Margarida Marques mantém-se otimista sobre o futuro da União Europeia, mas afirma que não é ingénua em relação aos problemas que as instituições enfrentam. Como secretária de estados dos Assuntos Europeus, deparou-se inicialmente em Bruxelas com um clima de desconfiança que agora se traduz, diz, numa “confiança completa” da Comissão Europeia no governo português. Sobre o debate da renegociação da dívida, pedido pelos partidos à esquerda do PS e por alguns membros do próprio partido, a governante afirma que não será Portugal a colocar “a questão na agenda política europeia”.
Em entrevista ao Observador, Margarida Marques, que foi durante vários anos funcionária da Comissão Europeia — chegou mesmo a dirigir o gabinete da representação da Comissão Europeia em Portugal — garante que Portugal está a procurar “sempre usar toda a flexibilidade existente” dentro das instituições e que tanto o Programa de Estabilidade como o Plano Nacional de Reformas (PNR) já foram alvo de discussão com Bruxelas, estando agora “confiante” que passarão no crivo da Comissão.
Nos últimos anos Portugal esteve sob fortes medidas de austeridade e essa carga ainda se mantém. Isso foi fruto do resgate da troika e dos constrangimentos impostos pela União Europeia?
Estes quatro anos, do meu ponto de vista, foram o resultado de uma opção política e de um programa político. O que nós temos ao nível europeu é uma coordenação económica, que é normal. Essa coordenação está prevista e desenhada no Tratado. Referindo mais especificamente a União Económica e Monetária e os países que aderiram à moeda única, tem de haver uma cooperação mais apertada nesses países. E é nesta cooperação — que designamos de Semestre Europeu — que tem de ser entendido um conjunto de critérios que são fixados no momento em que é criada a moeda única. Compete a cada Estado-membro definir as suas políticas para atingir esses objetivos. É aqui que a questão está. Quando os Estados-membros definem as suas políticas para atingir estes objetivos, estão a fazer política. Senão, não se justificaria o funcionamento democrático e defendemos esse funcionamento democrático. Os Governos são escolhidos com base no seu programa político e devem ter condições para respeitar esse programa político respeitando os compromissos. Mas não há uma via única e onde está a margem de manobra dos Governo na UE é na definição das suas políticas para atingir aqueles objetivos.
Dentro dos partidos que apoiam o atual Governo, tanto o BE como o PCP criticam abertamente os limites europeus, mas o PS não fica à margem dessas críticas. O próprio PS pensa que o Programa de Estabilidade é um travão de ambições. Em alguma medida as metas europeias condicionam as políticas, ou não?
Condicionam porque há objetivos a atingir, mas o caminho para os atingir compete ao Governo. Penso que a ideia que se deu com o Governo anterior é que havia uma via única, mas não há uma via única. A margem de escolha é limitada, sem dúvida, mas há sempre uma escolha. No que diz respeito ao Semestre Europeu, há pilares em torno dos quais cada Estado-membro deve elaborar o seu PNR e o seu Programa de Estabilidade que são a questão orçamental e a continuação das reformas para animar a economia, junta-se um outro pilar que é a valorização da dimensão social e do emprego. Estas são as linhas em que o Governo fixa as suas prioridades: qualificação das pessoas, inovação na economia, valorização do território, modernização do Estado, aumentar a coesão social e criação de condições para a consolidação financeira das empresas. São opções políticas que estão enquadradas nos objetivos europeus. É na fixação destes seis eixos que o Governo faz a sua escolha.
Mas as negociações para o Orçamento não mostraram que a margem de manobra é cada vez mais curta?
A margem de manobra existe sempre. Nesta fase de preparação do PNR e do Programa de Estabilidade existe sempre um trabalho continuado entre os Estados-membros e a Comissão. E Portugal realizou duas reuniões entre os serviços da Comissão e a administração portuguesa e está já uma reunião prevista para o próximos dias.
Reuniões de preparação para estes dois documentos?
Para preparação dos documentos e agora para a discussão dos documentos. Reuniões com uma equipa interdisciplinar da Comissão Europeia e uma equipa interministerial da parte portuguesa.
Ou seja, o que chegar lá não vai ser novidade.
Não vai ser novidade, já houve discussão.
Desse ponto de vista, têm alguma garantia que o que lá está vai ser aceite com tranquilidade pela Comissão?
Nós temos essa esperança, porque o trabalho foi feito.
Dentro deste tipo de negociações, afirmou anteriormente que era importante Lisboa mudar a relação com Bruxelas. Mas já sentiu que Bruxelas também mudou de atitude em relação a Lisboa?
Senti. Inicialmente criou-se uma atitude de desconfiança nos primeiros dias. Eu diria que foi uma desconfiança induzida por quem achava que podia beneficiar desse ambiente de desconfiança, mas esse ambiente desapareceu e hoje, desde que este Governo iniciou funções, tem havido um esforço muito grande de explicar junto da Comissão qual é estratégia do Governo, designadamente assumir as responsabilidade definidas pelos tratados. Há empenhamento do Governo português nessa matéria e em cumprir o Orçamento. E isso tem criado um clima de confiança. Isto significa que não voltará a haver dificuldades? Certamente que sim, connosco e com todos os Estados-membros. A Comissão é a guardiã dos Tratados e tem que dialogar com os Estados-membros para que os objetivos orçamentais sejam atingidos.
Há pouco disse que quando começaram a ter reuniões com a Comissão havia desconfiança. Essa desconfiança foi induzida por quem?
Eu penso que o Governo anterior na relação com a Comissão e no âmbito da sua família política não fez o corte entre o Governo e a oposição. Nessa matéria usou a sua família política europeia para induzir posições desta natureza. Mas essa questão está claramente ultrapassada. Há uma confiança completa da Comissão Europeia e da instituições no Governo português.
Mas essa desconfiança deve-se também ao facto de os partidos que apoiam o Governo no Parlamento serem anti-europeístas…
Não, não vem dos partidos à esquerda do PS.
Mas essa desconfiança poderá ter sido induzida devido a essa aliança?
Não necessariamente por isso. Hoje em dia, o discurso que se faz em Portugal é imediatamente conhecido em todos os Estados-membros e, portanto, essa era uma das linhas de ataque na transição do Governo e é natural que fosse conhecida. Outra questão tem a ver com a imagem que se procurou criar de que nós estávamos a reverter políticas. Eu própria fui confrontada em Bruxelas com a questão dos salários dos funcionários públicos. Diziam-me: “Mas o Governo português já aumentou os salários da função pública”. Eu dizia: “Não é verdade. O Governo português não aumentou os salários, limitou-se a cumprir uma decisão do Tribunal Constitucional no sentido de ter aceitado os cortes nos salários durante o memorando e deveria depois haver uma restituição dos salários”. E há outros exemplos.
Nos contactos que estabelece, não sente que há uma questão pelo facto de haver partidos anti-europeístas a apoiar o Governo?
Não.
Nunca?
Nunca se coloca porque não somos os únicos. Há Governos na Europa com características semelhantes. Todos os partidos têm legitimidade para entrarem em Governos e apoiar Governos. É a primeira vez que acontece em Portugal, mas há imensos países onde isto acontece.
Tem noção de que a sua pasta dentro da aliança em Portugal traz muitos temas fraturantes a este apoio parlamentar? Como é que lida com isso?
As questões europeias são uma parte importante do programa do Governo. Não só pelas questões em si, mas também pela implicação na legislação e na decisão política ao nível nacional. As questões europeias são parte integrante do programa do Governo e o Governo esforça-se por cumprir o seu programa. Os acordos com o PCP, com o Bloco de Esquerda e com os Verdes abrangem exatamente as áreas definidas em cada um deles, onde não estão as questões europeias. Tem sido evidente, em alguns momentos, posições diferentes relativamente a políticas europeias. No caso dos refugiados, há uma dimensão em que todos estamos de acordo: haver uma participação ativa de Portugal na receção dos refugiados e de recebermos mais refugiados. E é isso que interessa valorizar. Até este momento, independentemente das diferentes posições a nível europeu, isso nunca perturbou a legislação. Reúno com os líderes das famílias políticas europeias dos diferentes grupos políticos e tentamos discutir abertamente as divergências e até as questões em que nunca chegaremos a acordo, mas temos de lidar com essa divergência.
Os eurodeputados do PCP no Parlamento Europeu assinaram uma declaração com outros eurodeputados de outras famílias políticas, incluindo uma eurodeputada da família do PS, que defende a reestruturação da dívida. E Jerónimo de Sousa pediu no Parlamento a renegociação da dívida e a revogação dos tratados europeus. Qual é a posição do Governo português?
A posição do Governo é a sua posição e o Governo é um Governo do PS. Não é o somatório das posições do Governo mais dos grupos que o apoiam na Assembleia da República. Na questão da dívida, o primeiro-ministro foi muito claro. Há um grupo de trabalho sobre essa matéria…
Com o Bloco de Esquerda.
E o grupo de trabalho está a trabalhar.
Mas isso é cá. E quando a questão se colocar em Bruxelas?
Exato, esta é a questão interna. Uma questão diferente é qual é a posição que Portugal tem sobre a renegociação da dívida e a posição do Governo é que não colocaremos a questão na agenda política europeia. Mas essa questão, a ser discutida, deverá ser colocada ao nível europeu. Deve haver uma iniciativa das instituições europeias no momento em que se entender que a questão da dívida europeia é um problema para a União Europeia.
Não através da via que o PCP está a defender?
Não, porque a questão da dívida dos países tem uma dimensão europeia. Não somos nós que vamos colocar o problema da dívida de Portugal. Haverá um momento, se houver, em que a questão da dívida a nível europeu deve ser colocada e discutida a nível europeu. Se essa declaração vai abrir o debate da questão a nível europeu? Como sabe, a experiência que temos das iniciativas no âmbito do Parlamento Europeu mostra que muitas vezes não têm grande valor no início e fazem o seu caminho. Outras vezes acontece o contrário. Iniciativas com dimensão importante por vezes não chegam a nenhum processo de decisão política.
O debate sobre a dívida pode chegar já ao Eurogrupo na primeira avaliação da programa de resgate à Grécia e, para além disso, há também a expectativa da flexibilização de metas económicas por países como Itália. Como é que Portugal pretende aproveitar isto a seu favor?
Portugal já está a aproveitar isso a seu favor, usando a sua expressão. Mas fundamentalmente o que nós temos procurado fazer desde o início é, no princípio do respeito das regras, procurarmos sempre usar toda a flexibilidade existente. Também sabemos que temos mais capacidade para recorrer à flexibilidade se conseguirmos mostrar que estamos a cumprir as nossas obrigações em matéria orçamental. A negociação da flexibilidade também exige confiança e penso que é aí que temos progredido. Dou o exemplo do plano Juncker, que é um programa a que Portugal e outros países têm tido dificuldade em recorrer. Porquê? Se analisarmos este plano, constatamos que há uma dificuldade imensa de que países periféricos e economias mais frágeis possam aceder a esse programa, mas temos dois aspetos: o primeiro é que entendemos que a Comissão Europeia está empenhada em que o programa tenha sucesso e nós temos estado a procurar negociar, quer com a Comissão quer com o BEI (Banco Europeu de Investimento), uma utilização flexível das regras que permita que Portugal possa colocar projetos neste programa. Criticamos Portugal porque ainda não conseguiu colocar projetos neste programa, mas porquê? Porque é muito difícil aceder a este programa pelo montante mínimo, 25 milhões de euros, e pelo investimento público, já que estamos num momento de corte de despesas. Aquilo que estamos a procurar fazer é encontrar condições para incluir projetos portugueses. E temos alguns projetos, mas que ainda não foram apresentados.
Em que áreas?
Na área do regadio, na área dos transportes e na área ambiental. O grande desafio aqui é, dada a dimensão do projeto, conseguir encontrar projetos com dimensão alargada.
Falámos há pouco da Grécia. António Costa esteve há pouco tempo na Grécia — a própria secretária de Estado também lá esteve há pouco tempo — e assinou uma declaração conjunta com Alexis Tsipras contra a austeridade. Esta visita faz parte de uma nova política de alianças? E como que é que um aliado do anterior Governo, como a Alemanha, olha para estas novas alianças?
O que António Costa assina com Tsipras é uma declaração conjunta no final de um encontro, algo que é normal. Quando o primeiro-ministro visitou Angela Merkel também foram feitas declarações pelos dois no final do encontro. A primeira visita que o primeiro-ministro português faz na UE é ao primeiro-ministro da presidência do Conselho da União Europeia, portanto à Holanda. A segunda que faz é à senhora Merkel na Alemanha e a terceira que faz é à Grécia. Portanto, há do ponto de vista do posicionamento de Portugal uma discussão aberta com todos os Estados-membros da União Europeia. Não há nenhum país que sozinho possa ter sucesso na UE. A Grécia provou-o e a tradição do funcionamento interno da UE aponta claramente nesta matéria. Quando um primeiro-ministro tem uma ideia brilhante a nível europeu, tem duas estratégias: uma é chegar ao Conselho Europeu e apresentar essa ideia, outra é antes do Conselho Europeu falar com os seus pares no sentido de avançar com uma iniciativa conjunta. A história ensina-nos que a segunda metodologia tem bastante mais sucesso do que a primeira.
Isso indica-nos que pode estar a começar alguma iniciativa desse género? O documento assinado contra a austeridade é uma promoção dessa ideia?
Não. O que temos estado a fazer é reunir com vários países no sentido de discutir uma alternativa a nível europeu que permita sair da situação em que grande parte dos países da UE se encontram pós-programas de memorando ou outras situações, como acontece em Itália, Espanha ou França. O que temos de encontrar é uma alternativa que possa promover nestes países uma maior solidariedade e que combata as desigualdades sociais que se acentuaram na União Europeia.
Fazer isso ao lado da Grécia não é deitar a toalha ao chão logo desde o início?
Mas é que não estamos a fazer isto só ao lado da Grécia.
É que a Grécia não foi bem-sucedida nisso.
Foi a convite do primeiro-ministro grego e é assim que se fazem as relações bilaterais.
Se o Governo defende um caminho de crescimento por oposição à austeridade, a verdade é que a Grécia não o conseguiu.
Mas o facto de o primeiro-ministro ir à Grécia depois de visitar a senhora Merkel insere-se num conjunto de visitas que ele fará aos seus pares. Mas há também um trabalho feito pelos membros do Governo e pelas embaixadas portuguesas junto de vários países no sentido de se procurar posições e estratégias conjuntas. Um exemplo disso é que a Comissão Europeia lançou no final de março uma iniciativa para a valorização da dimensão social da União Económica e Monetária no sentido de se fazer um debate público. Aquilo a que temos assistido é que no âmbito desta união falamos muito em finanças públicas sãs, na necessidade de promover o crescimento económico, mas temos ouvido falar menos do pilar social. Nós precisamos de participar neste debate público e discutir com outros países como é que este pilar pode ser valorizado. Esse debate é sempre um trabalho entre países.
Essa posição mais social não vingou na Grécia.
A Grécia, de certa forma, agiu sozinha. O que temos estado a fazer e a trabalhar é criar alianças que não se esgotam nos países periféricos, mas que se fazem também com países do Norte, com a Europa Central.
E em que ponto é que isso está? Quando é que vai haver uma posição concertada para mudar essa linha? Os tratados continuam lá, com as mesmas metas.
Como as constituições continuam nos países e nós, para mudarmos de política, não temos que mudar de Constituição. Neste momento, estamos a discutir as perspetivas financeiras pós-2020, ou seja, o orçamento da União a partir de 2020. Aqui temos várias questões: a flexibilidade, os fundos estruturais, o valor acrescentado europeu, como é que vamos pensar os recursos próprios da UE — se vamos manter-nos no 1% do PIB ou se vamos conseguir encontrar fontes alternativas de financiamento da UE. Fizemos uma primeira discussão ao nível do Conselho de Assuntos Gerais e estamos a discutir questões que interessam a Portugal, como outros países vêm ter connosco para discutirmos assuntos que lhes interessam. Recentemente, o senhor ministro das Finanças assinou uma carta com outros sete colegas com propostas muito concretas ao Eurogrupo. Agora vão lá estar a discutir como se pode dar sequência a essa proposta. Quando o primeiro-ministro enviou uma oferta bilateral em matéria de refugiados à Grécia, Itália, Áustria, Alemanha e à Suécia, porque escolheu estes países? Porque são os seus maiores aliados? Não necessariamente, mas porque eram os países que naquele momento estavam numa situação mais complexa. Estas alianças fazem-se em geometria variável, em função dos interesses políticos e é assim que se constrói o processo de decisão ao nível europeu.
Falando em política de refugiados, o que é que está a falhar? Portugal está à espera de entre 4 a 5 mil pessoas e há muitos migrantes presos na Grécia devido ao encerramento da rota dos Balcãs. As pessoas não querem vir para Portugal ou há falhas no terreno?
O que podemos concluir é que está muita coisa a falhar. A situação dos refugiados na Europa é uma situação que interessa resolver com enorme urgência e quando eu falava de solidariedade nas política sociais, essa mesma solidariedade se coloca na política dos refugiados. Há uma enorme urgência em resolver a paz na Síria. A Europa deve ter uma atitude de maior abertura relativamente aos refugiados. Não faz sentido que seja a Grécia, um país em crise, que esteja a resolver o problema dos refugiados. Nós quando fomos à Grécia numa visita organizada pela presidência do Conselho, foi também uma expressão de solidariedade para com Grécia. O problema dos refugiados é um problema europeu, não é um problema grego. O que está a falhar é o ritmo necessário para o reconhecimento do estatuto de asilo às pessoas que se encontram na Grécia e isso é uma questão de equilíbrio entre aquilo que são os direitos das pessoas que estão nos campos de refugiados e a necessidade de os cidadãos candidatos a refugiados poderem estar em condições formais de irem para outros países. Da parte portuguesa já há técnicos do SEF no terreno, outros países também têm enviado técnicos. Mas ainda não conseguiram encontrar um ritmo para responderem aos pedidos.
E quando é que se prevê a normalização desse processo?
Não tenho qualquer ideia relativamente a prazos nessa matéria. Tem havido um esforço por parte da UE e de alguns países no sentido de pressionar na solução do problema, mas continua a não haver a resposta necessária.
A União Europeia tem sido muito criticada em relação ao acordo que fez com a Turquia. A Turquia é a solução para este problema e o que é que se deu à Turquia em troca de um maior controlo dos refugiados?
A primeira iniciativa da UE foi no sentido da repartição dos refugiados por vários países, com ou sem quotas, mas falhou. Esse seria o nosso plano A e o plano B é o acordo com a Turquia. E este acordo tem de funcionar. Há um instrumento de monitorização mensal deste acordo sobre a forma como os refugiados estão a ser tratados e havia um conjunto de pressupostos, nomeadamente que a Turquia devia alterar as suas regras de asilo e devia pôr a funcionar os serviços de apoio aos refugiados. O Parlamento turco já decidiu isto e nós tivemos uma reunião com o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) em Istambul e tivemos a confirmação de que o trabalho já tinha sido feito. Há a questão do controlo das águas do Mar Egeu e a NATO está também no terreno. Há ainda dois aspetos importantes. Um deles tem a ver com a ajuda financeira à Turquia para receber os refugiados. Esta ajuda não é um envelope financeiro. À medida que a Turquia vai apresentando projetos, por exemplo, no acesso à saúde ou educação dos refugiados, há o financiamento desses projetos. O outro aspeto é a capacidade observar no terreno como as coisas se estão a fazer e a presidência do Conselho vai organizar uma segunda missão para percebermos no terreno o que se está a desenvolver. Demos à Turquia a reabertura de alguns capítulos do processo de adesão e essa é a moeda de troca da Turquia. Não significa que haja tolerância para com a Turquia e os valores fundamentais do Estado de Direito e dos seus cidadãos são de aplicação para toda a União Europeia, incluindo para os países candidatos.
Se do ponto de vista social temos a crise dos refugiados como problema urgente, no lado político há um referendo a 23 de junho em que o Reino Unido decide sobre a saída da UE. Portugal tem uma grande comunidade neste país. Portugal tem algum plano preparado caso o voto seja favorável à saída do Reino Unido?
O que os britânicos vão votar é a sua manutenção na União Europeia. Se o Reino Unido decidir continuar, nada muda, a não ser as implicações que decorrem do pacote que lhe foi oferecido na perspetiva de poder continuar na União Europeia. Caso o Reino Unido saia da União Europeia, isso está a ser equacionado ao nível da própria União, mas é uma questão prematura analisarmos o impacto da saída do Reino Unido em Portugal. A questão primeira é o impacto na União Europeia, mas eu espero que não cheguemos a essa situação nem tenhamos de fazer essa discussão.
Continua otimista em relação ao futuro da União Europeia?
Continuo otimista em relação ao futuro da União Europeia e devo dizer que num destes dias dei comigo a pensar em duas situações de crise que a UE viveu e que contribuíram para uma melhoria das políticas europeias. O primeiro caso é quando é criada a política de Assuntos Internos e Justiça com o comissário António Vitorino e o que permite que se estabeleça um programa é a crise na Holanda, quando é morto o cineasta holandês. Outro caso foi o corte do abastecimento de gás à Europa Central. Antes era um tabu falar-se numa política comum de energia e foi durante a presidência britânica na sequência dessa crise que se estabeleceu uma política de energia para a Europa. O meu otimismo, que não é ingenuidade, é exatamente a confiança que tenho que com esta crise seja possível os Estados-membros encontrarem soluções para que a Europa possa ultrapassar a crise de uma forma mais forte. O caso do acordo entre os Estados-membros, que para alguns países foi um esforço muito grande, para dar pacote de medidas ao Reino Unido revela uma solidariedade grande entre os Estados-membros para encontrarem soluções para o problema. É nestes casos concretos que eu posso ancorar o meu otimismo.
Veja aqui a entrevista na íntegra: