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"Ice Merchants" conta a história de um pai e de um filho que vivem sozinhos no alto de uma montanha, numa casa pendurada num penhasco. Todos os dias descem para ganharem a vida a vender gelo na vila mais próxima
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"Ice Merchants" conta a história de um pai e de um filho que vivem sozinhos no alto de uma montanha, numa casa pendurada num penhasco. Todos os dias descem para ganharem a vida a vender gelo na vila mais próxima

"Ice Merchants" conta a história de um pai e de um filho que vivem sozinhos no alto de uma montanha, numa casa pendurada num penhasco. Todos os dias descem para ganharem a vida a vender gelo na vila mais próxima

João Gonzalez e "Ice Merchants", primeiro filme português nomeado para os Óscares: "O que isto significa? Ainda não sei muito bem, confesso"

Aos 26 anos, realizador de animação português já arrecadou mais de 30 prémios com o seu "Ice Merchants". Entrevistámos o autor do primeiro filme português nomeado para os Óscares.

João Gonzalez tem 26 anos, nasceu no Porto e quando era miúdo queria ser jogador profissional de voleyball. Foi atrás dos colegas para Ciências, desistiu do piano, mas acabou numa licenciatura de Artes e Multimédia na Escola Superior de Media, Artes e Design do Politécnico da região onde nasceu. É animador, ilustrador, músico. E é o realizador de “Ice Merchants”, uma curta-metragem de animação de 14 minutos que já ganhou mais de 30 prémios internacionais e que agora foi nomeada para os Óscares. Uma história doce no meio do gelo, a relação de um pai e de um filho que vivem sozinhos no alto de uma montanha, numa casa pendurada num penhasco. Cima, baixo, cima baixo, hábito, relações familiares. Todos os dias esta repetição, para ganharem a vida a vender gelo na vila mais próxima. Se a simplicidade fosse desenhada, estaria toda ali.

Esse anúncio chegou agora: João Gonzalez é o segundo português a conseguir chegar aos nomeados de curtas-metragens de animação nos Óscares — depois de Daniel Sousa ter sido o primeiro em 2014, com o seu “Feral”. Na corrida deste ano, Laura Gonçalves (“Homem do Lixo”) também conseguiu entrar na shortlist da mesma categoria e Filipe Melo (“O Lobo Solitário) fez a mesma proeza nas curtas-metragens de live action. Mas este é também o primeiro filme português a conseguir o feito, já que a produção da nacional Coala Animation é maioritária.

Gonzalez segue também as pisadas de Regina Pessoa, que chegou à shortlist de nomeados para a Melhor Curta de Animação dos Óscares e conseguiu uma nomeação para os Annie, as estatuetas douradas deste género. E apesar do sucesso que coloca este filme feito com uma equipa curta — com a Cola Animation e em co-produção com a Wild Stream e a Royal College of Art — como um autêntico front runner de animação, o realizador português quer ter os pés bem assentes na terra. Até porque este caminho já estava a ser desbravado por outros nomes: “A animação portuguesa não está só agora a dar cartas”, conta em conversa com o Observador.

João Gonzalez, que já conta com dois trabalhos anteriores — “The Voyager” (2017) e “Nestor” (2019) — e um mestrado na Royal College of Art em Londres, não é um autor que se preocupe em usar referências de outros para criar. Não é que não o faça, mas a sua mente — e especialmente os seus sonhos — têm dado pano para mangas. Fechar os olhos e deixar ir. Parece simples? Nem por isso. Muitas horas ao computador, fotografama a fotografama, desenho a desenho. Cor, sombra e música. E mãos para tudo. “A animação é uma porta para me descobrir mais a fundo, essa realidade metafísica que, normalmente, só encontramos em sonhos. Todos os meus filmes têm ‘uma missão’ diferente. São sempre, de certa forma, pessoais, transmitem a forma como eu olho para a vida”, diz.

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[o trailer de “Ice Merchants”:]

Vou ter de lhe fazer uma pergunta banalíssima, mas o momento assim o exige. O que é que esta nomeação aos Óscares significa?
Ainda não sei muito bem, confesso. Os Óscares têm um efeito mediático, toda a gente sabe o que é. É uma possibilidade para espalharmos o nosso trabalho e para que mais oiçam e vejam a animação portuguesa. Mesmo para os media portugueses. Para que tudo esteja mais a par da qualidade do cinema português. Acho que essa é a maior satisfação. Chegar a mais gente.

Entre as várias distinções e nomeações que conseguiu com este filme, já conseguiu parar e pensar no que está a acontecer?
Tem sido tudo bastante repentino. A nomeação para os European Film Awards em 2022 foi uma surpresa muito grande porque este festival não tem a categoria de curtas-metragens de animação. Estarmos nos cinco nomeados foi uma surpresa muito feliz. Acima de tudo, o mais importante é que tudo isto dá exposição ao filme. Chega a mais gente. Mas é preciso ter os pés assentes na terra. Qualquer prémio que ganhe este ano podia não ganhar no ano seguinte, com outro júri.

E agora, nos Óscares, é para ganhar?
Não vale a pena pensar muito nisso. Estou a manter as expectativas baixas, é complicado, tenho concorrentes muito grandes. Estou a competir contra nomes muito grandes. Só ser nomeado já é uma vitória grande.

Ainda assim, não é a primeira vez que um nome português surge nos nomeados.
Não tenho a certa absoluta, mas acho que é a área artística mais premiada de todos os tempos. Temos os Bando à Parte, a Regina Pessoa… com filmes conhecidos há muitos anos, mas que não têm muita repercussão nos media portugueses. O último filme dela, o “História Trágica com Final Feliz”, é o filme mais premiado de todos os tempos. Quanto aos Óscares, é estranho pensar nisso, seria um cenário irreal. É completamente imprevisível. O filme estatisticamente está bem classificado, é o que tem mais prémios que dão bagagem a um Óscar. Mas não depende disso, os filmes só precisam de uma qualificação, a partir daí depende dos membros da Academia. Mas seguimos uma estratégia.

O que é que envolve a estratégia?
No nosso caso da animação, tivemos sorte de encontrar alguém como o Benoith Siward Berthe. Faz disto vida. Começou em curtas-metragens de animação e o meu filme faz parte do Animation Showcase, em que ele seleciona cinco ou seis com potencial de Óscar e faz uma exibição destes cinco filmes em vários estúdios dos Estados Unidos da América. O “Ice Merchants” já passou nos estúdios da Pixar, da Disney e já esteve em Q&A com realizadores. Em muitos destes estúdios estão membros da Academia, portanto é uma forma de fazer o filme chegar a estas pessoas o mais cedo possível. Claro que nesta estratégia também estão os anúncios, as redes sociais, coisas desse género. Ele é muito bom.

"Ainda existe aquela ideia de que a animação é entretenimento para crianças. É uma grande barreira que está agora a ser deitada abaixo. É como se fosse o parente mais novo da imagem real, do 'verdadeiro' cinema. É triste".

O que é que esses grandes estúdios disseram sobre a curta-metragem?
É fácil entrar em contacto com pessoas da área, mesmo com “os grandes”. Mesmo estando em Portugal, passado um ano, é possível entrar em contacto com estas pessoas e com os estúdios. Mas não tive assim nenhuma abordagem especial até agora.

Pegando naquilo que disse sobre a animação portuguesa estar a dar cartas: porque é que acha que o género ainda não conseguiu criar um impacto mediático grande no país?
Ainda existe aquela ideia de que a animação é entretenimento para crianças. É uma grande barreira que está agora a ser deitada abaixo. É como se fosse o parente mais novo da imagem real, do “verdadeiro” cinema. É triste. Só comecei a entrar em contacto com a animação quando tive contacto com aquela que é mais autoral, que costuma estar mais fechada em festivais de cinema. São filmes extremamente adultos. Não costumo aconselhar a que entrem crianças nestas sessões. A animação não é um género, é um meio, é uma forma de fazer cinema também, não está direcionada a uma faixa etária em concreto.

Mas não acha que este caminho do “Ice Merchants”, com Óscares ou sem Óscares, vai abrir mais portas?
Não consigo dizer, espero que sim. Não estou a fazer nada que não tenha sido feito em Portugal, os caminhos já foram desbravados há algum tempo. Estou a seguir essas pessoas como a Regina Pessoa ou o pessoal do Bando à Parte, ou mesmo o Bruno Caetano. Foram eles que me inspiraram.

O João gosta de falar sobre solidão, existe sempre qualquer coisa de autobiográfico nos seus filmes. Mas neste nem tanto. Costuma usar as imagens que lhe surgem, até em sonhos. Desta vez chegou mesmo a modelar o espaço em 3D. Porquê? Foi um processo diferente?
O processo foi bastante semelhante. Os meus filmes partem sempre de um cenário que me vem à cabeça e que me toca de certa forma. Depois desenvolvo durante muito tempo para conceptualizar uma narrativa que pudesse ocorrer lá. Mas tem sempre algo de pessoal, sim. É muito difícil começar um filme, especialmente em animação onde se pode criar tudo do zero, e para mim torna-se complicado limitar a realidade antes de descobrir o que é que o filme vai tratar. Mas os processos são semelhantes. Também modelei os espaços em 3D, mas não usei esse tipo de animação. Gostava de um dia usar as modelações das três curtas e fazer uma experiência em realidade virtual. Não tenho tempo em pré-produção para fazer algo tão complexo…

Surge-lhe primeiro a imagem ou a história?
Primeiro o cenário e o sentimento que quero passar com o filme. A primeira imagem foi a casinha colada ao precipício. No início até era diferente mas foi-se alterando, fui acrescentando, as personagens só surgem depois.

"Queria estudar piano, mas decidi fazer uma curta-metragem de animação no final da licenciatura e também compus a banda sonora. gostei tanto da parte de animação que segui este percurso"

Este trabalho demorou cerca dois anos. Mas quanto tempo demora até ter a narrativa completamente fechada?
A pré-produção, de conceptualização da ideia, e mesmo do acerto das cores, começa logo desde o início. Também começo a compor a banda-sonora. E isso ajuda-me muito a limar a história.

Peça a peça…
Exato. Mas nunca fecho 100% a narrativa. Tenho um storyboard no início, mas cada vez que vou avançando, dou-me a liberdade de o ir alterando. Gosto que o filme cresça organicamente e, por isso, deixo a porta aberta mesmo a meio da produção. Nunca nada muda radicalmente, claro.

Essa imagem da casa na montanha surgiu-lhe quando?
Não sei dizer exatamente, mas não veio de um sonho, penso. Comecei a fazer um filme há cerca de cinco anos, logo depois de ter feito o “Voyager”, ainda antes da segunda curta-metragem, com um cenário muito semelhante a este. E isto aconteceu mesmo antes de entrar para o mestrado em Londres. O cenário era feito de duas casinhas ligadas por uma ponte, muito altas, num precipício. É engraçado porque nunca cheguei a acabar esse filme e, honestamente, ainda bem que desisti.

Porquê?
A história não era tão interessante como esta. Acho que se tivesse acabado esse filme não teria feito outro num cenário tão semelhante. Portanto, esta imagem, tecnicamente, veio ainda antes do “Nestor”. Era uma das realidades que queria explorar.

Para alguém que anima, produz, compõe, como é que funciona o seu cérebro? Vê tudo em animação?
Sinto que a minha pré-produção é mais de olhar para dentro do que para fora. Uma vez perguntaram-me como é que era o meu quarto, se tinha alguma inspiração e eu disse que não. É o quarto mais desinteressante de sempre, não tem nada nas paredes. Não costumo usar referências, tento partir ao máximo do meu subconsciente. Grande parte da pré-produção é fechar os olhos, imaginar-me nos espaços onde o filme se vai passar. É uma procura muito mais interior. Claro que tudo é imaginado por aquilo que vimos lá fora. É uma mistura.

E essa conceptualização vem com música?
Sim, claro. Tem piada, entrei em Artes porque falhei o meu exame de Matemática. Ia para engenharia, mas acabei em Artes Multimédia. Voltei a tocar piano porque desisti aos 12 anos. Queria estudar piano, mas tudo mudou quando tive de fazer o projeto final de licenciatura e decidi fazer uma curta-metragem de animação. Também compus a banda sonora e tentei sempre tocar ao vivo quando era possível. Foi um desafio para me obrigar a voltar à performance. Depois, gostei tanto da parte de animação que segui este percurso profissionalmente. Tomo sempre conta da banda sonora, além da criação visual dos meus filmes. Começo a compor ainda antes dos testes visuais, por vezes. É uma fonte de inspiração.

"Uma vez perguntaram-me como é que era o meu quarto, se tinha alguma inspiração e eu disse que não. É o quarto mais desinteressante de sempre, não tem nada nas paredes. Não costumo usar referências, tento partir ao máximo do meu subconsciente".

Porque, contas feitas, a animação é sempre o seu motor criativo, é isso?
Sim. Preciso de música. Não fecho portas a trabalhar com alguém no futuro, mas será, de certa forma, um complemento. Por exemplo, no futuro quero fazer uma curta-metragem mais experimental, com sintetizadores, e como não tenho essas bases técnicas, tenho de chamar alguém. Mas como a música está demasiado presente, vou ser sempre eu. Talvez não, mas neste momento sim. Preciso para me ajudar criativamente. Começo a música do início, mas ela também se vai alterando organicamente durante o processo do filme. Acho que o que funciona no “Ice Merchants” é a simbiose entre imagem e música porque foram crescendo par a par. Não estou pronto para largar essa dinâmica.

É difícil colocar um travão à importância da banda sonora? Ou seja, colocar um limite para que não seja uma presença que se torna ruído?
É mais fácil colocar limites com o meu background. A música é feita de silêncios. E o que estudei ajudou-me a perceber que o melhor som é o som ambiente. Ou sem som nenhum. É engraçado porque a banda sonora é a área que alterei mais durante a produção do filme, do início ao fim, mas nestes 15 minutos, tudo ligado, a banda sonora são só 4 minutos. Ou seja, grande parte do filme não é musicado. E por isso é que para mim é importante trabalhá-la desde o início. Um dos grandes erros com bandas sonoras é usá-las demasiado, porque a música pode sobrepor-se às imagens, corta até um pouco a emoção. É preciso perceber o balanço e a importância do silêncio.

Dar importância ao silêncio é também não colocar as personagens a falar?
Não fazia sentido. Os meus filmes não têm falas porque eu não sei escrever, é mais fácil para mim. Mas em nenhum deles fazia sentido ter falas, não ia acrescentar nada à narrativa. Acho que se ia perder no meio filme, ia desviar da razão dos filmes existirem.

Um dia poderá seguir esse caminho?
Sim, gostava de experimentar. Depende do que me vier à cabeça. Não quero fazer algo porque sinto que tenho de fazer. É como quando me perguntam se quero fazer uma longa metragem? Sim, vou lutar por isso. Mas se posso fazer curtas-metragens, continuo. Quero meter as ideias no papel e encontrar um meio para o fazer. E se for para não usar todas as ferramentas, não uso.

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Vou ter que fazer aqui um spoiler: porque é que optou por fechar o filme com um final feliz?
É curioso mencionar isso porque cheguei a ponderar não fazer esse final. Aliás, chegou mesmo a existir outro. Decidi manter porque se não acabasse dessa forma iria matar a ideia base: a de que os pequenos rituais com a família e amigos que, durante o dia a dia não damos importância, vão fortalecendo as relações humanas.

O que é que encontrou na animação que não descobriu noutros formatos?
É a tal liberdade. A possibilidade de criar algo de raiz. A animação é uma porta para me descobrir mais a fundo, essa realidade metafísica que, normalmente, só encontramos em sonhos. Todos os meus filmes têm “uma missão” diferente, são sempre, de certa forma, pessoais, transmitem a forma como eu olho para a vida.

De onde vem esse interesse pelo subconsciente?
Os sonhos são o maior mistério da minha realidade. Sinto coisas que não consigo sentir na vida real. A animação é o tal desafio de trazer essas sensações para voltar a sentir enquanto estou acordado. É complicado, nunca vou conseguir, é uma busca inalcançável. Assim fica um bocadinho mais próximo.

Mas essa busca só a faz no trabalho ou investiga de outras maneiras?
Já fiz exploração, li livros, mas não o faço regularmente. É como o meu processo: tentar ir mais por dentro do assunto. No filme anterior, onde se falava de obsessões, não fiz pesquisa, é um tema com o qual me relaciono, preferi colocar a forma como me sinto e não contar a história baseada em estudos.

Costuma dizer que o seu percurso foi feito “por acidente”. Já consegue encontrar uma explicação?
Estou muito longe de ser um génio, mas a minha ligação com as artes sempre foi mais natural: desenho e artes visuais, mais a música. A animação é uma simbiose entre estas áreas. Acabou tudo por fazer sentido. Sempre gostei de desenhos animados, mas nunca considerei que podia ser uma possibilidade profissional. Acho que deve acontecer com muita gente. Em pequeno não me questionava como é que aquilo era feito, pensei que era uma fábrica e premia-se um botão. Se tivesse sabido que se estudava, teria lutado mais. Acabei o nono ano e fui para Ciências atrás dos meus amigos, nem sequer tinha colocado a hipótese de entrar em Artes.

"Os meus filmes partem sempre de um cenário que me vem à cabeça e que me toca de certa forma. Depois desenvolvo durante muito tempo para conceptualizar uma narrativa que pudesse ocorrer lá"

Mas o seu pai é músico?
Sim.

Então seguiu-lhe as pisadas.
Ele não me empurrou. Comecei a tocar quando era novo, estava a ir bem, mas por volta dos 12 anos acabei por desistir. Foi difícil para o meu pai, porque queria que tocasse piano, mas deu-me total liberdade.

Porque é que desistiu?
Não gostava de praticar. Tinha preguiça. Jogava voleibol, queria ser jogador, era o meu objetivo máximo. O piano não me dizia muito, gostava de tocar, mas não passar horas a estudar. Se o meu pai me tivesse forçado, provavelmente teria desenvolvido um ódio pelo instrumento. Não teria ganho outra vez o interesse nesta área. Mas claro que lhe custou.

Após a licenciatura, que fez no Porto, percebeu que não havia muita oferta relacionada com a animação? Agora, entretanto, as coisas mudaram…
Para a situação em que estava, o meu curso foi o ideal: Artes e Multimédia. Era um miúdo saído do secundário que não queria fazer Ciências e que gostava de Artes, sem saber o que queria seguir. O curso pôs-me em contacto com várias áreas artísticas, da fotografia à programação. Foi muito bom para mim. Deu-me ferramentas de realização. Quando cheguei a Londres percebi que muita gente não tinha as bases que eu tinha. Em Portugal tive uma parte técnica de uso de software bastante complexa e que me ajudou. No Reino Unido estive mais à vontade para desenvolver a parte conceptual.

Então quando chega ao Royal College of Art para fazer o mestrado era um aluno mais preparado? Isso surpreendeu-o?
Há sempre um síndrome de inferioridade, principalmente em Portugal. Lembro-me que estava aterrorizado por ir mas, depois, entramos e percebemos que estamos muito bem preparados. Durante dois anos cheguei a fazer workshops de software a ensinar outros alunos. Lá a maturidade artística chega mais cedo, mas depois não têm todos os meios porque não tiveram o contacto com a parte mais técnica.

[o trailer de “Nestor”, curta-metragem de João Gonzalez de 2019:]

Terminou quando?
Em 2020.

E a curta-metragem faz parte do mestrado. É habitual?
Esta escola é muito conceituada. Tecnicamente este filme é, em parte, de estudante. Desenvolvi-o como projeto final. Começou como projeto de estudante, mas como consegui financiamento arranjei uma equipa.

Para onde vai o dinheiro numa curta-metragem de 14 minutos?
Animação é uma área extremamente cara porque demora muito tempo. A minha é feita em 2D, frame a frame, tenho de desenhar cada fotograma. Cada segundo tem 24 frames e, dependendo do frame que estiver usar, para ter um segundo de animação, tenho de ter entre 12 a 14 desenhos. Desenhar um a um, voltar atrás e pintar, voltar atrás e fazer sombra, sem contar os backgrounds. Portanto, o dinheiro paga o tempo. Tivemos uma equipa pequena, eu e outra animadora, Ala Nunu, cada um fez metade do filme. Dou muita primazia ao som e à banda sonora, portanto, fizemos um investimento superior ao normal, para pagar a músicos, sound designers, etc. A banda sonora costuma vir mais no final e, neste caso, foi tudo feito durante a produção inteira. Custou mais do que o habitual. Depois, também foi preciso pagar a artistas portugueses, polacos, franceses e ingleses para pintar os fotogramas, um a um.

[“The Voyager”, filme que o português realizou em 2017:]

Se um dia surgir um convite de um grande estúdio ou de uma plataforma de streaming, é para aceitar?
Não sei bem responder a isso até porque é um cenário no qual não tenho pensado muito. O meu maior objetivo profissional é desenvolver os meus filmes. Não consigo imaginar-me a fazer uma longa-metragem e uma grande produção. Claro que é preciso dizer que é muito difícil ter essa oportunidade. E valorizo muito a independência que é dada a realizadores autorais. Numa grande produção é muito mais complicado, porque é preciso que o projeto seja financeiramente viável.

Por vezes ficamos a saber que os artistas de comics ou de animação são quase personagens das suas histórias: dados a excessos, a controvérsias e polémicas. Como é que o João é no seu dia a dia? Uma pessoa absolutamente normal?
Gosto de ir correr. Preciso mesmo de dar uma corrida, por vezes. Só apanhar ar fresco, passo demasiado tempo sentado a olhar para um ecrã. Sou uma pessoa bastante normal, não tenho nenhuma característica louca. Acho que não.

Dentro dessa normalidade, vai ser preciso ganhar o hábito de uma eventual roda viva de entrevistas.
Esta fase tem os dois lados. É um pouco repetitivo, mas o mais difícil é explicar o filme em festivais e entrevistas. Mas assim fico mais à vontade, também. É estranho.

É melhor a animação falar por si?
Sem dúvida.

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