895kWh poupados com a
i

A opção Dark Mode permite-lhe poupar até 30% de bateria.

Reduza a sua pegada ecológica.
Saiba mais

As arguidas arriscam a pena máxima de prisão
i

As arguidas arriscam a pena máxima de prisão

As arguidas arriscam a pena máxima de prisão

Mariana confessa que ajudou a namorada a livrar-se do corpo de Diogo. "A pessoa que mais amava tinha acabado de matar outra"

Mariana nega culpa na morte de Diogo Gonçalves e diz que não assistiu a desmembramento. Admite que só ajudou namorada "movida pela emoção". "A pessoa que mais amava tinha acabado de matar outra".

    Índice

    Índice

Quase um ano depois do crime, Maria Malveiro parece querer saber se Mariana Fonseca ainda a ama. O olhar fixado nela aparentava ser o de alguém à procura dessa resposta. Até pelas vezes que o fez no pouco tempo que esteve dentro da sala de audiências no Tribunal de Portimão. É que Mariana não só não lhe correspondeu a troca de olhares como não quis que sua ex-namorada estivesse na sala na altura em que contaria às três juízas como Diogo Gonçalves, de 21 anos, foi morto e o que fizeram ao corpo dele. Não se sentia “à vontade”, nas palavras do seu advogado.

Já com a segurança de 20 anos fora da sala, Mariana não ficou outra coisa senão “à vontade”. Num discurso assertivo e bem estruturado, a enfermeira quatro anos mais velha que a ex-namorada relatou os cinco dias em que os crimes aconteceram, em março do ano passado. E as vezes em que, ao longo desse período, Maria lhe perguntou se ainda a amava.

A primeira vez aconteceu quando Mariana se apercebeu que Diogo tinha morrido. “Ele estava a ficar muito pálido e estava cheio de marcas no pescoço“, descreveu. Nessa altura, a então namorada ter-lhe-á perguntado se podia fazer “alguma coisa”. Mariana tentou sentir-lhe a pulsação “em vários sítios”, mas sem sucesso: não parava de tremer de nervos. “Só pensava que ele estava morto. A Maria começou a ficar assustada a perguntar se ainda a amava. Ela disse-me: ‘Pelo menos, ajuda-me a limpar isso. Fui eu que fiz tudo, não tens culpa de nada, eu vou assumir isso‘”, recordou ao tribunal.

O julgamento decorreu no Tribunal de Portimão

Virgílio Rodrigues / Algarvephotopress / Global Imagens

A alegada promessa não lhe valerá de muito. Mariana está, até agora, em pé de igualdade com a ex-namorada no que diz respeito aos crimes pelos quais respondem e à possível pena que arriscam: 25 anos de prisão. Mas a enfermeira quis evidenciar que há diferenças entre o papel que ambas tiveram na história. E não só: optou por falar, ao contrário da ex-namorada que ficou para já em silêncio, também para pedir “perdão”. “Quero pedir perdão por todos os atos. Se pudesse voltar atrás, teria feito muitas coisas diferentes. Não estava a pensar com razão. Fui movida pela emoção“, começou por dizer.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Enfermeira acusada de matar amigo no Algarve pede “perdão”. E afirma que companheira também lhe apertou o pescoço

Apesar de negar responsabilidade na morte de Diogo Gonçalves, a enfermeira admitiu que só o facto de ter ficado “quieta a olhar” para a forma como o seu corpo foi deixado é “suficiente para ser uma atitude horrível” — Diogo foi, segundo apurou a investigação da Polícia Judiciária, desmembrado e as diferentes partes do seu corpo foram deixadas em várias zonas do Algarve. Mariana não mostrou só arrependimento: quis vincar isso várias vezes. Sabia o que queria dizer e para quem estava a falar — incluindo que devia tratar por “meritíssima juíza” as magistradas que vão decidir o seu futuro.

"Quero pedir perdão por todos os atos. Se pudesse voltar atrás, teria feito muitas coisas diferentes. Não estava a pensar com razão. Fui movida pela emoção",
Mariana Fonseca, arguida

Mas a arguida nem sempre conseguiu dar uma resposta às perguntas que lhe eram feitas, refugiando-se no facto de ter entrado “em pânico” e de ter ficado “sem reação” — disse até ter a “crença” de que se a ex-namorada lhe dissesse para se “atirar para um poço porque era seguro”, se “atirava”. Depois de ser ainda mais pressionada a explicar por que razão em nenhum momento não fez nada, Mariana apontou uma, acabando por responder assim à pergunta que Maria lhe fez ao longo daqueles dias e que pareceu naquela que foi a primeira sessão do julgamento querer fazer com o olhar: “A pessoa que eu mais amava tinha acabado de matar outra“. Só que Maria não estava na sala para ouvir.

“O que raio era aquilo?” Mariana reanimou Diogo, mas Maria terá voltado a apertar-lhe o pescoço

Depois de pedir “perdão”, Mariana Fonseca começou a responder às perguntas da juíza, que a ia confrontando com cada ponto da acusação. Garantiu que “não havia plano” para matar ninguém e nem sequer sabia que Diogo tinha recebido uma indemnização de mais de 70 mil euros pela morte da mãe — que morreu atropelada na zona de Albufeira, em 2016. No dia 20 de março do ano passado, a enfermeira tinha acabado de fazer o turno da noite e a então namorada foi buscá-la ao hospital onde trabalhava. Soube, ao aperceber-se que tinha havido “uma mudança no trajeto” que normalmente faziam, que se dirigiam à casa de Diogo Gonçalves — uma pessoa que tinha como amigo de Maria. A segurança explicou-lhe que o jovem, engenheiro informático, lhe ia “pôr umas colunas no carro”.

Lá chegadas, Maria entrou na casa, mas pediu a Mariana para ficar no carro — acabando até por “dormitar”. Só três horas depois é que a segurança saiu da casa e a chamou. “Acenou-me para sair. Pareceu-me que estava aflita e disse que precisava da minha ajuda. Entrei na moradia. Quando entrei, ele [Diogo Gonçalves] estava inconsciente no chão. Estava em cima de uma cadeira partida, amarrado com abraçadeiras”, relatou, acrescentando: “Assustei-me, fiquei em pânico e ela perguntou se podia fazer alguma coisa para ver se ele estava vivo”.

O caso foi investigado pela Polícia Judiciária

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Enfermeira de profissão, Mariana conseguiu reanimar o jovem — já o tinha feito, informou, em contexto de trabalho. Só que, quando Diogo ficou consciente, empurrou-a “com força”. “Fui projetada para trás. A Maria disse-me: ‘Sai daqui’. E eu saí. Fui para o quarto da frente. Não perguntei o que se estava a passar. Não tive reação, estava assustada, o que raio era aquilo?“, explicou, acrescentando que perante a insistência da namorada, não saiu do quarto. “Não assisti a nada. Só ouvi. Ouvi sons de coisas a arrastar, da cadeira a partir“, acrescentou. Mais tarde, Mariana acabou por sair do quarto. Foi nesse momento que se aperceberam que Diogo tinha morrido e foi nesse momento que Maria perguntou à namorada se ainda a amava.

“Tinha acabado de limpar a casa de uma pessoa que estava morta. Estava em pânico”

Perante a certeza de que Diogo estava morto, Maria terá, na versão de Mariana, pedido ajuda para limpar a casa. “Eu disse-lhe que não conseguia ficar numa casa com uma pessoa naquele estado“, relatou. “Morta?”, quis saber a juíza presidente Antonieta Nascimento. “Sim”, respondeu a arguida, acrescentando que a então namorada embrulhou a vítima num cobertor e levou o corpo para a casa de banho. “Nem sabia bem o que estava a limpar. Limpei o chão, as superfícies”, detalhou.

Pouco depois, Maria terá começado “a ficar preocupada” porque Diogo começou a receber mensagens de amigos. Nesse momento, a segurança terá trazido de novo o cadáver para a sala, que “embrulhou em sacos de plástico”. “Cortou-lhe os dedos. Mas se lhe disser que não conseguia ter razão para fazer nada? Não consegui fazer nada”, contou. A juíza insistiu em saber se Mariana não perguntou à namorada o porquê daquilo que acabara de fazer: “Devo ter perguntado, mas não me lembro. Tinha acabado de limpar a casa de uma pessoa que estava morta. Estava em pânico”, respondeu. Mariana garante que só mais tarde veio a saber que os dedos serviriam para desbloquear o telemóvel de Diogo.

"Devo ter perguntado, mas não me lembro. Tinha acabado de limpar a casa de uma pessoa que estava morta. Estava em pânico"
Mariana Fonseca, arguida

Mais tarde, contou, a namorada terá escondido o corpo no carro da vítima. Pediu-lhe ajuda para tal, mas Mariana disse-lhe que “não conseguia”. “Eu fui para a rua, ela foi buscar o Diogo com uma cadeira que estava junto à secretária e transportou o corpo até à bagageira”, disse, acrescentando que, além do cadáver, “colocou o saco onde estava a cadeira partida” e ainda “roupas” da vítima, a carteira, os dois telemóveis e “um instrumento musical”.

Homicídio no Algarve. Tribunal não permite que tia da vítima se constitua assistente

Seguiram viagem até à casa de ambas, em Algoz, no concelho de Silves: Mariana no carro de Maria e Maria no carro de Diogo, transportando na bagageira o seu corpo. Pelo caminho, recordou, a então namorada ligou-lhe. “Disse: ‘Tem calma. E sei o que fiz, não tens culpa de nada’. Depois fiquei sem bateria, fiquei em silêncio no carro a segui-la”, disse. À chegada, estacionaram os carros, deixaram o cadáver onde estava e entraram na sua casa — a casa dos pais de Mariana, onde ambas viviam.

Diogo Gonçalves tinha 21 anos e era engenheiro informático (FOTO: FACEBOOK)

Foi lá que Mariana tentou perguntar à companheira o que se tinha passado, mas “ela não quis dizer”. “Não é da tua conta”, terá dito. Depois terão ido, as duas, deitar ao lixo as roupas de Diogo Gonçalves bem como fazer dois levantamentos da conta bancária do jovem. “Foi nessa noite que ela me disse que tinha muito dinheiro na conta e que tinha recebido uma indemnização”, contou.

Mariana diz que foi “atacada” durante a noite pela namorada. Achava que a queria matar porque sabia “demais”

A juíza ia seguindo os pontos da acusação e confirmando cada um deles com a arguida, mas Mariana pediu ao tribunal para contar um episódio que aconteceu durante a noite e que descreveu como “relevante”. Começando por explicar que, na noite de 20 de março, a namorada “enrolou charros” porque não conseguiam dormir e “só depois” é que adormeceram, adiantou que, durante a noite, na cama, foi “atacada”:

— A meio da noite ela pôs os braços e pernas à sua volta — conta Mariana.

— O que isso tem de anormal? Não eram um casal? Não era normal? — perguntou a juíza Antonieta Nascimento.

Não quando os braços apertam o pescoço — respondeu a arguida.

Mariana questionou a namorada e confessou que, na altura, pensou que a estava a matar por saber “demais”. “Perguntei: ‘O que é isto?’. E pensei: ‘Sei demais. Olha, vou morrer’”, disse, adiantando que depois Maria lhe explicou que estava a ter um pesadelo. “Que raio de pesadelo. Eu fiquei assustada, para mim foi importante, meritíssima“, comentou.

Enfermeira garante que não viu a namorada a desmembrar amigo, mas “sabia, de certa forma” o que estava a ser feito

“Não estava presente”. A frase saiu a toda a velocidade assim que a juíza mencionou a palavra “desmembramento”. Mariana disse que nem sabe “onde foi feito”. “Não queria ver o Diogo”, justificou. Ainda assim, questionada pela juíza sobre se sabia o que a companheira estaria a fazer, a enfermeira confimou que desconfiava: “Sabia, de certa forma, mas achei que ela não era capaz. Disse-me que tinha de escondê-lo”. Maria não chegou, na tese de Mariana, “a dizer se o tinha feito ou não”. “Sabia que o corpo estava no carro, não sabia em que estado estava“, adiantou.

Nos dias seguintes, até 25 de março, a enfermeira confirmou que foram feitos vários levantamentos da conta de Diogo Gonçalves, bem como transferências via MB Way  — algumas para a sua conta bancária. Alguns dos levantamentos, admitiu, foram feitos por ela e entregou depois o dinheiro a Maria. Também confirmou que acompanhou a namorada, num carro separado, a várias localidades onde acabaria por deixar sacos com partes do corpo. “A Maria retirou o corpo do carro, arrastou e atirou. Saí do carro e fiquei a olhar para ela. Sabia que ela tinha partes do corpo do Diogo“, disse, acrescentando: “Só queria que isto acabasse. Não estava em mim. Só a acompanhei. Só a segui“.

"A Maria retirou o corpo do carro, arrastou e atirou. Saí do carro e fiquei a olhar para ela. Sabia que ela tinha partes do corpo do Diogo. Só queria que isto acabasse. Não estava em mim. Só a acompanhei. Só a segui"
Mariana Fonseca, arguida

Ao fim de quase três horas a responder às perguntas do tribunal, o Procurador da República tinha outras a fazer. Uma delas era sobre o facto de no primeiro interrogatório ter “apresentado uma versão diferente”. O magistrado queria saber se Mariana tinha uma “explicação para isso”. A arguida não lhe quis dar essa explicação: “Preferia que me indicasse as diferenças [entre as declarações] e eu dizia”. Ainda assim, foram ambos travados pela juíza presidente que os alertou para o facto de as declarações do primeiro interrogatório ainda não terem sido ouvidas.

No primeiro interrogatório Mariana tinha dito, por exemplo, que tinha visto a namorada a desmembrar o amigo e que, inclusive, ficou junto ao sensor da luz para que esta não desligasse. A enfermeira não deu, desta vez, uma explicação para as versões diferentes. Mas fê-lo quando foi ouvida na fase de instrução: explicou que “foi influenciada” por Maria, lê-se no despacho de pronúncia lido pelo Observador. Por um lado, agiu por “medo” dela, mas ao mesmo tempo “imbuída do sentimento amoroso”. 

Ofereça este artigo a um amigo

Enquanto assinante, tem para partilhar este mês.

A enviar artigo...

Artigo oferecido com sucesso

Ainda tem para partilhar este mês.

O seu amigo vai receber, nos próximos minutos, um e-mail com uma ligação para ler este artigo gratuitamente.

Ofereça até artigos por mês ao ser assinante do Observador

Partilhe os seus artigos preferidos com os seus amigos.
Quem recebe só precisa de iniciar a sessão na conta Observador e poderá ler o artigo, mesmo que não seja assinante.

Este artigo foi-lhe oferecido pelo nosso assinante . Assine o Observador hoje, e tenha acesso ilimitado a todo o nosso conteúdo. Veja aqui as suas opções.

Atingiu o limite de artigos que pode oferecer

Já ofereceu artigos este mês.
A partir de 1 de poderá oferecer mais artigos aos seus amigos.

Aconteceu um erro

Por favor tente mais tarde.

Atenção

Para ler este artigo grátis, registe-se gratuitamente no Observador com o mesmo email com o qual recebeu esta oferta.

Caso já tenha uma conta, faça login aqui.