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Francisco Pinto Balsemão lança livro chamado "Memórias"
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Francisco Pinto Balsemão lança livro chamado "Memórias"

LUSA

Francisco Pinto Balsemão lança livro chamado "Memórias"

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Memórias de Pinto Balsemão. As traições nos negócios e na política em que Marcelo foi o "maior balde de água fria"

"Memórias" é o título do livro que acaba de ser lançado por Francisco Pinto Balsemão. Um dia depois de ter completado 84 anos, revela histórias desde a política aos negócios, do Governo à SIC.

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“Um dia, hei-de escrever as minhas Memórias.” A frase é de Francisco Pinto Balsemão, foi proferida numa entrevista à RTP no dia 10 de fevereiro de 1983 e, 38 anos depois, a pretensão tornou-se palpável através de um livro exatamente com esse título: “Memórias.”

São mil páginas que percorrem a vida do antigo primeiro-ministro, desde os tempos em que fundou o PSD até ao momento em que esteve à frente da governação do país. Pelo meio, aponta aqueles que caminharam sempre consigo e ajustou contas com os que lhe atiraram baldes de água fria.

Nos negócios mostra-se implacável na apreciação daqueles que passaram de aliados a inimigos. É o caso dos homens fortes da Ongoing. De Nuno Vasconcellos, a quem chama “Nuninho” e de quem diz que entrou em órbita com o dinheiro da mãe e a ambição alimentada por Rafael Mora cuja estratégia de insinuação junto do poder para ganhar influência compara à das aranhas “inteligentes e mortíferas”. Confessa que perdeu metade das poupanças no Banco Privado Português e aponta o egocentrismo de João Rendeiro como o motivo que levou à queda do banco.

“Estás a meter o veneno em casa.” O que Balsemão ouviu sobre Marcelo

O “maior balde de água fria” para Pinto Balsemão aconteceu nos tempos em que desempenhava as funções de primeiro-ministro de Portugal, numa altura em que Marcelo Rebelo de Sousa era ministro dos Assuntos Parlamentares, depois de ter sido promovido pelo chefe de Executivo do cargo de secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros. O que se passou com a demissão do atual Presidente da República foi um balde de água fria, “para não dizer a maior traição” da vida de Balsemão.

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A entrada de Marcelo Rebelo de Sousa no Governo não foi nada consensual. Aliás, a aposta de Pinto Balsemão no prodígio que tinha ajudado o semanário Expresso a crescer espoletou “sentimentos contraditórios” até nele próprio. Por um lado estava consciente do “perigo de ter Marcelo dentro do Governo, pelas inconfidências que iria cometer e eventuais intrigas que poderia criar”, mas por outro lado, Balsemão conhecia bem “a sua incrível capacidade de análise e de produção, a sua inteligência fulgurante e apreciava a boa disposição, a alegria que ele conseguia introduzir e manter no trabalho, o que era desejável naquele ambiente pesado da Presidência do Conselho de Ministros”.

Mas os alertas surgiam de todos os lados e houve mesmo algumas pessoas amigas que tentaram “evitar” que o convidasse para o cargo. “Estás a meter o veneno em casa”, dizia um. “Estás a aproximar-te do escorpião da fábula, e tu serás a rã”, dizia outro. Balsemão ponderou, mas as qualidades falaram mais alto. E não só: “Admiti que, sem ele no Expresso, e sob a direção de Augusto de Carvalho, o jornal deixasse de ser tão acintosamente contra o Governo.”

À distância, Pinto Balsemão assume que não “resistiu à tentação”. E do que se recorda Marcelo “nem sequer pediu para pensar”. Mas se a estratégia metia abrandar a forma com que o semanário falava do Governo de então, não se pode dizer que tenha dado resultado. “O Expresso manteve-se igual porque o Augusto quis mostrar que também era independente perante o patrão.”

"Admiti que, sem ele [Marcelo Rebelo de Sousa] no Expresso, e sob a direção de Augusto de Carvalho, o jornal deixasse de ser tão acintosamente contra o Governo"
Memórias de Francisco Pinto Balsemão

Balsemão conhecia bem Marcelo, até antes dos tempos do Expresso. Marcelo, conta Balsemão, começou aos 24 anos, em 1972, numa altura em que “não tinha formação, nem vocação, nem talento para gestor”, mas Balsemão olhou mais além e contratou-o.  “Também porque sabia que ele poderia ser uma fonte permanente de notícias do Governo”, já que o pai era ministro e a mãe influente. Além das “boas e íntimas relações” que mantinha com Marcello Caetano.

Muito viveram naqueles tempos e houve descomposturas a Marcelo. Balsemão lembra-se de uma “atitude perfeitamente inconsciente e pouco inteligente” do agora Presidente da República, que, “armado em enfant terrible, convenceu Augusto de Carvalho a desrespeitar dois ou três cortes dos censores”. Saiu caro ao semanário, que sofreu “consequências fatais”, ao ser obrigado a “tirar provas de cada página inteira e eram essas provas de página que os censores avaliavam”. “Bastava haver um corte num título ou texto para se repaginar tudo”, recorda o ex-primeiro-ministro. A “irresponsabilidade” valeu “várias descomposturas” a Marcelo.

Mas nada se compara com aquilo que Francisco Pinto Balsemão ouviu de Marcelo Rebelo de Sousa no dia 9 de dezembro de 1982. Mais ainda com o que se passou no dia seguinte. O ministro dos Assuntos Parlamentares apresentou a demissão ao primeiro-ministro a três dias das eleições autárquicas de 1982. Depois de pedir para ser recebido “com muita urgência”, primeiro usou explicações “vagas e pouco convincentes”, desde “cansaço” a querer dedicar-se à “carreira académica”. O argumento seguinte pareceu a Balsemão “um pouco mais credível”. “Tinha preferido que eu soubesse que ele queria sair, antes das eleições e independentemente dos resultados”, explicou.

Presidente da República, Ramalho Eanes, primeiro-ministro, Francisco Pinto Balsemão e Ministro dos Assuntos Parlamentares durante a tomada de posse do Governo

Alfredo Cunha/Lusa

Explicações aceites, Balsemão pediu que a conversa ficasse apenas entre os dois e depois das eleições seria combinado como seria noticiada a saída dele. “Respondeu que isso era óbvio”. Não foi. O primeiro-minsitro conta no livro que no dia seguinte a notícia foi “amplamente difundida pela comunicação social”, o que considerou ser uma desilusão.

Os problemas causados por Marcelo Rebelo de Sousa não eram novidade para Balsemão, mas ia-os gerindo à medida que aconteciam. Numa das vezes que chegou à reunião semanal com o Presidente da República, na altura Ramalho Eanes, encontrou dois gravadores em cima da mesa, por estar a ser acusado de relatar “a outras pessoas e aos media partes das reuniões” de ambos.

Para a defesa de um e outro, a partir dali as conversas seriam gravadas. O chefe do Governo ficou “chocado, magoado e furioso” e justificou que dava conta das conversas a membros do Governo “entre os quais a Marcelo Rebelo de Sousa e que seria este a passar a informação ao Expresso”.

E durante o mandato admite que chegou a ter necessidade de criar uma estratégia global, entre outros objetivos para reforçar a autoridade democrática do primeiro-ministro, com a necessidade do fortalecimento da imagem do chefe de Governo, dando a entender que não andava distraído. Marcelo Rebelo de Sousa era um dos “destinatários” da mensagem.

"Eu sei que todos os governantes se queixam do Expresso. Há quase 50 anos que oiço ou leio, quase todos os dias, rosários de críticas e lamentações, o que se agravou com o aparecimento da SIC (...). Mas penso, sinceramente, que o Expresso exagerou durante aqueles três anos e meio"
Memórias de Francisco Pinto Balsemão

A traição sentiu-se ainda quando saiu um concorrente do Expresso. “Saiu o número 1 do Sol, o grande semanário que José António Saraiva inventara para destruir o Expresso e onde um dos principais colaboradores era — adivinhem? — Marcelo Rebelo de Sousa”, escreveu no livro de memórias.

Hoje, Marcelo Rebelo de Sousa e Francisco Pinto Balsemão estão juntos no Conselho de Estado, onde o dono da Impresa marca presença desde 2005. Em 2019 voltou a ser indicado pelo PSD, que tem também Rui Rio no órgão de consulta do Presidente da República, que é composto por 19 membros, cinco dos quais eleitos pela Assembleia da República.

O escorpião picou o ponto na homenagem à rã. Marcelo esteve com Balsemão, mas a lenda não volta a ser conto de Natal

Expresso, que nasceu de um sonho, “exagerou” durante os anos em que Balsemão esteve no Governo

O Expresso foi sempre o menino bonito dos olhos de Francisco Pinto Balsemão, criou-o para provar a si próprio, à família e ao mundo que “era capaz de lançar e fazer triunfar um projeto inovador na área da imprensa”. Contudo, sempre se queixou da forma como o semanário agiu durante a sua governação. “Eu sei que todos os governantes se queixam do Expresso. Há quase 50 anos que oiço ou leio, quase todos os dias, rosários de críticas e lamentações, o que se agravou com o aparecimento da SIC (…). Mas penso, sinceramente, que o Expresso exagerou durante aqueles três anos e meio”, argumentou.

Construir um jornal do zero, com “inspiração” em nomes como o The Sunday Times ou o The Observer. Não estavam em causa orientações políticas, apenas o fascínio pelo tipo de jornalismo que praticavam, “a separação clara entre notícias e opinião, a dimensão dos textos consoante a importância efetiva dos assuntos, a cobertura internacional e as páginas económicas”. E depois a cultura, que não podia faltar.

Balsemão quis “adaptar à realidade social e cultural portuguesa” o que existia lá fora e adaptá-lo à visão e conceito que o fundador tinha do jornalismo. Após a ideia e a capacidade de avançar, foi uma questão de arranjar sócios, pois a maioria já tinha dono, com 51% do capital. Eram precisos sócios que assegurassem a “boa impressão do jornal”, “algum apoio no lançamento e no investimento publicitário dos primeiros tempos”, de um sócio que “garantisse a distribuição do jornal no Continente, Ilhas e Ultramar” e alguém que já tivesse uma perspetiva multimédia.

O Expresso seguiu o percurso, muitas vezes em paralelo com o seu fundador. A certa altura, já em 1975 e ainda antes da morte de Sá Carneiro e da ida para o Governo, decidiu demitir-se do cargo de deputado e da vice-presidência do PSD para se dedicar ao jornalismo, por entender que “o Expresso era o mais importante”.

Presidente da República, Jorge Sampaio, e o primeiro-ministro, António Guterres, com Pinto Balsemão na inauguração da exposição "Expresso 25 Anos", em 1998

Andra Kosters/Lusa

“Preparei e organizei o lançamento do Expresso Extra” como uma “resposta indispensável ao vazio de jornalismo independente e de qualidade”, em que o semanário passa a ter dois números semanais (à quarta-feira o extra, ao sábado a edição regular). Foi durante o verão quente de 1975, altura em que, na leitura de Balsemão, “a hipótese de guerra civil não podia ser posta de lado”, daí que achasse que a presença do Expresso tinha de ser “reforçada”.

Francisco Pinto Balsemão conta que esse foi um período em que a “atmosfera estava tensa”, chegou a passar uma noite no gabinete do Expresso, “com a pistola oferecida por Vítor Alves em cima da secretária, armado em herói, à espera do assalto anunciado por um grupo de extrema-esquerda”. Nunca aconteceu.

Os que mudaram de emprego e quiseram “matar o pai” sem sucesso, segundo o próprio

O semanário sobrevive até aos dias de hoje, mas o fundador recorda traições. Com o sugestivo subtítulo “Matar o pai”, Pinto Balsemão não esquece aqueles com quem trabalhou e que deixaram o grupo, alguns que considerava amigos para sempre. Aceitaram outros desafios profissionais “com a necessidade de mostrar que seriam capazes de fazer melhor, saindo da minha sombra. Numa interpretação freudiana: matar o pai. Infelizmente para eles, todos ou quase todos falharam”.

A lista é encabeçada por Marcelo Rebelo de Sousa que saiu em 1983 para fundar o jornal rival Semanário que acabou por fechar em 2009 depois de um longo estertor, que de acordo com Balsemão foi financiado por Ricardo Salgado. E inclui também, entre outros:

Miguel Esteves Cardoso. Quis tentar a sorte contra o Expresso e (contra o próprio Balsemão), mas teve a coragem e a correção de dizer, cara a cara, as razões da saída e a intenção de construir um semanário que suplantasse o Expresso. O Independente fechou em 2006. Chegou a ser um concorrente perigoso do Expresso nos tempos áureos, mas com “um tipo de jornalismo pouco compatível com aquele que sempre defendi”.

Vicente Jorge Silva. Saiu do Expresso em 1989 para lançar o diário da Sonae e levou “um autêntico batalhão”. O Público continua e tem tido resultados na transformação digital. Mas só sobreviveu com o dinheiro da Sonae.

Emídio Rangel e Francisco Pinto Balsemão na apresentação da direcção de informação da SIC, em 1992

Manuel Moura/Lusa

Emídio Rangel. Trocou a direção da SIC pela RTP em 2001 e levou também pessoas valiosas. Mas só esteve um ano na estação pública e nunca voltou a um lugar de destaque na televisão.

José António Saraiva. Foi o diretor do Expresso com maior longevidade, tendo saído em 2006 de modo “pouco airoso”. Levou “um grupo restrito de apaniguados para fundar o semanário Sol”, do qual saiu em 2015. “Não se pode dizer que o Sol tenha sido, ou seja, um grande, ou sequer médio êxito”. Logo a seguir, as “Memórias” dedicam alguns parágrafos às “várias fases da “Saraivada” que marcaram os 21 anos da sua direção do Expresso.

A contratação de Cristina Ferreira pela SIC foi anunciada em 2018. A apresentadora voltou à TVI no verão de 2020

©Leonardo Negrão/Global Imagens

Fora deste capítulo, Pinto Balsemão comenta ainda a passagem rápida de Cristina Ferreira — que não conhecia — pela SIC. A grande aquisição à TVI foi anunciada em 2018 e Balsemão compara-a à ida de Cristiano Ronaldo para a Juventus que também “custou caro”. Começa com elogios: “É uma profissional que não deixa nada ao acaso, sabe o que quer e consegue atrair desde o Presidente da República aos pastores da Malveira. Gosta de ganhar dinheiro e, por isso, criou uma marca e uma fábrica de produção que procura tratar bem. Gosta, com certeza. Mas isso é pecado?”

Confessa-se contudo surpreendido e chocado quando ela anunciou em 2020 que iria regressar à TVI. “E mais chocado e surpreendido fiquei quando soube que, antes de anunciar a saída, ela já andava a recrutar pessoas para levar para Queluz de Baixo. Penso que é um caso de em que a fama e o prestígio lhe subiram à cabeça (ao ponto de acreditar que poderá candidatar-se à Presidência da República). Veremos como, entretanto, se desenvencilha na luta de poder em curso na TVI”. Balsemão equipa a estação rival a “um poço sem fundo para ir buscar pessoas à SIC”.

Freitas do Amaral e a “ânsia” de se libertar da AD para se candidatar à Presidência

As críticas no livro estendem-se a outros protagonistas, a momentos em concreto e Diogo Freitas do Amaral é um deles. Francisco Pinto Balsemão recorda uma cimeira da Aliança Democrática que convocou para preparar as eleições autárquicas de 1982, no ano anterior ao ato eleitoral, e onde procurou, desde logo, “assinar um acordo quanto à ida em conjunto” de PSD e CDS.

"Freitas do Amaral distanciava-se quando podia, recebia filiados do PSD que eram meus opositores e, no comício do Campo Pequeno, fora muito parco em elogios ao Governo. Dentro do PSD, os meus opositores atavam em consonância"
Memórias de Francisco Pinto Balsemão

“Tudo isto, assim contado, parece indicar que, de um modo geral, as coisas me corriam de feição e sem grandes problemas dentro da coligação, beneficiando eu de algumas medidas de antecipação que fui tomando. Mas não era assim. Freitas do Amaral distanciava-se quando podia, recebia filiados do PSD que eram meus opositores e, no comício do Campo Pequeno, fora muito parco em elogios ao Governo. Dentro do PSD, os meus opositores atavam em consonância”, relembra.

Balsemão encontrava “atitude de permanente erosão por parte do CDS” que, na sua visão e a posteriori pode ser percebida como uma “ânsia de [Freitas do Amaral] se libertar para poder candidatar à Presidência da República e evitar que houvesse uma candidatura do lado do PSD”.

Pinto Balsemão, primeiro-ministro, e Freitas do Amaral, ministro da Defesa, em 1982

Luís Vasconcelos/Lusa

O líder do CDS arranjava motivos para se distanciar em vários contextos e Balsemão volta atrás para lembrar, por exemplo, o caso dos gravadores, em que foram utilizadas pessoas como Freitas do Amaral, “com tons algo contraditórios, por um lado o ‘quando eu lá ia não havia gravadores’; por outro, o ‘se fosse comigo, não aceitava que as reuniões fossem gravadas’”.

Para a memória de Balsemão ficou ainda uma “carta em papel timbrado do CDS” que Freitas do Amaral lhe fez chegar, a 17 de dezembro de 1982. À distância de 36 anos, acredita que o seu vice-primeiro ministro soube da intenção de demissão e “criou a tese do ‘desaire total'” com que reagiu depois da noite eleitoral. Foi tudo, considera, “para poder ser ele quem dizia que queria sair” e para “arrastar [o primeiro-ministro da altura] com essa mesma saída”.

"Sá Carneiro tinha um carisma pessoal que o colocava acima dos outros, mesmo quando provocava cisões, e os seus apoiantes indefectíveis contam-se por muitas centenas de milhar. Arrastava multidões”
Memórias de Francisco Pinto Balsemão

“A carta está cheia de contradições. A grande contradição verifica-se entre a afirmação de que pensa que ‘a Aliança Democrática deve ser mantida e reforçada’ e a afirmação de que não quer sentir-se associado ao que julga ser o gradual definhamento da AD. Porque, das duas uma: ou estas ideias não se compatibilizam ou, se Freitas do Amaral acredita que, com a sua saída, pode ainda haver uma renovação e o reforço da AD, é porque ele é a única pessoa que tem entravado essa renovação e impedido esse reforço”, segundo a leitura de Balsemão.

A perda de alguém que era mais do que “incontestável” e como Cavaco Silva complicou os planos de Balsemão

Não foi fácil para Balsemão substituir Sá Carneiro, alguém que considerava um amigo, logo após a morte trágica daquele que era na altura primeiro-ministro de Portugal. “Sá Carneiro não era apenas o líder incontestável do PSD (e da AD que, sem ele não teria existido e não sobreviveu mais de dois anos), nem era apenas, embora isso fosse muito, quem culminara e legitimara, dois meses antes de falecer, em eleições legislativas, a sua actuação como primeiro-ministro. Tinha um carisma pessoal que o colocava acima dos outros, mesmo quando provocava cisões, e os seus apoiantes indefectíveis contam-se por muitas centenas de milhar. Arrastava multidões”, descreveu no livro “Memórias”.

Manuel Moura/Lusa

Um dos desafios foi o Ministério das Finanças. Francisco Pinto Balsemão lembra-se que, no dia em que Cavaco Silva fez a estreia parlamentar, enquanto ministro das Finanças e do Plano, durante o debate do Orçamento e das Grandes Opções do Plano, deu um conselho aquele que viria a complicar-lhe a vida tempos depois.

Cavaco Silva “nunca tinha andado por aqueles terrenos escorregadios e por vezes pantanosos de S. Bento”, estava “nervoso”. Balsemão disse-lhe: “Você sabe muito mais de economia e de finanças do que a esmagadora maioria dos deputados. Pense que está a dar-lhe uma aula e fale uma linguagem que eles entendam! Seguiu o meu conselho e saiu-se bem logo à primeira.”

No momento de construir Governo era preciso um ministro das Finanças e o chefe do Executivo pensou em manter Cavaco Silva no cargo. Mas Cavaco deu-lhe uma nega. Balsemão recorreu ao amigo de longa data João Morais Leitão, que acabou por aceitar, e marcou uma reunião com ambos. “Tudo pareceu correr bem” e o homem que ia assumir o cargo de primeiro-ministro ficou “convencido de que a passagem de testemunho seria mais fácil e tranquila do que temia”.

Não foi assim. Cavaco Silva resolveu, em declarações ao semanário Tempo, afirmar que não participava no Governo porque “não tinha condições para levar por diante a política económica e social correta” e, neste seguimento, Morais Leitão entendeu que não tinha condições para tomar posse.

"É curioso e lamentável que Cavaco [Silva] assuma sempre a postura do inocente ou ingénuo cidadão que às vezes troca impressões com outros militantes do PSD"
Memórias de Francisco Pinto Balsemão

O imbróglio levou o primeiro-ministro ao “contra-ataque”, no qual usou declarações ao Diário de Notícias “nas quais criticava Cavaco Silva“, ao dizer que “boa parte do depoimento de Cavaco Silva se reporta à atuação do atual Governo (ou seja, do Governo de Sá Carneiro)”. “Lembrei que o Dr. Sá Carneiro era sempre o primeiro a insistir no facto de não haver uma política financeira e económica do Ministério das Finanças, mas sim uma política económica e financeira de todo o Governo” e, por isso, “se houve desvios de orientação, eles foram cometidos por todo o Governo, incluindo, obviamente, o Ministro das Finanças”.

A “rápida tomada de posição” valeu um “problema resolvido” com o Ministério das Finanças e Balsemão a sair por cima da situação.

Ainda sobre o ex-Presidente da República, Francisco Pinto Balsemão criticou as declarações na autobiogradia de Cavaco, ao realçar que “é curioso e lamentável que Cavaco assuma sempre a postura do inocente ou ingénuo cidadão que às vezes troca impressões com outros militantes do PSD”. “Durante todo o meu tempo de Governo, Cavaco esteve sempre ativo e destrutivo”, apontou no livro.

Soares e Balsemão, dois amigos que a PIDE tentou travar

Mário Soares foi um dos adversários políticos que “pesaram na politização” de Francisco Pinto Balsemão. O primeiro contacto entre ambos aconteceu em 1968, quando o Soares regressou de um exílio de oito meses em São Tomé. Um almoço com Raúl Rêgo, diretor do República, no restaurante Vera Cruz. A conversa foi “interessante, variada e profunda” e no final ficou a ideia de que foi criado um “ambiente de confiança recíproca”.

Entre os dois fica a história de uma carta forjada pela PIDE, que Pinto Balsemão recebeu a ser praticamente insultado a falar daquele almoço. O rápido esclarecimento não permitiu que surgisse uma “discórdia” e evitou estragar uma “amizade que estava a nascer”. Pelo contrário, ali nasceu uma “relação de amizade que se foi consolidando ao longo de décadas”.

As divergências de ideologia nunca sumiram, mas foram sendo ofuscadas pelo respeito e consideração de ambos. No livro, Pinto Balsemão lembra o artigo que escreveu no Expresso a seguir à morte de Soares e onde diz resumir-se a “admiração” e os “laços pessoais” que os uniram. “Democrata, Estadista, Homem de Cultura e Bom Amigo”, era o título do artigo.

As vidas políticas de ambos cruzaram-se em muitas alturas, nomeadamente devido à revisão constitucional. Mário Soares esteve à frente de uma delegação do PS que se reuniu com líderes da AD, em 1982, e nessa fase Balsemão contou que até se obtiveram “alguns consensos”. Aliás, o “entendimento direto e pessoal” entre ambos foi “fundamental”.

"Soares era assim. E, já em 1983, estaria a pensar nas eleições presidenciais de 1985 que acabaria por ganhar"
Memórias de Francisco Pinto Balsemão

Mas no campo político nada deixava de acontecer e Balsemão admitiu que até chegou a “espicaçar” Mário Soares em várias ocasiões para o “obrigar a tomar atitudes e decisões”, como aconteceu em 1982, quando o PS apresentou uma moção de censura ao Governo, numa “obrigação de atacar no Parlamento”. Mas o líder do PSD desses tempos admitiu que respondia na mesma moeda, não apenas por convicção mas para “enfraquecer o principal adversário eleitoral”.

Presidente da República, Ramalho Eanes, ex-primeiro-ministro Pinto Balsemão e primeiro-ministro, Mário Soares, a discursar

Manuel Moura/Lusa

Seria a história a ditar que Mário Soares fosse o sucessor de Pinto Balsemão e o social-democrata fez questão de “passar o testemunho”, algo que “até aí não fora prática normal”. Mas Balsemão contou que Soares estava mais interessado em fazer “perguntar sobre a situação no PSD, o estado de espírito de Ramalho Eanes, as atitudes de Freitas do Amaral, etc.” “Soares era assim. E, já em 1983, estaria a pensar nas eleições presidenciais de 1985 que acabaria por ganhar”, escreveu.

Rio, a defesa do líder e o ataque à opinião sobre os media

Numa visão mais atual, Francisco Pinto Balsemão empenhou-se no apoio a Rui Rio, primeiro até numa sugestão de candidatura à Presidência da República e depois na liderança do PSD, nomeadamente manifestando-se a seu favor naquilo a que chama como “triste episódio Montenegro”.

Mantém o contacto com “alguma espaçada regularidade”, falam por telemóvel “durante horas”, mas “consciente de que uma parte desse tempo é perdido”, mais precisamente por saber que não estão de acordo sobre o papel dos media na democracia. Balsemão recordou as conferências comemorativas dos 40 anos do Expresso, mais precisamente a última, que se realizou na Casa da Música, no Porto. Fez o habitual discurso de abertura, mas não quis ser moderador do debate “O jornalismo (que temos) é útil à democracia?”

A razão foi exatamente o presidente do PSD. Não só, mas também. “Já sabia que me ia pegar com, pelo menos, dois oradores, José Pacheco Pereira e Rui Rio”, explica, realçando que o debate foi “tenso” e que estes oradores “corresponderam às expectativas”, com Rio a dizer que “o jornalismo é um dos responsáveis pela degradação do regime democrático”.

Bilderberg, dos convites recusados por Passos à fuga do “regime de colégio privado” para jogar roleta

No livro “Memórias”, Francisco Pinto Balsemão debruçou-se sobre Bilderberg, a reunião secreta conhecida por juntar membros da elite mundial. O antigo primeiro-ministro fez questão de escrever sobre o tema, desde logo para dizer que “os livros que saíram são negativos” e para “desfazer certos mitos”.

Convidado pela primeira vez em 1981, quando era chefe de Governo, Balsemão foi responsável pela presença de 73 portugueses, alguns deles “repetentes” e com um critério que desse “prioridade, dentro de uma amostragem do chamado ‘Centrão’, duas personalidades de destaque, uma mais à esquerda, uma mais à direita”.

"Pedro Passos Coelho foi mais radical: convidei-o três vezes e três vezes me disse, bem educadamente, como é o seu timbre, que não podia, até eu perceber que, no seu caso, o 'não poder' era 'não querer'"
Memórias de Francisco Pinto Balsemão

Se muitos disseram sim, Pedro Passos Coelho recusou o convite. Francisco Pinto Balsemão já o tinha confirmado, mas explica agora que dirigiu mais do que uma vez o convite ao ex-primeiro-ministro do PSD. “Pedro Passos Coelho foi mais radical: convidei-o três vezes e três vezes me disse, bem educadamente, como é o seu timbre, que não podia, até eu perceber que, no seu caso, o ‘não poder’ era ‘não querer'”.

Balsemão estará nos tops da permanência, com 33 anos de Bilderberg, e em 2015 propôs ser substituído por Durão Barroso no comité executivo. O dono da Impresa explicou como funciona: “Há uma reunião plenária por ano, umas vezes nos EUA ou no Canadá, outras na Europa, com cerca de 120 participantes, incluindo sempre os membros do Steering Committee. O local resulta da iniciativa/convite do representante ou representantes no Steering Committee do país anfitrião, os quais se comprometem a descobrir e reservar um hotel de bom nível que tem de oferecer excelentes condições em matéria de segurança e algum isolamento e de fácil acesso ao aeroporto.”

São os anfitriões que oferecem praticamente tudo, “as refeições, os drinks antes do jantar, os transportes em carro com motorista de e para o aeroporto e, até há pouco tempo, o alojamento no hotel; e garantem um largo e eficiente apoio de secretariado no local, bem como, através dos respetivos Governos, o cumprimento de exigentes regras de segurança”.

Além desta reunião plenária realizada na Primavera, há ainda uma outra realizada no Outono, sempre num país diferente do país que receberá o próximo plenário e de preferência “alternadamente na América do Norte ou na Europa”.

É um “regime de colégio interno”, mas Balsemão chegou a ser o rebelde, “ao ponto de, numa noite de sexta-feira, já não me lembro onde, Stevie Davignon e eu termos ‘fugido’ do hotel, quais meninos mal-comportados, para ir a um casino, ali mesmo ao lado, jogar roleta — um jogo que eu gosto e, por isso mesmo, pouco ou nada pratico — e termos voltado em silêncio, quase pé ante pé, para que ninguém reparasse na nossa terrível infração”, contou.

Os horário são cumpridos com exatidão e “ninguém pode levar acompanhantes”. Exceções apenas para chefes de Estado e primeiros-ministros que, ainda assim, “são vivamente aconselhados a só levarem um assessor”. 

Mário Soares e Francisco Pinto Balsemão com David Rockfeller, em 1988, num encontro do grupo Bildeberg

AFP

Balsemão considera que a “teoria da conspiração” vem do “alegado secretismo” e explicou que as regras “são claras”, que os participantes são conhecidos, assim como os temas a abordar. “Só que, além dos media não poderem assistir e de não haver habitualmente conferência de imprensa no final, é aplicada a chamada Chatam House Rule: todos os participantes podem utilizar as informações ou comentários recebidos durante os debates, mas não podem revelar quem os fez nem como lhes acederam”, esclareceu.

O primeiro português em Bilderberg “nunca deu” por qualquer teoria da conspiração, mas admitiu que há um “aproveitamento da facilidade e do tempo para conversas que nos são úteis — na área profissional e diria que, também, no quadrante cultural — e que, de outra maneira, seriam difíceis ou impossíveis”.

“Lesado” no Ximbalau do BPP, Balsemão culpa a “ambição desmedida” de João Rendeiro

Balsemão foi investidor e acionista do Banco Privado Português (BPP) liderado por João Rendeiro e chegou a presidir ao conselho consultivo. Durante anos as coisas correram bem ou pareceram correr bem. Dos cinco veículos em que investiu — para compra de ações na bolsa — ganhou bom dinheiro em dois e perdeu em outros dois. No que faliu ainda está a tentar recuperar as perdas. O maior problema foram os veículos que faliram, em particular o Privado Financeiras usado para comprar ações do BCP quando estas estavam inflamadas pela guerra de poder no banco em 2007.

João Rendeiro foi condenado a prisão efetiva num processo do BdP. A sentença transitou em julgado, mas ainda não está a ser cumprida

MÁRIO CRUZ/LUSA

“Estou convencido aliás que o desastroso falhanço do Privado Financeiras foi uma das causas principais das dificuldades e posterior falência do Banco Privado (que caiu em 2008). Rendeiro tinha uma ambição desmedida de se tornar um dos mais relevantes homens de negócios em Portugal e em Espanha. E para tal, “conseguir uma influência grande no BCP era fundamental”, tal como era fundamental ser um mecenas das artes ou expandir o banco para Espanha.

Não conseguiu cumprir nenhum destes desígnios que, segundo Balsemão, contribuíram para a derrocada do BPP. “Eu fiz e faço parte do contingente de lesados do BPP”. Sem nunca revelar quanto perdeu em concreto — para além da participação no banco que chegou a valer 20 milhões — Balsemão assume que das poupanças que tinha investidas em depósitos e aplicações de private banking metade desapareceu. A outra tem vindo a ser recuperada com o bom trabalho dos gestores do fundo especial de investimento criado.

“No meu caso, como no de muitos outros, vários em situações pessoais de autêntica sobrevivência, nunca a palavra Ximbalau que, fui verificar existe na língua portuguesa, foi aplicada com tanta propriedade”.

Balsemão lembra o momento simbólico ou “mais patético” desta derrocada. Quando no mesmo dia em que já tinha sido pré-anunciada a falência do banco (por recusa de um empréstimo de 600 milhões de euros), foi feito o lançamento do livro escrito por João Rendeiro no ISEG. A obra chamava-se “Testemunho de um banqueiro. A história de quem venceu nos mercados”.

“Penso que (João Rendeiro) é uma pessoa completamente insensível e persistentemente egocêntrico. Isto não o ajuda a distinguir o bem do mal e permite-lhe, julga ele, ficar em permanência ancorado no total egoísmo”.
Memórias de Francisco Pinto Balsemão

O empresário conta que Rendeiro lhe telefonou a libertá-lo da obrigação de ir ao lançamento do livro, mas Balsemão manteve o compromisso e lembra que no seu discurso defendeu que o BPP não podia ser metido no mesmo saco que o BPN”, apesar de reconhecer as dificuldades. Aos jornalistas que estavam na cerimónia, Balsemão não respondeu a perguntas como lesado do BPP.  “João Rendeiro agradeceu-me bastante e tinha razão. Mas não ficou de modo algum eternamente grato, e tem-no demonstrado ao longo dos últimos 13 anos”. E despacha as cinco páginas dedicadas ao Privado com uma apreciação abrasiva para o antigo banqueiro. “Penso que é uma pessoa completamente insensível e persistentemente egocêntrico. Isto não o ajuda a distinguir o bem do mal e permite-lhe, julga ele, ficar em permanência ancorado no total egoísmo”.

O Drama da Ongoing em quatro atos. Rafael Mora e a estratégia de “aranha inteligente e mortífera”

Francisco Balsemão começa a história com a descrição da relação próxima que tinha com o pai de Nuno Vasconcellos. Luiz Vasconcellos foi investidor dos negócios de media e seu amigo. Balsemão foi padrinho do 1º casamento do filho, o “Nuninho”. Sobre este, conta, que fez alguns investimentos com o dinheiro da mãe no imobiliário que correram mal. Mas a personagem principal no primeiro ato do drama narrado no livro de memórias é Rafael Mora, com quem Nuno Vasconcellos se cruzou na Andersen Consulting (um emprego que o pai o ajudou a arranjar). Para descrever o seu modus operandi, Balsemão recorre a uma comparação singular:

“Rafael Mora desenvolvia a sua estratégia como aquelas aranhas inteligentes, diligentes e mortíferas que vemos nos documentários do National Geographic Wild. Insinuava-se nas empresas como consultor ou responsável por recursos humanos com prioridade para a gestão das pessoas de topo”. Conseguiu a representação da conceituada consultora internacional Heidrick and Struggles.

"Rafael Mora desenvolvia a sua estratégia como aquelas aranhas inteligentes, diligentes e mortíferas que vemos nos documentários do National Geographic Wild. Insinuava-se nas empresas como consultor ou responsável por recursos humanos com prioridade para a gestão das pessoas de topo".
Memórias de Francisco Pinto Balsemão

E gradualmente, escolhia as empresas cujos interesses e dimensão lhe dessem acesso ao poder económico, financeiro e político. Prometia formação para elites e jovens talentos por via de “métodos alegadamente científicos”. E “fez-se pagar bem, tornando-se indispensável”.  A partir daí ganhava influência junto dos gestores e dirigentes que ajudou a nomear, tinha acesso a informação privilegiada que usava “para conquistar novos clientes e complicar a vida dos que tentassem libertar-se dele”. Desta forma, explica Balsemão, conseguia alargar a sua influência desde a PT, aos CTT, BCP e Impresa, onde entrou via família Vasconcellos.

O esquema funcionou e durante anos “na teia de aranha de Mora foram caindo pessoas e empresas” de todo o tipo: públicas, privadas, ligadas ao poder político.

O “Nuninho” (Vasconcellos) que “entrou em órbita” e quis controlar a TVI e a SIC

“Nuninho” aparece no segundo ato quando cria em 2005 a Ongoing com Mora e o dinheiro da família Rocha dos Santos (a mãe) e começa a investir na Portugal Telecom (contra a OPA da Sonae) com a ajuda de Salgado do BES para encontrar crédito internacional.  “As minhas desavenças com Ricardo Salgado, para além do confronto grave que tivemos quando ele cortou a publicidade na Impresa (anos antes) incidiram sempre sobre o apoio dado à Ongoing” que o então presidente do BES negava. Argumentava que “os rapazes eram atrevidos”.

Para Balsemão, na sequência da morte do pai em 2009, Nuno Vasconcellos “entrou em órbita, estimulado e excitado pela ambição alimentada por Mora de ser um grande empresário” das telecom e dos media. Convenceu-se que tinha influência política — via Sócrates — e o dinheiro da mãe para ser proprietário não de uma, mas duas tvs privadas. A Ongoing era nesta altura a segunda maior acionista da Impresa com 20%, para além de controlar o Diário Económico.

Nuno Vasconcellos com Henrique Granadeiro, ex-presidente da PT

Diana Quintela

O empresário recorda a tentativa de compra de 30% da TVI à Prisa que o regulador travou (porque impôs a condição de venda da participação na Impresa) e que considera ter por trás interesses políticos de Sócrates para quem a estação era incómoda. Falhadas as tentativas de comprar a TVI via Portugal Telecom e Ongoing, a Ongoing contratou José Eduardo Moniz, que era diretor-geral da estação, para a administração. Faltava a SIC e o “incómodo” Expresso.

Balsemão reconhece que se deixou enredar na influência de Mora e no encanto que a Heidrick and Sruggles exerceu sobre a classe empresarial. ”Mora insinuou-se como consultor, como amigo, como pessoa que conhecia os altos e baixos dos nossos dirigentes” e até como excelente jogador de golfe. Chegou a oferecer emprego a um dos filhos do empresário. Hoje reconhece que foi usado. “Fui utilizado num plano muito mais amplo do que a Impresa”.

O Nuno desempenhava o papel do bom, até o momento em que os papéis se inverteram. Primeiro como capitalista que vai comprando ações da Impresa e depois passando de amigo e aliado a acionista incómodo. Os homens fortes da Ongoing sentirem-se “donos e pretenderem impor nos conteúdos, sobretudo no Expresso e na SIC, a divulgação de notícias”, algumas que eram boatos e até a tentar escolher as pessoas entrevistadas. Balsemão revela que quiseram despedir jornalistas — refere José Gomes Ferreira da SIC— e que tentaram interferir nos conteúdos junto de Pedro Norton, o então CEO da Impresa, que ameaçou ir-se embora se as interferências não parassem.

O ataque “ignóbil” contra a Impresa e Balsemão com recurso a hackers e a um espião

Tendo como pano de fundo a crise financeira, Balsemão diz que Vasconcellos lhe propôs fazer um aumento de capital na Impresa de 100 milhões de euros que daria à Ongong a mesma posição e o controlo dos conteúdos da SIC. Balsemão recusou e admite que reagiu “contrariado e irritado” perante a “tentativa de usurpação”. A partir daqui não era possível continuar em clima de paz.

Vasconcellos e Mora demitem-se da Impresa e a Ongoing “passa ao ataque” que Balsemão descreve como de “crescente má fé e ignóbil” e desenvolvido em duas frentes: empresarial e pessoal. Na Impresa, o terreno de luta passou pelas assembleias gerais com perguntas intermináveis e contestações que saltaram para os tribunais com pedidos de afastamento de Balsemão e outros administradores e de indemnizações por danos ao bom nome. Processaram várias empresas do grupo, fizeram queixa na CMVM. Depois de três anos de litígios judiciais que a Impresa foi ganhando, a Ongoing desistiu dos processos em 2013.

A contratação de Jorge Silva Carvalho foi jornalisticamente explorada pelo Expresso no meio da guerra com a Ongoing

MANUEL DE ALMEIDA/LUSA

Sobre a guerra contra si, Balsemão não hesita em escrever que foram usados “métodos criminosos” para difundir mentiras nas redes sociais, com o recurso à contratação de hackers pagos. Foi também contratada uma empresa para interferir no ordenamento das notícias nos motores de busca da internet para despromover notícias favoráveis à Impresa e ao seu acionista. E fazer o contrário com as notícias sobre a Ongoing.

É neste contexto que surge a referência a Jorge Silva Carvalho, o “espião” que foi contratado pela Ongoing e em cujo computador foi encontrado mais tarde no âmbito de uma investigação judicial um relatório “encomendado” recheado de falsidades” sobre a vida pessoal de Balsemão. O Expresso ganhou jornalisticamente, assinala, porque explorou a ida do antigo diretor dos serviços de informação para a Ongoing. Balsemão reconhece que esta cobertura “prejudicou em qualquer caso e como é óbvio a Ongoing e os seus propósitos de destruir a Impresa e de me destruir a mim”. Mas garante que cumpriu sempre critérios jornalísticos.

A falência da Ongoing e o acionista que vive “conformado e financiado pela intocável fortuna da mãe”

O quarto ato é o princípio do fim da Ongoing com a compra da brasileira Oi pela PT e a aplicação de mais de 900 milhões por parte da operadora no Grupo Espírito Santo. A queda do universo BES/GES/PT teve um efeito devastador nos investimentos da Ongoing que acabou falida em 2016 com dívidas de mais de mil milhões de euros. Balsemão agradece a todos que estiveram ao seu lado nesta luta. Lamenta os que se mudaram de armas e bagagens para o outro lado e não regressaram, apesar da abertura que deu para o fazerem. E usa metáforas teatrais para falar dos vencidos.

“Das traseiras do palco (da falência da Ongoing) podemos ver um aparentemente triste Nuno Vasconcellos, olhando para a mota de água (o único bem que estaria em seu nome no processo de execução movido pelo BCP) (...) mas conformado com a triste sina de ter de viver financiado pela ainda considerável e intocável fortuna sediada em paradeiro/paraíso incerto da mãe Belucha”.
Memórias de Francisco Pinto Balsemão

Nas traseiras deste palco está Rafael Mora “cada vez mais (…) resplandecente como se nada fosse com ele e que vai saltando dos lugares assinalados do palco que dizem Ongoing, Pharol (sucessora da PT) e Oi para um aparente nada, sempre recebendo de mãos gentis e veladas hospedeiras, sacos de dinheiro”.

“Das traseiras do palco podemos ver um aparentemente triste Nuno Vasconcellos, olhando para a mota de água (o único bem que estaria em seu nome no processo de execução movido pelo BCP) (…) mas conformado com a triste sina de ter de viver financiado pela ainda considerável e intocável fortuna sediada em paradeiro/paraíso incerto da mãe Belucha”. (Em entrevista ao Observador, Vasconcellos desmentiu disse  que a mãe estava falida. Uma reportagem da Sábado publicada semanas depois mostra o empresário numa vida de privilégios no Brasil que contrasta com as dificuldades financeiras que diz atravessar).

“É ponto de honra voltar a Portugal e pagar cada tostão às pessoas”. E aos bancos? “Os bancos são os bancos”

Bem no fundo de cena, procurando esconder-se estão outras personagens como José Eduardo Moniz, o ex-deputado Agostinho Branquinho do PSD (famoso pela pergunta feita no Parlamento: O que é a Ongoing que o contratou meses depois) e Isabel Rocha dos Santos (mãe de Vasconcellos). Silva Carvalho aparece como “fantasma”. Numa parte do cenário passam slides de Ricardo Salgado e de Zeinal Bava e Henrique Granadeiro (ex-presidentes da Portugal Telecom).  E depois do pano cair restam os trabalhadores do Diário Económico e outras empresas que ficaram sem receber — no caso dos primeiros Vasconcellos prometeu pagar, mas não se comprometeu com uma data.

Berardo, o madeirense empedernido, e o conflito com o patrão da Impala

No arranque da SIC em 1993 foi necessário realizar um novo aumento de capital não previsto nos planos e nem todos os acionistas quiseram acompanhar. Foi nesta fase que apareceu um novo investidor, o “raider” Joe Berardo que Balsemão descreve como um “madeirense curtido e empedernido da África do Sul” que fazia questão de contar as dificuldades que atravessou e que lhe permitiram fazer fortuna.

Apesar do estilo, Balsemão destaca duas qualidades que o distinguiam de outro acionista da SIC, o patrão das revista Maria e dono da Impala, Jacques Rodrigues. Tinha sentido de humor, ainda que por vezes “pesado”, e apreciava arte que comprava mais por instinto ou conselho de outros (Francisco Capelo) do que por conhecimento. Para ilustrar a primeira qualidade lembra um episódio em que Berardo lhe telefonou só para dizer: “Sabe onde estou? Estou na minha piscina e você está ai no escritório a trabalhar para mim”.

Joe Berardo, o raider que gostava de arte

Carlos Manuel Martins / Global Imagens

A abordagem de raider passava por comprar uma posição minoritária numa empresa e a partir daí tentar “influir e complicar o funcionamento do negócio que os acionistas maioritários acabam por se verem livres dele, por preferir pagar uma soma bem superior à que ele gastou para entrar ou, em alternativa, vender-lhe a um preço mais baixo o controlo da empresa”.

Sabendo das dificuldades iniciais em obter capital, comprou uma participação na SIC que aumentou até 18% em 1996. Neste período, nota Balsemão, havia alguma instabilidade com a Impala de Jacques Rodrigues que era o segundo maior acionista e tentava vender conteúdos os seus conteúdos mais populares à estação. O lançamento da revista Caras pela Impresa, e que Balsemão dizia não se destinar ao público das revistas da Impala, “fez transbordar o copo. Jacques Rodrigues publicou tais coisas a meu respeito (e de Emídio Rangel —então diretor da SIC — e em cuja defesa naturalmente saí) que me vi obrigado a propor a sua destituição de administrador da SIC” em 1996. A Impala e Jacques Rodrigues “acabaram por sair da minha vida. Nunca mais os vi e não tenho saudades”.

Berardo acabou por vender a participação ao BPI e à Cofina que venceram a Lusomundo de Luís Bordallo da Silva numa guerra bolsista sobre o controlo da Investec em 2000. O BPI ficou com a participação na SIC e viria a ser fundamental no processo de entrada em bolsa da Impresa.

Sobre Joe Berardo, há mais uma história conhecida que Balsemão relata de forma sucinta e que culminou na demissão de Joaquim Vieira de diretor adjunto do Expresso. Isto porque “não cumpriu um compromisso que tinha assumido em relação a uma notícia sobre a entrada de Berardo para o capital da SIC”.

Joaquim Vieira: “Saí do Expresso por ter publicado uma notícia sobre Berardo ter dois processos por evasão fiscal”

Demitido por José António Saraiva, o então diretor, Vieira voltou à redação com “toda a carga negativa profissional e monetária que isso implicava” e negociou a saída. “Vieira viria a publicar em 2017 uma deplorável pseudobiografia minha — revelando detalhes sobre o processo judicial de divórcio e paternidade de um filho de Balsemão — sobre a qual não lhe dei nem dou sequer e o relevo de me pronunciar”.

Os almoços com Jardim Gonçalves e Salgado e os cortes de publicidade

Sobre a história empresarial da Impresa, Balsemão recorda dois confrontos com os maiores bancos privados portugueses que levaram ao corte da publicidade.

O BCP de Jardim Gonçalves fê-lo por duas vezes. “O método era simples. Jorge Jardim Gonçalves convidava-me para almoçar no banco e, antes de irmos para a mesa, folheava lentamente um dossiê com recortes de prosas do jornal (o Expresso) que, em seu entender, continham informação errada ou opiniões com as quais ele não concordava. Terminando esse ritual (…) dizia-me que naquelas circunstâncias o BCP não podia continuar a ser anunciante do Expresso. Eu respondia que não concordava, mas que a decisão, obviamente, era dele. A seguir íamos para a mesa do almoço. Como é de presumir, onde conversa não era animada”.

Mas o BCP acabava por reconhecer que precisava do Expresso e voltava a investir.

Jorge Jardim Gonçalves convidava-me para almoçar no banco e, antes de irmos para a mesa, folheava lentamente um dossiê com recortes de prosas do jornal (o Expresso) que, em seu entender, continham informação errada ou opiniões com as quais ele não concordava. (...) dizia-me que naquelas circunstâncias o BCP não podia continuar a ser anunciante do Expresso. Eu respondia que não concordava, mas que a decisão, obviamente, era dele. A seguir íamos para a mesa do almoço. Como é de presumir, onde conversa não era animada”.

O conflito com o BES de Ricardo Salgado foi mais público e resultou no corte total pelo Grupo Espírito Santo da publicidade para todos os meios da impresa, incluindo revistas. O motivo foram dois artigos de opinião no Expresso. Um com críticas ao papel de Ricciardi, então presidente do BESI, na venda da Lusomundo à Portugal Telecom, e outro sobre a venda de ativos estratégicos a estrangeiros a propósito da privatização da Galp em 2004. Nesta corrida o GES aliou-se aos americanos da Carlyle e perdeu contra um consórcio nacional liderado pelo BPI (então acionista relevante da Impresa). Uma notícia sobre o envolvimento do BES no mensalão no Brasil também desagradou.

Balsemão diz que Ricardo Salgado compreendeu que tinha errado, ao fim de algumas semanas e abordou o seu amigo e advogado André Gonçalves Pereira para desempenhar o papel de mediador. O acordo foi selado na casa de Balsemão com um comunicado conjunto e logo a seguir Ricardo Salgado convidou-o para almoçar no buffet do Hotel Ritz então frequentado pela Lisboa dos negócios e pagou a conta.

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