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Revisor e escritor, tem 44 anos e vive em Lisboa
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Revisor e escritor, tem 44 anos e vive em Lisboa

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Revisor e escritor, tem 44 anos e vive em Lisboa

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Manuel Monteiro e os erros de Português: "Guterres falava melhor do que Costa. Com Marcelo há mais qualidade do que com Cavaco"

O linguista Manuel Monteiro acaba de publicar um livro sobre erros comuns de quem fala e escreve português. Em entrevista, critica o Acordo Ortográfico e diz quais políticos dão mais erros.

É o terceiro livro de Manuel Monteiro em três anos. O Mundo pelos Olhos da Língua, que a Objectiva acaba de publicar, é o mais recente exemplo das preocupações intelectuais de um revisor literário profissional. À cata de erros, problemas linguísticos e outros desvios à norma do português, apresenta um conjunto de comentários que podem ser úteis a quem procura melhorar no uso da língua portuguesa.

São mais de 300 páginas organizadas sob a forma de capítulos com nomes curiosos: “Avarias particulares”, “Pragas hodiernas” e “Ditos curiosos e idiolectos”, entre outros. Na senda de obras que ainda hoje são referência — como o eterno Dicionário de Erros e Problemas de Linguagem, de Rodrigo de Sá Nogueira, publicado em 1969 —, aponta falhas comuns e prescreve o “diga-se” e o “não se diga”.

O ponto de vista é veemente: “Ver o mundo pelos olhos da língua é encontrar razoabilidade no modo de viver que Alexandre Herculano decidiu imputar a Almeida Garrett: ser capaz de todas as porcarias, mas nunca, a troco de todo o ouro do mundo, de uma frase mal escrita. A integridade linguística é prova de carácter”, lê-se nas últimas páginas.

Daí que, nesta entrevista ao Observador, o linguista se insurja contra o que considera ser o declínio da língua portuguesa favorecido pela falta de brio de políticos, académicos, escritores e jornalistas. Reincide na crítica habitual ao Acordo Ortográfico de 1990 (que na verdade só começou a ser aplicado a partir de 2011) e dá-nos um resumo sobre o que pensa da qualidade do português de alguns políticos: António Guterres melhor que António Costa, Jorge Sampaio melhor que Cavaco Silva, Marcelo Rebelo de Sousa melhor que o antecessor.

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Filho do antigo procurador-geral da República Fernando Pinto Monteiro (1942-2022) — facto que faz questão de reservar —, Manuel Monteiro, que também assina como Manuel Matos Monteiro, tornou-se conhecido pelo livro Por Amor à Língua (2018). Depois saíram O Funambulista, O Ateu Intolerante e Outras Histórias Reais (2021) e  Sobre o Politicamente Correcto (2020). Nascido em Lisboa há 44 anos, é escritor, revisor linguístico e formador profissional de revisão de textos. Já foi diretor de três jornais locais na região de Lisboa e escreve crónicas com alguma frequência no jornal Público.

"O Mundo Pelos Olhos da Língua", de Manuel Monteiro, ed. Objectiva (2022)

Porquê este livro?
É um ato de vingança contra tantas atrocidades que são cometidas contra a língua, designadamente pelos habitantes do espaço público.

Que resultado espera?
Não consigo prever. Há livros que pensamos que vendem muito e depois vendem pouco. Ou o contrário. Gostaria que políticos e habitantes do espaço público, incluindo alguns jornalistas, tivessem mais cuidado com a língua. Sei que a velocidade de hoje é uma inimiga da escrita. Consigo perceber isso perfeitamente. Os exemplos são tantos… Noto que há uma substituição de uma série de palavras por uma palavra. Em pouco tempo, deixou de se falar de “efeitos” ou “repercussões” e hoje é tudo “impactos”. Ficamos tão contaminados que deixamos de reparar. Os “impactos”, o “colocar”. Hoje “colocar” é usado para tudo, até em expressões idiomáticas, o que até há bem pouco tempo causaria estranheza. Recebo mensagens com “temos de colocar a conversa em dia”.

Mas isso é mau porquê? Estamos a falar de um empobrecimento da língua ou apenas de uma evolução com a qual não concorda?
Há muitas situações em que temos muitas palavras na língua para designar determinado conceito. Quando uma pega de estaca, a capacidade que temos de vassourar outras palavras — e de afunilar só para aquela — leva a um empobrecimento. Por exemplo, o verbo “implementar”. Podemos dizer “aplicar”, “conceber”, “executar”, etc. Hoje é tudo “implementar”. Já encontrei mais do que uma vez na internet a expressão “Implementação da República”.

Há 30 anos, sem a internet, tínhamos um número muito mais reduzido de emissores de mensagens e de plataformas através das quais fazer circular mensagens. Não é natural que quanto mais emissores maior seja a probabilidade de haver mensagens com erros?
Concordo. O problema é quando essa linguagem contamina a linguagem do jornalismo. Ou algum jornalismo. Exerci durante bastante tempo o ofício, tenho imenso respeito pelo jornalismo. Mas não é só isso. A linguagem de académicos e de políticos também está contaminada. Todos proclamam um grande amor à língua portuguesa, mas sempre que podem usam uma palavra estrangeira em lugar da palavra portuguesa. Os mais altos dignitários do Estado escrevem erros, não têm a preocupação de dar a outros para verem antes.

Mas se mais emissores fazem aumentar os erros…
As pessoas devem ter toda a liberdade de expressão. Devem poder escrever como quiserem e dizer tudo o que quiserem, desde que não incorram em crimes. Estou a dizer que pessoas vistas como referências nacionais, na academia, na política, no jornalismo, deveriam ter um cuidado maior com a língua e um conhecimento maior da língua.

E não têm porquê?
Porque a língua portuguesa hoje não é valorizada. Leio notícias — na minha cabeça tenho um certo órgão de comunicação social, não me apetece dizer qual é — e penso se aquilo não terá passado por um tradutor automático. Não se percebe a frase, as palavras são encaixadas a martelo.

Falta de revisão?
Isso é um grande problema. O número de revisores não é suficiente, o tempo que é dado à revisão… Estou a falar dos jornais como poderia estar a falar dos livros. O tempo é muito curto.

É tão curto para a revisão quanto é para os autores.
Também. Mas repare: na televisão aparecem erros grosseiros de hora a hora. Já vi “hospitalizado” sem “h”. Nem vou dizer qual a estação. São erros primários, não estou a falar de grandes purismos. Não é só porque hoje temos mais canais e mais pessoas. Quando havia apenas dois canais, era notório que os habitantes do espaço público tinham outro conhecimento da língua e outro primor. Sabe qual é o problema deste tipo de conversa? Se disser que gosto da escrita de tal pessoa ou de como tal político fala, as pessoas associam sempre a uma valorização política. Consigo apreciar a escrita sem apreciar a mensagem que transporta. Posso ler um texto que ideologicamente esteja nos meus antípodas e dizer que é um texto bem escrito.

Está a falar dos discursos de Salazar?
Não é propriamente assim. Até acho que se atribuem méritos excessivos à qualidade dos discursos de Salazar. Não estou a dizer que escrevesse ou falasse mal, mas acho que é excessiva a valorização que vejo. Posso exemplificar pela positiva: o Baptista Bastos e o Vasco Pulido Valente. Notava-se que tinham uma grande preocupação. O Pulido Valente, então, tinha a capacidade de dizer em 10 palavras o que outros precisam de dizer em 200.

"Horroriza-me que um autor como Pedro Chagas Freitas, que nunca vi na vida, seja um autor tão vendido. Uma vez um jornalista pediu-me uma tarefa que não desejo ao meu pior inimigo: ler um livro de Pedro Chagas Freitas."

Atualmente, quem da nossa vida pública mais mal usa a língua portuguesa?
A resposta é fácil: Jorge Jesus. Provavelmente queria que dissesse um político. Dizer um só…

O Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa é um cultor da língua, ou não?
Respeitosamente, discordo.

Já agora: é “mais mal usa” ou “pior usa”?
“Mais mal” está certo. O problema do “mais mal “ e “mais bem” é quando utilizamos “pior” ou “melhor” antes de um particípio passado. Por exemplo: “O prato melhor confecionado”. Como “confecionado” é particípio passado”, deve usar-se “mais bem”.

E outros exemplos? Que figuras públicas se expressam especialmente mal?
Horroriza-me que um autor como Pedro Chagas Freitas, que nunca vi na vida, seja um autor tão vendido. Uma vez um jornalista pediu-me uma tarefa que não desejo ao meu pior inimigo: ler um livro de Pedro Chagas Freitas.

Qual é o problema dele?
O problema dele é escrever.

A sintaxe está errada? Há erros ortográficos?
É um repositório de lugares-comuns.

Mas isso é uma sensação de falta de qualidade, não são erros de português.
Erros também há.

Mas está a falar sobretudo no plano estético.
Estético, de densidade.

É muito fácil criticar esse autor, porque é um alvo já batido. Ele, Margarida Rebelo Pinto, José Rodrigues dos Santos. São autores que muita gente já atacou. Quer partilhar connosco nomes menos óbvios?
Há um aforismo de um autor chamado José Alberto Braga que reza assim: “Muita ignorância requer um certo esforço”. Cito de memória: uma vez um jornalista pediu a Jorge Jesus um adjetivo para descrever um jogo. E ele respondeu: “Falhámos”. Há nisto um lado cómico.

E o primeiro-ministro?
É conhecido, e reconhecido pelo próprio, que na oralidade come muitas sílabas. Se recuarmos… António Guterres falava melhor do que fala António Costa. Jorge Sampaio tinha discursos com alguma qualidade do ponto de vista da prosa. Com Cavaco Silva não havia tanta qualidade, mas com Marcelo há mais do que com Cavaco.

"Há quem escreva 'oção' em vez de 'opção'. Estas hipercorreções estão a produzir aberrações"

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Parece sugerir que o tempo acelerado que vivemos é que determina a degradação no uso da língua.
Isso e as tecnologias. As pessoas, no WhatsApp, no Facebook, no Instagram, por aí fora, dispensam os acentos e as preposições, o que vai contaminar a escrita fora destas plataformas.

Fala disso no livro: crianças que dizem “quero ir casa de banho”.
Conheço pessoas de uma geração mais velha, que decidiram fazer mestrado, e que me disseram que os colegas jovens escreviam os trabalhos com abreviaturas. São testemunhos que me chegam.

Isto começou a piorar quando?
O novo Acordo Ortográfico veio baralhar tudo. Não é a única causa, mas desde aí que estamos numa salgalhada. As pessoas já não sabem se a palavra leva “p” ou “c”, se é ou não com hífen. Consoante o dicionário que consultam, assim é a regra. Os próprios dicionários e prontuários registam diferentes possibilidades para as palavras “acordizadas”.

Mas o Acordo Ortográfico prevê situações facultativas.
Mas há aqui um aspeto diferente. Este Acordo Ortográfico estabelece a ortografia com base na pronúncia. Este elemento, que é novo, não tem valor científico. Ninguém definiu até hoje o que é a pronúncia culta. Onde mora a pronúncia culta?

A ideia da pronúncia culta é usada há muito tempo pelos linguistas. Algum critério científico haverá.
Mas a prova de que escrever de acordo com a pronúncia não funciona está em que os próprios dicionários e prontuários que seguem o Acordo Ortográfico não se entendem. O Acordo Ortográfico começou a ser aplicado em 2011, estamos em 2022, e ainda ninguém tem a certeza de como se escrevem as palavras. O que vemos hoje não é a aplicação do Acordo Ortográfico, é uma mistura do Acordo Ortográfico de 1945 com o Acordo Ortográfico de 1990. E com hipercorreções. Por exemplo, o “fato”, quando “facto” deve continuar a ser “facto”. Hoje está disseminadíssimo o “fato” e o “contato”.

Qual é o problema?
O problema é que é um erro ortográfico.

"Temos um bom instrumento de ortografia, que é o Acordo Ortográfico de 1945. Regressemos a ele. Também acho que há uma obsessão com os acordos. Mas, sendo pragmático, qual é a luta que devo travar neste momento? A do regresso à ortografia de 1945. Só depende da vontade política, que não existe."

Mas a mistura de grafias do Acordo Ortográfico de 1945 e do Acordo Ortográfico de 1990 é um crime de lesa-pátria?
Essa mistura tem outra componente: a criação de palavras por hipercorreção. As pessoas tiram o “c” e o “p” em palavras como “núpcias”. Isto está documentado. Há quem escreva “oção” em vez de “opção”. Estas hipercorreções estão a produzir aberrações.

Será assim tão diferente de hipercorreções do passado, como “melhor confecionado”?
Podemos sempre dizer que antes já havia erros. Mas o Acordo Ortográfico de 1990 introduziu mais erros. São erros novos que até se refletem na escrita de quem utiliza palavras estrangeiras. Já vi o conjunto musical One Direction grafado como One Diretion, sem “c”.

Defende uma revisão do Acordo Ortográfico de 1990? Ou a revogação da aplicação?
Revogação.

Acredita mesmo que é possível voltar-se atrás?
Claro que sim. Já se passaram mais de 10 anos e os erros não cessam, são crescentes.

Mas se voltássemos ao Acordo Ortográfico de 1945 teríamos novo período de adaptação e de convívio entre duas grafias. Ou seja, a revogação levaria a nova instabilidade da norma.
Há uma coisa curiosa: as pessoas que escreviam com o Acordo Ortográfico de 1945 não faziam mistura de normas. Não acha estranho?

Mas não estamos numa fase de transição?
E demora quanto tempo?

Os linguistas é que podem esclarecer isso.
Hoje temos mais “contatos” e “fatos” do que no ano em que o Acordo Ortográfico de 1990 entrou em vigor. Portanto, o problema tem vindo a acentuar-se.

Porque é que Portugal tem de ter um Acordo Ortográfico? Há países que prescindem desse instrumento. Em Inglaterra, salvo erro, são os dicionários que estabelecem a norma.
É uma pergunta que deve ser feita a sucessivos governos e Presidentes da República. E à Academia das Ciências, que nunca deu resposta aos argumentos dos antiacordistas.

Mas o antiacordistas, grosso modo, não defendem a extinção de todos os acordos. Defendem um regresso ao Acordo Ortográfico de 1945 e às alterações da década de 70. Portugal poderia em última análise prescindir de um Acordo Ortográfico?
Poderia, mas cada país tem a sua história. Tendemos a olhar para fora e a querer importar modelos. As coisas não são assim tão simples. Sou apologista de uma coisa: temos um bom instrumento de ortografia, que é o Acordo Ortográfico de 1945. Regressemos a ele. Também acho que há uma obsessão com os acordos. Mas, sendo pragmático, qual é a luta que devo travar neste momento? A do regresso à ortografia de 1945. Só depende da vontade política, que não existe. O PS é o partido mais resistente à ideia da revogação.

"Há palavras que Camilo Castelo Branco utilizava e que hoje nem aparecem nos dicionários atuais, o que significa que as pessoas deixam de ter chaves de decifração das obras de autores clássicos."

Teme ser considerado conservador ou até reacionário?
Não. Hoje a forma mais fácil de bater em alguém é o recurso ao rótulo. Mas as coisas estão tão tribalizadas, sobretudo por causa das redes sociais, que até os rótulos perdem força.

Não usa abreviaturas quando envia SMS?
Procuro não o fazer.

Diz “tou” e “’bora”?
Honestamente, procuro não o fazer. Tenho de citar Cristo: aquele que estiver sem pecado, que atire a primeira pedra.

Na sua escrita parece gostar de palavras raras, de expressões pouco comuns. É uma estratégia para reavivar a língua?
Sim, sim. Dá-me especial prazer usar palavras e regências verbais que têm um uso cada vez menor.  Pela singela razão de que se hoje relermos textos de outros tempos… Há palavras que Camilo Castelo Branco utilizava e que hoje nem aparecem nos dicionários atuais, o que significa que as pessoas deixam de ter chaves de decifração das obras de autores clássicos. Uma forma de evitar que as palavras sejam expulsas dos dicionários é precisamente o uso pelos escreventes e pelos falantes.

Como é que um revisor convive com os revisores dos seus livros? Fica enervado?
Agradece-lhes muito. Não há conflito. Quem escreve nunca tem olhos virginais perante o seu texto. Ou seja, precisa da virgindade do olhar de quem não tem o texto na cabeça, para assim se detetarem problemas.

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