Menos de dois meses depois de disputar a presidência, Emmanuel Macron volta a estar no limbo, mas num cenário oposto. Nas eleições presidenciais francesas, o atual Presidente chegou à segunda volta muito perto da líder da extrema-direita, Marine Le Pen. Agora, na primeira volta das eleições legislativas, está taco a taco com a geringonça de esquerda, encabeçada pelo líder de extrema-esquerda Jean-Luc Mélenchon. O partido de Macron terminou a ganhar esta noite de domingo com uma diferença de votos que não chegou a 0,1%, ou seja 21 mil votos, arriscando mesmo perder a maioria parlamentar. Os resultados deixaram, porém, tudo em aberto para a segunda volta eleitoral que se realiza já daqui a uma semana.
A coligação liderada pelo partido de Emmanuel Macron foi a mais votada, contabilizando 5.857.558 votos (25,75%). Em segundo lugar, ficou a gerigonça de esquerda, a NUPES, que totalizou 5.836.116 votos (25,66%), contrariando a sondagem inicialmente revelada que dava a coligação de esquerda como vencedora. As duas formações mais votadas ficaram assim separadas por um total de apenas 21.472 votos. A União Nacional, o partido de extrema-direita de Marine Le Pen, obteve 4.248.573 votos (18,68%) conseguindo o terceiro lugar. De seguida ficou a Coligação de Centro-Direita — da qual os Republicanos são o principal partido — com 2.370.882 dos votos (10,42%). Na quinta posição, ficou o partido de extrema-direita de Éric Zemmour, Reconquista, com 964.865 votos, o que em termos percentuais totaliza 4,24%. A abstenção atingiu um número histórico de 53%.
Ainda antes dos resultados finais, a primeiras sondagens divulgadas este domingo na sequência da primeira volta das legislativas, indicavam que a coligação liderada pelo partido do Presidente francês, Ensemble!, voltaria a ganhar as eleições, mas teria dificuldades em alcançar os 289 deputados necessários para alcançar uma maioria na Assembleia Nacional, a câmara baixa do parlamento de França.
Emmanuel Macron n'est pas sûr de conserver la majorité absolue en termes de sièges à l'Assemblée nationale, selon les estimations à 20h
Voici la projection en détail ici : https://t.co/Jk9pWqksxd#legislatives #legislatives2022 pic.twitter.com/m4wz3gSv08
— La Nouvelle République (@lanouvellerep_) June 12, 2022
A Nupes, coligação de esquerda que junta socialistas, comunistas, ecologistas, e que tem como principal rosto o líder do França Insubmissa Jean-Luc Mélenchon, conseguirá um resultado muito melhor do que em 2017, elegendo 150 a 190 parlamentares (contra 72 há cinco anos). Apesar de estas projeções mostrarem que dificilmente ultrapassa a Ensemble, os partidos que integram a coligação estão mobilizados para se tornarem uma força capaz de enfrentar Emmanuel Macron e obrigá-lo a um cenário de coabitação.
Já em termos percentuais, os resultados colocaram o Nupes e o Ensemble numa situação de empate técnico com uma ligeira vantagem (0,09%) para a coligação de Emmanuel Macron. Porém, o mais importante nestas eleições passa por conquistar o maior número de círculos eleitorais possíveis, uma vez que os deputados são eleitos por voto direto, tal como nas presidenciais. Quanto mais círculos eleitorais um partido vencer (independentemente do número de votos totais em França), mais parlamentares elege. E, neste último campo, as sondagens antecipam já uma vitória — com uma diferença considerável — do partido do Presidente francês.
Para já, feitas as contas, apenas cinco parlamentares (quatro das Nupes, outro do partido de Macron) conseguiram ser eleitos já este domingo, sem necessidade de seguirem para a segunda volta. No final da noite, quem foram afinal os vencedores? E quem perdeu? E quem precisa de correr mais para obter um bom resultado no próximo domingo? Esta será uma semana crucial.
Quem venceu a noite
Nupes
As projeções mostram que será difícil conquistar a uma só formação ganhar a maioria absoluta dos assentos parlamentares na Assembleia Nacional. No entanto, a gerigonça de esquerda conseguiu um resultado que dá alento à segunda volta, podendo mesmo vir a ter um papel forte na oposição ao Governo.
Já depois das primeiras projeções, conhecidas pelas 20h00 (menos uma hora em Portugal), o líder da França Insubmissa, Jean-Luc Mélenchon, reconheceu o bom resultado, que considera traduzir-se numa “oportunidade extraordinária” para o “destino comum da pátria”. “A Nupes conseguiu ultrapassar, de maneira magnífica, o seu primeiro teste: levar a cabo uma campanha em conjunto, lado a lado, e convencer. Nas democracias, é aí que tudo se decide: é preciso convencer. Conseguimos convencer muito”, realçou.
“A Nupes estará presente em mais de 500 círculos eleitorais na segunda volta”, vincou, apelando ao eleitorado para se mobilizar, de forma a conseguir providenciar “um futuro de harmonia entre seres humanos, livres das dominações sociais, culturais e de género”.
Além disso, Jean-Luc Mélenchon declarou que a coligação de Emmanuel Macron foi “derrotada” e “desfeita”. “Pela primeira vez na Quinta República, um Presidente recentemente eleito não consegue ter uma maioria absoluta na eleição legislativa que lhe sucede”, atirou.
Apelando especialmente ao voto jovem, uma sondagem pelo instituto IPSOS realizada antes das eleições revela que são os mais novos quem vota na Nupes. 42% dos jovens entre os 18 e os 24 anos vão votar na coligação de esquerda contra 15% dos maiores de 70 anos que manifestam este sentido de voto.
Os Republicanos
Enquanto antigo partido central na cena política francesa, o facto de poder eleger entre 50 a 80 deputados parece um resultado modesto, ainda para mais quando comparado com os 100 deputados que os Republicanos alcançaram em 2017. No entanto, numa fase descendente do partido e após um mau resultado nas presidenciais (não foi além dos 4,78% na primeira volta), o partido conseguirá eleger entre 50 a 80 parlamentares.
Christian Jacob, líder do partido dos Os Republicanos, saudou o bom resultado, que assume ter sido melhor do que o esperado. “Estamos em posição de ter um papel determinante em alguns círculos eleitorais”, constatou.
Perante as projeções de que Emmanuel Macron não conseguirá uma maioria, os Republicanos também têm motivos para sorrir — ideologicamente são os mais próximos da coligação do Presidente francês, o que dá azo para se falar num possível acordo pós-eleitoral. Ciente desta realidade, Christian Jacob já admitiu, antes das legislativas, que está disposto a negociar e que não quer bloquear o futuro político de França.
União Nacional
A boa trajetória do partido de Marine Le Pen parece continuar. A líder da extrema-direita chegou a mostrar algum esmorecimento perante esta primeira volta, alegando mesmo, há umas semanas, que a “lógica institucional” favorecia o partido do Presidente da República.
No entanto, e numa campanha em que não se notou tanto o empenho da máquina partidária, Marine Le Pen conseguiu outro bom resultado. Quando olhamos para as últimas legislativas e fazemos contas, concluímos que a líder da União Nacional conseguirá passar de oito deputados para pelo menos 25, sendo que no melhor cenário poderá chegar aos 45 deputados na assembleia. Também os votos aumentaram: o partido passou de 2,9 milhões para mais de 4,2 milhões de votos.
“Fantástico resultado”, afirmou Marine Le Pen, que também passou à segunda volta com um bom resultado no círculo eleitoral onde concorria (45%). Ainda assim, a líder da União Nacional aproveitou para criticar o método eleitoral, que diz ser “antidemocrático” e “escabroso”.
Além disso, perante o mau resultado de Éric Zemmour, Marine Le Pen continua a ser a principal cara da extrema-direita no panorama político francês.
Quem precisa de correr mais
Ensemble!
As projeções revelam que a coligação do Presidente francês deverá continuar a possuir o maior número de assentos parlamentares na Assembleia Nacional. Ainda assim, a maioria absoluta poderá ser um cenário irrealista — e, a não acontecer, poderá obrigar mesmo a um cenário de compromisso, criando entraves no mandato de cinco anos de Emmanuel Macron.
O sabor deste resultado é, por isso, agridoce, ainda para mais se se comparar com os resultados de 2017. Há cinco anos, a coligação de Emmanuel Macron obteve mais de sete milhões de votos na primeira volta. Desta feita, ficou-se pelos 5,8 milhões. Ou seja: entre as duas eleições, perdeu 1,2 milhões de eleitores.
Para conseguir suprir a desvantagem, a coligação de Emmanuel Macron precisa de fazer mais — e uma das estratégias consiste na dramatização do discurso, como aliás Macron fez nas eleições presidenciais quando se viu numa segunda volta ao lado de Marine Le Pen. Este domingo, a primeira-ministra Élisabeth Borne alertou para o perigo dos “extremos”, aludindo à extrema-esquerda e à extrema-direita. “Face às dificuldades que enfrentamos e à guerra, não podemos correr o risco de instabilidade, face aos extremos só nós temos um projeto coerente, claro e responsável. […] Face aos extremos não cederemos nada, nem de um lado nem do outro”, afirmou.
“Daqui a uma semana, para além das etiquetas, são os nossos valores que estão em jogo: a liberdade, a igualdade, a fraternidade e a laicidade. Esta primeira volta mostra que este é um combate atual e que não podemos deixar de defender estes valores”, assegurou a primeira-ministra.
O partido de Macron não assume uma recomendação de voto nem na geringonça de esquerda nem na União Nacional nos círculos eleitorais onde essas duas formações disputem a eleição de um deputado. “Será avaliado caso a caso”, disse uma fonte partidária citada pelos jornais franceses, o que vai de encontro ao discurso anti-extremismo que o partido está a ter.
Quem perdeu a noite
Reconquista
O partido de extrema-direita criado em 2021 pelo jornalista Éric Zemmour teve alguma expressão nas eleições presidenciais francesas, ao conseguir que o seu candidato ficasse à frente de partidos históricos, como o Partido Socialista e o Partido Comunista. No entanto, agora, nas legislativas, as coisas nção correram tão bem para o Reconquista. Zemmour não conseguiu vingar enquanto alternativa e acabou derrotado em todas as frentes por Marine Le Pen.
A votação do partido de Éric Zemmour diminuiu mesmo para menos de metade face às presidenciais. Se há dois meses conseguiu 2.485.226 votos, nestas eleições ficou-se pelos 964.865. O líder do Reconquista garante, ainda assim, que vai “continuar a lutar”. Mas, no seu círculo eleitoral, Zemmour nem conseguiu votos suficientes para ir à segunda volta.