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Los Angeles Sparks v Phoenix Mercury
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Jogadora natural da Figueira da Foz foi a primeira portuguesa a jogar basquetebol profissionalmente nos EUA, antes de Mery Andrade e Neemias Queta

Getty Images

Jogadora natural da Figueira da Foz foi a primeira portuguesa a jogar basquetebol profissionalmente nos EUA, antes de Mery Andrade e Neemias Queta

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"Não me arrependo. Já sabia que seria complicado ter família, ter filhos. Tenho outras coisas". As memórias e os planos de Ticha Penicheiro

Vive em Miami, tornou-se agente depois de acabar a carreira e não se arrepende dos sacrifícios que teve de assumir. Entrevista a Ticha Penicheiro, a primeira portuguesa a jogar basquetebol nos EUA.

Em 1998, há 25 anos, a vida de Ticha Penicheiro mudou. E ao mesmo tempo, também há 25 anos, mudou a vida do basquetebol português. Depois de deixar a Figueira da Foz, de seguir para o União de Santarém e de se mudar para os EUA à procura de um sonho que nunca ninguém tinha perseguido, chegou à WNBA. À novíssima WNBA, inaugurada no ano anterior para ser o maior patamar de sempre do basquetebol feminino.

Ticha Penicheiro orgulhosa com “distinção incrível” de estar entre as 25 melhores da WNBA

E por lá, ao longo de 15 anos, foi das melhores de sempre. Ganhou um campeonato com as Sacramento Monarchs em 2005, teve o recorde de mais assistências realizadas durante vários anos e em 2019 foi selecionada para integrar o Hall of Fame da WNBA. Terminou a carreira em 2012, já com 38 anos e depois de passagens pelas Los Angeles Sparks e pelas Chicago Sky, e é agora agente de jovens jogadoras que procuram alcançar os sonhos que ela própria atingiu.

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A viver em Miami, nos EUA, a tempo inteiro, passou por Portugal este fim de semana para assistir à final da Taça Federação Betclic, a Taça da Liga de basquetebol feminino que o Benfica conquistou no Pavilhão Quinta dos Lombos ao derrotar o Imortal. Falou com o Observador sobre o passado, o presente e o futuro — e não esqueceu Mery Andrade e Neemias Queta, os outros dois portugueses que lhe seguiram as pisadas e que também chegaram onde quase ninguém chega.

Ticha Penicheiro (ao centro) esteve este domingo no pavilhão do Quinta dos Lombos, em Carcavelos, a assistir à final da Taça Federação Betclic de basquetebol feminino

Carlos Rodrigues

Qual é o momento mais especial da carreira? O instante em que percebe que vai jogar na WNBA ou o instante em que se apercebe que acabou de ser campeã, em 2005, com as Sacramento Monarchs?
Para ser campeã é preciso entrar. Entrar foi algo de que não estava à espera quando fui para os EUA porque não havia WNBA. O meu objetivo era ir para a universidade, tirar o curso e crescer como jogadora e como mulher para depois voltar a jogar na Europa. A WNBA apareceu em 1997, quando eu já lá estava. Claro que ganhar é sempre o nosso objetivo mas para ganhar é preciso entrar.

Lembra-se da primeira pessoa a quem ligou quando soube que ia mesmo jogar na WNBA?
Não me lembro… Os meus pais, a minha família, são as pessoas mais importantes da minha vida mas eram tempos diferentes, não havia internet, não havia nada dessas coisas. O draft foi em direto mas foi um direto falso, não era direto nenhum. Eu até já sabia para onde é que ia, aquilo foi filmado depois e nós tivemos de fingir que estávamos surpreendidas como se não soubéssemos. Foi em 1998, as tecnologias eram outras. E os meus pais até já deviam estar a dormir! Mas sei que fui com a expectativa de ser a número 3 do draft, porque queria ir jogar para Washington [Washington Mystics], e Utah [Utah Starzz] tinha a primeira escolha e eles tinham dito que me iam escolher. Mas entretanto apareceu uma polaca que era a Margo Dydek e tinha 2,13 metros e acabou por ir ela para Utah e eu fui para Sacramento [Monarchs, enquanto segunda escolha do draft]. Mas não me lembro exatamente a quem é que telefonei, nem sei se tinha telefone nessa altura, para ser honesta.

Hoje em dia há internet, há WhatsApp, há FaceTime, há mil maneiras de comunicar a muitos quilómetros de distância. Na altura, no final dos anos 90, não havia nada disso. Essa impossibilidade de comunicar facilmente com amigos e família tornou a mudança ainda mais difícil?
É possível. Mas, naquela altura, aquilo era a nossa realidade. Estávamos bem. E eu também fui para a universidade com a Mery [Andrade] e a Clarisse [Machanguana], duas amigas com quem já estava habituada a estar, e isso ajudou a adaptar-me um bocadinho melhor. E eu também sou uma pessoa que faz amizades com facilidade. Sabia que ia atrás do meu sonho e que iriam sempre aparecer dificuldades mas o importante é conseguir superar essas dificuldades quando elas aparecem. Claro que as comunicações eram muito difíceis, eu escrevia cartas aos meus pais, telefonar era super caro e não havia WhatsApp nem FaceTime nem nada dessas coisas. Claro que, nos dias de hoje, é mais fácil ter a oportunidade de não ter tantas saudades, porque as pessoas entram-nos pelo telefone quando nós queremos. Mas não mudava nada.

"O draft foi em direto mas foi um direto falso, não era direto nenhum. Eu até já sabia para onde é que ia, aquilo foi filmado depois e nós tivemos de fingir que estávamos surpreendidas como se não soubéssemos."
Ticha Penicheiro

Não mudava mesmo? Não teve receio de estar a fazer todos esses sacrifícios e não alcançar os objetivos que queria atingir?
Claro que sim. Mas como é que diz o ditado? Quem não arrisca não petisca. Eu estava super ciente de tudo mas sempre fui assim e continuo a ser assim, quando quero uma coisa vou atrás dela. E prefiro ir e falhar do que não ir. Depois passava a vida toda a pensar: “E se eu tivesse ido?”. Riscos há sempre e, às vezes, quanto maior é o risco maior é a recompensa. E sempre olhei para o basquetebol e para a minha vida dessa maneira.

O que é que teria sido se não tivesse sido jogadora de basquetebol?
Eu nem sei, porque comecei a jogar basquetebol aos cinco anos e digo sempre que o basquetebol é o que eu fiz e não é o que eu sou. Mas adoro animais, sei lá… Ou professora de Educação Física ou veterinária, algo por aí.

Ver os recordes que estabeleceu na WNBA a cair, principalmente o recorde de assistências que teve durante tanto tempo, provoca uma sensação agridoce ou é simplesmente o tempo a andar para a frente?
Acho que os recordes são feitos para serem quebrados e significa que há evolução no basquetebol e há evolução nas jogadoras. A jogadora [Sue Bird] que bateu o meu recorde jogou 20 anos, eu joguei 15. É uma jogadora por quem tenho imensa admiração, por isso, ainda bem que foi ela a bater o meu recorde porque ficou em boas mãos. A medalha de prata não é tão boa como a medalha de ouro — e se calhar depois vou para o bronze e depois fico sem medalha, porque o tempo passa — mas, sinceramente, é uma coisa que não me deixa triste. Acho que até é um motivo de orgulho e de satisfação.

Los Angeles Sparks v Phoenix Mercury

A jogadora portuguesa, à esquerda, passou pelas Los Angeles Sparks depois de brilhar nas Sacramento Monarchs

Getty Images

Como é que é o primeiro dia depois de acabar a carreira? O que é que se faz, o que é que se prepara?
Mentalmente, eu já estava preparada. É super importante ter paz, digo sempre isto. E eu tive muita paz. Consegui superar todos os meus sonhos, consegui alcançar mais do que alguma vez imaginei. Sabia que, infelizmente, não dava para jogar para sempre. E comecei a preparar a minha retirada e aquilo que ia fazer a seguir. Sei que houve muita gente, muitos amigos, que foram ver o meu último jogo, que foi em Chicago. Acho que no primeiro dia de retirada fui ver um jogo de futebol americano, com muito frio, em setembro e lá em Chicago, com esses meus amigos. Era suposto eu começar a jogar outra vez, aquele primeiro dia é uma coisa banal. Mas depois, quando era suposto começar a época seguinte e eu não comecei, aí é que as coisas poderiam ter ficado estranhas. Mas eu entretanto fiz logo a transição para ser agente desportiva e as coisas correram de uma maneira fácil e adaptei-me bem. Há muitas jogadoras que têm dificuldade em encontrar essa paz quando se retiram. E eu nisso fui abençoada, porque me preparei mentalmente para ter essa paz.

Preparou esse final de carreira de forma a ter o futuro salvaguardado?
Sim, sabia que queria ficar ligada ao basquetebol feminino e sabia que não queria ser treinadora. Tinha isso bem ciente porque o basquetebol levou-me muitas horas, muitos anos da minha vida, e roubou-me muitas coisas que gostava de fazer a nível pessoal. Não estar com a família, principalmente, foi o maior sacrifício que fiz. E queria encontrar uma coisa que pudesse fazer, que me permitisse continuar ligada ao basquetebol, mas que me desse liberdade de fazer as coisas que não pude fazer durante a minha carreira. Naquela altura não havia muitas mulheres a representar mulheres, não havia ex-jogadoras a ter esta função de agente desportiva, e quanto mais pensei naquilo que queria ser e fazer mais fazia sentido ir por onde acabei por ir. Foi uma transição fácil, retirei-me em 2012, em setembro, e em agosto do mesmo ano já estava a exercer a função.

Como é que um atleta de competição deixa de treinar todos os dias e fica sem aquilo que lhe ocupou a vida a tempo inteiro? É preciso arranjar substituições?
É difícil, porque estamos habituados a ter uma rotina e a ter sempre coisas para fazer, a não parar. Aquilo a que tive de me habituar foi estar ok, estar alegre, estar tranquila, sem fazer nada. Estar só no sofá a ver Netflix e a comer pipocas. Eu não tinha tempo para estar sem fazer nada. Essa foi a adaptação que tive de fazer. Mas a parte mental também é muito importante, não só o lado físico. Mas aproveitei para vir a Portugal mais vezes, estar mais tempo com a minha família, essas coisas todas que ao longo da carreira não tinha possibilidade de fazer.

"Sabia que queria ficar ligada ao basquetebol feminino e sabia que não queria ser treinadora. Tinha isso bem ciente porque o basquetebol levou-me muitas horas, muitos anos da minha vida, e roubou-me muitas coisas que gostava de fazer a nível pessoal. Não estar com a família, principalmente, foi o maior sacrifício que fiz."
Ticha Penicheiro

Tirou um curso de Comunicação Social nos EUA. A ideia era ser jornalista, ser comentadora, continuar ligada ao basquetebol de outra forma?
Sim, foi uma das possibilidades. Mas também passaria mais pelos EUA e é uma coisa que também rouba muito tempo. Tendo a profissão que tenho, posso estar na Cochinchina, no Pólo Norte, que só preciso do meu telemóvel e do meu computador para poder trabalhar. Foi isso que acabou por desequilibrar nessa batalha entre as duas opções. Ter a minha liberdade, poder viajar e passar mais tempo com a minha família, era o mais importante para mim.

O facto de ter sido jogadora ajuda-a nestas novas funções enquanto agente de jovens atletas que perseguem os mesmos sonhos que já teve?
Acho mesmo que esse lado é muito importante porque eu já passei, literalmente, por tudo aquilo por que elas estão a passar. Eu não me vejo só como uma agente ou como uma negociadora, vejo-me como uma mentora, uma pessoa que pode dar conselhos — precisamente porque já passei por tudo isto, seja na WNBA, seja na Europa, seja as lesões, seja os jogos bons e os jogos maus, ganhar ou perder, essas coisas todas. Posso reviver tudo na minha memória e isso torna mais fácil dar esses conselhos e ver que elas os respeitam, porque sabem que já passei por isso.

Sente que sempre teve reconhecimento em Portugal? Ou que o facto de ter estado longe durante toda a carreira fez com que nem sempre fosse recordada?
Eu jogava para mim, para a minha família, para os meus colegas, para o meu clube, para a equipa que estava a representar. Esse tipo de coisas não estava no meu controlo. Se alguém quer falar do que eu faço, seja a comunicação social ou seja quem for… Todos sabemos que, aqui em Portugal, o futebol continua a dominar todos os jornais e tempos de antena e essas coisas todas. Se me sinto reconhecida? Acho que sim. Não sei se há uma escala, se posso dizer que me sinto reconhecida de forma small, medium ou large. Mas sinto o amor dos portugueses, sim, eu também joguei sempre com Portugal no coração, queria que os portugueses ficassem orgulhosos de mim e daquilo que estava a fazer. Tentei sempre levar o nome de Portugal ao mais alto nível. Se fui reconhecida o suficiente? Acho que isso não é para eu dizer. Mas nunca me senti mal falada, acho que fui sempre acarinhada pelos portugueses.

Connecticut Sun v Sacramento Monarchs

Com as Sacramento Monarchs, em 2005, Ticha Penicheiro conquistou o título da WNBA

Getty Images

Falou com o Neemias Queta na altura em que ele entrou na NBA?
Sim, falei com ele antes do draft, um bocadinho. Ainda por cima ele depois foi escolhido para a equipa onde eu também joguei [Sacramento Monarchs na WNBA, Sacramento Kings na NBA]. No dia depois de ele ter sido escolhido parecia que era meu filho ou meu irmão ou meu primo, porque toda a gente queria falar comigo. Foi uma situação engraçada, termos ido jogar para a mesma cidade, para a mesma equipa. Foi um orgulho imenso, finalmente termos um português na NBA.

O que é que lhe disse?
Que o mais fácil é entrar. O mais difícil é conseguir ter uma carreira longa. Mas é um rapaz super humilde, que está disposto a trabalhar e que sabe isso mesmo, que o mais fácil é entrar. Há muita gente que não chega a entrar mas também há muita gente que entra e que, passado um ano, já saiu. Ele que sabe que tem muito trabalho pela frente e vi que estava disposto a fazer o trabalho necessário para continuar a subir.

Como é que olha para a realidade do basquetebol feminino em Portugal? Acha que existe a possibilidade de voltarmos a ter uma jogadora portuguesa na WNBA a curto/médio prazo?
É uma pergunta difícil. O basquetebol feminino, se olharmos em termos estatísticos e até em termos de títulos da Seleção, tem tido melhores resultados. Estamos no bom caminho, a Federação Portuguesa de Basquetebol está a fazer um bom trabalho. Mas também é muito individual, o basquetebol é um desporto coletivo mas os sonhos têm de ser individuais, têm de ser das raparigas que querem apostar nelas e no futuro delas. Fazer como eu já disse, assumir todos os sacrifícios que têm de fazer para chegar onde querem chegar. Acho que pode acontecer. Ninguém me tocou com uma varinha mágica, não sou especial de corrida. Foi muito suor, muita dedicação, muita perseverança e muita resiliência. Fui atrás daquilo que queria, que era ser a melhor jogadora que pudesse ser. Não sabia exatamente o que é que isso significava mas eu queria não ter arrependimentos, dar tudo o que pudesse dar, fazer os tais sacrifícios e ver o que dava. E acho que temos muitas jogadoras portuguesas que também querem chegar lá mas o patamar, os objetivos que colocam para elas próprias, não são assim tão grandes. Mas às vezes é preciso pôr a fasquia o mais alto possível e ver se conseguimos lá chegar.

"[Disse ao Neemias] que o mais fácil é entrar. O mais difícil é conseguir ter uma carreira longa. Mas é um rapaz super humilde, que está disposto a trabalhar e que sabe isso mesmo, que o mais fácil é entrar."
Ticha Penicheiro

Um dos problemas é essa falta de ambição? A ideia de que é tudo tão difícil de atingir que nem vale a pena o esforço?
É possível. Não posso falar por elas, não posso falar de uma maneira geral, mas acho que isso acontece em alguns casos. Saber que é difícil até para as norte-americanas que lá estão, que saem da universidade. Saber que o draft tem três rondas e que, se calhar, só oito das 36 jogadoras escolhidas é que ficam nas equipas da WNBA. A liga não é como a NBA, são só 12 equipas e cada equipa só tem 12 jogadoras, é muito seletivo. Não há muitas jogadoras que se retirem, são sempre as mesmas a voltar, não abrem muitas vagas. Às vezes, se calhar, pensam que não vale a pena fazer os sacrifícios todos. Mas eu sei que vale a pena. Claro que no meu caso resultou tudo da melhor maneira mas, mesmo se não tivesse resultado, eu não queria ficar com os arrependimentos. Eu prefiro bater às portas e elas não abrirem do que não bater.

Arrepende-se de alguns dos sacrifícios que teve de fazer em relação a uma eventual família, à maternidade?
Não. Foi aquilo que eu quis fazer. Eu já sabia que ao jogar basquetebol, e principalmente sendo mulher, seria complicado ter uma família, ter filhos. Ainda ontem apareceu a situação de uma jogadora que está grávida, na WNBA, e foi trocada para outra equipa [Dearica Hamby] e está instalada uma grande confusão. E ela diz isso mesmo, apoiam-me por estar grávida e agora mandam-me embora como se afinal não desse jeito. O meu foco era o basquetebol. E quando a carreira acaba temos 38 anos, metade da nossa vida já passou. Mas não tenho arrependimentos, aqueles eram os meus objetivos e foram alcançados. Outras coisas vão acontecer, tenho outras coisas. E há muitas jogadoras que são casadas e têm filhos, até dois, três ou quatro. Mas são os objetivos de cada um e às vezes acontecem de forma natural ou não.

É essa a principal diferença entre o desporto feminino e o desporto masculino?
É uma das diferenças. São as mulheres que têm de ter os filhos, carregá-los durante nove meses, e o corpo muda antes e depois. E claro, quando o bebé nasce os sacrifícios continuam, estar levantada durante a noite, essas coisas todas. É uma das coisas que ainda faz muito peso na balança entre o desporto feminino e o desporto masculino.

Los Angeles Sparks v Phoenix Mercury

Depois da breve passagem pelas Los Angeles Sparks, a jogadora natural da Figueira da Foz terminou a carreira nas Chicago Sky, em 2012

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A ideia de que o basquetebol é uma coisa para rapazes, o facto de ter começado a jogar com rapazes quando era mais nova, podia ter travado a vontade de seguir uma carreira profissional?
Podia ter travado, podia. Porque, muitas vezes, não era aceite. Principalmente no início, ‘vai brincar com as bonecas’, ‘o que é que estás aqui a fazer’, esses estereótipos portugueses e até mundiais de que as raparigas têm de estar em casa a brincar com as bonecas. Eu fui estando ali, muitas vezes ia atrás do meu irmão e sabia que era uma grande chata, porque ele ia ter com os amigos e eu ia atrás dele. E depois ele também se tornou um bocadinho o meu protetor, escolhia-me primeiro muitas vezes para eu estar na equipa dele e aos poucos fui sendo aceite. Até porque eles perceberam que eu até percebia alguma coisa daquilo e deixavam-me jogar com eles. Quando começaram a conhecer-me, até porque ali a Figueira da Foz é uma cidade pequena, perceberam que eu sabia jogar. Mas depois não queriam aleijar-me… E eu dizia ‘pá, não se preocupem, joguem à vontade, isto é mesmo assim’. Mas sim, podia ter travado tudo. Se tivesse ouvido o que eles diziam, a questão das bonecas duas ou três ou quatro vezes e tivesse feito isso e tivesse desistido, não estávamos aqui a falar agora.

Que equipa é que apoia atualmente na NBA?
Não tenho nenhuma equipa especial. Vivo em Miami, gosto dos Miami Heat e às vezes vou ver os jogos deles mas não é a minha equipa. Não tenho equipas, tenho jogadores que gosto de ver jogar e atuar e, quando vejo um jogo, vejo pelo espetáculo em si e não pelo amor à camisola. Não tenho nenhuma equipa por quem torcer. O LeBron James é um dos meus jogadores favoritos, o Luka Doncic está muito bem, o Ja Morant está a aparecer agora. Mas tenho mais prazer em vê-los atuar do que propriamente em ver a equipa a jogar.

A paixão pelo desporto esteve sempre restrita ao basquetebol ou gosta de assistir a outras modalidades?
Gosto dos desportos todos. Quando há Jogos Olímpicos tento sempre ver e claro que há modalidades de que gosto mais ou menos. Mas o basquetebol foi sempre o favorito desde os cinco anos, até porque o meu pai também jogou, foi treinador, o meu irmão jogou… Já se respirava basquetebol dentro de casa e foi uma coisa natural para mim. E ainda bem que foi, se eles jogassem futebol eu se calhar também tinha jogado futebol. Ou natação ou fosse o que fosse. Mas sim, decididamente, o basquetebol é o número 1. Mas gosto de ver desporto no geral.

"O meu foco era o basquetebol. E quando a carreira acaba temos 38 anos, metade da nossa vida já passou. Mas não tenho arrependimentos, aqueles eram os meus objetivos e foram alcançados. Outras coisas vão acontecer."
Ticha Penicheiro

Já falou várias vezes sobre as ocasiões em que se encontrou com Magic Johnson e a surpresa que foi ter percebido que ele sabia quem era a Ticha Penicheiro. É ele a sua principal referência?
Ele e o Michael Jordan são as minhas referências, desde pequena. Porque infelizmente também não tinha referência femininas e não podia ir ao YouTube fazer nenhuma busca porque não havia internet. Mas sim, foi o Magic a minha referência e principalmente porque jogou exatamente na mesma posição que eu, era um base que era alto e que fazia os passes que fazia. Foi a minha referência número 1. E claro, à medida que fui crescendo e que fui para os EUA e tive mais acesso a ver jogos ao vivo comecei a gostar do Jason Kidd, do Steve Nash, do John Stockton. Mas o Magic é, sem dúvida, o número 1.

Como é que isso aconteceu? Ser base com uma altura [1,80 metros] que, em teoria, é demasiado elevada para o habitual na posição.
Porque acho que cresci mais tarde. E ainda bem. Eu era franzina, pequenita, e driblava sempre. Tive a sorte de ter uma campo de basquetebol mesmo ao pé de casa, era só atravessar a rua, e passava horas lá a jogar com os rapazes. Desde pequena que driblava sempre, estava muito confortável com a bola nas mãos. E até aos 13, 14 anos, era muito pequenita. Só depois é que dei um salto e pronto, aí já não iam pôr-me a poste. Tive essa sorte de me desenvolver mais tarde e de poder continuar a jogar a base. Porque aqui, quando é alto, vai logo lá para dentro [do garrafão].

O que é que ainda lhe falta fazer?
No que toca ao meu trabalho, aos meus objetivos, ainda não tinha conseguido ter a escolha número 1 do draft e tive no ano passado. A jogadora [Rhyne Howard] que foi a primeira escolha do draft da WNBA em 2022 é minha jogadora, sou eu que a represento. Acho que todos os anos, todos os dias, temos de criar novos objetivos para nós mesmos. Até para não morrermos e continuarmos a avançar. Esse foi um objetivo conseguido e agora quero que duas das minhas jogadoras — ou pelo menos uma delas — estejam nos Jogos Olímpicos de 2024 com os EUA. Esse é o meu próximo objetivo, ter uma jogadora minha a competir na seleção dos EUA nos próximos Jogos Olímpicos.

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