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Não há banco mau, nem veículo. Malparado fica nos bancos, mas gestão é partilhada

Plano de combate ao crédito de risco já foi comunicado aos bancos. Não há banco mau, nem veículo. O malparado fica dentro dos balanços, mas a sua gestão passa a ser integrada.

Nem banco mau, nem veículo autónomo para absorver os ativos problemáticos dos bancos. A solução para o crédito malparado em Portugal está a ganhar forma, muito condicionada pelo que é possível fazer dentro do apertado quadro das regras europeias de concorrência e resolução bancária. O Governo, o Banco de Portugal e os principais bancos estão a trabalhar na criação de uma plataforma integrada de gestão de créditos de má qualidade, sobretudo no segmento empresarial.

Neste modelo, os créditos de má qualidade ficam dentro do balanço dos bancos, pode haver separação contabilística, mas não jurídica, pelo que as instituições não têm de reconhecer perdas de valor (imparidades), livrando os bancos da necessidade de mais capital privado e ou de apoios públicos que muito dificilmente passariam no “testes de mercado” da Comissão Europeia.

Esta quinta-feira, durante o debate quinzenal realizado na Assembleia da República, o primeiro-ministro revelou ter havido, no início da semana, uma reunião entre o Ministério das Finanças, Banco de Portugal e os três principais bancos do país com o nível mais elevado de malparado, no sentido de “apresentarem uma proposta de solução para as instituições estudarem e poderem dar um parecer sobre esta matéria”.

Em causa não está propriamente a solução, mas várias soluções ou uma solução com vários eixos. O objetivo é o de limpar o legado de créditos problemáticos que estão nos balanços dos bancos portugueses e que continuam a gerar prejuízos em várias instituições financeiras. Não de uma só vez, nem com uma resposta igual para todas as situações. Esta semana, o projeto deu mais um passo com a apresentação formal aos três bancos onde está concentrado o grosso do problema — Caixa, BCP e Novo Banco — que vão agora responder.

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As propostas são para avançar, o mais depressa possível, sem prejuízo de uma solução mais radical e onerosa, que só poderá avançar com exceções às regras da união bancária e das ajudas de Estado e dentro de um quadro europeu.

"Estamos a trabalhar com o Banco de Portugal numa plataforma partilhada para os bancos coordenarem a recuperação de divida. Muitas empresas têm empréstimos junto de vários bancos. Se os financiadores forem capazes de coordenar de forma mais efetiva entre si, será mais fácil recuperar os créditos por reembolsar. Mas a situação está muito melhor hoje do que há um ano. Hoje é mais uma questão estatística do que um problema económico".
António Costa, entrevista ao Handellsbalt,

Não é a primeira vez que António Costa fala do assunto nos tempos mais recentes. Na semana passada, o primeiro-ministro até tinha ido mais longe na descrição da solução que está em cima da mesa, quando foi questionado sobre como Portugal vai resolver o problema do crédito malparado. Em entrevista ao jornal alemão Handelsblatt, António Costa afastou liminarmente a necessidade de um banco mau, justificando com o facto de os bancos terem atualmente o capital necessário para lidar de forma gradual com o problema dos empréstimos maus. Mas quando lhe perguntaram se não existe nenhum plano para estabilizar o setor financeiro, o primeiro-ministro respondeu que sim.

“Estamos a trabalhar com o Banco de Portugal numa plataforma partilhada para os bancos coordenarem a recuperação de divida. Muitas empresas têm empréstimos junto de vários bancos. Se os financiadores forem capazes de se coordenar de forma mais efetiva entre si, será mais fácil recuperar os créditos por reembolsar. Mas a situação está muito melhor hoje do que há um ano. Hoje é mais uma questão estatística do que um problema económico”.

Elisa Ferreira, vice-governadora do Banco de Portugal

HUGO AMARAL/OBSERVADOR

Uns dias depois, em entrevista à RTP, a vice-governadora do Banco de Portugal também afastou a criação de um veículo autónomo para realizar a libertação antecipada dos NPL [non performing loans], com o argumento de que a legislação europeia não o permite. Elisa Ferreira afirmou que não há uma “silver bullet” [bala de prata], mas enquanto a União Europeia não muda as regras de resolução e ajudas de Estado, as autoridades portuguesas não estão paradas. Elisa Ferreira destaca os três eixos que estão a ser trabalhados, entre Banco de Portugal, Governo e os próprios bancos.

  • Programa capitalizar: dinamização de processos judiciais que envolvem créditos e empresas em incumprimento;
  • Apresentação pelos bancos, a pedido da supervisão, de planos para libertar de forma organizada os seus balanços dos NPL;
  • Gestão integrada dos créditos. Muitos bancos são credores das mesmas empresas e há vantagens em interagir com um interlocutor integrado que represente todos os bancos para permitir uma gestão mais eficaz e articulada.

Até março, cada banco teve de apresentar para validação junto do Banco Central Europeu o seu plano para reduzir a cinco anos o crédito em risco. Este foi um pontos de partida importante para o trabalho que tem vindo a ser feito nos últimos meses. Para além de uma gestão partilhada, está também em causa uma solução que ajude a vender o crédito mal parado, individual ou em carteira.

Esta plataforma de gestão integrada de crédito mal parado destina-se, em primeiro lugar, ao crédito empresarial que é o que pesa mais no balanço dos bancos e está já a ser discutida com os principais bancos do sistema expostos ao problema, confirmou o Observador junto de fontes do setor bancário. De adesão voluntária, a solução deverá interessar aos quatro bancos que mais problemas enfrentam ao nível do crédito malparado — e que se têm aliás traduzido em prejuízos. São os casos da Caixa Geral de Depósitos, BCP, Novo Banco e Montepio.

Uma das questões que estava ainda em aberto, de acordo com informação recolhida pelo Observador, é a de saber se a gestão destes créditos e da relação dos bancos com estes grandes clientes deve ser entregue a uma entidade externa ou ficar dentro de casa.

Numa recente intervenção numa conferência em Lisboa, Pedro Machado, partner da PwC, defendeu este modelo como uma resposta ao problema do malparado, argumentando a favor de que a gestão fosse entregue a terceiros. O objetivo seria não só maximizar a recuperação de valor, mas também evitar que cada um dos bancos continuasse a renovar ou até aumentar o financiamento a empresas não viáveis, para adiar o reconhecimento de perdas naquele empréstimo, com prejuízo da concessão de crédito a empresas saudáveis.

Limpar o crédito mau dos bancos. Se a Europa não deixa, há alternativas

Ainda que demorasse mais tempo a resolver o problema do crédito malparado, esta solução evitaria a necessidade de mais capital e afastaria o fantasma da ajuda do Estado, uma restrição da Comissão Europeia que torna quase impossível no atual quadro legal viabilizar a criação de um banco mau ou de um veículo autónomo que ficasse a gerir os tais créditos problemáticos. Estas limitações europeias, que resultam das regras de resolução e da concorrência, têm sido aliás destacadas pelo governador do Banco de Portugal.

https://observador.pt/2017/05/24/carlos-costa-explica-aumento-dos-dividendos-pagos-ao-estado/

Por outro lado, sublinham as fontes contactadas pelo Observador, concordando com o diagnóstico do primeiro-ministro, a pressão do tempo para resolver o problema é menor do que há um ano. Os “bancos não estão desesperados”, sublinhou ainda Elisa Ferreira. Afinal, várias instituições realizaram recentemente aumentos de capital, como a Caixa Geral de Depósitos e o BCP, elevando os rácios para níveis mais confortáveis. O Novo Banco estará em vias de se recapitalizar, desde que se cumpram os pressupostos do acordo feito com a Lone Star.

Mas o colapso, esta semana, do Banco Popular em Espanha, com uma herança de crédito malparado de mais de 30 mil milhões de euros, mostra que o problema está longe de estar resolvido.

Se a banca portuguesa até tem conseguido captar investimento, sobretudo estrangeiro, não existe margem para novas operações, como aliás deixou claro o presidente do BCP durante a apresentação dos resultados do primeiro trimestre de 2017. Nuno Amado disse que o BCP estava disposto a analisar uma solução do Governo para limpar o crédito malparado, mas afastou o interesse em qualquer solução “destrutiva do capital, porque é o bem mais caro que temos“.

E de que valores estamos a falar? No final do ano passado, o peso do crédito em incumprimento sobre o crédito total era de 17,2%, o que corresponde a cerca de 42 mil milhões de euros. Neste bolo, 45% está coberto por imparidades, ou seja, os bancos já tinham reconhecido as perdas com aqueles créditos nos seus balanços. Sobram 23 mil milhões de euros.

Descontando o valor dos colaterais e das provisões constituídas, estaremos a falar de qualquer coisa como 10 a 13 mil milhões de euros de crédito malparado líquido, essencialmente concentrado nas quatro instituições que mais perdas de crédito têm registado: Caixa Geral de Depósitos, BCP, Novo Banco e Montepio. O crédito às empresas representa mais de metade do valor dos empréstimos em risco.

E quem são os devedores?

Paulo Macedo já o disse, na sua primeira conferência de imprensa como presidente da Caixa Geral Geral de Depósitos. As grandes imparidades da Caixa, que justificaram em grande parte o aumento de capital realizado este ano, tiveram origem num universo conhecido de todos os bancos. Serão as mesmas 200 empresas que provocaram, e provocam, perdas na Caixa e nos concorrentes. Há nomes conhecidos, como os das empresas do universo Espírito Santo ou a Ongoing, cuja maioria está em insolvência, construtoras em PER (Processo Especial de Revitalização), como a Soares da Costa e a MSF, concessionárias de autoestradas em incumprimento de crédito, como a Douro Litoral e a Brisal.

Paulo Macedo disse que o problema do malparado tem origem em 200 empresas que penalizaram outros bancos

HUGO AMARAL/OBSERVADOR

Uma plataforma externa, que pode ser comum a vários bancos, teria como missão definir o que é viável e o que não é, e adotar a gestão mais adequada à otimização daqueles ativos. Esta plataforma servirá, também, para facilitar a venda a terceiros deste tipo de ativos, os chamados NPL. Estes ativos são muito difíceis de avaliar, dada a inexistência de um mercado com escala, e por causa da incerteza gerada por credores múltiplos com estratégias desencontradas.

Para além da gestão concertada do crédito e do cliente em causa, está também em análise uma atuação conjunta em planos de reestruturação e de recuperação judicial — no caso das empresas em PER (Processo Especial de Revitalização). Uma história recente de divergência entre bancos credores foi o da Soares da Costa. A Caixa, maior credor, votou contra o plano de recuperação, ao contrário do BCP que era o segundo principal credor. Já no caso mais recente da também construtora MSF, Novo Banco e BCP, os dois maiores credores, estão a atuar de forma coordenada no pedido de recuperação judicial.

Plano da Soares Costa viabilizado contra o voto do maior credor, a Caixa

Para que esta gestão coordenada da recuperação de créditos funcione será preciso agilizar o quadro legal de recuperação de empresas e de execuções de garantias e hipotecas. Já houve passos dados neste sentido com o Programa Capitalizar, que cria um conjunto de medidas que visam facilitar e acelerar os processos de reestruturação de créditos, de recuperação de empresas viáveis e de insolvência para as que não têm recuperação.

Do lado do Governo, sabe o Observador, o empenho é, sobretudo, o de assegurar um enquadramento legal que permita aos bancos resolverem o problema dentro de casa. Não há disponibilidade para dar apoio financeiro público, que seria necessário numa solução radical de limpeza destes ativos (ou passivos), que passaria necessariamente pela sua saída do balanço dos bancos para um veículo com autonomia jurídica. Ainda que possam vir a ser criados alguns incentivos fiscais ou até ser concedidas garantias pontuais a uma solução.

António Esteves, ex-Goldman, fez oferta de 15 mil milhões para “limpar a banca”

Para além das necessidades de capital que seriam criadas dentro dos bancos com esta limpeza, e para o qual não existirá folga ao nível dos atuais acionistas, o destaque dos ativos para um veículo autónomo implicaria, também, o financiamento destes ativos junto do mercado financeiro e é aqui poderiam entrar garantias públicas para convencer os investidores privados. Este seria um dos eixos propostos pelo antigo quadro da Goldman Sachs, António Esteves, na proposta apresentada no início de 2017 ao Banco de Portugal e que envolvia investimento privado para financiar a compra dos tais ativos problemáticos aos bancos.

Um modelo semelhante foi seguido em Itália, ainda que a uma escala relativamente pequena face à dimensão do crédito malparado existente na carteira das instituições financeira do país. Neste caso, as garantias públicas foram apenas concedidas aos produtos financeiros compostos por ativos de melhor qualidade. Mas o grosso da herança de créditos maus no país está por resolver, com o Governo italiano a tentar contornar as limitações europeias para conseguir injetar dinheiro público no Monte del Paschi fora do quadro de uma resolução com bail-in, que envolve a imputação de perdas a credores nomeadamente depositantes e detentores de dívida subordinada.

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