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Sacos cheios de minerais ricos em lítio extraídos em Carvalhais.
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Sacos cheios de minerais ricos em lítio extraídos em Carvalhais.

Rui Manuel Ferreira / Global Imagens

Sacos cheios de minerais ricos em lítio extraídos em Carvalhais.

Rui Manuel Ferreira / Global Imagens

Lítio, o "petróleo branco" que valeu o Nobel levanta suspeitas de corrupção e contaminação do ambiente em Portugal

Portugal é dos países mais rico em lítio, o petróleo dos carros elétricos e o material das baterias de telemóvel que foi Nobel da Química. Mas há também suspeitas de danos ambientais e corrupção.

Texto original publicado a 11 de outubro de 2019

Quando o lítio nasceu, fruto das colisões entre as partículas do Big Bang, o Universo tinha 100 segundos de vida. Quase 14 mil milhões de anos depois, é um cobiçado “petróleo branco” usado nos carros elétricos que são o futuro e nas baterias que carregam os nossos telemóveis todos os dias. Esta quarta-feira, a descoberta do seu potencial deu o Nobel da Química a três cientistas. Portugal devia festejar: tem das maiores fontes de lítio do mundo. Mas, o Nobel material é também polémico: há quem destaque a sua contaminação ambiental; e por cá, não faltam as suspeitas de corrupção na mina de Montalegre, que será a maior da Europa.

A corrida ao lítio disparou nos anos 70, quando a Organização dos Países Árabes Exportadores de Petróleo boicotou a distribuição de crude em protesto contra quem anunciou o apoio Israel durante a Guerra do Yom Kippur. O mundo, paralisado pela falta de petróleo, percebeu então que estava demasiado dependente dos combustíveis fósseis. Era preciso desenvolver uma alternativa. Stanley Whittingham, um dos Nobel da Química 2019, encontrou-a. E agora é chamado “pai do mundo recarregável”.

O norte de Portugal está na rota dessa corrida pelo famoso material. As reservas portuguesas têm entre 290 e 320 milhões de anos e ficam em nove regiões, desde Caminha, no Alto Minho, até Idanha-a-Nova, na Beira Baixa: Serra de Arga, Barroso, Seixoso, Almendra, Barca de Alva, Massueime, Guarda — principalmente Gonçalo, Gouveia, Sabugal, Bendada e Mangualde —, Argemela e Segura são os locais mais ricos em lítio.

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Estes lugares fazem de Portugal o quinto maior produtor mundial deste minério e o mais importante da Europa. É por isso que o interesse das empresas internacionais pelas principais fontes de lítio em Portugal — que estão sobretudo na Guarda — não pára de crescer. Entre janeiro de 2016 e junho de 2019, a Quercus contabilizou 50 pedidos de direito de prospeção e pesquisa de depósitos de lítio. São tantos que o governo anunciou que as licenças seriam distribuídas por concursos públicos internacionais. E até já há teaser na página de YouTube da Empresa de Desenvolvimento Mineiro (EDM).

Estes lugares fazem de Portugal o quinto maior produtor mundial deste minério e o mais importante da Europa. É por isso que o interesse das empresas internacionais pelas principais fontes de lítio em Portugal não esmorece. Entre janeiro de 2016 e junho de 2019, a Quercus contabilizou 50 pedidos de direito de prospeção e pesquisa de depósitos de lítio.

Um dos contratos que já foi atribuído pelo Estado abrirá em Montalegre, numa zona com interesse agrícola segundo a UNESCO, a maior refinaria de lítio da Europa, aponta a Quercus. A Direção Geral de Energia e Geologia concedeu o direito à exploração de lítio em Cepeda, e durante 35 anos, à Lusorecursos Portugal Lithium, que só foi constituída três dias antes da assinatura desse contrato, em março. Como qualquer concessão definitiva, esta também teve de ser suportada por um pedido de prospeção. Só que esse pedido foi feito não por esta empresa, mas por outra — a Lusorecursos Lda. Mais: ainda não terá sido feito qualquer estudo de impacto ambiental.

O caso está em tribunal. A Lusorecursos SGPS, S.A. — sócia da sociedade Lusorecursos, LDA., — interpôs uma ação no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa contra o Ministério do Ambiente e a Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG) que pede a anulação deste contrato de concessão de exploração de lítio, celebrado a 28 de março entre o Estado e a Lusorecursos Portugal Lithium, S.A.

Esta empresa interpôs uma outra ação no Tribunal Judicial de Braga em que pede a nulidade do negócio de transmissão da quota na sociedade Lusorecursos, LDA., que foi transformada na sociedade anónima que cedeu o contrato à Lusorecursos Portugal Lithium. Entretanto, o Ministério do Ambiente contestou essa ação, noticiou a Agência Lusa, argumentando que a Lusorecursos SGPS, S.A. “não possui legitimidade” para impugnar o contrato, por ““não ser contraente, nem ser sócia ou acionista, seja da Lusorecursos Portugal Lithium, S.A. seja da da Lusorecursos, LDA”.

Ministro do Ambiente diz que lítio é essencial para as metas da descarbonização

O Ministério insiste ainda que o contrato “é válido, tendo sido asseguradas todas as formalidades legalmente exigidas, acompanhado da devida fundamentação e obedecendo às exigências impostas pela lei”. “Não se verificam quaisquer vícios do ato administrativo”, insiste o ministério: “Foram realizados todo o tipo de pareceres e informações ao longo da tramitação de procedimentos, bem como solicitada toda a documentação necessária” e “foi indicada a intenção desta sociedade em obter a concessão em causa a favor de uma outra sociedade a criar especificamente para este propósito”.

Um dos contratos que já foi atribuído pelo Estado abrirá em Montalegre, numa zona com interesse agrícola segundo a UNESCO, a maior refinaria de lítio da Europa, aponta a Quercus. A Direção Geral de Energia e Geologia concedeu o direito à exploração de lítio em Cepeda, e durante 35 anos, à Lusorecursos Portugal Lithium, que só foi constituída três dias antes da assinatura desse contrato, em março.

Fora dos tribunais, a população tem-se manifestado contra a abertura desta mina a céu aberto. A Associação Montalegre com Vida tem organizado vários protestos para impedir a abertura desta mina. Os motivos? O plano de extração de lítio pensada para Cepeda, Montalegre, é um “atentado ecológico” que vai “contaminar” as ” águas doces junto às principais nascentes dos nossos rios”: “Os telemóveis, computadores, tablets, GPS e a energia renovável  não são o problema para as explorações deste minério. O problema é outro. É político, porque à conta da palavra lítio pretendem-se arrasar com montes e vales, onde haja minério e águas, para retirar todos os tipos de minerais”, acusa uma publicação partilhada pela Associação Montalegre com Vida no Facebook.

Uma faixa com a frase: "Não à mina, sim à vida" protesta contra a abertura de uma mina de lítio em Montalegre. Créditos: Leonel de Castro/Global Imagens

Leonel de Castro

Minas de lítio condenam descarbonização, diz Quercus

O problema repete-se um pouco por todo o norte do país. E muitas autarquias dizem-se contra os planos para abrir novas minas estão a ser estudados. A de Braga é uma delas: “Braga atingiu um estatuto de aglomeração urbana, com potencial para se transformar na terceira área metropolitana de Portugal, que não se compadece com a localização da atividade de exploração dos recursos minerais em causa, sob pena de se estar a prejudicar a qualidade de vida dos cidadãos e a capacidade de atração da cidade em termos sociais, empresariais, turísticos, paisagísticos e ambientais”, diz um parecer enviado à Direção Geral de Energia e Geologia.

A prospeção “sobrepõe-se a áreas muito relevantes de outros recursos naturais, tais como, agrícolas, reserva agrícola nacional, florestais, agroflorestais, hídricos (rio Cávado e rio Torto), reserva ecológica nacional, mas também, áreas de proteção patrimonial de património classificado e inventariado e áreas com potencial turístico muito relevante”, pode ler-se no documento, onde a autarquia comenta as ideias da australiana Fortescue Metals Group Exploration de se instalar em Braga.

Uma zona de exploração de lítio em Barroso. Créditos: Leonel de Castro/Global Imagens

Leonel de Castro/Global Imagens

Em Fafe, os argumentos repetem-se: “Uma eventual concessão de exploração em causa iria provocar em definitivo prejuízos e inconvenientes de ordem funcional, ambiental ou paisagística irreversíveis para aquela zona do território municipal”, diz o parecer da Câmara. E acrescenta que uma exploração mineira naquela autarcia traria “prejuízos irreparáveis para o ambiente, paisagem e qualidade de vida e futuros projetos de cariz turístico”.

A autarquia mais aberta à ideia de acolher uma mina a céu aberto para extração de lítio é mesmo a de Montalegre, onde o presidente Orlando Alves diz ter uma “posição de muita serenidade e expetativa”. Ainda assim, ressalva: “Uma mina a céu aberto com um diâmetro de 800 metros, isso é impossível no nosso território. Não queremos”. E acrescenta: “Não acredito nos 500 postos de trabalho nem nada que se pareça com isso. A verdade é que não conheço verdadeiramente nada do projeto. Primeiro dizia-se que a mina era a céu aberto, agora dizem que é em galeria ou com intervenção mista. Vamos aguardar o estudo do impacto ambiental para tomarmos a nossa posição”, opinou Orlando Alves num texto publicado na página da autarquia em meados do mês passado.

O impacto ambiental também preocupa os especialistas. O relatório “O Custo Ambiental do Lítio Português”, assinado pela Quercus e publicado este ano, alerta que “em média, uma mina de exploração de lítio a céu aberto emite 1,79 milhões de toneladas métricas de dióxido de carbono por ano” e que isso pode comprometer  as metas de redução das emissões de CO2 propostas pelo governo: “Em relação às necessidades de redução de emissões de CO2 a partir de 2020, existe um saldo negativo na ordem das 0,5 milhões de toneladas métricas de dióxido de carbono por ano, em média”.

O impacto ambiental também preocupa os especialistas. O relatório da Quercus alerta que "em média, uma mina de exploração de lítio a céu aberto emite 1,79 milhões de toneladas métricas de dióxido de carbono por ano" e que isso pode comprometer as metas de redução das emissões de CO2 propostas pelo governo: "Existe um saldo negativo na ordem das 0,5 milhões de toneladas métricas de dióxido de carbono por ano, em média".
"O Custo Ambiental do Lítio", Quercus

Após ter feito estas contas, a Quercus moveu uma verdadeira luta contra a abertura de mais minas de lítio a céu aberto: “Caso 10% dos pedidos de prospeção e pesquisa de minério de lítio atualmente em curso sejam aprovados, estima-se que, em média, sejam emitidas 8,93 milhões de toneladas de dióxido de carbono por ano para a atmosfera”, afirma a organização. Em conversa com o Observador, Paulo do Carmo, diretor nacional da Quercus, explica a origem dessa poluição: “Vem da atividade mecânica dos equipamentos”, isto é, das maquinarias pesadas na extração, que queima muito combustível.

Isso teria “um impacto direto muito significativo nos objetivos e metas preconizadas no PNEC 2030”: “Relativamente à descarbonização da economia e da sociedade portuguesa, a capacidade de ação neste sentido fica significativamente comprometida com a exploração de minérios a céu aberto. Esta indústria apresenta-se como um entrave severo na persecução deste objetivo“, avisa a Quercus.

Em entrevista à Rádio Observador durante um protesto na Torre da Serra da Estrela em agosto, Pedro Santos, secretário da Direção Nacional da Quercus, lembrou também que algumas destas minas a céu aberto podem vir a ser instaladas em zona reconhecida pela UNESCO como património agrícola mundial: “Existe uma falta de sustentabilidade e de razoabilidade neste método de exploração de lítio. Há outros métodos com menos impacto no ambiente”, defendeu.

Na Alemanha, as extrações de lítio são feitas em galerias como esta em Zinnwald. Créditos: Getty Images

Getty Images

Da forma como a exploração está a ser feita, os riscos da extração de lítio são seis, enumera a Quercus: a “destruição na paisagem natural”, a “destruição direta de habitats” que arruínam os ecossistemas, a “libertação de partículas em grandes quantidades sobre a vegetação” e “sobre as populações vizinhas”, o “impacto sobre os sistemas de aquíferos e linhas de água superficiais” que prejudicam a agricultura, o “ruído” e a “sobrecarga de veículos pesados sob estradas que não estão preparadas”.

Ao Observador, o diretor nacional da Quercus, sublinhou que a organização não é contra a exploração de lítio: “Somos defensores do desenvolvimento económico do país, mas entendemos que o governo tem de impor medidas de mitigação fortes a quem vem explorar os minérios e desencadear uma série de problemas ambientais. No século passado houve muitas explorações de volfrâmio e ainda hoje estamos a lidar com os passivos ambientais delas. Tudo deve ser muito ponderado”, alerta.

Mas, para o Governo, passa-se precisamente o contrário. Dois dias depois do protesto na Serra da Estrela, João Pedro Matos Fernandes, ministro do Ambiente e da Transição Energética, defendia que a exploração de lítio era essencial para alcançar as metas de descarbonização: “Em que é que a exploração de lítio é diferente da de feldspato? Em nada. Trata-se de uma pedreira, onde se faz o desmonte de pedra e uma parcela dessa pedra é minério de lítio“, resumiu, garantindo que essa extração contempla “todos os cuidados ambientais”.

Mas, para o Governo, passa-se precisamente o contrário. Dois dias do protesto na Serra da Estrela, o ministro do Ambiente defendia que a exploração de lítio era essencial para alcançar as metas de descarbonização: "Em que é que a exploração de lítio é diferente da de feldspato? Em nada. Trata-se de uma pedreira, onde se faz o desmonte de pedra e uma parcela dessa pedra é minério de lítio", resumiu.
João Pedro Matos Fernandes, ministro do Ambiente e da Transição Energética

João Galamba, secretário de Estado da Energia, também chamou “absurda” à Quercus no Twitter: “Uma mina de lítio é igual a centenas de pedreiras de granito e minas de quartzo e feldspato que existem já hoje em Portugal, mas com regras ambientais muito mais apertadas. A Europa precisa de lítio. A questão a debater é se queremos que essa exploração seja feita no continente com regras ambientais e laborais mais exigente do mundo ou se queremos fazer outsourcing e deixar que isso seja feito em países sem regras“, comentou. Para ele, o relatório da Quercus “de científico não tem mesmo nada”.

Os “países sem regras” a que João Galamba se refere estão quase todos na América do Sul, que tem das maiores reservas de lítio do mundo. O Chile está para o lítio como a Arábia Saudita está para o petróleo: não é o país com mais produção mineira — nisso, a Austrália leva a melhor —, mas é o que tem uma maior reserva, com oito milhões de toneladas de lítio, indica o mais recente relatório do Serviço Geológico dos Estados Unidos. Depois, sim, vem a Austrália (2,7 milhões de toneladas) e logo a seguir a Argentina (dois milhões de toneladas).

Porque é que o lítio português é tão cobiçado?

Os minerais ricos em lítio de Carvalhais. Créditos: Rui Manuel Ferreira/Global Imagens

Rui Manuel Ferreira / Global Imagens

Portugal tem 60 mil toneladas de reservas  — abaixo da Bolívia e China. E, em 2018, produziu 800 toneladas a partir das minas. A extração de lítio tornou-se uma oportunidade para a economia do país, indica o Relatório do Lítio, assinado pela Direção Geral de Energia e Geologia, o Laboratório Nacional de Energia e Geologia, a EDM, a Assimagra e a Associação Nacional da Indústria Extractiva e Transformadora.

O lítio português não tem servido para construir baterias como as de Stanley Whittingham porque, por cá, não temos carbonatos de lítio — o composto usado nessas baterias: “Não é usado senão em aplicações cerâmicas. Uma das razões prende-se com o custo e a dificuldade em obter carbonato de lítio das reservas existentes no país, sobretudo quando comparada com a facilidade com que ele é extraído dos lagos salgados na América do Sul”, explica o Laboratório Nacional de Energia e Geologia.

O lítio português não tem servido para construir baterias como as de Stanley Whittingham porque, por cá, não temos carbonatos de lítio: "Não é usado senão em aplicações cerâmicas. Uma das razões prende-se com o custo e a dificuldade em obter carbonato de lítio das reservas existentes no país, sobretudo quando comparada com a facilidade com que ele é extraído dos lagos salgados na América do Sul", explica o Laboratório Nacional de Energia e Geologia.
Laboratório Nacional de Energia e Geologia

É assim porque, por cá, o lítio está armazenado em pegmatites, uma rocha de origem vulcânica com grãos com mais de 20 milímetros. Mas nem tudo é mau: “Em termos simples, as operações mineiras em jazigos pegmatíticos têm custos operacionais mais altos, mas custos de capital mais baixo e podem responder mais rapidamente às condições de mercado”, concretiza a Quercus num relatório publicado em agosto deste ano.

Treze por cento do lítio que existe no planeta está concentrada nessas pegmatites. Mais de 145 minerais contêm lítio, mas apenas cinco são usados na extração: a espodumena, pepidolite, petalita, ambligonita e eucriptite. A primeira é a que maior concentração de lítio tem e é aquela que existe em maior quantidade nas minas portuguesas. Depois de ser separado, o lítio é aquecido a 1.100°C, arrefecido até aos 65°C e misturado com ácido sulfúrico, que desencadeia uma reação química em que o hidrogénio é substituído por sulfato de lítio.

O produto é então filtrado e misturado com outros compostos que ajustam os níveis de pH. A mistura passa por um processo de evaporação, é adicionada a um carbonato de sódio e transformada no carbonato de lítio que interessa à indústria das baterias de ião lítio. Por enquanto, este lítio não é puro o suficiente para a reutilização em baterias. Mas pode ser usado em vidro e cerâmica, que a segunda maior indústria consumidora de lítio (depois da indústria das baterias) é aquela em que Portugal mais se destaca.

Em salares como o de Uyuni, na Bolívia, a extração é mais simples. Nesses lugares, o lítio é recolhido já sob a forma de carbonato de lítio, daí que sejam as reservas favoritas para a criação de baterias. No entanto, a concentração de lítio é maior em reservas rochosas como as portuguesas do que as obtidas por salmoura.

Salar de Uyuni, na Bolívia. Créditos: Getty Images

Universal Images Group via Getty

Segundo o “Relatório do Lítio”, pode haver ainda uma nova aplicação para o lítio português. É que, segundo analisa esse documento, as reservas de lítio estão mais próximas em termos económicos do valor das minas de ouro: “Verificou-se uma subida acentuada dos preços do lítio tendo presente previsões de, a breve prazo, se assistir a um exponencial aumento de automóveis elétricos, o que faz prever uma elevada procura de lítio. É expectável que a prospeção e pesquisa deste recurso mineral venham a merecer um acentuado incremento”.

Pode haver uma nova aplicação para o lítio português: "Verificou-se uma subida acentuada dos preços do lítio tendo presente previsões de, a breve prazo, se assistir a um exponencial aumento de automóveis elétricos, o que faz prever uma elevada procura de lítio. É expectável que a prospeção e pesquisa deste recurso mineral venham a merecer um acentuado incremento".
"Relatório do Lítio", Direção Geral de Energia e Geologia, o Laboratório Nacional de Energia e Geologia, a EDM, a Assimagra e a Associação Nacional da Indústria Extractiva e Transformadora

Segundo os autores do relatório — assinado pela Direção Geral de Energia e Geologia, o Laboratório Nacional de Energia e Geologia, a EDM, a Assimagra e a Associação Nacional da Indústria Extractiva e Transformadora —, esse interesse crescente no lítio nacional espelha-se no “notório interesse crescente de empresas estrangeiras pelos minerais de lítio nacionais “, que, só em 2016, sugeriram um investimento de 3,6 milhões de euros numa área total de 2.500 km2. Isso “demonstra que Portugal dispõe de razoável informação geológica e mineira de base, facto que contribui para reduzir o risco dos investimentos “.

Uma nova vida (mais limpa) para as baterias de lítio

Para a Quercus, o argumento do Governo não é válido: “O Governo fez um estudo da potencialidade do minério, mas esqueceu-se do que está na superfície. Há uma proposta em Braga que fica já muito perto do centro urbano. Outra no Fundão que ficaria a 300 metros do Zêzere, que abastece Lisboa a partir de Castelo de Bode. E também há impacto para quem trabalha do turismo, porque muitas destas propostas ficam em zonas protegidas. Em Montalegre foi licenciada uma exploração numa zona considerada de interesse agrícola pela UNESCO”, indica Paulo do Carmo.

Em Carvalhais, um funcionário enche sacos com o "petróleo branco". Créditos: Rui Manuel Ferreira/Global Imagens

Rui Manuel Ferreira / Global Imagens

O Governo riposta com a criação de postos de trabalho que a exploração do lítio traria para Portugal — 100, contabiliza —, mas a Quercus desvaloriza: “O que se ganha com os 100 postos de trabalho, perde-se depois se as populações tiverem de se mudar por causa da exploração. Além disso, há o problema das poeiras prejudiciais para a saúde humana que conseguem dispersar-se por dezenas de quilómetros”.

Em conversa com o Observador, Fátima Montemor, investigadora no Instituto Superior Técnico, confirma que a exploração do lítio pode trazer problemas ambientais e que “tem de ser sustentável”, mas sublinha que a União Europeia e a Austrália estão muito conscientes disso. No entanto, alerta que as questões ambientais não se colocam apenas no momento da exploração do lítio: “A parte da reciclagem é muito importante. Não podemos simplesmente deitar fora. Quando uma bateria deixa de estar boa para um carro, pode perfeitamente ser usada para armazenar energia do Sol ou do vento. O preço [das baterias usadas] será muito competitivo”.

Fátima Montemor, investigadora no Instituto Superior Técnico, confirma que a exploração do lítio pode trazer problemas ambientais e que "tem de ser sustentável", mas sublinha que a União Europeia e a Austrália estão muito conscientes disso. No entanto, alerta que as questões ambientais não se colocam apenas no momento da exploração do lítio: "A parte da reciclagem é muito importante".
Fátima Montemor, investigadora no Instituto Superior Técnico

Essa segunda vida que as baterias de ião lítio podem ter foi o ponto fulcral com que Pedro Ferreira, investigador do Laboratório Ibérico Internacional de Nanotecnologia e que já trabalhou com John Goodenough (um dos inventores dessas baterias), comentou a atribuição do Nobel da Química: “É importante fazer uma avaliação rigorosa do que significa a extração. Há também um efeito psicológico. Tem que ser devidamente estudada e acautelada em termos do que significa para as populações e para o ambiente. Um dos aspetos importantes que estão a ser pensados no ciclo produtivo é a reciclagem”, afirmou.

Os especialistas temem que a abertura de novas minas a céu aberto prejudique as metas de descarbonização. Créditos: Rui Manuel Ferreira / Global Imagens

Rui Manuel Ferreira / Global Imagens

E prosseguiu: “Em termos de tecnologia é muito importante, a questão da extração julgo que se deve fazer de forma consciente e terão que se fazer estudos ambientais. Há essa potencialidade do minério, mas sinceramente acho que, como país, não podemos ficar apenas na extração. É importante todo o ciclo produtivo e se calhar a mais-valia até está na transformação desses minerais”.

Segundo Fátima Montemor, “ainda não existe uma solução que se posicione como muito competitiva para os próximos anos“. Mas os engenheiros já estão à procura de alternativas às baterias de lítio. Uma das mais promissoras são as baterias de sódio, explica a investigadora: “O sódio é muito mais abundante. A água do mar tem 3% de cloreto de sódio”. Ou seja, pode ser mais económico. E a extração, mais amiga do ambiente.

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