História
Há quem diga que são necessários apenas cinco minutos para percebermos se um filme é bom ou não. Com os restaurantes, acredita Francisco Martins, conhecido por chef Kiko, o fenómeno é semelhante: “Sente-se logo nos primeiros dias de abertura se vai correr bem ou mal”, diz ao Observador. Estamos sentados num dos 16 lugares disponíveis na barra do Las dos Manos, o seu novo projeto, o primeiro em tempos pós-pandemia (a crise de saúde pública levou-lhe o Asiático e o Surf&Turf no Time Out Market). No primeiro dia serviu 56 jantares. Mas não se trata só da quantidade, ressalva: “Mais do que o número em si, foi sentir o que as pessoas estavam a gostar. Foi muito bom”, diz. “Este restaurante acho que pode ter sido das minhas melhores aberturas.”
Isto embora o conceito atípico, percetível logo à entrada: nos azulejos, viradas uma para a outra, impõem-se Frida Khalo e uma gueixa. Estamos num mexicano sofisticado — ou “high level”, como descreve Francisco Martins, onde se dá destaque a produtos “de muita qualidade” — mas com vários apontamentos da cultura gastronómica japonesa, que conferem aos tacos ou aguachiles, em grande destaque na carta, as técnicas rigorosas e delicadas, sem esquecer ingredientes como katsuobushi, togarashi ou yuzu. “Em suma, um restaurante de gastronomia mexicana com um toque japonês”.
A mistura México-Japão aconteceu de forma orgânica. A construção da ementa é que, gradualmente, foi ditando o caminho. E tudo graças a uma tostada de barriga de atum. “Quando comecei a desenhar a ementa, apontei todos os ingredientes com que queria trabalhar. E quando escrevi a tostada pensei que ficava bem com uma coisa mais leve, com barriga de atum.” No final, quando olhou para todas as suas propostas, notou que, repetidamente, o México ia beber ao Japão. “Tinha soja, tinha gengibre, marinadas, a robata, que já tinha comprado para aqui”, lembra. “Queria desde início trabalhar de forma a respeitar os bons ingredientes e as boas confeções mexicanas, mas a meio dos testes foi naturalmente surgindo esta vontade de pôr Japão no caminho.”
Espaço
De portas abertas para o Miradouro de São Pedro de Alcântara, tem cores, um ambiente descontraído, em que a refeição ora pode ser desfrutada num dos 16 lugares na barra, ou num dos 22 lugares na sala.
Embora o confronto Khalo e gueixa sejam o mais evidente — “é a imagem que melhor representa o conceito“, considera o chef —, rapidamente se identificam mais símbolos da dualidade do Las dos Manos. Nos balcões há catos e nas paredes antigos barris de saque japoneses. Na mesa, de um lado vemos talheres, do outro pauzinhos. Como é costume, a cargo da decoração, conta o chef, esteve novamente o seu irmão e arquiteto, António Martins.
O espaço onde vive o Las dos Manos já estava do lado de Francisco Martins desde 2019. “Já tenho este espaço há três anos. Mas meteu-se a pandemia”, conta. A ideia sobre aquilo que no espaço seria trabalhado ainda não tinha sido definido e nasceu só depois dos problemas gerados pela crise de saúde pública — particularmente brutal para os restaurantes — acalmarem.
Comida
“O que manda é sempre a boca”, destaca o chef Kiko. “A ideia pode até ser fantástica do ponto de vista estético, do ponto de vista do marketing, mas se não fizer sentido em termos de paladar, de gosto, corre mal.” Estamos em lados opostos da barra e é nos intervalos entre pratos que vamos conversando com o chef. À mesa começa por chegar o couvert: totopos com guacamole, queijo fumado e edemames. Rapidamente, chega o amuse bouche, um mini taco de atum com maionese de chiplote, “um sinal de boas-vindas” que ali se dá aos clientes.
Seguimos para os principais, para uma proposta tipicamente mexicana até então ainda pouco explorada em Portugal. “Um dos pratos a que damos mais destaque são os aguachiles“, diz. “São a versão mexicana do ceviche. Enquanto que no ceviche o caldo é o leite de tigre — feito com uma base de caldo de peixe — no aguachiles é feito com lima, coentros, pepino e sal. Temos seis diferentes.”
Provamos dois. O primeiro que nos chega, de sashimi de lírio e gamba do Algarve (22,4€), tem se revelado um bestseller da carta (pode vê-lo na imagem de destaque do artigo). “Temos batata doce em puré, uma salada de algas com cebola roxa e coentros. Um sashimi — e entra aí a técnica japonesa — e a gamba do Algarve braseada”, descreve. O segundo, o de carabineiro e aipo (38,3€), é mais “delicado”: “Tem carabineiro quase cru, um puré de aipo, avelã e salicórnia.” Desta lista fazem ainda parte o salmão braseado com abacaxi e yuzu (€21,80); o tataki de lombo de atum e edamame (23,7€);o lula e polvo (22,6€); o sashimi de vieira e maracujá (23,9€).
É na etapa seguinte que provamos a causa disto tudo: a tal tostada de barriga de atum (14,3€), no fundo, a responsável por ali estarmos todos.”Enquanto que em Portugal se usam os restos de pão para se fazerem migas e as açordas, os mexicanos usam as sobras das tortilhas, fritando-as e criando as tostadas”, explica, enquanto entrega o prato à mesa. “É um prato tradicional mexicano, mas com um tártaro de barriga de atum com wasabi, que é tradicional japonês.” Mais à frente, mostra-nos a tortilheira que espalma e cozinha o flatbread mexicano, um utensílio que frequentemente se vê nas ruas do México, conta-nos o chef. Parece uma confeção fácil, mas o segredo está mesmo na receita da massa — mais concretamente, nas medidas exatas de cada ingredientes, detalha. Mas, confessa, conseguiu.
O Al Pastor (7,3€), o taco mais emblemático, é também um dos preferidos dos clientes que têm visitado o Las dos Manos. “É feito com secretos de porco”, destaca. Lá atrás, vemos o espeto, onde está também o ananás, outro componente, está a ser cozinhado. O resultado é uma peça volumosa — o recheio é substancial e é difícil enrolar a tortilha. “É mesmo para comer à vontade com as mãos”, diz o chef, enquanto se afasta para ir dar conta de outras tarefas.
Da carta constam ainda outras propostas de tostadas e de tacos — desde a tostada de tártaro de salmão e gamba do Algarve (8,4€) ao taco de pato confitado e laranja (8,2€) — de quesadilhas e ainda uma secção onde o Japão se impõe: um “elogio” à carne, com quatro sugestões. Aqui, encontra tonkatsu de barriga de leitão e arroz yakimeshi (29,8€); tonkatsu de rabo de boi confitado e arroz yakimeshi (31,6€); yakitori de picanha (280g/32,7€); e ainda, o grande destaque do capítulo, o yakitori de kobe (250g/167,8€).
Terminamos com churros com doce de leite, milho, granizado de lima e tequila (8,6€), mas ainda temos tempo para provar aquilo que na bebida melhor representa o cruzamento México-Japão: a Sakurita (13,6€), uma tequila que dispensa a lima e prefere o yuzu, citrino típico japonês.
Além das opções à carta, está disponível um menu degustação (66,7€, por pessoa), que inclui cinco pratos e uma sobremesa.
O que interessa saber
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Nome: Las dos Manos
Abriu: início de setembro
Onde fica: Rua S. Pedro de Alcântara 59, Lisboa
O que é: um mexicano “high level” com um toque japonês
Quem manda: o chef Kiko Martins
Uma dica: aventure-se pelo Al Pastor com secretos de porco preto
Contacto: 215897269
Horário: todos os dias, das 12h às 23h30
Links importantes: Instagram (https://www.instagram.com/chefkikomartins/)