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Os príncipes Rainier e Grace do Mónaco escolheram Portugal para passar umas férias em família em 1964. A estadia de mais de 10 dias em Lisboa e com visitas a outras cidades foi um acontecimento nacional e internacional. Trouxeram os filhos, Carolina e Alberto, e entre a beleza e simpatia da princesa e os momentos partilhados com os pequenos, encantaram por onde passaram. Foi realizado o desejo de Grace de conhecer Fátima, foram também à Nazaré, Alcobaça, Évora, Sintra, num roteiro com várias paragens. Foram os protagonistas de uma almoço oferecido pelo Presidente da República, mas também de refeições dadas pelos duques de Bragança e pelos condes de Barcelona. A visita teve caráter pessoal, mas acompanhada de perto por figuras do Estado e também pela imprensa. Passados 60 anos o país e o mundo são bem diferentes, mas estas figuras continuam a cativar, por isso fomos à procura dos momentos e segredos desta passagem dos príncipes do Mónaco por Portugal.
Em abril de 1956 o príncipe europeu e a estrela de cinema de Hollywood protagonizaram o primeiro casamento real transmitido pela televisão que foi visto por 30 milhões de pessoas, só na Europa. O conto de fadas, como foi rotulado na altura e, de certa forma ainda continua, fez destas duas personagens e depois também dos filhos, além de figuras de alto perfil da realeza europeia, verdadeiras celebridades de interesse planetário. Rainier e Grace tinham na altura da visita a Portugal 40 e 34 anos, respetivamente. Esta viagem dos príncipes foi noticiada e antecipada por todos os jornais como um grande acontecimento e acompanhada dia a dia.
A primeira notícia sobre a vinda dos príncipes do Mónaco a Portugal data de 28 de março de 1964. O Diário de Notícias anunciava: “Os príncipes do Mónaco visitam Lisboa” com uma fotografia do casal real. É, pelo menos, este o primeiro recorte de jornal num dossier que o conde de Bobone, cônsul-geral do Mónaco em Lisboa, organizou com as notícias que foram publicadas sobre a visita dos príncipes. A primeira página introduz em letras vermelhas escritas à mão: “Recortes jornais visita Príncipes do Mónaco”. Seguem-se depois uma série de folhas onde foram colados os registos que a imprensa foi fazendo da passagem destes membros da realeza pelo nosso país. Em cada folha, no canto superior direito o nome e a data da publicação escritos à máquina são depois acompanhados pelo recorte de jornal colado na folha. “Acho que o seu problema vai ser excesso de informação”, disse o neto do conde de Bobone enquanto colocava à sua frente os dossiers e revistas da época que o avô guardou com os registos de uma visita histórica.
A visita de Grace e Rainier do Mónaco a Portugal em 50 imagens
D. Carlos de Lencastre de Araújo Bobone, conde de Bobone, foi um dos principais orquestradores desta visita. O cargo de cônsul-geral do Mónaco em Portugal que detinha nesta altura vinha sendo herdado na sua família desde o século XIX e assim terá continuado até à década de 1980 do século passado. O conde de Bobone fez um registo minucioso desta visita em papéis e fotografias que permaneceram guardados e estimados durante 60 anos e foram partilhados com o Observador. Folhear papéis escritos à mão ou a máquina, recortes de jornais da época e fotografias foi como uma viagem no tempo e uma preciosa ajuda para passar em revista a estadia dos príncipes do Mónaco em Portugal.
A chegada da princesa Grace e uma ida à ópera
No dia 7 de abril, o conde de Bobone deu uma conferência de imprensa sobre a viagem dos príncipes. Como relata o jornal Diário de Lisboa daquele dia, o diplomata explicou que “a visita dos soberanos é puramente recreio” e não se lhes deveriam fazer “quaisquer perguntas sobre política, economia ou outras que se possam tornar embaraçosas”. E quando um dos jornalistas quis saber como tinha surgido a viagem, o cônsul explicou que o avô de Rainier, o príncipe Alberto, mantinha “excelentes” relações com o Rei D. Carlos e que a princesa tinha passado por Lisboa a caminho dos Estados Unidos e tinha prometido regressar assim que tivesse o iate novo. E assim foi.
A princesa Grace do Mónaco aterrou em Lisboa pelas 14h05 do dia 10 de março, chegada no vôo 155 da Pan-American Airways que partiu de Nice. Foi recebida com muito entusiasmo e deslumbrou todos os presentes com o seu sorriso, em especial os que tinham máquinas fotográficas em punho. Com um casaco branco sobre um vestido vermelho e um turbante azul na cabeça, Grace trazia pela mão o príncipe Alberto, que na altura tinha seis anos e estava vestido em tons de castanho e bege. Com eles estava também a mãe da princesa, a Sra. J. B. (Barbara) Kelly, vinda de Nova Iorque, que andou de mão dada com a princesa Carolina, de sete anos, vestida com um casaco vermelho e com duas bonecas ao colo. A Sra. Kelly falou aos jornalistas para dizer que já tinha estado várias vezes em Portugal e para dizer que é um país de que gosta “extremamente”, escreveu o Diário de Lisboa. A princesa do Mónaco foi recebida por uma série de individualidades e presenteada com um ramo de cravos e orquídeas pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, descreve o mesmo jornal, e também com pequenos ramos de várias senhoras presentes.
Além dos dois filhos e da mãe, a pequena comitiva da princesa incluía ainda Miss King, a precetora das crianças, Madame Laupheimer, mulher de uma amigo de Rainier que viajava com o príncipe, e o marquês Ruffo, secretário de Rainier. A saída do aeroporto foi ao som de palmas da pequena multidão que se juntou para ver a princesa e só pararam quando o carro seguiu diretamente para o hotel Ritz onde, segundo o mesmo jornal, Grace ficou instalada na suite real no oitavo andar, com vista para o Parque Eduardo VII.
Logo à chegada a princesa recebeu um convite do Presidente da República para uma ida ao Teatro S. Carlos nessa mesma noite e assim foi. Grace assistiu à ópera “Elixir do amor” com Alfred Kraus como protagonista no camarote presidencial, acompanhada por Américo Thomaz, a mulher, as filhas e o genro. A princesa voltou a deslumbrar só com a sua presença, mas ainda acrescentou umas palavras que o Diário de Notícias reproduziu. Explicou que já em agosto do ano anterior ela e o marido tinham pensado passar umas pequenas férias em Portugal, mas assuntos do principado fizeram a viagem ser adiada. “Afinal somos quase vizinhos. E tenho ouvido elogiar o clima, as flores e a doçura da terra portuguesa… Por aqui ficaremos uns dias, cumprindo um programa de visitas elaborado por alguns amigos” disse quando questionada sobre o porquê de visitar este país.
O príncipe Rainier, o novo iate e Grace “encantada”. Começam as férias em família
No dia 10 de abril, uma “circular enviada à P.S.P., P.I.D.E., S.N.I., Alfândega e Secretário-Geral da Presidência da República, Transportes Terrestes” pelo ministério dos Negócios Estrangeiros, dava conta que a chegada do príncipe Rainier estava prevista para o dia seguinte. O soberano do Mónaco chegou na manhã do dia 11 de abril a bordo do seu novo iate naquela que foi a viagem de estreia. Foi avistado pelas 8h30, atracou na doca da Marinha às 9h25 e às 10h15 já Rainier recebia, ainda a bordo, os cumprimentos das individualidades nacionais que o esperavam. Também entraram no iate funcionários da Companhia dos Telefones que instalaram na embarcação um telefone em cor creme, com um número próprio para ser utilizado durante a estadia em Lisboa. A primeira chamada foi, claro, para a princesa Grace na suite do Ritz. O príncipe foi finalmente visto a sair do iate quase às 11h00, de fato azul e óculos escuros.
O famoso iate era uma embarcação branca com 41 metros de comprimentos, oito de largura e 2,60 de calado, foi batizado de Albecaro II. O nome resulta de uma combinação dos nomes Alberto e Carolina, porque parece ser uma tradição entre os proprietários de barcos, batizá-los com uma conjugação de nomes de familiares. O iate foi construído em estaleiros nos Países Baixos e foi de lá, mais precisamente do porto de Vlissingen, que o príncipe Rainier partiu no dia 7 de abril em direção a Lisboa com uma tripulação de 12 pessoas de diferentes nacionalidades, italianos, franceses, um inglês, um espanhol, e um monegasco, que era o chef. E ainda o Sr. Laupheimer, um amigo norte-americano do príncipe, o capitão Yves Caruso e pelo engenheiro Marolleau, mas este não ficou em Lisboa.
Rainier III do Mónaco. O centenário do “príncipe construtor” que transformou um rochedo num paraíso
O príncipe dirigiu-se ao Ritz num carro do ministério dos negócios Estrangeiros colocado ao seu dispor. Depois de rever a família, os quatro chegaram ao salão do hotel para serem os protagonistas de uma receção onde durante minutos foram bombardeados com flashes e depois responderam a perguntas de membros da imprensa de vários países que se deslocaram para relatar os movimentos reais. Enquanto Rainier é questionado sobre a sua viagem, a mulher responde a perguntas sobre cinema e até sobre a educação dos filhos. “Acima de princesa sou mãe”, disse Grace aos jornalistas, citada no Diário de Lisboa. “Estou encantada, estamos sensibilizadíssimos com o acolhimento que nos prestaram”, fez questão de acrescentar.
Grace inaugurou a exposição “A criança através do Tempo”, organizada pela Assistência à Maternidade e à Infância numa sala do Ritz. A princesa demorou-se cerca de 45 minutos entre as reconstituições históricas e os vários objetos da exposição. Terá ficado encantada e disse que voltaria com os filhos e, de facto, os pequenos viram a exposição uns dias mais tarde. Entretanto o marido aguardava-a para ultimar os planos daquele dia, porque estava pensada uma visita da princesa e dos pequenos príncipes ao novo iate, que aconteceu pelas 19h00. Por esta altura já a princesa usava o segundo dos dois looks do dia que, segundo o Diário de Notícias, eram ambos azuis e com assinatura Yves Saint Laurent. O dia terminou com um jantar em casa de amigos e o regresso ao hotel pelas 23h00.
Uma lista com mais de 60 nomes de “correspondentes da imprensa estrangeira que desejam assistir à conferência de imprensa” dada pelos príncipes do Mónaco, denunciava o interesse internacional nestas figuras, reportando para vários países da Europa e do mundo, como África do Sul, Brasil, México ou Estados Unidos, em nome de títulos como agência Reuters, revista Newsweek, New York Times, Paris Match, vários meios espanhóis, alemães e britânicos. A estes acresce uma lista com 23 meios portugueses e seus representantes, dos jornais às revistas, passando, claro, pelas rádios. No dia a seguir à partida dos príncipes, o conde de Bonone uma carta de agradecimento com dois parágrafos. “Cabe-me a honra de vir agradecer a V.Exª. as agradáveis referências feitas a Suas Altezas o Príncipe Rainier e a Princesa Grace de Mónaco, durante a sua estadia em Portugal”, começa o texto. Também dá conta de que “a forma como Suas Altezas foram acolhidas no nosso país por toda a parte por onde passaram Lhes deixou a melhor impressão da Sua visita”. O conde de Bobone acrescenta que fez o que lhe “foi possível para facilitar a missão dos representantes dos Órgãos de Informação”.
Vídeos em Cascais, almoço em Sintra e tourada em Lisboa
O primeiro dia da família reunida em Portugal começou cedo. A precetora dos pequenos príncipes foi vista no hall do hotel com o príncipe Alberto pela mão quando passou para comprar postais ilustrados e selos e disse aos jornalistas ali presentes, que a cumprimentaram, que os príncipes se levantam cedo e estavam “a pé desde as 7 e meia”, escreveu o Diário de Lisboa. O seguinte a ser visto foi Rainier que, acompanhado por Laupheimer, saiu pelas 10h35 para ir a um dentista perto do hotel. Regressou ao fim de uma hora, a princesa, os filhos, a sogra, a mulher de Laupheimer e a precetora das crianças juntaram-se a ele e a comitiva real arrancou para um passeio pela Marginal até Cascais.
A primeira paragem foi a baía de Cascais onde a princesa Grace, com a sua própria máquina de filmar, captou o momento, os presentes e a paisagem. “Cascais é maravilhoso e faz-me lembrar o Mónaco”, disse a princesa aos jornalistas. Com um tailleur verde, lenço na cabeça e óculos escuros, era ela o foco das atenções. Seguiram depois para Sintra onde visitaram o Palácio Nacional. Ao subir as escadas que levam à entrada os príncipes pararam para olhar à volta e Grace puxou Carolina para lhe apontar o Castelo dos Mouros. “Beautiful!”, exclamou duas vezes a princesa do Mónaco. Depois foi Rainier que deu aos filhos uma explicação em francês.
A seguir, foi a vez da Quinta da Ribafria, onde ouviram a missa. Foi nesta propriedade de Jorge de Mello que a família real do Mónaco almoçou com um grupo de pessoas, entre as quais a família do anfitrião e o ministro dos Negócios Estrangeiros, Franco Nogueira. Além de um espetáculo de grupos folclóricos, com pessoas do Minho, do Ribatejo e ainda três estudantes de Coimbra que interpretaram uma serenata, o dia contou também com um passeio a pé pela quinta.
À tarde, a família regressou a Lisboa para assistir a uma tourada no Campo Pequeno. O pegador do grupo de forcados entregou a Grace o seu barrete ao som dos aplausos do público. Segundo relata o Diário de Notícias, a primeira pega falhou, a segunda teve sangue e para a terceira a princesa pegou no príncipe Alberto e tapou-lhe os olhos até ser seguro o pequeno assistir. À noite, Grace e Rainier regressaram à linha de Cascais para jantar na Quinta da Giribita, em Paço de Arcos, a residência do conde de Bobone, cônsul-geral do Mónaco em Portugal.
Um dia em viagem, da missa em Fátima aos típicos encantos da Nazaré
“Ir a Fátima é um dos maiores sonhos da minha vida, um dos grandes anseios e desejo que sempre esperei concretizar”, disse Grace aos jornalistas no seu segundo dia em Portugal, ao lado do príncipe Rainier no hotel Ritz. E assim o desejo da princesa do Mónaco foi concretizado. No dia 13 de abril, pouco depois das oito da manhã a comitiva real arrancou rumo a Fátima onde chegou três horas mais tarde. Os membros da família real foram de imediato para os lugares que lhes estavam reservados, atrás de um altar montado de propósito para a missa no exterior, na escadaria que conduz à basílica.
Grace colocou um véu negro sobre a cabeça para assistir à missa presidida pelo bispo de Leiria, que pediu aos presentes uma Avé-Maria pelos príncipes e pela felicidade do principado. Rainier, por seu lado, foi convidado a segurar a umbela, uma espécie de grande chapéu de sol que acompanhou o clérigo que levava a custódia com o santíssimo sacramento. Os príncipes incorporaram depois a procissão que seguiu a imagem da Virgem de regresso à Capelinha das Aparições, com Grace logo atrás da Nossa Senhora. Quando a comitiva já seguia viagem, voltou para trás a pedido da diocese local e o bispo ofereceu aos príncipes recordações do santuário de Fátima e uma imagem de Nossa Senhora. Em troca, Rainier ofereceu a sua própria medalha da virgem protetora do principado, que trazia sempre consigo. As crianças receberam brinquedos.
Passaram, ainda de manhã, pela Batalha, onde estava previsto que estivessem pouco tempo, mas o facto de já ser tarde nem permitiu que saíssem dos carros e os príncipes apenas terão visto a fachada do mosteiro através da janela do carro. O almoço foi reservado na Estalagem do Cruzeiro, em Aljubarrota, onde os soberanos quiseram tomar um Porto branco como aperitivo, antes de um almoço composto por omolete, escalopes de vitela com vinho do Porto, doce da padeira, frutas de Alcobaça e aguardente e ginja, numa varanda envidraçada que foi envolvida em vegetação para, propositadamente, dar privacidade à família. Entre o dossier de contas do cônsul-geral do Mónaco, existe um cartão desta estalagem a dar conta da receção de um vale de correio no valor de 987,10 escudos.
Ditava o programa que a primeira paragem da tarde fosse Alcobaça, onde visitaram o mosteiro e receberam lembranças locais e muitas palmas. Seguiu-se a Nazaré como última paragem deste tour, com partida marcada para às 17h30, mas com tempo para assistir à dança de um rancho de nome Tá-Mar, para Grace fazer filmagens, sentar ao seu colo uma criança vestida de nazarena e contar e mostrar à filha o número de saias de uma nazarena, que por acaso não eram sete, mas 11. Na altura da troca de lembranças, Rainier recebeu um look total da Nazaré e foi prometido que seriam enviados para o Mónaco um fato de peixeira para a princesa Carolina e um de pescador para o príncipe Alberto, contudo naquele dia receberam bonecos. Rainier, reconhecidamente apaixonado pelo mar, aproveitou para fazer um passeio na praia e contemplar a água. Nessa noite os príncipes estavam convidados para um jantar na casa do conde de Barcelona, pai do Rei Juan Carlos de Espanha, na villa Giralda, no Estoril.
O conde de Bobone, responsável por esta viagem, registou as despesas da estadia da família real e da sua comitiva e, numa lista datada de 1 de maio, pode ver-se uma soma de várias parcelas que resulta num valor de 53.413,30 escudos. Num dossier de contas que ainda hoje está preservado encontram-se apontamentos, faturas e contas, como por exemplo, dos 300 escudos pagos a um médico, que pode ter sido o dentista que Rainier visitou logo no início da sua visita a Portugal, aos 2620 escudos gastos em cinco pares de “sapatos de calf”, dois em castanho e três em, preto, “de 1ª qualidade, com duas solas corridas, de manufactura especial”. E é interessante ver que, numa época pré-telemóvel, os valores dos telexes e telefones tinham a sua própria parcela. Por exemplo, numa das contas apresentadas pelo Hotel Ritz pode ainda hoje ver-se que os telefones ascendem a um valor superior a três mil escudos, enquanto o fornecimento de canapés para o iate Albecaro II teve um custo de 560 escudos. Além da diferença de valores e moedas que os 60 anos que passaram implicam, é curioso ver como era cara a comunicação na época.
Existem também uma série de faturas de material diverso entregue no Albecaro II, tanto técnico como mantimentos, das “peças de máquina” da casa Francisco Pinto Matos Silva, aos garrafões de vinho tinto comprados à Quinta dos Plátanos. Importa lembrar que o iate esteve mais de 10 dias atracado em Lisboa e depois preparou-se para seguir para um cruzeiro no Mediterrâneo. No que às embarcações diz respeito, foi também necessário contratar um serviço de pilotagem a bordo do iate real para a sua entrada e saída de Lisboa, que terá custado 638 escudos e 70 centavos, valor ao qual há que acrescentar 600 escudos pelo “aluguer do barco ‘Ribatejense’ que transportou os Senhores Príncipes do Mónaco de Lisboa a Cacilhas e volta”, segundo se pode ler na fatura da casa E. Pinto Basto & C.a, L.da.
Um dia entre o Museu da Marinha e a margem Sul. Outro em passeio pelo Alentejo
No dia 14 de abril a família estava ainda cansada do intenso dia anterior. Contudo, manteve-se a visita ao Museu da Marinha. Rainier começou o dia com uma ida ao seu iate para tratar de assuntos e, pelas 11h30 da manhã, a família e sua comitiva rumaram ao museu depois de passar por uma pequena multidão que esperava vê-los à porta do hotel. O ministro da Marinha da altura, o almirante Fernando Quintanilha, não só recebeu os visitantes reais, como fez ele próprio uma visita guiada pelo museu. Segundo dá conta a imprensa da altura, os pequenos príncipes ficaram entusiasmados com o que viram no museu e fizeram várias perguntas a que o pai deu resposta, mas a dada altura ficaram cansados e a princesa Grace deu indicações para que a precetora descansasse com eles num banco, oportunidade que a avó também aproveitou. Parece que a visita foi longa e até Grace teve de pedir que fosse um pouco acelerada uma vez que para almoçar atravessaram o Tejo e rumaram a Corroios, à casa de Ribeiro Ferreira.
No museu houve ainda uma troca de presentes, na qual a princesa do Mónaco recebeu um guarda-joias em filigrana, o marido recebeu livros e uma placa em bronze com o infante D. Henrique especificamente para o iate novo, o filho recebeu um barco rabelo e a filha uma boneca vianense em filigrana. À saída, uma menina, Marta Viegas, de origem goesa e com um livrinho onde colecionava autógrafos, dirigiu-se à princesa para pedir uma assinatura, mas Grace não o fez. Já na Quinta da Princesa almoçaram com o engenheiro Ribeiro Ferreira e a sua família, entre um grupo de pessoas que contava com condes e marqueses e outros convidados. À tarde houve um recital de fado com a voz de D. Maria Teresa de Noronha. Alguma imprensa daqueles dias dá conta que a família real regressou a Lisboa durante a tarde para visitar o Museu dos Coches onde foram recebidos pela diretora, Maria José Mendonça, numa visita que terá durado cerca de uma hora. Nesta noite, o jantar foi na casa dos duques de Palmela, na Rua da Escola Politécnica, em Lisboa, para um grupo de convidados mais íntimo. Estaria ainda planeada uma visita ao Mosteiro dos Jerónimos para este dia, mas que terá caído da agenda.
E ao quinto dia de férias em família, o destino foi o Alentejo. Chegaram a Évora pelas 11h30 da manhã. Depois da receção feita pelas autoridades e de receberem alguns presentes, entre eles doces locais, os príncipes do Mónaco fizeram um passeio a pé com passagem por uma série de pontos históricos e turísticos. Depois de muitos acenos, do constante sorriso de Grace e de manifestarem pena por não poderem demorar mais tempo, já passava das 13h00 quando partiram para Vila Viçosa. Por lá os príncipes do Mónaco eram aguardados por uma multidão e foram recebidos no Paço Ducal por D. Duarte Nuno de Bragança e pela duquesa dona Maria Francisca. A refeição foi recheada por sabores nacionais e contou com salmão do rio Minho, vitela, toucinho do céu, laranjas de Vila Viçosa e ananás dos Açores e café de Angola para rematar, como descreveu o Diário de Lisboa. A meio da tarde houve um passeio a pé pela vila. Depois, um momento de descanso novamente em Évora e pelas 18h30 a comitiva pôs-se a caminho para Lisboa.
O almoço de gala no Palácio de Queluz, Salazar e a Cruz Vermelha
A estadia dos príncipes do Mónaco pode ter não ter sido uma visita de estado oficial, mas contou com um almoço oferecido pelo Presidente da República da época. No dia 16 de abril, Américo Thomaz e a mulher, Gertrudes Rodrigues Thomaz, ofereceram a Rainier e Grace um almoço no Palácio de Queluz. O evento estava marcado para as 13h30 e o convite indicava que o dress code era “fato de passeio”. O almoço teve como cenário a Sala dos Espelhos e contou com cerca de 80 pessoas, incluindo várias individualidades nacionais, entre elas o Presidente do Conselho, António Oliveira Salazar, que os príncipes conheceram nesta ocasião e que durante a refeição ficou sentado ao lado da princesa.
O momento contou com um programa musical além da ementa. Arrancou com a “Marcha Triunfal” de Alfredo Keil, seguiu-se “L’Adieu des roses” de John Openshaw e, depois de mais seis momentos musicais, terminou com “Dança Portuguesa” de Ruy Coelho. No que diz respeito a outros sentidos, mais concretamente aos sabores, o almoço começou com ovos com espargos, depois robalo de Sesimbra com molho tártaro e perdizes estufadas. A sobremesa foi tarte de maçã e houve também “friandises”, como indica a ementa, ou seja, pequenos doces. A carta de vinhos incluiu um branco J.M.F., um tinto Aliança Velho e ainda Porto, aguardente Velhíssima e licores. A refeição acabou com um café português.
O Presidente condecorou o Príncipe com a Grã-Cruz da Ordem de Sant’Iago da Espada e, por seu lado, Rainier condecorou Américo Thomaz com Grã-Cruz da Ordem de S. Carlos, do Mónaco. As insígnias foram trocadas antes do almoço e depois da refeição foi a vez de trocarem presentes. O Príncipe recebeu a “Portugalia Monumenta Cartographica” e a princesa recebeu “um serviço de chá, de porcelana portuguesa”, segundo se pode ler em documentos do arquivo do ministério dos Negócios Estrangeiros. A encomenda foi entregue na véspera no Palácio de Belém, segundo nota da Fábrica de Porcelana da Vista Alegre, que dava conta de “um estojo contendo o serviço de chá expressamente fabricado por decisão de Sua Excelência o Chefe de Estado e destinado a S.A.S. a Princesa do Mónaco”. Do principado vieram um presente para a senhora dona Gertrudes e uma coleção de moedas de ouro para o Presidente.
À tarde, a princesa Grace, presidente da Cruz Vermelha monegasca, aceitou o convite da Cruz Vermelha portuguesa e marcou presença numa receção com chá que lhe foi dedicada no Palácio dos Condes de Óbidos, em Lisboa, a sede da instituição. Os anfitriões foram o presidente da instituição, Castro Freire, e a presidente da secção feminina, Margarida de Morais, que ofereceu à princesa uma imagem de Nossa Senhora em cerâmica com o selo Vista Alegre, por seu lado, ofereceu medalhas com a efígie de Rainier. Estiveram presentes as mulheres de membros do governo e de diplomatas a residir em Portugal. Pelas 18h30 o casal real voltou a juntar-se e foram recebidos por Oliveira Salazar, numa reunião que durou cerca de 45 minutos. O príncipe Rainier entregou ao presidente do conselho uma biografia do príncipe Alberto, seu avô, e as insígnias da grã-cruz da Ordem de S. Carlos. Para as 19h00 estava marcada uma visita à Associação Naval de Lisboa e à noite o casal Medeiros e Almeida ofereceu um jantar em honra dos príncipes na sua casa, perto da Avenida da Liberdade. A casa é hoje um museu e, à entrada da sala de jantar com a mesa posta, é possível ver um desenho da mesa com a disposição dos convidados para o jantar oferecido aos príncipes.
Na manhã do dia 17 de abril, Grace e Rainier tinham visita marcada à Fundação Espírito Santo, na qual foram acompanhados por membros da família fundadora da instituição. O evento ficou, segundo a imprensa da altura, marcado por um desentendimento com a comunicação social, uma vez que os repórteres fotográficos foram impedidos de entrar na fundação e depois os restantes jornalistas também foram afastados pelo cônsul do Mónaco que declarou a presença destes dispensável. À tarde reuniram-se com familiares para um chá, mais precisamente, Pedro Assis Mascarenhas de Barros e princesa Teresa de Polignac (o mesmo apelido do pai do príncipe), primos de Rainier. Neste dia, os príncipes andaram ainda às compras na Baixa lisboeta, uma atividade que Grace tinha planeado antes, mas pelo cansaço tinha cancelado. O jantar ficou a cargo do embaixador dos Estados Unidos da América em Portugal.
Uma escapadinha ao Mónaco e a partida do Albecaro II rumo ao Mediterrâneo
Os últimos dias de férias foram bem diferentes. Grace partiu de avião para o Mónaco na manhã do dia 18 de abril. Neste dia os príncipes celebraram oito anos do seu casamento civil, o inesquecível grande evento que foi a sua união religiosa aconteceu no dia a seguir. Rainier regressou ao principado no dia seguinte, onde terão passado juntos o domingo. Voltaram ambos a Lisboa no dia 20, uma segunda-feira, também em aviões separados. Os príncipes Carolina e Alberto ficaram em Lisboa com a avó.
No dia em que a princesa regressou a Monte Carlo, Rainier recebeu Américo Thomaz no seu novo iate, o Albecaro II. Antes de partirem, a União Zoófila distinguiu os príncipes como sócios honorários da instituição. Uma homenagem por, no principado, terem substituído os pombos por pratos nos torneios de tiro. Os diplomas foram entregues ao cônsul do Mónaco, o conde de Bobone. A partida de Lisboa estava planeada para dia 21, mas neste dia a família acabou por apenas se mudar do Ritz para o iate, onde ofereceram um cocktail à tarde em retribuição a algumas entidades oficiais e particulares.
O conde de Bobone recebeu muita correspondência relacionada com a visita dos príncipes, antes e durante a passagem por Portugal, à qual foi dando resposta. Entre cartas escritas à mão e telegramas há convites, pedidos e saudações, umas em português e outras em francês. Existe, por exemplo, um telegrama enviado por uma senhora que convidava a princesa Grace a visitar “a Rainha das Praias Portuguesas”. Ou então o coordenador da iniciativa “Gente de cinema fala de Filmes” alertando que na sessão de cinema clássico do Império de 13 de abril passou o filme “Country Girl”, com o qual Grace ganhou o Óscar de melhor atriz, e, por isso, enviava com a carta uma série de programas da sessão com uma fotografia da princesa com o pedido de que fossem autografados. Há também registo de um pai de quatro filhos desempregado que pedia ajuda financeira ao príncipe Rainier para conseguir ir para África trabalhar. O cônsul-geral respondeu com um agradecimento em nome do Príncipe ou da princesa.
Foi numa quarta-feira, 22 de abril, pela hora do almoço, que a família real do Mónaco e a sua comitiva deixaram Portugal. De manhã, a princesa e a mãe fizeram compras na Baixa e no Chiado. Grace terá comprado jornais internacionais e uma camisola numa loja de fazendas do Rossio, descreveu o Diário de Lisboa. O diário Popular escreve também que, durante os dias da estadia, foram vários os postais ilustrados enviados para o Mónaco e para os Estados Unidos. Foram várias as pessoas que se acumularam junto à doca para acenar aos príncipes. Relatam os jornais que as exclamações ouviam-se especialmente quando Grace aparecia. O Albecaro II partiu para um cruzeiro no Mediterrâneo, com próxima paragem prevista nas ilhas Baleares.