John Melo é português, açoriano, mas há muito tempo – desde 1973 – que vive nos Estados Unidos. Apesar de ter feito o percurso educativo e técnico no continente americano, John Melo mantém uma parte do coração em Portugal. Também por isso está ligado ao Conselho da Diáspora Portuguesa desde a sua criação, em 2012.
O seu papel enquanto membro da Diáspora é estabelecer uma ponte entre os governantes e empresários portugueses e a tecnologia desenvolvida nos Estados Unidos, nomeadamente em Silicon Valley. “Quase todos os meses recebo um ministro ou um industrial que quer perceber melhor como pode criar inovação ou como pode fazer crescer a empresa ou a economia em Portugal”, diz ao Observador.
Em junho, a empresa de que é presidente – Amyris – estabeleceu uma parceria com a Universidade Católica Portuguesa para a criação de um Hub Europeu de Biotecnologia no Porto. Para John Melo, o objetivo mais importante é “empregar cientistas portugueses em Portugal em vez de terem de sair do país para trabalhar”. E também por isso valoriza a Diáspora, que o ajudou a encontrar este grupo no Porto.
Considerando que John Melo tem no seu currículo uma longa relação com a indústria dos combustíveis e que a empresa petrolífera francesa Total é a maior acionista da Amyris, não é de estranhar que França quisesse o centro de investigação lá, como conta John Melo. Mas o empresário preferiu trazer o centro de investigação para Portugal, para “fazer avançar a posição do país em termos tecnológicos e dar emprego a cientistas portugueses [cerca de 100]”.
Como é que surgiu esta parceria com a Universidade Católica portuguesa?
A nossa companhia tem trabalhado – e é uma das líderes no mundo – em biologia sintética (a capacidade de modificar ADN). Na verdade, programamos o ADN de micro-organismos da mesma maneira que programamos o software para um computador. Usamos como matéria-prima, para esses micro-organismos, o xarope extraído da cana-de-açúcar, que o convertem em produtos como cosméticos, aromas, aromatizantes, combustível para aviões, polímeros para pneus – são muitos produtos diferentes que usamos em todo o mundo.
A razão por que esta tecnologia é tão importante é porque cria todos estes produtos a partir de uma fonte sustentável – produtos sustentáveis que têm um melhor desempenho. Mas, ao criar os nossos produtos, geramos uma quantidade de subprodutos que têm oportunidade de ser valorizados e que requerem investigação adicional. É por isso que tenho andado à procura uma parceria com uma universidade, com a qual pudéssemos criar um instituto que se focasse em valorizar os subprodutos, de maneira a que gerássemos novos negócios a partir desses produtos.
Que papel teve o Conselho da Diáspora Portuguesa nesta parceria?
A Diáspora ajudou-me a contactar com uma universidade portuguesa e a compreender melhor o tipo de investigação que a universidade poderia fazer. E, à medida que explorávamos isso, descobri que a Universidade Católica tinha alguns dos melhores investigadores em ciências da vida da Europa e que nos daria a oportunidade de aumentar o nível de investigação realizada. Assim, focávamos o centro de investigação em Portugal, mas que poderia estar disponível a toda a Europa, para ajudar as empresas europeias a ter acesso a mais produtos renováveis.
Tínhamos [com a Diáspora] um objetivo para 2016: criar um centro de biotecnologia. A ideia de que o faríamos com a Católica veio depois do objetivo inicial. Depois de conhecer as capacidades da Católica, apercebemo-nos que era a melhor universidade para criar este hub em Portugal. Fazê-lo em Portugal, no Porto, e torná-lo um centro europeu para a bioenergia e bioprodutos.
O objetivo é conseguir valorizar os subprodutos da tecnologia que usa?
Sim. O objetivo é fazer investigação aplicada, e não investigação básica. Isto é realmente importante: não estamos a fazer Ciência para desenvolver nova Ciência, estamos a fazer Ciência para desenvolver produtos agora. E esperamos ter novos produtos, para as companhias europeias, a sair daquele instituto de investigação todos os anos.
De que forma é que a Universidade Católica pode beneficiar desta parceria com a Amyris?
Há várias formas pelas quais a universidade vai beneficiar. A primeira é que, de todos os produtos que desenvolvermos em conjunto, a universidade ganhará direitos de autor [royalties] a longo prazo. Portanto, é uma oportunidade para a universidade ganhar direitos de autor pelo trabalho de investigação que faz. É uma forma de trabalho muito comum nas universidades nos Estados Unidos, mas é muito invulgar na Europa.
O segundo benefício é que iremos trabalhar com os nossos parceiros, as empresas europeias que atualmente são clientes da Amyris e que estão interessadas em construir o instituto. A Católica acaba assim por ter um instituto novo no Porto financiado em parte pelos nossos parceiros. E o terceiro benefício é que a Católica vai poder aumentar o número de investigadores. E eu acredito que a propriedade intelectual e a tecnologia que a Amyris tem, e que vai trazer a custo zero para a Católica – como parte da parceria –, vais permitir à universidade atrair alguns dos melhores investigadores do mundo.
Como é que começou a Amyris?
A nossa empresa começou com uma ideia de que podíamos modificar micro-organismos, neste caso leveduras – as mesmas leveduras que fazem o pão, cerveja ou vinho -, alterando o ADN e programá-los para produzir os produtos que queremos. E esse foi um projeto que partilhámos com a Fundação Gates: reduzir os custos do medicamento mais importante no tratamento da malária de maneira a podermos salvar mais crianças. A Fundação Bill e Melinda Gates acharam que era uma boa ideia e financiaram a empresa, juntamente com outras organizações, num total de 42 milhões de dólares [cerca de 38 milhões de euros]. E foi assim que a nossa empresa teve início.
Também é com esta técnica de modificação dos micro-organismos que têm trabalhado na área dos combustíveis?
Sim. Temos um gasóleo renovável, líder a nível mundial, que vendemos para os autocarros de São Paulo – chamamos-lhe “diesel de cana” [projeto Biofene]. É o único combustível renovável que a Mercedes permite que a cidade de São Paulo use nos autocarros da marca. Este é um exemplo de como a performance do produto é melhor dos derivados do petróleo atuais.
E temos um combustível renovável para aviões em parceria com a Total, a petrolífera francesa. A Total detém 30% da Amyris, são a nossa maior acionista, e acreditamos que os nossos combustíveis renováveis, tanto o gasóleo como o combustível para aviões, são os melhores combustíveis a nível de desempenho disponíveis hoje em dia em todo o mundo. O desafio é conseguir ter preços competitivos em relação ao crude, mas esperamos chegar lá até 2020-2021.
É esse o único caminho para substituirmos os combustíveis à base de petróleo? Ou a vossa empresa tem outras ideias?
Acho que para combater os combustíveis à base de petróleo, a nossa tecnologia é o melhor que existe para fazer produtos melhores ou iguais aos produtos à base de petróleo atuais. Há outras alternativas, como o etanol, mas essas soluções têm um desempenho pior que o nosso produto. O nosso produto é o único que tem uma performance melhor do que os derivados do petróleo. Esse é o primeiro ponto.
O segundo ponto diz respeito aos combustíveis de aviões. É muito difícil ter uma alternativa para o querosene, mas o nosso produto é uma boa opção para a industria da aviação. Este produto é melhor para os aviões do que os derivados do petróleo: tem uma performance melhor e está a caminho de ser competitivo em termos de preço. [Além disso,] é melhor que os derivados de petróleo porque tem mais energia e pode funcionar a temperaturas inferiores – logo o avião pode voar mais alto e viajar distâncias mais longas.
Têm outro projeto, o Renmatix. Em que consiste?
Este projeto aproveita os açúcares de matérias-primas não-alimentares. E este é ponto-chave. Existem muitos produtos com base na fermentação, que usam milho ou outros produtos que poderiam ser para a alimentação [mas vão para combustível] e isso aumenta o preço da comida. O Renmatix tem uma solução em que não é preciso usar produtos que podem ser usados na alimentação. Um dos exemplos são os resíduos florestais, como uma árvore que cai e que tem de ser cortada e retirada. O Renmatix aproveita estas árvores velhas ou os resíduos florestais, mas também usa lixo ou os desperdícios de uma cultura – por exemplo, as folhas deixadas depois de se apanhar o milho. Portanto a ideia é usar desperdícios para fazer combustível em vez de usar produtos que podiam servir de alimento.
Pelo que percebo existe uma grande preocupação da empresa com o ambiente e com a sustentabilidade. Como têm apostado nestas áreas?
Esse é completamente o nosso foco. O objetivo é garantir que os produtos renováveis se tornam dominantes, que os consumidores usam produtos renováveis em vez de usarem produtos derivados do petróleo ou de origem vegetal ou animal.
A nossa missão é conduzir o mundo em direção a uma fonte sustentável de materiais renováveis. E a forma como o fazemos é pela nossa tecnologia: pegamos nos materiais que são consumidos hoje em dia – combustíveis, cosméticos, fragrâncias, polímeros para pneus, lubrificantes ou qualquer classe de produtos que envolva química – e criamos fontes sustentáveis para diminuir a pegada de carbono do produto. Assim, garantimos que os consumidores podem usar aquilo que querem com o mesmo desempenho e custo, sem causarem danos ao planeta.
Um bom exemplo de sustentabilidade é um dos cosméticos que desenvolvemos: o esqualeno, que originalmente vinha dos tubarões. A nossa tecnologia fabrica um produto que é exatamente igual ao material que vem dos tubarões, mas sem os matar. Atualmente, como resultado da nossa tecnologia, há menos três milhões de tubarões mortos por ano. Em vez de usarmos tubarões para fabricar um hidratante, modificámos leveduras para que aproveitem o xarope da cana-de-açúcar e façam o mesmo tipo de hidratante que era fabricado à base de tubarão.
A parte da Ciência parece ser muito importante para uma empresa como esta, mas existem empresas que ainda não se aperceberam de quanto podem beneficiar da Ciência.
Acho que no centro daquilo que fazemos está a Ciência e a maior parte das empresas não se apercebem de que podem ter acesso às matérias-primas que usam a partir de uma fonte sustentável usando a Ciência. Parte disso deve-se ao facto de não estarem a par de como a tecnologia evolui. Há 10 anos, a capacidade de manipular um micro-organismo não estava acessível aos grandes mercados de matérias-primas. Atualmente, fazemo-lo para muitos desses mercados.
Imagine o iPhone. Agora usamo-lo todos os dias, mas não existia há 10 anos. Agora imagine que estava numa grande companhia e estava a tentar criar uma nova ferramenta e não sabia que o iPhone existia, acabaria por criar um telefone completamente novo de maneira a poder usar a internet no novo telemóvel. Acontece o mesmo com a nossa tecnologia, não existia há 10 anos e há muitas indústrias que ainda não perceberam que podem criar materiais melhores do que aqueles que vêm [diretamente] das plantas, dos animais ou do petróleo. Podem fazê-lo usando Ciência que programa e converte uma matéria-prima sustentável num produto que podem usar como o ingrediente-chave dos seus materiais [produtos finais].
Um ponto importante é que o que fazemos são os ingredientes de muitos materiais. Hoje em dia os nossos produtos chegam a 150 milhões de consumidores. Mas eu gostava de chegar a mil milhões de consumidores até 2020 – basta tornar-se o ingrediente dos materiais que usamos, seja o detergente da lavar a roupa, o perfume, o hidratante, os pneus no carro ou o combustível do carro. Não me interessa que produto é, o que me interessa é que todos esses produtos tenham uma matéria-prima sustentável, que não provoque danos ao nosso planeta e que permita aos consumidores usarem mais os produtos que querem. E a Ciência é o facilitador.
O maior obstáculo, neste momento, ainda é o preço desses produtos, quando comparados com os produtos ditos convencionais?
É verdade para alguns produtos, mas não para todos. Para a indústria dos cosméticos e para a indústria de sabores e aromas – aliás, para quase todos os tipos de indústria, menos a dos combustíveis e das matérias-primas – o preço dos produtos, recorrendo ao uso da nossa tecnologia, é quase mais barato do que existe hoje em dia. O custo de produzir materiais para a maioria dos mercados, com exceção dos mercados de matérias-primas muito grandes, é mais baixo do que as atuais fontes de materiais que a empresa usa.
Onde é que vê a empresa, em termos de inovação, daqui a dez anos?
Qualquer indústria que quer ter um produto que é alternativo, que é muito sustentável, que tem um desempenho melhor do que o que usam correntemente e que dá um resultado melhor para a empresa, vai perceber que a tecnologia da Amyris – a engenharia do código genético – é a solução para eles. Acho que a nossa tecnologia vai tornar-se a linguagem padrão para programar ADN, que leve os microorganismos a produzir os materiais que as pessoas querem.
O objetivo é utilizar este tipo de tecnologia para qualquer tipo de produto que queiram fabricar?
Sim. E já o estamos a fazer. O governos dos Estados Unidos fez um grande investimento na nossa tecnologia e atualmente programamos organismos para fazerem 100 produtos diferentes num projeto financiado pelo governo norte-americano para que a tecnologia avance a um ritmo mais rápido.