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Cinco graus em Bragança pelas 18 horas. António Costa bebe um café, no Chave D’Ouro, e sai para uma s palavras num pequeno palco ali montado mesmo à porta. Em dois minutos — porque o Sol já se pôs e ninguém aguenta o frio que se mete pelos ossos — agradece a presença, pede mobilização até ao dia do voto e que votem para que o PS possa “governar com estabilidade”. Do meio da plateia uma senhora grita: “E uma maioria absoluta!” Mas Costa não pega na deixa e segue. A expressão foi varrida para debaixo do tapete socialista onde Costa assentou agora várias cadeiras para as reuniões do dia 31 de janeiro. O discurso (e a convicção) mudou radicalmente em muito pouco tempo.
Não que não a queira. É tudo o que o líder socialista quer e até entrou na campanha convencido que era possível alcançá-la, cortando caminhos à volta. À esquerda, porque chumbou o Orçamento para 2022 sem motivo para o fazer, na tese socialista. E à direita, que cola o máximo que pode à direita de Passos Coelho/troika/cortes, uma trilogia inseparável para o PS desta campanha. Mas o discurso da maioria teve vida curta. Começou na Madeira, com todas as letras e sem medos, e terminou em Faro… no dia seguinte.
Se terça-feira António Costa se mostrava convencido que esse era o caminho, desde então a linha socialista parece titubeante. Em Machico, Madeira, o líder do partido foi mais longe no pedido do que tinha ido até então ao exortar os socialistas a não só pedirem a “maioria absoluta”, como a dizer que o fizessem “sem medo”. No dia seguinte, em Faro, acrescentava novo argumento a seu favor: “Já tive seis anos de maioria na Câmara de Lisboa e não foi por ter maioria que deixei de dialogar com todos e procurar consenso”. Mas em Santarém, no comício que se seguiu a esse, o pedido que vinha em crescendo e a somar argumentação desapareceu. Desde então a maioria absoluta foi referida por quem, pontualmente, se juntou à campanha, como foi o caso de Pedro Nuno Santos que, em Espinho, questionado sobre essa hipótese, secundou o discurso que já estava, afinal, desatualizado.
Na quarta-feira à noite já a comitiva de Costa sabia da sondagem da Universidade Católica Portuguesa, que a RTP divulgou na quinta, e que mostrava uma distância mais curta do que até aí entre os dois primeiros, PSD e PS. Isso somado a um desconforto na comitiva sobre a mensagem que estava a ocupar mais espaço e em como ela estava a engolir outra ideia, sobre o perfil de Costa e a sua capacidade de diálogo. Dois momentos que levaram a acertos na mensagem e que passaram por tirar de cena o pedido da maioria absoluta.
Em dois anos, a mensagem socialista passou de entendimentos, com posições conjuntas assinadas com BE, PCP e PEV, para negociações pontuais para aprovar Orçamentos com esses mesmos partidos. E em dois dias, o pedido de maioria absoluta deu lugar a um partido que está, afinal, disponível para negociar com todos. “Sentimos que estava a ficar para trás a ideia de António Costa como alguém que consegue dialogar com todos”, explica ao Observador um dirigente do partido.
Esta já era uma parte da mensagem de Costa, é certo, mas sempre associada à conquista da maioria absoluta. O seu capital de experiência de executivos com maioria e, ainda assim, dialogantes, foi explorado pelo próprio, por exemplo, no debate de três rádios, quando até usou o exemplo de Inês Sousa Real. Na CML, como presidente com maioria entregou à agora líder do PAN a função de Provedora dos Animais, lembrou então.
Em Leira, no sábado de manhã, Costa foi questionado sobre essa peça perdida pelo caminho e fez contorcionismo político, respondendo apenas que “sobre a governabilidade está tudo dito”, sem explicar o que aconteceu afinal. No dia anterior, em entrevista ao Observador, Costa foi questionado se, perante as sondagens, não era despropositado falar em maioria e já aí tinha usado uma resposta semelhante, ao dizer que “essa discussão sobre a governabilidade tem encoberto aquilo que são as opções fundamentais”.
Costa recuava na estratégia e voltavam para o bolso os dados internos que tinha na mão sobre a suposta aceitação das maiorias absolutas por parte do eleitorado socialista. Afinal, não era nada disso que estava a verificar-se na reação ao seu discurso mais empenhado nesse cenário. Há, nesta fase, altos dirigentes socialistas que dizem mesmo que esta mensagem se tornou “contraproducente”.
Em entrevista à Renascença, nesta segunda-feira de manhã, no Porto, o líder socialista já reconhecia que os portugueses “não têm um grande amor” pela solução: “Percebe-se que não tenham um grande amor pela ideia de maiorias absolutas, pelo contrário, diria eu…”. E quando lhe perguntaram sobre se pretende insistir na ideia, disse que essa não é a questão. Mantém que essa é a melhor solução e acrescenta logo um “mas”: “Mas, obviamente, também já expliquei várias vezes que, ao contrário do que outros no passado fizeram, que disseram ‘ou há maioria absoluta ou é o caos’, ou ‘é a maioria absoluta ou vou-me embora’, eu nunca disse nem nunca direi isso aos portugueses”.
O chocalho junto dos parceiros
Foi nesta mesma entrevista que respondeu ao desafio para uma conversa pós-eleitoral com Catarina Martins, dizendo que no dia 31 de janeiro terá “de falar com o Bloco e com todos os partidos na Assembleia da República”. À tarde, à porta da Casa do Careto de Podence, e vestido com a capa de honra de franjas coloridas, Costa chocalhou os parceiros.
Aqui entra a tradição carnavalesca de Podence (que é património imaterial da humanidade) em que umas figuras trajadas a rigor e com máscaras metálicas, uma espécie de diabos transmontanos, fazem um movimento com os chocalhos que têm à cintura sempre que se aproximam de uma mulher. “Dá sorte”, diz um dos que recebe Costa na freguesia de Macedo de Cavaleiros, seguindo o costume ancestral que faz uma relação entre aquele gesto e a fertilidade.
O que Costa insiste em passar nesta fase é a ideia da sua capacidade de “chocalhar” terrenos, sejam eles mais ou menos agrestes, para ver florescer acordos de governação. Apenas exclui o Chega desse diálogo. Quando foi questionado, ali em Podence, sobre o desafio de Catarina Martins, repetiu o que tinha dito à Renascença pela manhã. “Não só com Catarina Martins mas com todos, à exceção do Chega, com quem não há nada a falar”. “O diálogo a seguir às eleições tem de ser com todos”, sublinhou de novo, não limitando essa abertura à esquerda.
António Costa: “Foi com a ilusão das sondagens que perdemos a câmara de Lisboa”
Esta parte já tinha deixado clara na entrevista ao Observador, quando foi questionado sobre se é à esquerda que continuam a estar os seus parceiros preferenciais. Começou por responder que “toda a gente” o “conhece”. “Eu nasci à esquerda, a esquerda é a minha família. Agora, isto dito: eu não estou hoje em condições de dizer aos portugueses o mesmo que disse há dois anos”. E, mais adiante, sobre se a esquerda estava excluída, disse que não, mas acrescentou novos players a este jogo: “Já disse que não vou reerguer muros que derrubei em 2015. Agora não posso dizer que tenha confiança para dizer: não faremos outras soluções que não sejam com o BE e o PCP”.
Em Podence escancarou as portas, a poucos metros de dois murais que a freguesia exibe. Num está Marcelo Rebelo de Sousa, que Costa já disse que pode funcionar como válvula de segurança mesmo que tenha maioria absoluta (a primeira vez que o disse de mote próprio foi depois do frente-a-frente com Rui Rio, nunca mais o disse, a não ser quando foi questionado). Noutro está António Guterres, o mentor daquele “modelo clássico” que pode ser o que sobrará a António Costa depois desta eleições. Mas para isso é preciso ganhá-las e já ninguém na comitiva o dá por garantido nesta altura. Nem com caretos.