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Daron Acemoglu é coautor, com Simon Johnson, do livro Poder e Progresso.
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Daron Acemoglu é coautor, com Simon Johnson, do livro Poder e Progresso.

Daron Acemoglu é coautor, com Simon Johnson, do livro Poder e Progresso.

"Não há nada de errado com a tecnologia, mas estamos a usá-la de forma incorreta", diz Daron Acemoglu

As máquinas podem ser úteis e a tecnologia também. Mas estão a ser usadas de forma incorreta. Quem o diz é o economista Daron Acemoglu, que recusa o epíteto de tecno-pessimista.

[Esta entrevista foi originalmente publicada a 2 de junho de 2024 e recuperada a 14 de outubro de 2024, a propósito do Nobel da Economia]

“Um provável laureado com o Nobel” da economia. A referência tem-se colado nos últimos anos ao nome de Daron Acemoglu que, confrontado com esta possibilidade, responde que não pensa nisso, mas admite que os temas que trata, em particular a tecnologia, são “o maior desafio para as ciências sociais”. 

Nascido em 1967 na Turquia, é professor de economia no MIT (Massachusetts Institute of Technology). O seu trabalho tem sido ligado à prosperidade, ao efeito das novas tecnologias no crescimento económico e no trabalho. É esse o principal tema do mais recente livro lançado pelo economista, em associação com Simon Johnson (também professor no MIT), Poder e Progresso, que em Portugal tem a chancela da Temas e Debates, que também lançou o best seller de Acemoglu Porque Falham as Nações — obra que tem sido referida como uma das favoritas de Mark Zuckerberg, pelo menos consta de uma comunidade constituída no Facebook que o recomendou como livro a ler em 2015.

Daron Acemoglu é muitas vezes olhado como tecno-pessimista, mas recusa o epíteto, preferindo dizer que é tecno-realista. Ao Observador, em entrevista a propósito do livro Poder e Progresso, ataca a forma como Silicon Valley trabalha as novas tecnologias e critica ainda o hipnotismo que existe em relação aos milionários que aí proliferam.

Já depois de falar ao Observador, Daron Acemoglu publicou um estudo que põe água na fervura em relação ao potencial da inteligência artificial no crescimento económico. A Goldman Sachs estimou, há cerca de um ano, que esta tecnologia poderia induzir um crescimento do produto interno bruto mundial de 7% em 10 anos, ou 7 biliões de dólares. O FMI não colocou um número à frente do eventual impacto da IA no PIB mundial, mas não teve dúvidas em assinalar que vai provocar mudanças no mercado de trabalho e vai “reformular a distribuição da riqueza e do rendimento”.

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Daron Acemoglu não está assim tão otimista. No trabalho sobre inteligência artificial, o professor estima que os efeitos da IA na produtividade total dos fatores (produção com base nos recursos utilizados) serão modestos. Estima mesmo que em 10 anos o crescimento da produtividade total dos fatores será de 0,66%, ou um aumento de cerca de 0,064% em termos anuais, isto se não se distinguir entre tarefas fáceis e difíceis. Se projetar apenas o impacto da IA em tarefas difíceis a estimativa vai para cerca de 0,53%. Ainda assim, o impacto no PIB será um pouco maior, mas Acemoglu projeta que o crescimento do produto nos próximos 10 anos com a IA ficará num intervalo entre os 0,93% e os 1,16% se o investimento for moderado, elevando o intervalo para entre 1,4% e 1,56% com um grande investimento. “Modesto mas longe de insignificante”, aponta, considerando, ainda, no estudo o potencial efeito negativo no bem estar.

Uma conversa com o ChatGPT sobre Acemoglu

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Daron Acemoglu tem sido referido como potencial candidato ao Nobel da economia. Como seria de esperar nem o ChatGPT consegue dar uma resposta sobre essa probabilidade. “Daron Acemoglu tem sido referido frequentemente como um forte candidato ao Nobel da Economia, devido aos seus contributos relevantes nesse campo de atividade”. O seu trabalho, diz ainda o ChatGPT, tem influenciado o conhecimento da forma como as instituições políticas e económicas atuam sobre a prosperidade e pobreza das nações.

O mesmo é dizer que o ChatGPT fala, essencialmente, do resultado das investigações que deram origem ao livro Porque Falham as Nações. Aliás o coautor deste trabalho, o professor britânico James A. Robinson é referido pelo ChatGPT como sendo um dos principais colaboradores de Daron Acemoglu. Não sendo referidos outros coautores de outros livros.

Mas será futurologia dizer se Acemoglu será Nobel, “embora a sua proeminente investigação e discurso económico o torne um putativo candidato a tal honra”.

Quando se pergunta a este motor de pesquisa baseado em inteligência artificial, o que pensa o professor sobre a própria IA, o ChatGPT devolve a resposta, com base em seis sites, para informar que Acemoglu tem notado os benefícios potenciais da IA, mas também os seus riscos, assumindo que a trajetória atual é problemática porque se concentra “demasiado na automação” com impacto no mercado de trabalho, sem criar novas tarefas que melhorem a produtividade e o bem estar.

O economista não tem dúvidas de que a tecnologia tem de ser reorientada. Voltando ao livro Poder e Progresso, assume que “os nossos atuais problemas assentam no enorme poder económico, político e social das corporações, sobretudo na indústria tecnológica. O poder concentrado dos negócios ceifa a prosperidade partilhada porque limita a partilha dos ganhos com as alterações tecnológicas. Contudo, o impacto mais pernicioso verifica-se com o rumo da tecnologia, que se dirige excessivamente para a automação, a vigilância, a recolha de dados e a publicidade. De modo a recuperar a prosperidade partilhada temos de reorientar a tecnologia”.

E, por isso, acrescentam os autores: “o debate em torno da nova tecnologia tem de se centrar não só no brilhantismo dos novos produtos e algoritmos, mas também se vão estar contra ou a favor das pessoas”. E é aqui que chegamos aos benefícios que a tecnologia podem trazer. As tecnologias podem “complementar os humanos”:

  • “Melhorando a produtividade dos trabalhadores nos seus cargos atuais”;
  • “Criando novas tarefas com a ajuda da IA para aumentar as capacidade humanas”;
  • Proporcionando melhores informações, mais utilizáveis, para a tomada de decisões humanas”;
  • “Construindo novas plataformas que unam pessoas com diferentes competências e necessidades”.

E o final do livro segue com formas de compensação que permitirão influenciar a forma como as tecnologias podem ser utilizadas de forma benéfica.

O economista-estrela, na conversa com o Observador, volta a realçar os perigos dessas tecnologias, assumindo que “estragámos as redes sociais”.

Livro da Temas e Debates

Vamos falar de Poder e Progresso, o título do livro que acaba de lançar. Socorro-me da pergunta que faz logo no início. O que é o progresso?
Se eu soubesse… O leitor terá de decidir o que é o progresso. De facto usamos progresso para dois significados. Um é o do nosso conhecimento avançado, o progresso tecnológico. E isso é indubitável. Nos últimos 20 anos aprendemos mais sobre o mundo, aprendemos mais sobre o universo, sobre o corpo humano, sobre saúde, sobre ambiente, e também desenvolvemos melhores ferramentas para fazer as coisas, incluindo a inteligência artificial generativa.

Mas…
Há um ‘mas’… há um sentimento que o progresso é verdadeiramente bom. Mas bom para quem? Não pode ser bom para toda a gente. Mas penso que a noção implícita de progresso que muitas pessoas usam é no sentido de que é bom para a maior parte das pessoas ou para a humanidade, numa noção amorfa. Eu não sigo essa premissa. Podemos aprender mais coisas, mas podemos usá-las para o mal. Ou podemos criar mais coisas e mudar a forma como a sociedade está organizada por forma a criar vencedores e perdedores. É por isso que o conceito de progresso é ambíguo.

Mas vivemos melhor que os nossos antepassados…
Absolutamente. Vivemos melhor que os antepassados. Surpreendentemente, também por causa da tecnologia. Os chineses hoje em dia vivem muito melhor do que os seus antepassados há 50 anos. O que não significa que tudo na China seja fantástico. E também não significa que tudo nos Estados Unidos e na Europa seja fantástico. Por isso, primeiro, é importante questionar se poderíamos ter feito melhor. Segundo, perceber porque é que beneficiámos da tecnologia algumas das vezes mas não noutras ocasiões. Sim, somos incrivelmente melhores, mais saudáveis ​​e temos mais conforto ​​do que as pessoas que viveram no século XVIII. Mas estaríamos melhor se não tivéssemos armas nucleares. Então, o que distingue os avanços tecnológicos que nos deixaram em melhor situação dos que nos levaram a ter armas nucleares ou redes sociais? Estamos a progredir para uma melhor humanidade por causa das redes sociais?

"Eu apoio o princípio schumpeteriano da destruição criativa. Mas o problema é haver destruição pela destruição e não haver substituição. Por isso precisamos de olhar para os detalhes, perceber para onde as coisas caminham e trazer inovações."
Daron Acemoglu, professor de Economia no MIT e coautor do livro "Poder e Progresso"

Está em alguma rede social ou utiliza alguma aplicação de inteligência artificial?
Estou no Twitter, ou agora na X, e utilizei-a cerca de mês e meio quando o livro foi lançado. Mas já não a utilizo. E utilizei o GPT-4 antes de ser lançado num projeto que estive envolvido com a Microsoft. Mas agora também já não o utilizo.

É justo ser considerado como um tecno-pessimista?
Não. Eu diria que sou um tecno-realista e um tecno-esperançoso, mas não sou um tecno-otimista. Não creio que dizer que não estamos a fazer o melhor com a tecnologia e que podemos usá-la de forma errada seja tecno-pessimista. Tenho esperança de que os avanços tecnológicos possam resultar para a humanidade. Estou muito entusiasmado com a possibilidade de se fazer uma medicina melhor — não tanto para prolongar a vida dos bilionários da tecnologia, mas para a saúde pública.

É uma linha vermelha em relação à tecnologia?
Linhas vermelhas. Tento trazer [ao debate] duas coisas. Uma é a ideia de que, se somos cegamente otimistas, estaremos a abdicar da nossa responsabilidade de direcionar as tecnologias e as suas implicações sociais, o que resultará em algo nocivo. E, por outro lado, tento destacar os bons usos da tecnologia no passado e de que forma podemos usar bem as novas tecnologias.

Pode identificar duas boas utilizações de inovações tecnológicas no passado?
Há muitas coisas. Antibióticos por exemplo. É [uma inovação] extraordinária. Salvaram milhares de milhões de pessoas. Ou os caminhos de ferro. São muito importantes e… sim destruíram empregos, por exemplo o dos motoristas de carruagens puxadas a cavalo. Muitos desses empregos foram destruídos pelos caminhos de ferro. E eu não estou contra essa destruição de emprego. Eu apoio o princípio schumpeteriano da destruição criativa. Mas o problema é haver destruição pela destruição e não haver substituição. Por isso precisamos de olhar para os detalhes, perceber para onde as coisas caminham e trazer inovações.

"O meu pessimismo é sobre Silicon Valley e os seus líderes presunçosos, sobre o sistema democrático nos Estados Unidos e a incapacidade dos europeus de terem influência. É aqui que entra o meu pessimismo."
Daron Acemoglu, professor de Economia no MIT e coautor do livro "Poder e Progresso"

Deixe-me dar um exemplo, que não explorámos no livro por restrições de espaço, que mostra como duas inovações semelhantes, que aconteceram nos anos iniciais da revolução industrial britânica, tiveram implicações bastante diferentes. Uma foi o conjunto de inovações brilhantes que mecanizou ou automatizou a fiação têxtil, para fazer fios. A outra foi a automatização e a mecanização da tecelagem, quando se pega nos fios e se produz vestuário. Tiveram implicações diferentes. Porquê? No caso da fiação, a automatização destruiu empregos mas também os criou, porque a produção de fios era um estrangulamento na indústria têxtil. E, assim que foi mecanizado, o fornecimento de fios aumentou, o que fez subir a procura de tecelões, que passaram a ganhar mais dinheiro — muitos deles trabalhavam em teares manuais. Havia artesãos independentes que eram a aristocracia laboral. Depois, com a chegada da mecanização, a tecelagem passou a ser feita nas fábricas. O que levou à queda dos salários dos tecelões em 50%. Muitos ficaram desamparados e nada foi criado. Não houve, neste caso, efeitos complementares na expansão de outras indústrias. Isto não nos diz que a mecanização foi algo de mau, iria acontecer. Mas tivemos de ter medidas adicionais para que o ajustamento fosse mais fácil. Dei o exemplo da ferrovia porque esse caso foi como a inovação da fiação. Criou muitos empresas, muitas oportunidades em outros setores para outro tipo de trabalhadores, o que levou a aumentos de salários. Mas temos de avaliar tudo isto. A ideia ingénua, como por exemplo a de Marc Andreessen, no seu manifesto tecno-otimista, em que deixemos a tecnologia avançar, destruir e criar e que tudo irá correr bem… A história não se assemelha a isso. Precisamos mesmo de perceber o que estamos a destruir e o que estamos a criar em seu lugar.

Mas não é justo considerar que a inteligência artificial vai destruir empregos, mas que também pode criar alguns novos de que nem temos a noção?
Não sei se é justo dizer isso. Essa é precisamente a questão. Penso que a inteligência artificial tem a capacidade técnica e nós temos as bases de conhecimento para destruir empregos e criar empregos. Mas não há qualquer matemática social ou necessidade técnica de que o faremos em igual medida. Depende de onde a inovação aconteça e para onde se canalizem as energias. Quem controla a inteligência artificial? Qual é a voz dos trabalhadores? Qual é o controlo democrático da tecnologia? Tudo isto vai ser crucial para determinar se temos tantos ou melhores empregos a serem criados no lugar daqueles que são destruídos. O meu citado pessimismo não é sobre tecnologia. Eu penso que a tecnologia consegue fazer isso. O meu pessimismo é sobre Silicon Valley e os seus líderes presunçosos, sobre o sistema democrático nos Estados Unidos e a incapacidade dos europeus de terem influência. É aqui que entra o meu pessimismo. Na trajetória atual, não há nada de errado com a tecnologia, mas estamos a usá-la de forma incorreta.

Tecnologia trará prosperidade para multimilionários de Silicon Valley, não para os trabalhadores

A tecnologia por si só não estimula a prosperidade… como diz no livro?
Não estimula. Bom, trará muita prosperidade a Jeff Bezos, a Mark Zuckerberg, a Elon Musk e a Sam Altman. Mas não trará para os trabalhadores.

Mas vai aumentar as desigualdades?
Sim. O Estados Unidos estão num período interesse em termos de mercado laboral. As desigualdades aumentaram muito acentuadamente de 1980 até 2016/17. Mas estão, na realidade, a cair desde 2016/7, em particular depois da pandemia, devido às medidas políticas tomadas e às alterações no próprio mercado de trabalho. Mas não tem nada a ver com a inteligência artificial. Neste momento, apenas 1,5% das empresas nos Estados Unidos utilizam inteligência artificial. Por isso, não sustenha a respiração…. Silicon Valley cria esta perceção que o mundo amanhã será completamente diferente. Mas não penso que assim seja. Daqui a 10 anos o mundo parecerá um pouco diferente, mas manter-se-á muito familiar para as pessoas. Portanto, se adormecer criogenicamente e acordar daqui a 10 anos reconhecerá o mundo muito bem. Mas isso não exclui o facto de os próximos 10 anos serem críticos. São críticos porque vão determinar a direção da investigação, a direção da indústria, a organização da indústria, e de como utilizamos a inteligência artificial.

Deixe-me dar um exemplo. A educação é um dos setores no qual, surpreendentemente, temos visto menos inovação tecnológica. E é muito demonstrativo de como a inteligência artificial pode ser usada em duas direções muito diferentes. Uma é a automatização, em que usamos IA para substituir professores — mais avaliações automatizadas, testes automatizados, mais ensino com os alunos a aprenderem com máquinas, incluindo grandes modelos de linguagem; a outra é uma direção de complementaridade, mais humana. Nos Estados Unidos está a acontecer, e penso que na Europa também, um declínio no sistema educativo para as crianças de baixo nível socio-económico que têm dificuldade em começar o ensino básico e que ficam para trás e os professores não têm recursos para as ajudar. Há evidências em pequena escala que mostram que a educação personalizada, um professor dedicado a um único aluno, que reconhece onde está a ter problemas e lhe dá ferramentas específicas, aumenta a capacidade desse aluno para compreender a matéria e isso seria extremamente útil. Ou seja, esta segunda direção é trazer a inteligência artificial para dentro da sala de aulas, de forma complementar, dando aos professores ferramentas que permitam, em tempo real, identificar os materiais para estudantes com problemas. Contratamos mais professores e treinamo-los a usarem a IA e com mais professores e melhor IA podemos aproximar-nos de um ensino personalizado a um valor mais baixo do que teríamos sem IA. Mas entre as duas direções, sabe em qual se está a colocar, neste momento, mais investimento?

Na primeira…
Sim. Na primeira. Não se está a trabalhar na segunda direção, apesar de ser, tecnicamente, viável. E até é mais fácil. Mas o dinheiro de Silicon Valley está a ir para a primeira. Quando vemos coisas como esta, torna-se particularmente ridículo quando as pessoas dizem ‘tem de ser otimista em relação à tecnologia’. Não é que eu seja pessimista em relação à tecnologia, mas vejo como as pessoas estão a usá-la. E vejo como a ideologia de Silicon Valley, como o modelo de financiamento baseado em capitais de risco e como o ambiente empresarial nos Estados Unidos estão a distorcer a tecnologia.

No livro há uma comparação da IA com a descoberta do fogo. Porquê?
Reportamos o que dizem outras pessoas. Eu não acredito que seja o mesmo. Há evidências de que o fogo mudou tudo nos seres humanos, a nossa biologia, a nossa organização social, a forma como interagimos com a natureza, a forma como interagimos com outros seres humanos, o tempo que as crianças estão no útero… todas estas coisas mudaram depois da descoberta do fogo. Não penso que a IA seja o mesmo. Mas muitos dos líderes de Silicon Valley pensam que a IA é até mais importante.

[No livro Poder e Progresso, Daron Acemoglu e Simon Johnson citam Sundar Pichai, presidente da Google, que já declarou que ‘a IA será, porventura, a coisa mais importante em que a humanidade já trabalhou” e também Kai-Fu Lee, antigo presidente da Google China, que diz que ‘a IA pode bem vir a ser a mais transformativa tecnologia de toda a história da humanidade”.  Mas os autores acrescentam: “E se nesse belo pano cair uma nódoa? E se a IA vier perturbar fundamentalmente o mercado de trabalho onde a maioria de nós ganha a vida, piorando as desigualdades salariais e profissionais? E se o seu principal impacto não for aumentar a produtividade, mas sim afastar o poder e a prosperidade das pessoas comuns, deixando-as nas mãos de quem controla os dados e toma as principais decisões empresariais? E se nesse caminho, a IA também vier a empobrecer milhares de milhões de pessoas do mundo em desenvolvimento? E se reforçar os preconceitos já existentes — os que se baseiam na cor da pele, por exemplo? E se destruir as instituições democráticas? Há cada vez mais indícios de que esses receios poderão mesmo ser válidos. A IA parece estar a seguir um rumo que vai multiplicar as desigualdades”.]

Citam no livro um responsável da Google…
Google, Microsoft. Podemos encontrar declarações no mesmo sentido de outros líderes de tecnológicas. Sabe qual é a grande diferença entre o fogo e a IA? O fogo, desde o início, e desde que os humanos o entenderam, foi uma tecnologia descentralizada. Qualquer pessoa pode iniciar um fogo, qualquer pessoa pode usar o fogo. Na IA, eles adoram-na porque vão controlá-la.

E quem a controlar controlará o mundo?
Sim. É por isso que começamos, no primeiro capítulo, com A Máquina do Tempo [livro] de H.G. Wells , que muito claramente o disse: não sejam enganados sobre a tecnologia permitir o homem controlar a natureza. É sobre controlar outros humanos.

[O livro Poder e Progresso de Daron Acemoglu e Simon Johnson começa, no capítulo um, com duas citações. Uma de Francis Bacon e outra de H. G. Wells, de 1895, inscrita n’ A Máquina do Tempo: “Ao invés, vi uma verdadeira aristocracia, dotada de uma ciência aperfeiçoada e tendo levado o sistema industrial atual a uma conclusão lógica. O seu triunfo não se limitara a ser um triunfo sobre a Natureza, mas sim um triunfo sobre a Natureza e sobre os outros homens.”]

E como podemos controlar esse controlo?
Com democracia. Penso que é um sistema com falhas, mas é a nossa única esperança.

Os governos querem controlar a IA ou controlar o que a IA permite?
Ambas. Passei toda a minha carreira preocupado com os abusos governamentais e ainda estou preocupado, mas as preocupações sobre os controlos governamentais não significam que devamos estar menos preocupados com os abusos das companhias privadas.

Mas há cada vez mais vozes a alertar para os riscos da IA.
Absolutamente.

Não estão a ser ouvidos?
Sim e não. Nós começámos a escrever este livro há quatro anos. Face ao que se passava então, há mais vozes. Primeiro, os europeus estão muito mais à frente que os americanos em termos de preocupação e de compreenderem os perigos.

Em termos regulatórios?
Não tanto entre os legisladores. Penso que o problema principal está nos media dos Estados Unidos que continuam hipnotizados pelo otimismo tecnológico. Primeiro, se quiser a atenção dos media nos EUA basta dizer algo escandalosamente bom sobre tecnologia para toda a gente ir atrás. Se disser algo mau e desafiador, então será atacado. Segundo, há muita gente a falar dos riscos, mas infelizmente muitas dessas vozes — das mais audíveis — são enganadoras. Falam em robôs assassinos e super inteligência etc, e não é com isso que devemos estar preocupados. É fácil entusiasmar as pessoas pelo que viram nos filmes como o Exterminador ou o fantástico 2001 – Odisseia no Espaço de Stanley Kubrick. Um filme muito bom. Mas é um filme. Não é a realidade. No dia em que os cenários do juízo final e o tecno-otimismo se encontrarem será o dia em que deixa de haver a responsabilidade de as pessoas fazerem alguma coisa. Se o dia do juízo final chegar não há nada que se possa fazer. Se o tecno-otimismo liderar, não há necessidade de se fazer alguma coisa porque se considera que tudo funcionará. Estas perspetivas, que são amplificadas nos media dos Estados Unidos, conduzem-nos à passividade.

Porquê? Os media só ouvem os milionários de Silicon Valley?
A essência do problema, e é por isso que pomos muita ênfase no livro, é o poder da persuasão. Se tiver uma boa história e um bom enquadramento, além de ter muito poder nas suas mãos, como o poder económico, consegue ter uma narrativa convincente. Silicon Valley começou com uma história maravilhosa, um grupo de rebeldes de jeans, camisola preta de gola alta, que iriam revolucionar tudo. Era uma história atrativa. E tinham dinheiro. E começaram a usar o dinheiro para comprar mais prestígio. E, então, uma série de jornalistas nos últimos 20 anos começou a acompanhar Elon Musk, e a acompanhar este ou aquele setor e, em vez de se tornarem críticos ou defensores da verdade, ficaram hipnotizados e tornaram-se os seus maiores incentivadores. A isto junta-se a IA… e fica com outras duas grandes narrativas que as pessoas adoram: as capacidades humanas a aumentarem exponencialmente e os robôs Terminator. E estamos preparados para tomar um cocktail muito enganador.

"Temos uma crise de saúde mental em todo o mundo industrializado, o que se deve maioritariamente às redes sociais e continuamos a não fazer nada sobre isso."
Daron Acemoglu, professor de Economia no MIT e coautor do livro "Poder e Progresso"

Há volta a dar?
Absolutamente. E onde vejo mudanças é, mesmo, ao nível dos legisladores, muito mais do que nos jornalistas. Quando testemunhei sobre IA no Congresso, as audições são públicas estão disponíveis, os legisladores republicanos disseram-me: ‘porque está a fazer-nos perder tempo com a IA? O que nos devia preocupar era se temos défice orçamental ou não’. Mas agora, se falar com congressistas dos dois partidos, e eu já o fiz, estão muito mais bem informados, as suas equipas estão muito mais bem informadas, percebem a inteligência artificial e percebem os riscos. Claro, não são cientistas mas há muito mais entendimento sobre o que temos de fazer sob a regulamentação. Penso que a Europa ainda está à frente e está a tornar-se líder na regulação. Mas os Estados Unidos estão a avançar.

Quão diferentes serão uns EUA sob Administração Biden e sob Administração Trump?
Tenho a certeza que será muito diferente em tantos campos e será tão pior com Trump. Talvez não em relação às redes sociais. Os republicanos estão também muito preocupados com as redes sociais. Mas em assuntos como a automação, os salários, as vozes laborais será muito pior com Trump. Biden tem feito coisas para aumentar a defesa dos trabalhadores, o que considero que é também essencial para a direção que pode tomar a tecnologia. Como podemos ter transformações tecnológicas que permitam ajudar os trabalhadores e ajudá-los a serem ouvidos?

Desperdiçámos os benefícios da IA e das redes sociais?
Nós estragámos as redes sociais. A evidência é clara. Temos uma crise de saúde mental em todo o mundo industrializado, o que se deve maioritariamente às redes sociais e continuamos a não fazer nada sobre isso. O TikTok é provavelmente o pior. Não tenho a certeza. Mas o TikTok é provavelmente pior para os jovens do que o Instagram, que criou uma enorme crise de saúde mental. O TikTok e o X são os piores em termos de desinformação também. Veremos…

[“Em contraste com o que afirmam vários líderes tecnológicos, também veremos que as tecnologias de IA existentes só trarão benefícios muito limitados a maioria das tarefas humanas. Além disso, o uso de IA para a monitorização do local de trabalho não só está a promover a desigualdade como também está a fragilizar os trabalhadores. Pior ainda, o atual rumo da IA arrisca-se a inverter décadas de vitórias económicas no mundo em desenvolvimento devido à exportação global da automatização. Nada disso é inevitável”, in Poder e Progresso]

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