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Roberto Benigni e Federico Ielapi: Gepetto e Pinóquio no novo filme do realizador italiano
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Roberto Benigni e Federico Ielapi: Gepetto e Pinóquio no novo filme do realizador italiano

Roberto Benigni e Federico Ielapi: Gepetto e Pinóquio no novo filme do realizador italiano

Matteo Garrone recuperou Pinóquio para mostrar "quão perigosa e violenta pode ser a vida"

Matteo Garrone realizou uma nova adaptação do clássico italiano que agora se estreia. Em entrevista, lembra que esta "não é uma história da Disney", fala de Roberto Benigni e recusa Hollywood.

Se está à espera de sair só com um sorriso na cara depois de ver o “Pinóquio” de Matteo Garrone, filme que abre esta quarta-feira a 13ª Festa do Cinema Italiano de Lisboa (19h30, UCI El Corte Inglés] — e que será estreado a nível nacional na quinta-feira — desengane-se. O realizador italiano resolveu “ser fiel” ao livro original de Carlo Collodi (de 1883) e às ilustrações de Enrico Mazzanti para contar uma história onde um miúdo de madeira, criado por um pai em desespero (Roberto Benigni), se vê numa jornada, em jeito de conto de fadas negro, onde encontra violência, raptos, adultos sem escrúpulos, criaturas que o condenam por ser inocente e uma lição: tudo o que fazemos tem consequências no fim. “É como Collodi disse: esta é uma lição para os miúdos aprenderem quão perigosa e violenta pode ser a vida que os circunda”, diz Garrone em entrevista ao Observador. Lá está, aqui não entram os ingénuos “era uma vez” de sempre, porque a fantasia e a realidade cruzam-se para dar origem a uma verdade bem crua.

O percurso de Matteo Garrone no cinema não começou atrás das câmaras. Quando era jovem, durante duas semanas foi figurante no último filme de Federico Fellini, “A Voz da Lua” (1990), onde Roberto Benigni era o ator principal. Trinta anos depois, voltaram a encontrar-se. Antes, o realizador italiano lançou-se para a pintura sendo que, no início, a sua vida esteve ligada ao ténis. Um problema para a relação com o pai, Nico Garrone, crítico italiano que ajudou o também protagonista de “A Vida é Bela” a entrar na alta roda do cinema, quando Benigni estava com um monólogo cómico em Roma, vindo da zona rural da Toscânia. Agora já não joga ténis, experimentou praticar padel com o filho e, no meio de uma pandemia, está à procura de um novo projeto.

Apesar de muitos dizerem que Matteo Garrone deveria estar a filmar em Hollywood — o Grande Prémio do Júri em Cannes em 2008 por “Gomorra” é um dos argumentos de quem o defende –, esse não é o caminho. “Gosto de trabalhar aqui, de ajudar, de fazer filmes como fazíamos antigamente. Pode-se fazer um bom filme em qualquer parte do mundo. Não é preciso ir para Hollywood”.

[o trailer de “Pinóquio”:]

“Pinóquio” estreou-se originalmente em 2019. Estamos no meio de uma pandemia, com muita desinformação à mistura. Esta é a história de um miúdo que é traído, trabalha, é enforcado e raptado, mas que aprende as consequências sobre o ato de mentir. O seu “Pinóquio” é mais importante, hoje, para os adultos ou para as crianças?
Esta é uma história que vem de uma das mais importantes obras-primas da literatura italiana. Fala da humanidade e do arquétipo. Estamos a viver numa situação dramática claro, mas este filme é, de certa forma, atual. É sobre a luta pela sobrevivência, a fraqueza em relação à tentação e sobre a violência que nos rodeia. Ensina às crianças quão perigoso pode ser tomar decisões erradas. Por isso, acho que o Pinóquio é sempre moderno.

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Esta personagem aprende quão mau pode ser mentir. Numa altura em que se fala tanto de mentiras sem consequências, sobretudo nas redes sociais…
Pensa que só este ano é que as pessoas começaram a mentir?

Não, não, de todo… 
Há uma nova forma de mentir, como sempre. E porque mentimos? Há diferentes razões. Por dinheiro ou poder, por exemplo. O “Pinóquio” fala sobre um momento em Itália no final do séc. XIX em que há muita pobreza. Infelizmente, esta é outra razão para o filme ser atual. Mostra como pode ser difícil viver naquelas condições, porque as pessoas inventam diferentes formas de sobreviver. Claro que também fala da relação entre um pai e um filho. É uma história que será sempre moderna em qualquer altura da vida, em qualquer tempo.

Tem defendido várias vezes que este é um filme tradicionalmente italiano. Roberto Benigni, por exemplo, cresceu naquela Itália mais rural, mais pobre.
Vem da Toscânia.

"Se a história do Pinóquio for a história de outros miúdos que durante esta jornada se cruzam com a crueldade e a violência, tal como Collodi disse, esta é uma lição para aprender quão perigosa e violenta pode ser a vida que os circunda."

Exato. Mas porque diz que esse estilo de vida está a desaparecer?
Sabemos que depois da Segunda Guerra Mundial, Itália mudou muito por causa do boom do consumismo nos anos 6o. Grandes realizadores defenderam isto antes de mim. Cresci numa altura completamente diferente. Não foi fácil encontrar caras que nos lembrassem desta Itália ou estes lugares que estão a desaparecer. O Roberto tem isso, esse rosto. Também não foi fácil encontrar os locais para filmar que preservassem essa imagem. Muitos lugares mudaram, outros foram reestruturados para, por exemplo, casamentos ou outros eventos, onde o objetivo é ganhar dinheiro. Trabalhámos muito na pesquisa, com pinturas, fotografias e nas paisagens, para ser fiel à história original. Porque acreditamos que a melhor maneira de surpreender o público era seguindo essa ideia. Não sei porquê. Houve muitas adaptações, mas ninguém foi verdadeiramente fidedigno.

O que é que foi mais interessante ao ler o livro? O que descobriu?
Aos seis anos fiz um storyboard sobre o Pinóquio. Mas nessa altura foi a minha mãe que me leu a história, não me lembro de a ter lido. Mas em adulto li-a, há cinco ou seis anos, e fiquei surpreendido. Pensei: se fui surpreendido, outras pessoas também poderiam sê-lo. Essa foi a razão que me impulsionou.

Digo isto porque cresci com a versão da Disney. Senti-me “enganado” depois de ver o seu filme. Porque, afinal, esta é a história verdadeira. Bem mais dura.
Há quem ache que a Disney inventou a história. Não conhecem o livro original nem o autor, o Carlo Collodi. Queria preservar a alma, fazendo um filme que fosse para as famílias, para os miúdos, mas também para os adultos. Claro que nas adaptações, é preciso cortar algumas partes, alteram-se outras e ainda se inventa um pouco. Mas sempre com respeito. A minha linha orientadora foram as ilustrações e os desenhos de Enrico Mazzanti do séc. XX que integraram o livro do Carlo Collodi.

O problema é que, no fim, pensei: tenho de crescer, porque parte da minha infância foi destruída com este “Pinóquio”.
O mais importante é ter gostado. Não havia razões para alterar a história.

É óbvio que os seus filmes anteriores, como “Gomorra”, “Dogman” ou o “Reality”, são diferentes deste…
É algo que me acontece várias vezes.

"Sinto que o 'Pinóquio' é um filme que mistura realismo e uma dimensão de conto de fadas", diz Matteo Garrone

REGINE DE LAZZARIS AKA GRETA

Mas ao mesmo tempo, tem pontos semelhantes.
Talvez, sim. Este é o meu ponto de vista. Se a história do Pinóquio for a história de outros miúdos que durante esta jornada se cruzam com a crueldade e a violência, tal como Collodi disse, esta é uma lição para aprender quão perigosa e violenta pode ser a vida que os circunda. Tal como as consequências do erro. Em “Gomorra”, a situação é muito semelhante. Falamos de crianças, da violência que os rodeia e das consequências. Quando fiz esse filme, pensei que estava a filmar um conto de fadas negro. Claro que é uma abordagem diferente, mais documental, mas feita de propósito. Porque queria dar ao público a sensação de estar dentro dessa guerra. “Dogman” também é outro conto com o mesmo estilo. Gosto de saltar de género em género, falando na condição humana e na luta interna.

O conflito, sobretudo.
Sim. E também a obsessão que há em ser feliz. Sinto que o “Pinóquio” é um filme que mistura realismo e uma dimensão de conto de fadas. Mas não é assim tão distante dos meus outros filmes. Nesses comecei com a realidade. Neste e no “Tale of Tales” fiz ao contrário.

Mudemos de assunto. Por causa da Covid-19, o cinema mudou muito, tal como as salas.
Como é que está a situação em Portugal?

Começa a ficar complicada. Os números de infetados estão a aumentar, vamos ter novas medidas para conter a pandemia.
Porque é que estreiam o filme agora, então?

Bom, aqui continua a ser possível ir ao cinema.
Não percebo porquê, se a situação está assim…

 Em Itália como está?
A piorar cada vez mais. Voltaram a fechar os cinemas. E estão a sair novas restrições. É por isso que não sei porque é que o distribuidor decidiu estrear o filme agora, mas, enfim.

Em Portugal estamos a tentar que as pessoas vão aos espectáculos em segurança.
Esperava que me dissesse que a situação não era assim tão crítica. Mas sei que não estão tão mal como outros países…

"Gosto de trabalhar aqui [em Itália], de ajudar, de fazer filmes como fazíamos antigamente. Pode-se fazer um bom filme em qualquer parte do mundo. Não é preciso ir para Hollywood."

Está a filmar agora?
Não. Estou à procura de um novo projeto, a tentar encontrar uma nova ideia.

Há quem pense que deveria estar em Hollywood.
Porquê?

Ganhou já vários prémios e é bastante respeitado na indústria cinematográfica. Porque não está?
Adoro o meu país. Cresci num dos mais importantes países do mundo para o cinema. Temos grandes mestres que até tive a oportunidade de conhecer, em miúdo. Durante duas semanas fui figurante no último filme do Fellini, “A Voz da Lua”, que tinha Roberto Benigni como ator principal.

Curioso. Falou com ele?
Sim. O meu pai era um crítico de cinema e foi um dos primeiros a escrever um artigo sobre o Roberto Benigni, quando este era muito novo e chegou a Roma, vindo da Toscânia. Estava a trabalhar no teatro num monólogo muito cómico.

Contou-lhe essa história?
Disse-lhe que era filho do Nico Garrone. Quando disse o nome, o Roberto ficou muito feliz, porque foi dos primeiros amigos que o apresentou ao grupo dos intelectuais em Roma. Foi muito bom. Mas retomando a pergunta: gosto de trabalhar aqui, de ajudar, de fazer filmes como fazíamos antigamente. Pode-se fazer um bom filme em qualquer parte do mundo. Não é preciso ir para Hollywood.

"A minha linha orientadora foram as ilustrações e os desenhos de Enrico Mazzanti do séc. XX que integraram o livro do Carlo Collodi", confessa o realizador

REGINE DE LAZZARIS AKA GRETA

Sobre o seu pai, o que é que ele lhe disse quando decidiu ser realizador?
A influência dele foi muito importante. Costumava ir com ele ao teatro. Há momentos no “Pinóquio” que são como uma peça. Antes de ser realizador era pintor, o que também foi crucial. A minha mãe era fotógrafa. Tenho tido sorte. Cresci numa família cheia de arte e que nunca criou obstáculos. Ajudaram-me a fazer a minha jornada. Já fui também jogador de ténis… Isso já foi mais complicado para o meu pai. Ele não estava interessado no ténis, não sabíamos do que falar. Mas quando decidi fazer outra coisa, comecei a ler e a ver filmes, criei uma relação muito quente e próxima com ele.

Estudou pintura?
Estive na escola artística e na academia, mas nunca segui esse caminho completamente. Fiz o meu. Quando fiz a minha primeira curta-metragem, trabalhei com o meu dinheiro sem pedir a ninguém, aprendi o que aprendi, fazendo. A cometer erros, a meter-me em sarilhos.

Tem saudades desses tempos?
Ainda são como hoje. Quando termino um filme nunca me lembro do que está para trás. É sempre um começo.

Já experimentou jogar padel? Está muito na moda agora…
Tentei com o meu filho, mas nunca me apaixonei. Parei de jogar ténis há muito tempo. No verão costumamos jogar, sim, mas não fiquei fã.

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