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Lai Chee-ying, nome de batismo de Jimmy Lai, nasceu a 8 de dezembro de 1947 em plena guerra civil na China

AFP via Getty Images

Lai Chee-ying, nome de batismo de Jimmy Lai, nasceu a 8 de dezembro de 1947 em plena guerra civil na China

AFP via Getty Images

Jimmy Lai. O self-made man católico que enfrentou o regime chinês e que pode ser condenado a prisão perpétua

Cresceu na China de Mao, fugiu para Hong Kong num barco de pesca aos 12 anos e construiu um império do nada. Multimilionário, Jimmy Lai fundou um jornal crítico do comunismo e Pequim não perdoou.

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No Natal passado, o empreendedor e político com nacionalidade britânica Jimmy Lai conseguiu enviar três ilustrações relativas à época festiva para um colégio católico no estado norte-americano da Virginia. Preso desde 2020 em Hong Kong, o magnata dos media naquela região especial administrativa chinesa desenhou na cela Jesus Cristo na cruz e também Maria, enviando os desenhos para os Estados Unidos através de uma das suas maiores aliadas, April Ponnuru. Em compensação, a escola organizou a iniciativa “Postais para o Jimmy”, em que crianças e adolescentes enviavam mensagens de apoio ao dissidente. Um ano depois, a situação alterou-se radicalmente.

Na última segunda-feira arrancou o julgamento de Jimmy Lai. O homem de 76 anos, que nasceu na China continental e se mudou para Hong Kong num barco de pesca aos 12 anos, está acusado de conluio com forças estrangeiras e também de sedição. O porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês, Wang Wenbin, descreveu-o recentemente como sendo o “cabecilha” de uma rede que organizava “protestos anti-China” e um peão nas mãos de “agentes anti-China”.

Dono do jornal Apple Daily, que possuía uma linha editorial que criticava abertamente o Partido Comunista Chinês (PCC), Jimmy Lai tornou-se uma figura demasiado incómoda para o regime. Sob domínio britânico até 1997, Hong Kong passou a ser controlada por Pequim, tal como aconteceu com Portugal e Macau. E durante anos beneficiou de uma certa tolerância que era impensável na China continental, que resultou de um estatuto especial acordado com o Reino Unido. Não obstante, as autoridades de Pequim foram apertando a malha — e deixaram de tolerar certas liberdades.

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A redação do Apple Daily antes de ser encerrada

Bloomberg via Getty Images

A população de Hong Kong não ficou de braços cruzados perante a supressão de liberdades. Entre 2019 e 2020, milhares de pessoas saíram às ruas para protestar contra as últimas decisões do regime. Opondo-se igualmente à aprovação de uma lei que previa a extradição de suspeitos de crimes para a China continental, os manifestantes exigiam mais liberdade e algo impensável na lógica do partido: uma maior autonomia face a Pequim. 

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O jornal Apple Daily dava cobertura e apoiava a realização de manifestações, denunciando igualmente o regime chinês. Nada disto agradava ao Partido Comunista. Em março de 2021, o diário foi encerrado, aplicando um duro golpe à liberdade de expressão em Hong Kong. Sete meses antes, já Jimmy Lai tinha sido detido. 

Jimmy Lai. O self made man que fugiu da China e construiu um império

Lai Chee-ying, o nome de batismo de Jimmy Lai, nasceu a 8 de dezembro de 1947 em plena guerra civil na China. Oriundo de famílias endinheiradas da região de Guangzhou, a situação económica no meio em que cresceu alterou-se radicalmente quando a revolução triunfoua e Mao-Tse Tung chegou ao poder em 1949: os pais acabaram por perder a fortuna amealhada ao longo de gerações. 

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A China atravessa tempos difíceis com o Grande Salto em Frente, impulsionado por Mao-Tse Tung

Universal Images Group via Getty

Isso obrigou a que Lai Chee-ying começasse a trabalhar desde muito jovem numa estação de comboios. A sua função passava por carregar a bagagem dos passageiros. Quando estava a entrar na pré-adolescência, a China atravessava tempos difíceis com o Grande Salto em Frente, impulsionado por Mao-Tse Tung. A reforma agrária forçada, de que fazia parte o plano para transformar a China numa potência económica, acabou por falhar — e estima-se que cerca de 45 milhões de pessoas tenham morrido à fome em quatro anos.

Foi neste contexto económico e politicamente conturbado que Jimmy Lai passou os primeiros tempos da sua vida. Mas tudo mudou um dia, enquanto carregava bagagens na estação de comboios e um estranho lhe deu um chocolate. O jovem adorou e perguntou-lhe de onde é que tinha vindo aquele doce. Hong Kong foi a resposta — e começou aí o interesse de  Lai Chee-ying por aquela localidade, na altura uma colónia do Reino Unido.

Numa autobiografia publicada em 2022, o magnata recorda que achava Hong Kong o “céu” — e a sua missão passava por lá chegar. Aos 12 anos o adolescente entrou às escondidas num barco de pescadores e conseguiu chegar ao destino com que sonhava. Mas não teve uma vida fácil: começou por trabalhar numa fábrica têxtil em turnos de 14 horas por dia.

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Refugiados chineses em Hong Kong, em 1963

Getty Images

Ainda assim, tudo espantava o jovem nascido nos tempos pós-revolução na China continental. Numa entrevista à Association of Mature American Citizens, Jimmy Lai recordou que chorou ao ver que tinha tantas escolhas diferentes para comer ao pequeno-almoço. E a dureza do trabalho também não o assustava; aliás, recordou aqueles tempos iniciais em Hong Kong como sendo “muito felizes”. “Eu sabia que tinha um futuro”.

Por sua vez, num editorial escrito no jornal canadiano The Globe and Mail, o filho de Jimmy Lai, Sebastien, relatou os primeiros anos da vida do pai: “Ele entendeu o que era viver numa autocracia. Ele fugiu da fome e das privações da China comunista nos anos 60 e, como jovem de 12 anos a viver sozinho em Hong Kong, ele construiu uma vida — primeiro a trabalhar numa fábrica”. Segundo o filho, isso ainda tem impacto na saúde do magnata, uma vez que o barulho constante da fábrica fez com que ficasse “surdo de um ouvido”. 

“Ele disse-nos que, apesar das dificuldades por trabalhar muito quando era miúdo, nunca se sentiu pobre, porque as liberdades que encontrou em Hong Kong deram-lhe a oportunidade de viver. Ele sabia que, sem essas liberdades, ele não tinha nada”, continua Sebastien Lai.

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"Ele disse-nos que, apesar das dificuldades por trabalhar quando era criança, nunca se sentiu pobre, porque as liberdades que encontrou em Hong Kong deram-lhe a oportunidade de viver. Ele sabia que sem essas liberdades, ele não tinha nada"
Sebastien Lai, filho de Jimmy Lai

A liberdade económica de que usufruía Hong Kong — contrariamente à comunista China continental — fizeram com que subisse a pulso. Deixando as máquinas de costura de lado, Jimmy Lai tornou-se gerente da fábrica onde começou por trabalhar aos 20 anos. Com um salário mais elevado, investiu ainda na bolsa e começou a acumular fortuna.

Após ser gerente, passou a empresário. Em 1975, comprou uma fábrica têxtil que estava na bancarrota. Isso levou-o a fazer várias viagens aos Estados Unidos, para tentar vender as camisolas que produzia. Foi naquele país que teve conhecimento de uma nova realidade — a do American Dream. A vida social intensa que tinha quando viajava para os EUA fez com que entrasse em contacto com vários homens de negócios. Um deles deu-lhe um livro que o marcou profundamente: O Caminho para a Servidão, do economista conservador Friedrich Hayek. A devoção pelo mercado livre explica que também tenha travado amizade com Milton Friedman, com quem chegou a fazer uma viagem à China continental.

“Esse livro mudou-me a vida”, confessou Jimmy Lai, que indicou que após a leitura de Hayek decidiu que queria enveredar pelo caminho do empreendedorismo. Nos Estados Unidos, corria o ano de 1981, decidiu que criar abrir a sua própria marca de roupa, vendendo a fábrica têxtil de que era proprietário. Chamou-lhe Giordano, o nome de uma pizzaria a que foi para tentar matar a fome causada por ter fumado erva, como relatou a revista Atlantic.

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Uma loja da Giordano em Hong Kong

AFP via Getty Images

Apostando na fast fashion, Jimmy Lai entrou no mundo de retalho. Deixou de vender as roupas que produzia a outros, passando a gerir um negócio que o obrigava a desenhar as próprias roupas e depois também a vendê-las. Por sinal, a altura em que fundou a Giordano foi propícia, tendo surgido numa fase de forte crescimento económico na Ásia. Apesar de algumas dificuldades iniciais em afirmar-se, a marca ainda hoje existe e tornou-se um grande sucesso, convertendo o empresário num multimilionário.

O envolvimento nos media, o ativismo e a religião

Muito muda no final dos anos 80. A União Soviética colapsa e o mundo comunista repensa a sua abordagem. Na China continental, que Jimmy Lai já abandonara há cerca de 40 anos, antes mesmo da queda do Muro de Berlim, as fundações do regime chinês tremeram — e milhares de pessoas saiam à rua em protestos, a que o Partido Comunista respondeu com pulso firme, tendo ficado para a história o massacre de Tiananmen resultante da repressão.

Jimmy Lai chegou a financiar os protestos contra o regime chinês no final da década de 80. Ainda que Pequim tivesse esmagado as manifestações, isso foi o ponto de partida para o empresário entrar no mundo dos meios de comunicação social. A sua primeira experiência na área é a criação do seminário Next, sendo que, em 1995, lançou o diário Apple Daily. A ideia por detrás do nome, confessou o magnata, baseava-se em Adão e Eva, na qual a macieira era a árvore da sabedoria.

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Jimmy Lai com um jornal da Apple Daily na mão em 1995

South China Morning Post via Get

Ganhando o estatuto de tabloide — não eram raras as manchetes com escândalos sexuais —, o Apple Daily cedo adotou um tom crítico relativamente ao regime chinês, ao mesmo tempo que elogiava o modo de vida do Ocidente, em particular o capitalismo. No entanto, apesar de na altura Hong Kong ainda estar sob controlo do Reino Unido, os empresários e as elites políticas temiam que o jornal acabasse por prejudicar as relações com Pequim, como relatou o New York Times.

O desconforto ainda ficou mais patente em 1997. Naquele ano, o Reino Unido concordou transferir a soberania de Hong Kong para a China. Contudo, pouco mudou nos primeiros tempos. Pequim comprometeu-se com Londres a adotar o lema “um país, dois sistemas”, governando a região com uma administração especial.

1997 também foi o ano em que se tornou católico — e a sua conversão está relacionada com a entrega de soberania de Hong Kong à China. Com um percurso laico, foi batizado uma semana antes da transferência de soberania pelo cardeal de Hong Kong, Joseph Zen. O seu padrinho de batismo foi William McGurn, um dos autores dos discursos do antigo Presidente dos Estados Unidos, George W. Bush.

Ao Wall Street Journal, William McGurn recordou o dia de batismo do seu afilhado. “Eu confesso que olhei para ele e me perguntei o quanto ele acreditava [em Deus]. Havia tantas razões para ele se converter. Muitos dos seus amigos eram católicos. Mesmo quando não era crente, ele admirava as religiões e o bem com que tinham contribuído para a sociedade”.

William McGurn, escritor dos discursos do antigo Presidente George W. Bush, foi o padrinho de batismo de Jimmy Lai

Quem também contribuiu para a conversão ao catolicismo de Jimmy Lay foi a sua atual mulher, Teresa, que recebeu uma educação católica. O casal conheceu-se em 1989, mas manteve a relação sempre longe dos holofotes, não sendo conhecidos grandes detalhes.

As proximidades à direita norte-americana e as perseguições políticas do regime chinês

Defensor do modo de vida do Ocidente e do capitalismo, Jimmy Lay tinha a utopia de transformar Hong Kong numa espécie de paraíso liberal — com poucos impostos, mas com um débil Estado social. Essas ideias políticas aproximaram-no do Partido Republicano norte-americano, principalmente da fação dos libertários. Recorde-se que o seu padrinho de batismo era republicano e homem de confiança de George W. Bush.

Outro dos encontros que teve foi com John Bolton, ex-conselheiro de segurança nacional do antigo presidente americano Donald Trump, e que também foi embaixador dos Estados Unidos nas Nações Unidas. O diplomata recordou à revista Atlantic o momento em que conheceu o empresário. “Fiquei incrivelmente impressionado pelo Jimmy. Ele tinha uma visão para Hong Kong”.

"Fiquei incrivelmente impressionado pelo Jimmy. Ele tinha uma visão para Hong Kong", disse John Bolton, político próximo de Donald Trump

Getty Images

Num contexto de aumento de tensão entre a China e os Estados Unidos, as relações entre republicanos, que têm adotado uma retórica cada vez mais dura contra o regime chinês, e Jimmy Lai geravam apreensão em Pequim. E estas ligações foram bastante importantes em 2019, quando irromperam os primeiros protestos nas ruas de Hong Kong. O magnata foi recebido, em julho daquele ano, por várias figuras importante das administração Trump: o ex-vice-presidente, Mike Pence, o ex-conselheiro nacional John Bolton, o ex-secretário de Estado Michael Pompeo e os senadores republicanos Ted Cruz, Cory Gardner e Rick Scott.

Apoiando e financiando os protestos contra Pequim, o regime chinês queria travar que Jimmy Lai tentasse reunir apoio dos Estados Unidos e doutros países com que mantinha relações tensas. Por isso, a China elaborou e aplicou uma nova lei em Hong Kong — a da Segurança Nacional —, que incluía penas de prisão perpétua por “atos de secessão, subversão, terrorismo e conluio com forças estrangeiras para pôr em risco a segurança nacional”.

É à luz desta legislação que, em agosto de 2020, Jimmy Lai foi detido por “conluio com forças estrangeiras”. O projeto do jornal é meses depois desmantelado.

epa09261432 (FILE) Protesters take part in a rally against an extradition bill outside the Legislative Council in Hong Kong, China, 12 June 2019 (reissued 11 June 2021). June 12 marks the second anniversary of the protest movement against the bill which faced immense opposition and would allow the transfer of fugitives to jurisdictions which Hong Kong does not have a treaty with, including mainland China.  EPA/JEROME FAVRE *** Local Caption *** 55267110

Os protestos em Hong Kong

JEROME FAVRE/EPA

Tendo em conta a lei da Segurança Nacional, Jimmy Lai deverá ser condenado à prisão perpétua. O dissidente político esteve detido enquanto aguardava por julgamento, que começou na passada segunda-feira. Vai agora, num processo que deverá demorar quase três meses, comparecer perante três juízes especialmente nomeados para julgar casos de segurança nacional, mas sem júri, o que representa um grande afastamento do costume dos processos judiciais da cidade.

Os Estados Unidos, a União Europeia e o Reino Unido já apelaram à libertação de Jimmy Lai, acusando a China de levar a cabo uma perseguição política. Em resposta, o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês considerou estas tomadas de posição como “irresponsáveis”, sendo contra o “espírito do Estado de direito, do direito internacional e das básicas normas das relações internacional”. E Wang Wenbin garantiu que o processo judicial não é “politicamente motivado”.

Durante os três anos que esteve detido, o seu padrinho de batismo contou que a fé ocupou um grande espaço na sua vida. “Durante muitos dias, o Jimmy passou muito do seu tempo a cultivar a sua nova vocação enquanto artista cristão”, refere William McGurn. “Ele é bastante bom, mesmo estando limitado a desenhar com lápis em papel normal.” 

"Durante muitos dias, o Jimmy passou muito do seu tempo a cultivar a sua nova vocação enquanto artista cristão. Ele é bastante bom, mesmo estando limitado a desenhar com lápis em papel normal"
William McGurn, padrinho de batismo de Jimmy Lai, sobre a sua rotina na prisão

“Ao longo do tempo, as autoridades [chinesas] perceberam que isto podia simbolizar uma ameaça e, por isso, já não lhe permitem partilhar a sua arte com os visitantes e correspondentes”, lamentou William McGurn. Este ano, Jimmy Lai não pôde decerto enviar desenhos festivos para os Estados Unidos — e é provável que as suas liberdades sejam ainda mais restringidas no derradeiro momento em que for declarado culpado.

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