A apresentação do nome de Carlos Moedas como candidato do PSD à Câmara Municipal de Lisboa foi uma surpresa — pelo menos no timing — e, para muitos, um trunfo de Rui Rio, mas não será argumento suficiente para mudar os planos da esquerda nem fazer nascer uma geringonça pré-eleitoral na capital. No Bloco, que passou o último mandato a partilhar a gestão da câmara com Fernando Medina, a rejeição de uma coligação é taxativa, numa altura em que o partido coloca o dossiê de Lisboa como o seu próximo desafio de peso. No PCP, para quem estas autárquicas são cruciais, idem: o partido concorrerá às eleições coligado, mas com o PEV.

Ao Observador, fonte do PCP confirma que a decisão está fechada: “Em Lisboa teremos uma candidatura no quadro da CDU, que será decidida e apresentada em momento oportuno”. Até porque, depois das autárquicas traumáticas de 2017, em que o partido perdeu nove bastiões para o PS e teve resultados historicamente fracos a nível nacional, os comunistas quererão marcar território — e fazer uma prova de vida importante para contrariar a tendência de perda dos últimos atos eleitorais.

Quanto ao Bloco, na moção que a direção levará à próxima convenção do partido, marcada para maio, a indicação é clara: os autarcas e candidatos a autarcas do partido não deverão alinhar em coligações pré-eleitorais com PS e com PSD. Feito o anúncio de que, em Lisboa, a direita poderá concorrer junta — pelo menos, PSD e CDS irão coligados — isso não mexe com os planos do Bloco, que já definiu o objetivo de segurar a vereação (com pelouros) na cidade: “Não há hipótese. A partir desse momento, abria-se uma caixa de Pandora”, explica um dirigente. Ou seja, se houvesse coligação em Lisboa, o Bloco corria o risco de repetir a fórmula noutras autarquias e de ser entendido (apenas) como parceiro do PS, perdendo a tração que ganhou com o trabalho do último mandato, e que quer capitalizar agora.

O PAN, que se tem sentado à mesa com o PS e viabilizado Orçamento após Orçamento, também não alinha em nenhuma ideia de coligação: ao Observador, a líder parlamentar, Inês Sousa Real, confirma que o partido vai ter candidatura própria e esclarece que até à data não recebeu qualquer contacto de nenhum outro partido, estando a escolha do nome do candidato ainda a ser debatida internamente.

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Mesmo que houvesse um alinhamento à esquerda em Lisboa, em rigor a lógica não seria igual à da geringonça: a nível autárquico, governa quem ganha as eleições – o que acontece na capital, por exemplo, é que Medina não conseguiu a maioria absoluta e precisou de assinar um acordo com o BE para garantir a aprovação dos documentos mais relevantes para a governação da autarquia. O que poderia estar em cima da mesa seriam duas hipóteses: uma coligação pré-eleitoral, por um lado, ou um acordo pós-eleitoral que permitisse ao vencedor aprovar os dossiês essenciais.

Fantasma da troika não serve de cimento

Apesar de o nome de Carlos Moedas contar com uma aceitação que vai além do PSD, no Bloco as reações estiveram longe de ser elogiosas. “Carlos Moedas pelo PSD de Lisboa é um nome forte, mas pelas piores razões. Mais troika que Moedas só Passos Coelho”, escreveu no Twitter Ricardo Moreira, líder da concelhia lisboeta do Bloco. “Na altura a receita de Moedas para sair da crise foi empobrecer os portugueses. Agora que estamos numa crise pior as soluções de Moedas não são bem vindas”.

Ainda assim, e mesmo tendo em conta as referências sobre o papel do ex-comissário europeu no tempo da última crise — era o secretário de Estado Adjunto de Passos e coordenava a estrutura de ligação à troika, a ESAME –, Moedas não é um nome que evoque suficientemente o legado de Passos para servir como um novo cimento para uma geringonça local. No Bloco há, aliás, quem aponte isso mesmo: na Madeira, por exemplo, o caso de Paulo Cafôfo — independente que acabou por colher o apoio da esquerda — a motivação para enterrar a fase do jardinismo era clara; em Lisboa, nem por isso.

No caso de um partido com uma implantação autárquica tão reduzida como a do Bloco, e com um historial de resultados melhores nos centros urbanos, a decisão em Lisboa é particularmente central, como apontam ao Observador dirigentes e fontes locais. Ainda para mais quando em Lisboa o Bloco alinhou, no último mandato, precisamente numa geringonça a nível local. “É a nossa grande experiência governativa”, lembra fonte bloquista. Ricardo Moreira reforça a mesma perceção, lembrando aliás que os pelouros do Bloco em Lisboa — Educação e Direitos Sociais — tornaram a tal experiência governativa ainda mais relevante em tempos de pandemia. “São os pelouros do BE que estão a gerir a pandemia e a organizar a resposta social. O programa autárquico nacional” — cujo eixo principal tem a ver com o combate dos municípios às consequências da pandemia — “tem muita influência do que aprendemos em Lisboa”.

O trauma Robles e o objetivo do BE: manter um vereador

A experiência do Bloco em Lisboa tem um peso acrescido graças ao trauma Robles: depois de o partido ter chegado a acordo com o PS para dividir a governação em Lisboa, Ricardo Robles, que tinha sido o candidato bloquista à Câmara em 2017, demitiu-se depois de uma notícia do Jornal Económico que dava conta de que o vereador, crítico muito vocal da especulação imobiliária, tinha vendido um prédio com uma mais valia de quatro milhões em apenas quatro anos. Depois de, num primeiro momento, o partido ter optado por segurar Robles, perante a polémica de proporções cada vez maiores acabou por deixar o vereador cair em poucos dias.

A ‘maldição Robles’ assombra o Bloco, consciente de que não poderá falhar na aposta em Lisboa. Agora, o objetivo passa por segurar a vereação em Lisboa — mesmo que houvesse outras perdas no resto do país, o entendimento é que perder a representação na capital seria a verdadeira derrota. Para já, os dirigentes locais mostram-se satisfeitos e elogiam o trabalho de Manuel Grilo, embora fontes nacionais afastem o nome para uma eventual recandidatura. E somam-se elogios a nomes conhecidos do contexto lisboeta, como Ricardo Moreira ou Isabel Pires, deputada do partido e deputada municipal, embora ainda sem opções tomadas. A Mesa Nacional do Bloco, que se reunirá este sábado, deverá servir como tiro de partida para fechar decisões sobre nomes concretos.