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A demissão de Emmanuel Macron, um novo referendo do Brexit e a introdução de controlos de preços estão entre as 10 “previsões insólitas” do Saxo Bank para 2023 – um relatório anual que é dos mais lidos nos mercados financeiros e que, mais do que verdadeiras “apostas” sobre o que pode acontecer no ano seguinte, procura contribuir com motivos de reflexão sobre as grandes tendências económicas e geopolíticas no mundo.
Entre as outras das “outrageous predictions” do Saxo Bank para o próximo ano estão a cotação do ouro a (quase) duplicar para 3.000 dólares e um país que proíbe a produção de carne de origem animal. E, ainda, um mega-plano de investimentos na transição energética “apadrinhado” pelos mais ricos do mundo.
Reino Unido lança referendo de “UnBrexit” – e volta para a UE
Depois do desaire que foi a (curta) estada de Liz Truss no número 10 de Downing Street, o novo primeiro-ministro, Rishi Sunak, deverá conseguir reabilitar a perceção dos investidores em relação à dívida britânica, estabilizando os mercados financeiros. Porém, diz o Saxo Bank, à medida que o tempo passa acabará por ter pouco mais para oferecer do que “uma austeridade orçamental deprimente“, com aumentos de impostos e cortes na despesa.
A “previsão insólita” de Jessica Amir, uma das analistas de mercados que fazem este relatório, é que, “em 2023, a dupla Rishi Sunak-Jeremy Hunt [ministro das Finanças] atiram a popularidade do Partido Conservador para mínimos históricos”, com uma “recessão esmagadora” e “desemprego a subir em flecha”. Daí até à convocação de eleições pode ser um pequeno passo mas poderá não ficar por aí: as sondagens até mesmo na Inglaterra e no País de Gales levam a um repensar do Brexit.
Começa a ser apontado por muitos que a larga maioria da nova geração sempre foi a favor do Remain, com mais de 80% dos que têm entre 18 e 24 anos a votarem pela permanência na UE contra quase dois terços dos que tinham mais de 65 anos a votarem pela saída. Desde o referendo [de 2016], muitos já terão morrido e muito poucos continuam a fazer parte da população ativa”, diz Jessica Amir.
Neste contexto, Keir Starmer, líder dos Trabalhistas, poderia “colar-se” ao movimento popular em prol de um novo referendo, acompanhado pelo partido dos Liberais Democrático (Lib Dems). “Um governo trabalhista assume a liderança do governo, prometendo um referendo do UnBrexit para 1 de novembro de 2023” e, acredita o Saxo Bank, “vence o voto pelo ReJoin” – o regresso à União Europeia.
Macron, encurralado à esquerda e à direita, demite-se
O Presidente francês, Emmanuel Macron, “não está habituado” a fazer o tipo de cedências e compromissos que são necessários quando se deixa de ter maioria absoluta no Parlamento, diz o Saxo Bank. E, tendo perdido essa maioria em junho de 2022, logo nos primeiros meses de 2023 o Presidente francês poderá ver-se cada vez mais encurralado à esquerda e à direita e a demissão pode ser inevitável.
Christopher Dembik, líder da análise macroeconómica do banco dinamarquês, diz que “confrontado com uma oposição forte por parte da aliança esquerdista NUPES e a União Nacional de Marine Le Pen, o governo não terá alternativa que não passar leis importantes como o próprio Orçamento do Estado através do artigo 49.3 da Constituição” (sem passar pelo voto do Parlamento), algo que já aconteceu no Orçamento para 2023. O problema, diz o Saxo Bank, é que “passar legislação contornando o parlamento não é forma de se governar em democracia – a longo prazo não é, certamente“.
A previsão insólita do Saxo é que “seguindo o exemplo de Charles de Gaulle em 1946 e 1969, Macron poderá decidir demitir-se, inesperadamente, no início de 2023“.
A demissão de Macron abre a porta do Eliseu a Le Pen, gerando uma onda de estupefação em França e além fronteiras e criando as bases para a próxima crise existencial para o projeto europeu e os seus alicerces frágeis”.
A convicção do Saxo é que, mesmo depois de sair, Macron continuará a alimentar a ideia de voltar ao poder, animado pelos seus apoiantes e a “maioria silenciosa” que fez dele o Presidente mais jovem de sempre, com apenas 39 anos. Mas, até lá, Christopher Dembik admite que Macron podia finalmente ter tempo para cumprir o seu sonho de fundar uma startup.
Controlos de preços generalizados para travar a inflação
“A História ensina-nos que uma economia de guerra traz, normalmente, racionamentos e controlos de preços – e desta vez poderá não ser diferente, sendo possível que os líderes políticos introduzam limites de preços que, depois, vão gerar uma série de consequências indesejadas“. O vaticínio é feito pelo líder da equipa que prepara este relatório, Steen Jakobsen, chief investment officer do Saxo Bank.
Com medidas como racionamento de energia e limitação de preços na eletricidade, os estados estão a incorrer em despesa pública que, depois, acaba por se repercutir num valor (mais baixo) das moedas, por via da inflação. “A intervenção dos governos tende a crescer, de forma imparável, à medida que as subidas de preços ameaçam a estabilidade” económica, social e política. Por isso, “em 2023, devemos contar com controlos de preços cada vez mais duros – e, até mesmo, controlos sobre os aumentos salariais” em alguns segmentos, admite Steen Jakobsen.
Mas tudo isto não será eficaz, afirma o economista, lembrando que as políticas intervencionistas têm sempre “consequências indesejadas”: “controlar os preços sem resolver os problemas subjacentes apenas irá contribuir para gerar cada vez mais inflação, o que pode criar riscos de que se rasgue o tecido social devido aos desincentivos à produção que isso pode trazer, bem como o risco de má alocação de investimentos e recursos”.
“Apenas preços formados pelo mercado podem levar a melhorias na produtividade e na eficiência”, defende Steen Jakobsen, receando que “todos voltemos a ter de aprender essa lição, da forma mais dura, em 2023 e depois disso”.
Será desta? Ouro pode dar “salto” para 3.000 dólares
Os preços do ouro têm oscilado entre os 1.600 e os 1.800 dólares por onça nos últimos anos, embora tenham subido momentaneamente acima dos 2.000 dólares quando começou a guerra na Ucrânia. A previsão insólita de Ole Hansen, líder da pesquisa em matérias-primas do Saxo, é que o preço pode dar um “salto” para mais de 3.000 dólares.
Alguns investidores têm-se mostrado dececionados pelo facto de o ouro não estar a acumular valorizações maiores numa altura em que a inflação está em níveis historicamente elevados em várias partes do globo. Este facto tem abalado a reputação do ouro como o melhor ativo-refúgio em momentos de inflação. Mas Ole Hansen acredita que isso pode estar prestes a mudar:
“2023 pode ser o ano em que o mercado finalmente percebe que as taxas de inflação vão continuar muito elevadas no futuro próximo”, admite o especialista do Saxo, acrescentando que a volatilidade nos mercados financeiros poderá levar bancos centrais como a Reserva Federal a tomar medidas “sorrateiras” que correspondam, na realidade, a mais estímulos monetários. Se isso acontecer, o valor do dólar poderá corrigir em baixa, depois dos ganhos registados em 2022.
O ouro, que por duas vezes nos últimos anos esbarrou nos valores perto de 2.075 dólares, poderá “furar essa resistência e saltar até pelo menos 3.000 dólares no próximo ano“, antecipa Ole Hansen.
Pelo menos um país pode banir produção de carne animal
No próximo ano “pelo menos um país, que queira antecipar-se a outros nas políticas agressivas contra as alterações climáticas, poderá tomar medidas para taxar de forma muito pesada a produção de carne de origem animal”. E mais: “pode anunciar que dentro de alguns anos, por exemplo até 2030, será proibida qualquer produção de carne“, admite Charu Chanana, analista do Saxo.
A “previsão insólita” da analista não faz apostas sobre qual país poderia dar esse passo. Mas diz-se que “não devemos subestimar o compromisso cada vez maior, sobretudo na Europa, relativamente às prioridades climáticas, mesmo perante o atual choque energético que vivemos”.
Para cumprir a meta de emissões (líquidas) nulas até 2050, existe uma estimativa que diz que o consumo de carne tem de reduzir-se em 24kgs por pessoa por ano – a média nos países da OCDE é de 70kgs. Este é um valor importante porque “mais de um terço dos cereais produzidos no mundo são usados para alimentação animal e cerca de 80% da terra arável mundial é usada na pecuária, incluindo territórios roubados às florestas tropicais”.
Os países com maior probabilidade de reequacionar a situação alimentar, à luz das alterações climáticas, são aqueles que têm metas carbónicas com força legal – a Suécia já prometeu atingir essa neutralidade em 2045 ao passo que outros, como o Reino Unido, França e Dinamarca estão a apontar para 2050″, diz o Saxo.
2023 pode ser o ano da criação do exército europeu?
Com a continuação da guerra na Ucrânia e uns “EUA menos interessados em cumprir, de forma agressiva, o seu papel de polícia do mundo”, uma das previsões insólitas do Saxo é que 2023 pode ser o ano em que a Europa cria as suas próprias forças armadas unidas, o que seria um salto de gigante para um outro nível de integração europeia.
John Hardy e Christopher Dembik afirmam que “2023 será o ano em que se torna mais claro do que nunca que a Europa precisa de fazer um ponto de ordem na sua defesa“.
Desde a Segunda Grande Guerra, a Europa Ocidental manteve-se sempre protegida pela asa reconfortante das forças armadas dos EUA, seja diretamente, seja através da participação na NATO. Mas a invasão da Ucrânia pela Rússia trouxe para a Europa a guerra mais quente desde 1945″, lembra o Saxo Bank.
Eis a “previsão insólita”: “Numa decisão histórica, em 2023, todos os membros da UE tomam a iniciativa de criar as Forças Armadas da UE, com prazo até 2028“, dizem os analistas, que admitem que esse trabalho seria financiado por emissão conjunta de dívida pública (como aconteceu pela primeira vez após a pandemia, com o Programa de Recuperação e Resiliência).
Bilionários juntam-se para criar “Projeto Manhattan” para a energia
“Terceira Pedra“. Este é o palpite do Saxo Bank para o nome que terá um consórcio formado pelas pessoas mais ricas do mundo para impulsionar, de uma vez por todas, a transição energética que é essencial para combater as alterações climáticas e satisfazer as crescentes necessidades energéticas da população mundial de forma sustentável.
Peter Garnry e Anders Nysteen, analistas do banco dinamarquês, acreditam que os grandes magnatas do mundo tecnológico serão os nomes mais sonantes a participar nesse consórcio – “alguns estarão cada vez mais impacientes com os progressos lentos na criação das infraestruturas energéticas que lhes permitam executar os seus planos, ao mesmo tempo que se avança na necessária transição energética”.
O objetivo será angariar mais de um bilião de dólares para dar origem a um esforço de investigação científica e investimentos comparável ao “Projeto Manhattan”, que criou a primeira bomba atómica.
Uma parte dos fundos poderá ser usada, também, na investigação na área da Inteligência Artificial, que também tem mostrado que pode dar um grande impulso em algumas áreas de pesquisa científica, incluindo no desenvolvimento de novas baterias e outras soluções de armazenamento energético – essenciais para acelerar a adoção de veículos elétricos.
Cuida-te, dólar. Keynes pode inspirar nova moeda de reserva mundial
O papel do dólar como moeda de reserva internacional pode ter os dias contados. Menos de um quinto do comércio mundial envolve os EUA mas mais de um terço do comércio mundial envolve o dólar e cerca de 60% das reservas de moeda mundiais estão em dólares – um desequilíbrio que Redmond Wong, estratega do Saxo especializado no mercado chinês, acredita que poderá sofrer um abalo em 2023.
A previsão deste analista é que, em 2023, um conjunto muito relevante de países poderá insurgir-se contra a “utilização do dólar como arma”, que alguns acreditam ter ficado evidente na forma como se congelaram as reservas russas depois da invasão da Ucrânia. Vários países que não estão militarmente alinhados com os EUA – como a China, Índia, Brasil, Paquistão, entre outros – podem unir-se para cortar ligações com o Fundo Monetário Internacional (FMI) e criar um novo ativo de reserva, que se poderia chamar “Bancor”, cognome KEY.
A confirmar-se esta previsão insólita, os países poderiam estar a inspirar-se na visão do economista britânico John Maynard Keynes, que idealizou uma reconstrução pós-Guerra baseada num sistema monetário internacional sem uma moeda de reserva hegemónica como hoje é o dólar, diz o Saxo.
A KEY poderia ser indexada a um conjunto de matérias-primas, negociadas nos mercados internacionais, com o petróleo entre as commodities com maior peso no cálculo. Depois, as moedas dos vários países aderentes seriam indexadas a esse ativo de reserva – ou seja, países como a Arábia Saudita e Hong Kong deixariam de ter as suas divisas indexadas à moeda norte-americana.
Paraísos fiscais na mira, private equity em apuros
Mesmo com o aperto das regras que foi decidido após a divulgação dos Panama Papers, “o ecossistema global dos paraísos fiscais continua bem de saúde“, diz Peter Garnry, analista do Saxo Bank. Porém, não são apenas os cidadãos mais abastados do mundo que recorrem às offshore – também é nessas jurisdições que assentam arraiais os principais players na indústria dos investimentos.
Ilhas Caimão, Bermudas, Bahamas, Ilhas Maurícias. Estes são alguns dos locais que albergam as maiores empresas de capital de risco e de private equity, isto é, grandes fundos de investimento privados, não cotados em bolsa, que “atacam” em todas as regiões do mundo a partir dessas jurisdições.
A “previsão insólita” de Peter Garnry é que em 2023 os países da OCDE “tomem medidas mais agressivas em relação aos paraísos fiscais, banindo completamente as principais jurisdições no mundo”. Que impacto é que isso teria? Desde logo, “a proibição levaria a que as fusões e aquisições empresariais nos países da OCDE deixariam de poder ser feitas com capitais que tivessem passado por offshores”, diz o especialista do Saxo Bank.
À medida que os gastos com defesa, o reshoring e os investimentos na transição energética se avolumam, os governos vão olhar cada vez mais para todas as possíveis fontes de receita fiscal – e aqueles que fogem ao pagamento de impostos através das offshore vão ser os alvos mais fáceis”, diz Peter Garnry.
Para muitas empresas ligadas ao private equity, isso poderia significar cortes de 50% no seu valor e “levaria à morte de grande parte do ecossistema” dos capitais de risco.
Japão fixa a moeda face ao dólar, para estabilizar sistema financeiro
O Japão gastou uma grande parte das suas reservas de dólares para intervir no mercado cambial e conter a pressão sobre o iene, perante a recusa do Banco do Japão em subir as taxas de juro (que estão num valor negativo). Mas à medida que, em 2023, se avolumam as tensões nos mercados financeiros japoneses, o Japão pode anunciar uma indexação formal da sua divisa ao dólar.
Essa é a previsão insólita de John Hardy, que lidera a pesquisa em mercado cambial do Saxo Bank. “À medida que o par USDJPY sobe para os 160 e 170 [ienes por dólar], então a revolta social contra o aumento da inflação pode atingir níveis dramáticos”, levando as autoridades japonesas a colocar um “chão” nos 200 ienes por dólar – ou seja, garantindo que não deixarão que a moeda se desvalorize para menos do que esse nível.
Para cumprir essa indexação, John Hardy acredita que o Japão acabaria por gastar todas as suas reservas de dívida pública, “esfumando-as”. Do lado orçamental, seriam definidos planos para reduzir a dívida pública japonesa para cerca de metade – para 100% do PIB. Depois, o Banco do Japão acabaria por ter de subir a taxa de juro, para 1%, o que levaria a que as taxas de juro da dívida pública japonesa a 10 anos saltassem para 2%.
Para o Japão, isso seria um golpe enorme: o PIB poderia afundar 8%, os bancos teriam de ser recapitalizados para evitar o colapso e teria de haver incentivos fiscais para trazer de volta para o Japão as “imensas poupanças” que os japoneses têm no exterior. No final, porém, este duro “reset” poderia levar o Japão novamente para uma situação de estabilidade financeira – o que poderia inspirar outros blocos, como a Europa e os EUA, a seguir as mesmas pisadas.