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A ministra da Saúde, Marta Temido, participa na audição da Comissão de Saúde sobre os números de mortalidade em Portugal no ano de 2020, a contratação de profissionais para o SNS e o Relatório de Auditoria do Tribunal de Contas à resposta do SNS a doentes oncológicos entre 2017 e 2020, na Assembleia da República, em Lisboa, 14 de julho de 2022. MÁRIO CRUZ/LUSA
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Conversas de corredor já chegaram a outros partidos de esquerda

MÁRIO CRUZ/LUSA

Conversas de corredor já chegaram a outros partidos de esquerda

MÁRIO CRUZ/LUSA

Marta Temido vê com bons olhos megacoligação para enfrentar Moedas. Esquerda dividida

Líder da concelhia de Lisboa do PS diz ao Observador que quer "soluções partilhadas" com a esquerda, mas "não basta vontade de um". Socialistas em Lisboa dividem-se e veem muitos obstáculos no caminho

Faltam dois anos para as eleições autárquicas e o PS já faz contas de cabeça para perceber qual será a melhor forma de executar uma missão reconhecidamente difícil: derrotar o atual presidente da Câmara de Lisboa, o “incontestavelmente popular” (como se ouve no partido) Carlos Moedas. Para Marta Temido, presidente da concelhia de Lisboa e um dos nomes mais desejados para encabeçar a candidatura do PS em 2025, há um caminho que pode ajudar — e muito — os socialistas: a construção de um “caminho partilhado” com os partidos à sua esquerda que possa acabar por resultar numa megacoligação contra Carlos Moedas.

O assunto já faz parte das conversas de corredor da esquerda em Lisboa, no PS e não só, embora o grau de disponibilidade dos partidos para esse tipo de soluções varie bastante. Ainda assim, na cabeça da ex-ministra da Saúde as vantagens são claras: “Se olharmos para o passado, ele mostra que Lisboa tem progredido sempre quando a esquerda se une e quando tivemos soluções que permitiram esse trabalho em conjunto, até em situações anteriores à geringonça”, recorda em declarações ao Observador. “A História diz-nos que sim, que é uma boa solução”.

A esta distância, a líder da concelhia lisboeta assume que o PS “tem, obviamente, todo o interesse e disponibilidade para dialogar com as outras forças de esquerda”, assim como com forças independentes ou da sociedade civil — exemplo disso, frisa, é o “fórum Lisboa” que quer criar para ouvir e envolver vozes distintas, “que permita uma visão não estritamente partidária”. Em resumo: para a líder do PS Lisboa — e possível futura candidata a autarca na capital — existem “planos de fazer um caminho que permita soluções partilhadas“.

Mas também está presente a noção de que “não basta a vontade de um” — e que, mesmo que da parte do PS exista “um sentimento amplamente partilhado nas conversas” entre membros, pelo menos, da concelhia de Lisboa, falta saber a vontade dos outros partidos e perceber se os “aspetos mais conjunturais” que marcarem a eleição de 2026 permitirão a aproximação de uma esquerda que vive agora separada pela maioria absoluta de António Costa.

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Para Temido, a prioridade é clara: a esquerda tem de se focar em chegar a resultados — e, mais do que as suas “divisões”, tem de valorizar aquilo que a une, sobretudo se estiver em causa o desafio de superar uma eleição difícil contra o incumbente Moedas.

O novo presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Carlos Moedas (D), cumprimenta o ex-presidente da autarquia, Fernando Medina (E), durante a cerimónia de instalação e posse do presidente e vereadores eleitos para a autarquia lisboeta, bem como dos deputados municipais eleitos para a Assembleia Municipal de Lisboa, realizada nos Paços do Concelho de Lisboa, 18 de outubro de 2021. ANTÓNIO COTRIM/LUSA

Medina perdeu para Moedas numa noite eleitoral surpreendente

ANTÓNIO COTRIM/LUSA

Esquerda entre “necessidade” de derrotar Moedas e o ceticismo

O Observador sabe que a solução contaria com alguns entusiastas no PS e na esquerda — a juntar a outros tantos céticos. A conversa, ainda muito embrionária e longe de ser uma hipótese formalmente discutida ou sufragada no PS, já chegou ainda assim aos corredores de outros partidos, que olham com cautela — e curiosidade — para este cenário.

Para o Bloco de Esquerda, uma solução conjunta poderia fazer sentido: o partido gostou da experiência de influência que teve na política municipal quando negociou um acordo com Fernando Medina, no mandato anterior, e passou a última campanha a pedir ainda mais força que lhe permitisse aumentar o seu poder negocial na relação com o PS.

Nessa altura, a candidata do Bloco — e atual vereadora em Lisboa — Beatriz Gomes Dias ia insistindo: o Bloco estava dentro da solução, mesmo que Medina insistisse em ignorar os eventuais parceiros e fazer campanha pelo voto útil. O final da história é conhecido: Medina recebeu a notícia da surpreendente derrota depois de ter passado a campanha a trabalhar para chegar à maioria absoluta; o Bloco conseguiu apenas segurar o seu lugar na vereação, sem crescer mais, e perdeu a influência que tinha no Executivo municipal.

Ou seja: para o partido de Mariana Mortágua, é claro que mais à frente se pode colocar a “necessidade” de ser puramente pragmático, como regista que o PS está a ser: “Sabe que só ganha se houver uma megacoligação, como a que Moedas montou [em 2021]”, comenta uma fonte do partido. Sem “contactos formais”, os bloquistas têm, no entanto, noção de que parte do PS agita o cenário de uma aliança futura e não afasta liminarmente a hipótese — tudo depende das circunstâncias em que a esquerda (e Moedas) chegar a 2025.

No PCP, para já, não se dá qualquer espaço para alimentar a hipótese. Ao Observador, fonte oficial do partido responde de forma cortante: “Não comentamos cenários especulativos e sem fundamento”. A dois anos de distância, o PCP — que já nos tempos de Medina se mostrava cético em relação a possíveis alianças com os socialistas — nem quer ouvir falar do assunto. Mas há também quem, tal como Marta Temido, recorde outros passados comuns da esquerda, incluindo os comunistas, particularmente em Lisboa: foi na maior autarquia do país que se fizeram os primeiros testes precursores do que viria a ser a geringonça, começando por acordos entre PS e PCP.

Em 1989, Jorge Sampaio avançava para a Câmara ao mesmo tempo que mantinha os discretos contactos com responsáveis comunistas de topo para garantir “uma coligação ou um apoio” do PCP, a que se juntariam depois, numa frente de esquerda mais ampla, forças como a UDP e o PSR (ambos na origem do Bloco de Esquerda) ou o PEV. Na altura, o PS partia de uma base baixa, com cerca de 17% dos votos, e toda a ajuda era pouca.

A fórmula seria repetida nos anos 90 por João Soares — embora as relações com o PCP acabassem, nessa altura, por azedar — e o PS chegaria, mais tarde, a acordos de governação na Câmara com vereadores do Bloco de Esquerda, tanto no tempo de António Costa como de Fernando Medina. Noutros setores à esquerda, ironiza-se que as hipóteses de uma coligação vão sendo atiradas para o ar para testar as reações das outras forças, recordando que será sempre mais fácil fechar acordos pós-eleitorais, já com a correlação de forças entre os partidos bem definida, do que fazê-lo às escuras, antes da ida às urnas. Uma coisa é dada como certa: o PS ainda não sabe “como dar a volta para ganhar ao Moedas“, daí que a hipótese seja posta em cima da mesa.

[Ouça o episódio do podcast “A História do Dia” sobre o projeto de coligação contra Moedas]

Marta Temido vai unir a esquerda contra Moedas?

PS dividido. Entusiastas registam dificuldades

No PS, também se regista que pode haver diferenças na forma como os vários partidos encaram este cenário. “A esquerda não lida toda com a mesma naturalidade com a direita no poder”, atira um socialista de Lisboa que vê a ideia com simpatia, convicto de que mais depressa o Bloco se disporá a ajudar o PS a derrotar Moedas do que o PCP o fará.

O que é certo é que entre socialistas se regista alguma divisão nas opiniões, ainda cautelosas, sobre o assunto. Parte do PS Lisboa estará com Marta Temido, de olhos postos na missão de tentar vencer Moedas: “O PS desde 2007 que faz sempre as coisas em parceria [com coligações com o Livre e o Cidadãos por Lisboa]”. O único “contra” apontado por este dirigente socialista é que, após as últimas eleições, o partido fez um balanço e concluiu que a sigla do PS combinada com a dessas outras forças “não ajudou”: “As pessoas baralharam-se um bocadinho a votar. É o único contra que vemos”.

Deste lado do PS, anotam-se vantagens para o partido: Moedas é considerado, como o Observador tinha escrito, uma ameaça maior do que Luís Montenegro e é “incontestavelmente popular, nas ruas e nas redes sociais”. Daí a conclusão: “Não é líquido que”, mesmo com o “impacto” de Marta Temido nas ruas e a sua popularidade no contacto com os lisboetas (e nas sondagens), o PS “recupere a Câmara” — “toda a ajuda é pouca”. As vantagens podem estender-se a uma esquerda que tema não ter uma palavra a dizer numa “corrida muito bipolarizada”.

Outro simpatizante da ideia no PS defende que ela faz sentido de um ponto de vista estratégico: “Fazer oposição tentando disputar o centro com Carlos Moedas é muito difícil”. Ou seja, os socialistas devem concentrar-se num discurso mais à esquerda que divida a corrida e lhe traga votos novos, a que Moedas não consiga chegar: “Precisamos de ganhar com os votos da esquerda”.

Mas, mesmo deste lado, são reconhecidas as várias dificuldades no complicado caminho que levaria a uma coligação. Desde logo, dada a necessária partilha de lugares e de poder que teria de ocorrer, e que mesmo no cenário atual, com uma aliança de menores dimensões, já provoca algum mal estar entre os socialistas de Lisboa — muitos deles “moderados” e sem inclinações “esquerdistas”, reconhece uma fonte.

Por outro lado, admite-se a dificuldade que o próprio ciclo político impõe: com um PS absoluto e uma esquerda empenhada em fazer-lhe oposição sem tréguas, será difícil que se apresentem juntos na Câmara de Lisboa a apenas um ano de eleições legislativas.

Resta saber se a popularidade de Moedas será o suficiente para servir de cola à esquerda e ultrapassar as hesitações de vários partidos. Em 2021, a tese corrente era que o atual autarca não constituía ameaça suficiente para fazer com que a esquerda ultrapassasse as suas diferenças e, por isso, não serviria de cimento a uma aliança em Lisboa. O tempo, e os votos, provaram que Moedas seria afinal um obstáculo bem maior do que estava previsto, o que leva a que as opções aparentemente mais improváveis voltem a ser, pelo menos, admitidas.

Direita unida em Lisboa não mexe com os planos da esquerda. PS, BE e PCP concorrem separados às autárquicas

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