Empreendedor, investidor e um dos nomes fortes do ecossistema que, nos últimos anos, fez de Berlim uma das maiores startup citys da Europa. Felix Petersen nasceu, cresceu e lançou a primeira empresa na capital alemã, a Plazes – uma das startups pioneiras na área da geolocalização –, em 2005, que três anos depois foi vendida à Nokia. Considerado um dos players chave do ecossistema, lançou também a Amen, que foi adquirida pela Tape.tv, em 2013, e é investidor de empresas como a Soundcloud, Unlike.net, Dataminr, and Gidsy.
Em entrevista ao Observador, à margem do Lisbon Investment Summit, evento organizado pela Beta-i – Associação para a Promoção da Inovação e do Empreendedorismo, revelou que Lisboa é considerada “a nova Berlim” da startup scene europeia, ainda que ache a designação estúpida. Porque “cada coisa é única”. Mas os paralelismos existem e Lisboa tem o dinamismo “que não tinha há cinco anos atrás”. E se aquela que foi considerada pela Comissão Europeia a Cidade Empreendedora Europeia 2015 quiser crescer como cresceu a capital alemã, então é bom, diz Felix Petersen, que descubra o seu nicho, aproveite a tradição colonial e que os políticos deem liberdade para que as coisas aconteçam.
Aos empreendedores das 22 startups do Lisbon Challenge presentes no evento, que decorreu no Lx Factory, em Lisboa, deixou um conselho: invistam em algo que valha mesmo a pena, porque, garante, pelo caminho, “vai haver suor, sangue e lágrimas”.
Happy to be at #lis14 today. And even happier to see that Lisbon is rocking it.
— Felix Petersen (@fiahless) December 5, 2014
Berlim é uma das maiores startup city da Europa. O que é que Lisboa pode aprender com a vossa experiência?
Já venho a Lisboa há mais de 20 anos, passei aqui muito tempo. A última vez que cá estive foi há cerca de três ou quatro anos. Na altura, tentei encontrar-me com algumas empresas e perceber como se estava a desenvolver o ecossistema português. Queria olhar para algumas startups. Mas a verdade é que não existia grande coisa… Foi difícil encontrar empresas interessantes, tanto que não voltei a olhar para o ecossistema nos anos seguintes. Agora, estou de volta e tudo mudou. Se olhar para o que se está a passar aqui, para esta conferência, por exemplo, e para a quantidade de coisas que estão a acontecer, é maravilhoso. E a verdade é que encontro aqui muitos paralelismos com o que aconteceu em Berlim. As pessoas têm falado muito da forma como Berlim cresceu na Europa enquanto ecossistema empreendedor, mas isso só se deve a um desenvolvimento muito recente.
Desde quando?
Quando construí a minha primeira empresa, em 2004, não existiam quase nenhumas sociedades de capital de risco alemãs ou existiam, mas não com a qualidade que era precisa na altura. Elas não detinham o conhecimento necessário sobre como se devia gerir uma startup. Não existia quase nenhum capital seed, quase nenhuns business angels. Basicamente, faltava tudo aquilo que o ecossistema precisava. E depois, tudo começou a acontecer muito, muito depressa. Acho que isso aconteceu porque Berlim era uma cidade muito, muito atrativa. E não porque tinha muito dinheiro, porque não existia. Era uma cidade pobre, extremamente pobre, para ser honesto. Berlim, em termos económicos, é de longe a cidade mais pobre da Alemanha. É certo que é a capital, mas na realidade isso não interessa para nada.
A verdade é que não era uma cidade com muito talento. Não temos uma universidade como Stanford, por exemplo. As melhores universidades a nível tecnológico estavam noutras cidades, então… Na verdade, nós não tínhamos muita coisa a acontecer, mas Berlim era uma cidade onde as pessoas queriam viver, era uma cidade muito estimulante. Depois da queda do muro, começaram a surgir muitas coisas criativas em Berlim. Muita arte. Muita música. Muitas coisas culturais. E as pessoas começaram a pensar: “Se eu lançar uma empresa que atue na área da internet, não interessa realmente onde é que estou, certo? Porque, de qualquer forma, o negócio vai-se passar online. Por isso, quero escolher um sítio que seja realmente barato, onde seja interessante viver.”
E nessa medida é comparável a Lisboa?
Acho que existem alguns paralelismos, sim. Quando eu escrevi nas redes sociais que vinha passar dois meses a Portugal, o comentário generalizado das pessoas foi: “oh yeah, Lisboa é a nova Berlim” ou “já lá estive e é uma cidade mesmo muito interessante”. Lisboa é uma das melhores cidades na Europa, senão a melhor, em termos de qualidade de vida. É barata, e talvez devido ao que passou com a crise, começou a ter muita atividade.
Acho que antes é provável que as pessoas vivessem de uma forma mais apática, andavam mais à procura de empregos em grandes empresas. E agora há mais aquele pensamento do “sim, temos que fazer alguma coisa”. Um pouco como o que se passou em Berlim, onde não existia nenhuma Siemens, nenhum Deutsche Bank, nenhuma Lufthansa. As grandes empresas estavam noutros sítios. Então, se as pessoas queriam viver em Berlim, tinham de fazer qualquer coisa, lançar os seus próprios negócios. E o que se passa em Lisboa agora é que há imensa atividade, não só no setor tecnológico mas estão a surgir novos conceitos para cafés, outros para restaurantes, ou mesmo espaços como este, em que estamos. Está tudo muito mais dinâmico do que há uns cinco anos.
E se Lisboa é “a nova Berlim”, o que é que devia fazer para crescer?
Na verdade, não gostei muito desse comentário – de que Lisboa era a “nova Berlim” – porque dizer que algo é a versão nova de outra é estúpido. Cada coisa é única. Acho que existem duas coisas que Lisboa pode utilizar a seu favor e uma delas é a qualidade de vida e o quão bom é lançar uma empresa aqui. Porque o capital depois vem atrás disso. Acho que quando querem lançar uma empresa, não vão atrás de onde está o dinheiro. Porque o capital é uma coisa muito fluida, agora. Se existir uma empresa que funcione, que mostre tração e sucesso, então, claro… O capital vem a seguir.
O importante é que as empresas não se foquem no mercado português, porque é muito pequeno. Ouço muitas pessoas a dizerem que vão testar o mercado português primeiro e acho que isso acontece apenas porque essa é a sua zona de conforto. Acho que não interessa onde lanças a empresa, e Lisboa é um ótimo local para o fazer, mas deves fazê-lo tendo em conta o mercado internacional. Tens de pensar globalmente. O que mudou muito a forma como as coisas aconteceram em Berlim foi que, de repente, começaram a surgir startups onde a língua era o inglês. E isso é uma coisa importante. Quando as pessoas vêm cá, podem não saber falar português. Eu estou a aprender português e é muito difícil.
A aprender português. E porquê?
E porque não? Acho que existe nisto uma abordagem que também pode ser interessante: o universo lusófono é muito maior do que Portugal. Vocês têm o Brasil, Angola, Moçambique, e isso é bom. Acho que pode ser um mercado muito interessante. É uma espécie de nicho, porque está tão distribuído. Claro que Angola é muito diferente do Brasil e diferente de Moçambique, mas vocês têm a linguagem e a história. E isso pode ser algo interessante. É uma boa ferramenta para utilizarem, como um mercado doméstico maior. Europa já é mais difícil, porque está muito fragmentada, com linguagens diferentes.
Enquanto investidor, tem estado especialmente atento às startups portuguesas?
Não vou dizer nenhum nome, obviamente. Mas existem empresas muito interessantes aqui. Algumas delas até pensei que eram alemãs porque tem alemães, foram lançadas na Alemanha, mas, na verdade, estão aqui. Isso é um aspeto muito interessante, mas regra geral não olho para o sítio de onde a empresa vem. Olho para o produto, para a tração, para todas as coisas para as quais um investidor olha. Para mim, realmente não importa onde a empresa está, embora goste de vir a Lisboa. Ou seja, não me importava de fazer alguns investimentos aqui.
Berlim foi considerada uma cidade “pobre, mas sexy”, que combina imigração, criatividade, atividade artística e rendas baixas. Se pensarmos que pode estar a acontecer o mesmo em Lisboa, então o que é que a cidade deveria promover para atrair mais pessoas?
Há uma coisa que convém reter. Durante muito tempo, toda a cena política em Berlim ignorou verdadeiramente as startups. Só acordaram para o ecossistema há dois anos e perceberam que, “uau, é melhor atirarmo-nos de cabeça para isto”. E, simplesmente, atiraram-se. Sem terem feito alguma coisa para isso. A primeira coisa que o presidente da Câmara Municipal e do ministro das Finanças quiseram saber foi “o que é que podemos fazer para ajudar?” Para mim, a melhor resposta é: “deixem-nos em paz”. Acho que a grande coisa que existia em Berlim era a liberdade. Existia muita liberdade, muitos armazéns vazios, para onde podíamos ir e fazer uma festa. Era algo muito especial.
Depois de o muro cair, existiam muitos espaços que não estavam a ser reclamados, muitas coisas que não eram reguladas. E foi precisamente essa falta de regularização e esta espécie de ‘oeste selvagem’ – a que na verdade chamávamos ‘este selvagem’ – que, realmente, permitiu que acontecessem coisas muito interessantes. Nunca seria possível encontrar isto em Nova Iorque, Londres ou noutra cidade industrializada. A ausência de atividade política em Berlim foi o que permitiu que tudo isto acontecesse. Por isso, quando venho a Lisboa, percebo que existem muitos edifícios vazios, muitos edifícios bons, e acho que deviam fazer algo com isso, como aqui no Lx Factory. Isto é o tipo de espaço que ajuda a desenvolver estas coisas. Deem espaço às pessoas para que possam experimentar. Deixem-nas em paz.
Deem-lhes liberdade?
Exatamente. E depois, sim, vão acontecer coisas muito interessantes. No início, podem não ser as startups mais lucrativas, mas, por exemplo, eu sou investidor na Soundcloud, uma das startups com mais sucesso na Europa e, claro, uma das que tem mais sucesso em Berlim. E os fundadores eram produtores de música. O Eric Wahlforss [um dos fundadores] era músico e Dj. E ele adorava Berlim, por causa de toda a cena musical. Por isso é que decidiram lançar a empresa lá. Ou seja, é preciso dar tempo para que as coisas aconteçam. Às vezes, é preciso que as coisas comecem a acontecer primeiro e depois as empresas vão seguir a tendência. Mas é preciso que, antes, a cidade descubra qual é o seu nicho. Por exemplo, Londres é muito focada em Finanças. Então, tens muitas startups FinTech. Em Berlim, tudo gira à volta da criatividade e da música. Temos esse tipo de startups. E Lisboa tem de percorrer o mesmo caminho. E descobrir, claro, o que é que realmente existe na cidade.
E qual é que poderia ser esse nicho? O que é que Lisboa está a fazer bem e onde deveria apostar?
Lisboa tem uma tradição colonial muito rica, da qual se orgulha. Por exemplo, olhe para o caso do café. É tão bom como o italiano, mas fora de Portugal ninguém sabe que existe esta tradição e que é possível beber um café maravilhoso em cada esquina. Claro que existem algumas coisas que não estão a ser bem vendidas para o mundo exterior. Mas eu não tenho a resposta. Acho que o importante é que criem a liberdade que é precisa e se certifiquem de que, coisas como especulação imobiliária, por exemplo, faça subir verdadeiramente os preços. Isso é o tipo de coisas que pode matar um ecossistema. Acho que se devem certificar que os políticos não fazem nada estúpido e perceber se estão efetivamente interessados em desenvolver o ecossistema.
Todos os políticos vão dizer que adoram startups, mas criarem coisas novas, como espaços gratuitos para artistas jovens é que é difícil de fazer, porque é muito tentador vender as coisas. Acho que é a isso que é preciso prestar atenção. E acho que já está a acontecer qualquer coisa aqui. Quando falo de Lisboa, cada vez mais toda a gente me diz o quão apaixonada está por Lisboa. E fala de Lisboa. Acho que o processo é um bocadinho como uma avalanche. Em Berlim, também começou muito devagar e depois, de repente, tudo começou a acontecer muito depressa.
Como investidor, quais sãos seus conselhos para os empreendedores presentes no Lisbon Investment Summit?
Não sei. Eu quero investir em pessoas que não precisem assim de tantos conselhos. Não sei. É sempre fácil dizer qualquer coisa, mas acho que, no final do dia, o que interessa é que construir uma empresa é algo mesmo muito difícil. Durante o processo, vai surgir desilusão, vais entrar em conflito com os teus cofundadores e vai haver suor, sangue e lágrimas. Vão ser precisos quatro anos da tua vida. Por isso, foquem-se em algo que valha mesmo a pena. Vejo muitas pessoas a focarem-se em pequenos problemas, problemas irrelevantes ou apenas a copiarem conceitos. Mas se vais investir tanta energia, é bom que invistas em algo pela qual estejas realmente apaixonado e que isso traga mesmo um valor acrescentado. Que resolva um problema real das pessoas.