubando um ao PSD e ficando à frente pela primeira vez. Em Vila Real, o mesmo: rouba um deputado ao PSD e fica com três de cinco. Viseu, o cavaquistão de outros tempos, que já nas autárquicas tinha dado sinais, também virou.

Noite eleitoral das eleições legislativas de 2022: Noite eleitoral do Partido Socialista, António Costa, secretário-geral do PS e candidato a primeiro-ministro, no Hotel Altos em Lisboa. As eleições legislativas realizaram-se este domingo e o Partido Socialista ganhou com maioria absoluta. Lisboa, 30 de janeiro de 2022. JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR Noite eleitoral das eleições legislativas de 2022: Noite eleitoral do Partido Socialista, António Costa, secretário-geral do PS e candidato a primeiro-ministro, no Hotel Altos em Lisboa. As eleições legislativas realizaram-se este domingo e o Partido Socialista ganhou com maioria absoluta. Lisboa, 30 de janeiro de 2022. JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Momento em que Costa pergunta em voz alta: "Já posso dizer que há maioria absoluta?". No instante seguinte sai e prepara-se para descer até ao piso -1 onde centenas de apoiantes para o ouvir

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João Azevedo, o cabeça de lista pelo círculo, bombardeava o telemóvel do líder com imagens de boletins de apuramento do resultado em freguesias que o PS nunca tinha ganho. “Ali vi: já ninguém nos pára”, comenta com o agora deputado com o Observador. E ainda não tinham chegado os números de Leiria que, pela primeira vez, deu uma vitória ao PS no distrito, quando já os dirigentes socialistas tinham a certeza que a maioria dos mandatos no Parlamento não lhes escaparia.

A sala do piso -1 do Altis foi enchendo à medida que a perceção ia crescendo, com governantes, dirigentes, assessores do Governo, membros da juventude socialista, militantes vários e independentes. Foi de tal maneira que se esgotaram as mil pulseiras que tinham para serem entregues à entrada mediante apresentação do certificado digital Covid-19.

Esperou que falassem todos os líderes e, às 00h05 minutos, já no dia 31 de janeiro, António Costa levantou-se da mesa, pediu o seu casaco à secretária pessoal Conceição Ribeiro. Depois entrou pela sala dos resultados uma última vez, só para confirmar. Pergunta: “Já posso dizer que há maioria absoluta?”. A resposta é afirmativa. Vira-se para ir até ao elevador, sozinho, com um caderno de argolas, uma caneta, o telemóvel e um quadro com os resultados por distrito debaixo do braço.

Já  tinha acertado o que queria dizer no discurso de vitória. Entrou na sala com a mulher, Fernanda Tadeu, a abrir caminho com os dedos de vitória no ar. Fez questão que não ficasse nas suas costas, mas na primeira fila da plateia, e teve de ser um elemento do corpo de segurança pessoal da PSP a afastar a multidão para conseguir fazer essa vontade ao primeiro-ministro. Não seria ele a dar a notícia da maioria, sabia que ela surgiria quando estivesse no palco a garantir que não pretendia transformá-la em “poder absoluto”, chamando todos os partidos para reuniões depois da indigitação do Presidente da República. Fez o discurso sem a máscara bordeaux que usou a noite toda e aí já foi visível o sorriso que fez para a sala quando usou finalmente a expressão “maioria absoluta”.

Noite eleitoral das eleições legislativas de 2022: Noite eleitoral do Partido Socialista, António Costa, secretário-geral do PS e candidato a primeiro-ministro, no Hotel Altos em Lisboa. As eleições legislativas realizaram-se este domingo e o Partido Socialista ganhou com maioria absoluta. Lisboa, 30 de janeiro de 2022. JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

António Costa felicita o seu diretor de campanha, Duarte Cordeiro

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