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“Nós temos de fazer aquilo que temos de fazer“. Christine Lagarde já trazia na algibeira o soundbyte que responde às críticas que lhe têm sido feitas por vários governantes europeus – críticas que sobem de tom a cada aumento das taxas de juro que o BCE anuncia. Esta quinta-feira trouxe, como se esperava, mais uma mega-subida, mas a presidente do BCE diz que parte da culpa para a inflação que se vive é dos próprios governos que criticam Lagarde: são eles, argumenta a francesa, que estão a dar apoios demasiado generalizados à população, em vez de ajudarem apenas os mais vulneráveis. E assim, com medidas “contraproducentes”, os Estados estão a forçar a mão do BCE e a obrigar o banco central a apertar ainda mais a política monetária.
“Eu já repeti várias vezes que [as medidas de apoio à população] devem ser temporárias, cirúrgicas e feitas à medida daqueles que mais precisam de ajuda, que são aqueles que têm tido uma erosão dos seus rendimentos [e uma perda do poder de compra] devido à inflação”, sublinhou Christine Lagarde esta quinta-feira, argumentando que ao subir as taxas de juro está, também, a combater a inflação e, por essa via, a proteger os mais vulneráveis.
O que está a acontecer em muitos países, defende a presidente do BCE, é que os governos estão a fazer mais do que apoiar os mais vulneráveis: estão a lançar medidas de apoio de “banda larga” que, em casos como Portugal, são pagas precisamente com os proveitos inesperados que vêm da inflação largamente superior à prevista. A presidente do BCE assinala – e diz que já o explicou diretamente a quem a critica – que essas são medidas que “alimentam a inflação, de uma forma geral”.
Medidas assim serão “totalmente contraproducentes“, alertou Christine Lagarde, porque irão obrigar o BCE a tomar “decisões ainda mais duras para cumprir o objetivo para a inflação”. “O nosso mandato é a estabilidade dos preços”, sublinhou, o que significa baixar para 2% uma taxa de inflação que está perto dos 10%.
E o que devem fazer os Governos com os tais proveitos inesperados, em vez de tomar essas “medidas contraproducentes? Lagarde defende que, além de apoiar os cidadãos mais vulneráveis, os governos devem aproveitar para fazer investimentos e reformas estruturais que aumentem o potencial de crescimento futuro e que reduzam a dependência energética externa – que é o que está, neste momento, a penalizar duramente a economia europeia.
“Nós temos de fazer aquilo que temos de fazer”. BCE volta a subir juros em 75 pontos
Lagarde devolve, assim, as críticas de que tem sido alvo em vários países, incluindo Itália e França (país de onde é natural e onde já foi ministra das Finanças). Em Portugal, o ritmo de subida das taxas de juro já foi criticado por António Costa e esta quinta-feira, também, pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, que pediu ao BCE que responder até ao fim deste ano a “subida em galope das taxas de juro”, considerando que pode ser a opção errada na atual conjuntura.
“Aumentar assim, a este ritmo, os juros não é, para curar o doente, acabar por fazer mal à sua saúde? Apertá-lo, estrafegá-lo, com a ideia de o salvar? Isso não tem custos na vida das pessoas, nomeadamente no crédito à habitação, e na vida em geral? Não é mais negativo do que positivo nas economias? É isso que merece ser pensado no próximo mês, nos próximos meses, antes de chegarmos a 2023″, defendeu Marcelo Rebelo de Sousa.
Lagarde admite “claramente” um abrandamento mas não antecipa recessão
Christine Lagarde continua a não considerar que uma recessão na zona euro é o cenário mais provável, embora tenha reconhecido que dificilmente se irá atingir em 2023 o crescimento de 0,9% (que é a mais recente previsão oficial do BCE). “Claramente estamos perante uma desaceleração”, diz Lagarde.
A 15 de dezembro, data da próxima reunião do Conselho do BCE, serão divulgadas novas projeções oficiais e, aí, “saberemos melhor” o que irá trazer a economia no próximo ano, afirmou a francesa.
Zona euro “já está em recessão”. Dados económicos avançados acentuam queda
Nas previsões atuais, só num cenário adverso se admite uma recessão. E a presidente do BCE advoga que se se olhar para o cenário negativo, “muitos dos pressupostos que assumimos não se materializaram”. Esse cenário previa um corte total do gás russo mas tem sido entregue “algum gás russo” e tem havido “substituição” por outras fontes. Além disso, ao contrário do que admitia esse cenário-adverso, os preços das matérias-primas não estão a subir (“alguns até estão a cair de forma significativa”).
Ou seja, Lagarde reconhece que não será provável cumprir aquele que é o cenário central (um crescimento de 0,9%) mas também parece acreditar que não se está a caminhar para o cenário adverso.
BCE evita “borla” para os bancos e altera condições das cedências de liquidez (TLTRO)
Numa decisão que será polémica, o banco central decidiu esta quinta-feira alterar as condições das cedências de liquidez de emergência que foram uma das ferramentas para combater os impactos da crise pandémica, e não será de estranhar que alguns bancos decidam levar o BCE a tribunal por causa desta alteração retroativa das condições.
O que está em causa é que à medida que a taxa de juro (dos depósitos) do BCE sobe, agora para 1,5%, sem esta decisão os bancos teriam uma oportunidade de obter um rendimento significativo apenas ao depositar no BCE a liquidez que lhes foi concedida a juros muito baixos ou mesmo negativos, ao abrigo das operações de refinanciamento a longo prazo (TLTRO).
“Durante a fase aguda da pandemia, este instrumento desempenhou um papel-chave a contrariar os riscos negativos para a estabilidade dos preços”, diz o BCE. Porém, “hoje, à luz do aumento inesperado e extraordinário da inflação, [o instrumento] necessita de ser recalibrado para assegurar que continua a ser consistente com o processo geral de normalização da política monetária” e para “reforçar a transmissão da política monetária, com juros mais elevados, às condições de concessão de crédito da banca”.
Esta questão tornou-se politicamente sensível nos últimos meses, por se criar a perceção de que é dada uma “borla” aos bancos, que em vez de emprestar à economia poderiam obter uma “renda”, sem risco, tirando um rendimento apenas “parqueado” no banco central, sem correr qualquer risco, aquilo que o banco central lhe emprestou em condições favoráveis. Os termos destas TLTRO (terceira série) serão alterados a partir de 23 de novembro e os bancos terão uma hipótese de reembolso antecipado dos empréstimos.
Juros sobem para 1,5% (e devem voltar a subir em dezembro)
O BCE elevou para 2% a taxa de juro diretora, sendo esse o valor de referência para as operações de refinanciamento do BCE – em termos simples, aquilo que os bancos pagam ao BCE pela liquidez financeira que este lhes concede. Por outro lado, a taxa dos depósitos, que reflete aquilo que os bancos recebem quando depositam liquidez excedentária em Frankfurt, saltou para 1,5%.
A taxa dos depósitos continua a ser, ainda, a principal ferramenta de política monetária do BCE, no que às taxas de juro diz respeito – e foi a única taxa que esteve em terreno negativo, até à decisão que foi anunciada em julho de a colocar em zero.
O governador do banco central francês deu a entender que a taxa (dos depósitos) deverá ascender chegar a 2023 nos 2%, o que implicaria mais uma subida de 50 pontos-base em dezembro – ainda assim, já seria uma desaceleração após duas subidas consecutivas de 75 pontos. Mas as decisões serão tomadas “reunião a reunião”, garantiu Lagarde.
A subida de 75 pontos-base anunciada esta quinta-feira não deverá produzir grandes alterações na Euribor, já que (ao contrário de ocasiões anteriores) não surpreendeu os investidores – o que significa que as taxas Euribor já tiveram algumas semanas para se ajustarem a este aumento que era previsível.
“Tendo em conta que a Euribor esteve em baixo durante bastante tempo já se previa uma subida desta taxa de forma a regularizar os mercados. Ainda assim, nada previa os dois fenómenos que tanto tem assustado os bancos e os portugueses: para além do número de aumentos consecutivos (três nos últimos três meses), estes aumentos não têm sido simbólicos, sendo que temos mesmo assistido aos maiores aumentos da história da banca” na zona euro, referiu João Melo, diretor de crédito habitação da plataforma ComparaJá.
De acordo com cálculos feitos a partir de clientes reais da plataforma, um empréstimo à habitação de 57.600 euros, a 34 anos, com spread de 1,2% pagava em janeiro uma prestação de 170,62 euros e agora, com uma Euribor perto de 2,85%, essa mesma prestação passou a superar os 260 euros.
Outro caso prático: um montante solicitado de 162 mil euros, com spread de 1% a 25 anos, pagava em janeiro uma prestação de 662,45 euros e, com este novo aumento, passará a pagar 842 euros por mês.
O Governo indicou que na próxima reunião do Conselho de Ministros serão aprovadas novas medidas para ajudar as famílias com créditos à habitação, sobretudo as que têm taxa variável, num plano que deverá colocar a tónica, antes de mais, na negociação entre a banca e o cliente, com os bancos a terem de ser pró ativos em acautelar situações em que a taxa de esforço dos clientes suba para níveis mais perigosos.
Banca alerta para efeitos de medidas “paternalistas” no crédito à habitação