Quando, em fevereiro de 2005, o PS de José Sócrates venceu as eleições com maioria absoluta, Miguel Costa Matos tinha apenas 11 anos. Estava no St. Julian’s, o dispendioso colégio privado que frequentou desde a pré-primária até ao 12.º ano de escolaridade — e a primeira coisa que fez quando chegou à escola no dia seguinte foi escrever no quadro os resultados eleitorais. “Estava cheio de esperança do que podia vir a acontecer”, contou numa entrevista ao Observador em outubro do ano passado, quando tinha acabado de ser eleito, aos 25 anos, o mais jovem deputado da Assembleia da República.
Não que seja socrático — entre um Sócrates e outro, diz que escolhe o filósofo grego — mas por ser “militante socialista desde a primeira hora”, como conta ao Observador o ex-líder da JS Pedro Delgado Alves, que viu nele, aos 16 anos, a pessoa certa para coordenar pela primeira vez aquilo que seria a Organização de Estudantes Socialistas do Ensino Básico e Secundário da JS. “Fez o trabalho todo de formiguinha em escolas de norte a sul do país, a ver onde havia núcleos de estudantes socialistas, e conseguiu fazer a primeira convenção nacional da organização no liceu Pedro Nunes. Foi ele que lançou a coisa.”
Aos 14 anos, idade mínima permitida, filiava-se na JS. Aos 16, acordava todos os dias ao som da Internacional Socialista (literalmente, já que era esse o seu despertador). Aos 18, mudava-se para Inglaterra onde tirou a licenciatura em Economia, Filosofia e Política na universidade de Warwick. E aos 18 + 1 geria uma geringonça de esquerda na associação de estudantes e fazia campanha porta a porta pelo Labour (partido da família europeia do PS, o Partido Socialista Europeu). Aos 23, com um mestrado em Economia na Nova, deixava oito meses de trabalho numa empresa de distribuição alimentar ligada à aquacultura sustentável porque tinha entrado num concurso público como técnico superior das Finanças — e o que queria mesmo era ser funcionário público. Mas nem um mês depois era convidado pelo primeiro-ministro António Costa para adjunto no seu gabinete. No meio disto, subiu todos os degraus da escadinha da JS até chegar, este mês, a líder da estrutura. E, no meio disto, saltou para o Twitter. E do Twitter para as polémicas do Twitter.
No dia em que é eleito, em pleno congresso digital da Jota, rebenta a primeira polémica: Sérgio Sousa Pinto, ex-líder da JS, acusa-o de ter omitido propositadamente nomes de ex-líderes como o seu, o de António José Seguro, ou o de Jamila Madeira, que saiu recentemente do governo em rota de colisão e que foi adversária da atual líder parlamentar do PS em Setúbal. Sousa Pinto não fez por menos e comparou o gesto do jovem líder da JS aos “tiques estalinistas” de querer “retocar a história” e “apagar” certas figuras.
Cinco dias depois, nova polémica: Miguel Costa Matos, que também se mostrou orgulhoso de ter sido bloqueado naquela rede social por Rui Rio, chama “cangalheiro da nação” a Pedro Passos Coelho, que esta semana teve uma aparição rara na cena política, e quebra a única regra não escrita daquela rede social: não apagar tweets. As reações negativas foram tantas, não tanto pela vida política do ex-primeiro-ministro mas sobretudo pela vida pessoal, que Miguel Costa Matos apagou mesmo o tweet.
Outra polémica: numa entrevista para o projeto 230 (que pretende entrevistar os 230 deputados portugueses) caiu também no erro de, quando lhe foi perguntado se preferia Donald Trump e Xi Jinping, escolher o presidente chinês. Admitiria depois a falha e voltaria atrás: “entre um nacionalista e um ditador não há escolha possível”. Mas a pergunta fechada já era, em si mesma, uma “falácia”, defende ao Observador.
Na entrevista do novo projeto os 230, perguntaram-me quem preferia: Trump ou Xi Jinping. Depois de dizer "nenhum", acabei por responder Xi Jinping. Não o devia ter feito. Entre um nacionalista e um ditador não há escolha possível.
— Miguel Costa Matos (@MigCMatos) October 10, 2020
Uma questão de “marketing”?
“Nos últimos anos, a ideia que dá é que tentou fazer uma viragem muito à esquerda, colar-se aos ‘jovens turcos’, até para se demarcar do meio de onde vem”, ouve o Observador de uma fonte socialista referindo-se ao facto de Miguel Costa Matos vir de uma “família com posses” e de ter estudado num colégio privado como o St. Julians, depois na universidade de Warwick em Inglaterra, e ser de Cascais. Há também quem diga que é maçon de uma das lojas da Grande Loja Legal de Portugal, mas ao Observador Miguel Matos rejeita um “envolvimento na maçonaria” aos dias de hoje e critica o facto de se “alimentar os mitos do envolvimento da maçonaria na política”.
Certo é que não é o típico “filho da escola pública”. É mais o típico “privilegiado”, como o próprio admite ao Observador, justificando que foi talvez essa posição de privilégio que o fez ver que havia “tantas desigualdades” no país e que o fez querer fazer parte da “solução” para o problema.
Miguel Costa Matos já tem conta no Twitter desde 2012, segundo se lê naquela rede social, mas foi nas últimas semanas que teve maior protagonismo — e não pelas melhores razões. A 18 de dezembro foi levado a apagar um tweet em que tinha chamado “cangalheiro da nação” a Passos Coelho. Em causa não está tanto a crítica política ao ex-líder do PSD mas a escolha de palavras que “não foi feliz”. “Assumi que foi infeliz e decidi emendar”, diz ao Observador, justificando que defende que os jovens devem iniciar uma forma de fazer política “diferente”, e fazer diferente passa por abolir o insulto gratuito.
https://twitter.com/Pablojs93B/status/1340322071994392577
Mas há quem veja a sua participação ativa e provocadora no Twitter como uma “tentativa de se posicionar”. Miguel Costa Matos prefere dizer, ao Observador, que é importante “estar onde as pessoas que pretendemos representar estão”, assim como é importante ver “as diferentes opiniões” e, ao contrário do Facebook, que só mostra a “bolha”, o Twitter é rico em opiniões diferentes. Pode ser isso, ou pode ser “marketing”. “Tem vindo a expressar preocupações mais polémicas. Ainda no outro dia mostrou que foi bloqueado pelo Rui Rio, é normal que se esteja a tentar posicionar”, diz outra fonte.
Foi também como uma tentativa de “provocação” que alguns (não todos) viram o facto de não ter enumerado todos os ex-líderes da JS no seu discurso pós-eleição. Mas, à exceção de Sérgio Sousa Pinto e de Álvaro Beleza, a maioria dos socialistas com quem o Observador falou deram razão a Miguel Costa Matos, que tinha em todas as redes sociais fotografias e vídeos com a história da JS onde não excluía ninguém. Em todo o caso, ficou claro quais eram para si os “líderes mais marcantes” que deixaram “legado histórico” na JS — Arons de Carvalho, Pedro Nuno Santos, Duarte Cordeiro, João Torres, Margarida Marques ou Maria Begonha, a quem sucedeu. “Referiu três ou quatro em 14, não era obrigado a fazer uma declamação histórica, além de que tinha todas as figuras a passar em slide nas redes sociais”, defende Pedro Delgado Alves, também ele ex-líder da JS que não foi referido.
Sérgio Sousa Pinto acusa novo líder da JS de ter “tiques estalinistas”
Uma postura “aguerrida” e um discurso “muito à esquerda” que, no outro lado da barricada política, há quem veja como uma postura um tanto “fabricada” e que não terá muita tradução prática porque pode vir a bater na parede da “lealdade a António Costa”.
O estágio não remunerado no Governo e o dia em que o telefone tocou e era do gabinete de Costa (que não conhecia pessoalmente)
Foi em setembro de 2017 que recebeu um telefonema. Era do gabinete do primeiro-ministro António Costa a convidá-lo para integrar a equipa como adjunto para os assuntos económicos. Tinha apenas 23 anos e, conta ao Observador, ficou “muito honrado”. Não conhecia António Costa “pessoalmente”, nem na qualidade de líder da federação de Lisboa da JS. Então, porque raio António Costa tinha escolhido um “miúdo” de 23 anos?
“Terá de lhe perguntar a ele” é a resposta mais evidente. Mas a verdade é que Miguel Costa Matos já se tinha destacado no Ministério da Economia às mãos do então secretário de Estado da Indústria João Vasconcelos, entretanto falecido. Depois de tirar o mestrado em Economia na Nova, em Lisboa, Miguel Matos foi fazer um estágio para o gabinete de estudos do Ministério da Economia, era lá que ia fazer a tese de mestrado — depois acabou por mudar o tema (fez a tese sobre progressividade fiscal) — mas foi-se deixando ficar de junho até ao final do ano, num estágio não remunerado. Chegou a fazer uma investigação sobre a competitividade no setor do calçado e depois foi chamado por João Vasconcelos para colaborar na Indústria 4.0 e no programa para as start ups.
Seguiu-se o mercado laboral. “Tive várias ofertas no privado, e em consultoria”, diz. Mas acabou por escolher uma empresa de distribuição alimentar que tinha um projeto de investimento em aquacultura sustentável porque, diz, a ecologia, a sustentabilidade e o combate às alterações climáticas sempre lhe foram temas caros. Já dos tempos em que, na escola, organizou uma manifestação pelo clima.
Não duraria nem oito meses na empresa. É que, ao mesmo tempo, tinha concorrido a um concurso público no Ministério das Finanças e estava à espera do resultado. Ficou e era para lá que iria em agosto de 2017, não tivesse sido o telefonema de António Costa no mês seguinte. “Apaixonei-me pelo serviço público”, conta ao Observador, referindo-se ao período em que tinha estado no Ministério da Economia. Ser funcionário público, do Estado, ser economista e fazer investigação em políticas públicas, esse sim era o seu sonho.
Sairia do gabinete de António Costa em setembro de 2019 para integrar as listas de candidatos a deputados do PS, na qualidade de dirigente da federação de Lisboa da JS, e de São Bento saltaria para o hemiciclo da Assembleia da República. Aos 25 anos era o deputado mais novo do país. Em entrevistas, chegou a dizer que no gabinete tinha mais tempo para ler, estudar os assuntos, contactar com a realidade, ao passo que no Parlamento o volume de trabalho é tal que o trabalho tem de ser mais feito “em cima do joelho”. Ainda assim, todos lhe apontam o sentido “trabalhador” e a “grande preparação” que tem sobre os temas, assim como a “solidez”. É o que diz ao Observador, Maria Begonha, que lhe antecedeu na distrital de Lisboa e na liderança da JS, e Ivan Gonçalves, ex-líder da JS, que trabalhou com Miguel Matos quando este coordenava os socialistas do básico e secundário e Ivan Gonçalves coordenava os do ensino superior. Ambos são agora colegas de bancada no Parlamento e apontam-lhe a “preparação e capacidade de trabalho” como elogios comuns.
Não é por acaso que foi parar à comissão de Orçamento e Finanças, onde costumam estar os pesos pesados de cada partido, e que foi o primeiro proponente do projeto do PS sobre a nova lei de bases do clima. “Ganhou o seu espaço”, diz o também deputado Pedro Delgado Alves, que lhe elogia o percurso por não ter “queimado etapas”.
O “filho da geringonça” que organizou palestras de Jeremy Corbyn
Depois de terminar o 12.º ano, foi estudar para fora. “Emancipar-se”, como gosta de dizer. Ser “autónomo”. Depois de se ter envolvido no associativismo ainda no ensino básico e secundário, chegou à universidade de Warwick, em Inglaterra, para um curso multi-disciplinar de Economia, Política e Filosofia, e a primeira coisa que fez foi candidatar-se à Associação de Estudantes como representante dos estudantes do 1.º ano. Foi eleito.
E foi aí que teve de lidar com a sua primeira “geringonça”. É que naquele organismo conviviam forças ligadas ao Labour, o Partido Trabalhista britânico, mas também a grupos que representavam um pensamento político mais à esquerda, mais ecologista ou mais “radical”. Alguns até “anarquistas”. “No meu segundo e terceiro ano conseguimos promover a força da esquerda como um todo, com representações das várias tendências em vários cargos na associação de estudantes”, conta ao Observador.
Foi nesses três anos que viveu em Inglaterra que se envolveu no Partido Trabalhista, fez campanha porta a porta e ajudou a organizar palestras. Recorda-se sobretudo de uma, com Jeremy Corbyn, então líder do partido. Mas recusa o rótulo de corbinista (associado à esquerda mais radical). Também organizou uma palestra com Stewart Wood, por exemplo, estratega de Ed Miliband no Partido Trabalhista — e mais ao centro. Certo é que há quem lhe chame “filho da geringonça”, por ter iniciado a sua vida política ativa aí. O rótulo não lhe cairá mal. Associado à ala mais à esquerda do PS, encabeçada por Pedro Nuno Santos, Miguel Costa Matos entregou a ficha de inscrição para a JS no tempo da crise económica, em 2008, e deu os primeiros passos na política partidária em pleno período da troika. A geringonça veio a seguir. E é pela renovação da geringonça que se bate.
Na oposição, há quem diga que ouvi-lo é quase o mesmo do que ouvir o Bloco de Esquerda. Recentemente, no Twitter, apareceu numa fotografia ao lado da namorada com uma legenda provocatória: “Um de nós já tomou posição sobre as presidenciais”. Era Sofia Santos quem tinha uma máscara de proteção individual com o emblema da campanha de Marisa Matias. Sobre isso, Miguel Costa Matos mantém-se em silêncio. Diz apenas que irá votar à esquerda. Seja Corbyn ou Miliband, seja Marisa Matias ou Ana Gomes. É socialista desde pequenino. E, ao contrário do Bloco de Esquerda, gosta de usar gravata.