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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

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João Cotrim de Figueiredo: "É preciso ganhar a batalha cultural. Somos a oposição ideológica ao socialismo"

Tornou-se presidente do IL há seis meses, já era deputado. Sem experiência política, superou o desafio do Orçamento de Estado e da Covid-19. Já tem estratégia para a rentrée e não quer "unanimismos".

É o chiar agudo da porta, quando alguém a tenta fechar, que situa o gabinete do deputado único do Iniciativa Liberal (IL), João Cotrim de Figueiredo, na Assembleia da República e não num hub criativo com luz natural e vista para o Tejo. Sem o ranger das madeiras antigas, o gabinete parlamentar, com quatro assessores distribuídos por duas salas comunicantes – que se movimentam como se estivessem num moderno open space – tem todos os elementos de uma start up, onde conceitos como multitasking ou networking são vulgares. Improvável, e até original, é encontrá-los na génese de um partido político, com estratégias de gestão definidas para alcançar as metas traçadas.

Uma comparação que não deixa Cotrim de Figueiredo, 59 anos, desconfortável. “Tudo é gestão na nossa vida. Em termos de organização, não acho que um partido tenha de ser diferente do que qualquer outra entidade com um objetivo claro. Há quem ache que consegue fazer tudo sozinho, e só use os outros para o que não lhe interessa. Ou escolhe yes man. No meu caso, aprendi que para trabalhar com energia é preciso ter uma boa equipa. Isso não deve ser um exclusivo da gestão”, diz o presidente do IL, que esta segunda-feira, dia 8 de junho, assinala os seis meses na presidência do partido.

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A data serviu de pretexto para o Observador seguir de perto a atividade política do presidente e do deputado, duas dinâmicas que se cruzam no IL, mas que não se misturam na agenda. A segunda-feira, por exemplo, é reservada ao partido. Nesse dia, sentado à secretária, meticulosamente organizada, e a falar por videoconferência com o responsável pelo núcleo de Cascais, está o presidente e não o deputado. O que não significa que os papéis sejam incompatíveis, segundo Cotrim de Figueiredo.
“São realidades diferentes. A minha preocupação foi desempenhá-las bem. As duas exigem muitas horas de trabalho”. Por isso, sublinha, rodeou-se de “pessoas competentes”, quase todas vindas do setor privado, e não de “amigos”, para conseguir “em meia hora de conversa”, fazer o ponto de situação de um projeto de resolução ou de uma petição. São elas, diz ainda, que o ajudam a “aprender a ser deputado e presidente”.

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Foi a 8 de dezembro de 2019, já como deputado pelo círculo eleitoral de Lisboa, que João Cotrim de Figueiredo se apresentou como candidato único e foi eleito presidente na III Convenção Nacional do partido, com 96% dos votos, sucedendo a Carlos Guimarães Pinto, que em outubro anunciou que iria abandonar o cargo. Diz que o IL só lhe “caiu no colo” porque não apareceu mais ninguém interessado em dar esse passo.

Não herdou uma página em branco, e recorda que o partido já tinha um “histórico fantástico”, e no segundo ano de existência conseguiu apresentar-se a três eleições e eleger um deputado. “Isso é mérito de quem cá estava”, admite, sem complexos, o atual presidente, reconhecendo, ainda, que “boa parte do trabalho” que tem sido feito, nestes meses, não é dele. Esse traço da sua personalidade, que o leva a destacar, por diversas vezes, o trabalho da equipa que o apoia no parlamento, ou nas estruturas partidárias, consegue a proeza de mobilizar os que o rodeiam sem precisar de lhes pedir um esforço extra. Quando diz que o IL “ainda não é o partido com que ambiciona”, porque ainda há “muito trabalho a fazer”, garante também que é a insatisfação que o faz “andar para a frente”.

“O perigo do IL é crescer e perder a irreverência”

A presidência do IL é casual. Isso vê-se não só na forma de vestir de João Cotrim de Figueiredo, que nesse dia dispensa o fato, mas acima de tudo, no informalismo das reuniões de segunda-feira, que seguem uma ordem de trabalhos, mas nunca perdem o humor, o traço distintivo do partido. Esse é o elemento que alavanca a mensagem política liberal e marca o tom da estratégia de comunicação, desde o famoso cartaz #Com Primos (em resposta ao #Cumprimos, de António Costa) passando pelos vídeos “um minuto liberal”, o best off das intervenções de Cotrim de Figueiredo em plenário – e que foi buscar o nome ao tempo de que o deputado dispõe nos debates legislativos.

Mas essa não é uma estratégia isenta de riscos. É, aliás, um dos principais desafios que o partido liberal enfrenta, como assume Manuel Soares de Oliveira – o criativo por detrás de um dos outdoors mais partilhados nas redes sociais, o ‘Impostopoly’, que esteve colocado em Lisboa, no Saldanha. “O perigo é crescer e perder a irreverência”, assegura, durante o almoço com a equipa política do IL.

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À volta da mesa, arranca o brainstorming para a rentrée política pós-Covid-19. Com o desconfinamento em marcha, volta a ser necessário “fazer escolhas”, explica o deputado, que não vai em “unanimismos”. “Estar unidos não significa estar sempre de acordo. Este consenso podre não é a melhor maneira de gerir o país”. O argumento serviu, também, para a votação contra a renovação do Estado de Emergência, a 2 de abril.”Não foi birra ou capricho”, conta.

O filão, antecipa agora, vão ser as contradições do governo na gestão da crise económica e social. E com a austeridade no centro das atenções, a ironia do slogan ali improvisado, “Isto não é austeridade”, é bem vinda. A frase, elástica o suficiente, “até dá uma série”, comenta o deputado.

Já no gabinete, preparam-se argumentos para “desfazer os mitos” que apareceram com a pandemia da Covid-19, como seja o “Estado social é que salva”, e que o IL quer desmontar com a retoma económica, “incompatível com o aumento do poder do Estado”. Essas são as diretrizes que o partido, na voz do presidente, está a passar aos núcleos liberais, a base em que vai assentar o futuro crescimento do IL, como pretende Cotrim de Figueiredo. “Vamos ter tantos núcleos quantos os que as pessoas quiserem formar livremente nas suas áreas. Têm é de estar alinhados. Não queremos paraquedistas”.

Para já, há 19 novos núcleos territoriais. Loures e Famalicão são os mais recentes. Na calha já estão eventos presenciais com o presidente, para retomar a estratégia em marcha antes do confinamento. Ou, como se diz na política, pôr a máquina partidária em andamento. Neste caso – onde não há distritais nem concelhias, por vontade do líder – os núcleos são autónomos e têm iniciativas próprias. Parecem unidades franchisadas do IL.

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“Façam o que quiserem, o pai é liberal”

Há uma estratégia política no ADN do Iniciativa Liberal (que ganhou solidez na presidência de Carlos Guimarães Pinto) que consiste em pegar na legislação e traduzi-la para a vida prática. E assim, um “documento mais seco” pode ter um título provocatório ou ser apresentado de maneira “surpreendente”. Se o assunto é importante, sai um outdoor “mais apalhaçado”. “Para nós, nunca houve qualquer contradição”, assegura João Cotrim de Figueiredo. Depois, é só ampliar a mensagem nas redes sociais, e vê-la ganhar vida.

Como aconteceu com o discurso do “Miguel”, a carta dirigida ao filho mais novo, que fazia 18 anos, lida na sessão solene do 25 de Abril deste ano. Uma escolha arriscada, a que Cotrim de Figueiredo não resistiu – apesar de ter preparado uma versão alternativa, mais soft – e que não só agitou as redes sociais do partido como as dos filhos, Miguel e Catarina. “Façam o que quiserem, o pai é liberal”, foi a reação do deputado. A de Catarina foi usar o Twitter para defender o irmão mais novo. Já a de Miguel, foi lamentar os que não perceberam que o discurso se dirigia a “toda uma geração”.

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Este plano de comunicação tem funcionado – foi assim que o partido conseguiu eleger um deputado nas legislativas de outubro -, mas não estará o partido sempre a falar para as mesmas pessoas, preso na “bolha” do Twitter ou Facebook? É talvez isso que possa, em parte, explicar os baixos números nas sondagens, que situam o partido nos 1,6% (segundo os últimos dados da Pitagórica) – não muito longe do resultado obtido em outubro, de 1,29%.

Essa deceção é palpável entre o staff de Cotrim de Figueiredo. Há alguma ansiedade, ou até frustração, pela falta de eco que as propostas do IL têm na comunicação social, em especial nos canais de televisão. O PREC Liberal (Programa de Retoma Económica e Cívica) é disso exemplo, lamentam. O documento, desenvolvido pelo gabinete de estudos do IL, com mais de cem medidas para o país não ficar “condenado a mais duas décadas de estagnação”, como frisou o deputado na conferência de imprensa, não passou nos noticiários. E o conteúdo das propostas, acredita a equipa, “merecia” outra atenção mediática. Ou seja, o partido é novo, assume-se irreverente e aposta muito nas redes sociais, mas parece acreditar, como os partidos mais velhos, que sem a tradicional televisão, não se chega lá.

“Nesta fase gostamos mais de uma boa discussão, que de um bom compromisso”

Cotrim de Figueiredo não está na política à espera de “justiça ou gratidão”. E nestes seis meses, não perdeu a convicção de que as ideias liberais do partido “valem mais” do que a percentagem de votos obtida nas eleições. Fala num “crescimento silencioso” que ainda não é visível. Nesta fase, cabe-lhe a ele, enquanto líder, motivar a equipa e o partido – como o faria enquanto gestor. “Sabíamos que não íamos ter muitas iniciativas aprovadas. Também não estávamos a contar que esse fosse o grande ganho da primeira legislatura. Nesta fase, gostamos mais de uma boa discussão do que de um bom compromisso”.

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“Adormecer o presidente do partido e libertar o deputado”, é o que se ouve dizer no gabinete do IL no arranque de mais uma semana parlamentar. No papel de deputado, e com a tarde toda ocupada nas comissões, Cotrim de Figueiredo perde algum informalismo. A dinâmica da equipa de apoio também se altera, focada em “não cometer erros de palmatória”. Uma exigência da qual todos estão conscientes, não só da parte do deputado mas, em especial, dos militantes e dos núcleos do partido.

Mas as “particularidades” da Assembleia da República, como recorda Cotrim de Figueiredo, não poupam ninguém. Ao fim de um mês, o gabinete reuniu de emergência. “Com a pressão do Orçamento de Estado, não era garantido não falharmos. E tínhamos de evitar que isso acontecesse”. Como? Seguindo as mais elementares estratégias de gestão: melhor organização, planeamento estratégico e coworking.
No IL, não se trabalha só para o imediato. Há a noção que antes dos desafios eleitorais, é preciso ganhar a “batalha cultural”. A que opõe o liberalismo ao socialismo: “Somos a oposição ideológica ao socialismo. Daqui por um tempo, vamos poder dizer que somos o partido das propostas concretas. Este é um caminho que se vai fazendo, e um dia mostra-se. Demora tempo, mas já temos track record“.

As metas estão traçadas até outubro de 2023, data provável das próximas legislativas. Haverá outras eleições pelo meio, mas são “menos importantes” do ponto de vista cultural e de afirmação do liberalismo, admite o deputado. O crescimento, acredita, “será gradual e sustentado”, sem sprints, e à velocidade de uma maratona. “Ter o triplo do tamanho feito com pessoas que estão cá por engano, não vale a pena e não é vitória nenhuma. São as 50 ou 100 pessoas por dia que se aproximam de nós, e que são liberais, as que nos interessam”.

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