É o fim do tabu. Apesar de todas as pressões, Miguel Poiares Maduro não será candidato à sucessão de Rui Rio. Depois de Paulo Rangel e de Carlos Moedas, o ex-ministro de Pedro Passos Coelho junta-se assim à lista de indisponíveis para entrar na corrida à liderança do PSD. “Sou um outsider. Era impossível, em menos de dois meses, reunir condições para ser candidato.”
Em entrevista ao Observador, no programa “Vichyssoise”, Poiares Maduro, apesar de lhe reconhecer algumas qualidades, não se compromete com um apoio a Luís Montenegro. “Tenho uma boa perceção dele como pessoa, mas ainda desconheço muito aquilo que ele pensa”, explica.
Sobre o futuro do partido, o antigo ministro deixa uma espécie de caderno de encargos para a futura liderança: “Devíamos abrir o partido, duplicar o número de militantes nos próximos quatro anos, reforçar a implantação territorial e promover centros de conhecimento internos e de qualificação política interna”.
Com o PSD em suspenso, Poiares Maduro não resiste também em fazer uma provocação sobre o Governo de António Costa e as escolhas do líder socialista. “Parece uma espécie de Big Brother ou Casa dos Segredos da liderança do PS. Não sei se um futuro líder vai ser o último ou o primeiro líder a sair da casa”, diz.
[Ouça aqui a Vichyssoise]:
O seu nome tem sido apontado com insistência à liderança do PSD. Vai ou não avançar com uma candidatura?
Tenho um princípio de nunca confirmar ou desmentir especulações. Mas para não estar a alimentar telenovelas: para ser candidato à liderança de um partido é necessária a convergência de um conjunto de condições pessoais e políticas que eu neste momento não tenho e não teria condições de reunir seguramente. Sou um outsider, alguém que não está na política neste momento. Não faz sentido, num prazo curto, ponderar a possibilidade de ser candidato.
Tem sido escrito, nomeadamente aqui no Observador, que ponderaria avançar se Carlos Moedas e Paulo Rangel estivessem fora da corrida – como acabou por acontecer. Mesmo assim entende que não tem condições?
Para alguém que está fora da política, que nunca teve um cargo no partido, que não teve até agora uma presença regular no partido e que tem uma vida profissional no estrangeiro, era impossível, em menos de dois meses, reunir essas condições.
Mas está interessado em começar esse percurso para o futuro?
Nunca excluo nada. Gosto de política, de políticas públicas, mas também da capacidade de mobilizar recursos humanos e ideias para conseguir as pessoas e as opções políticas que acho as melhores e mais importantes para o país. Alguém que gosta disso naturalmente não pode excluir a possibilidade de, no futuro, poder interessar-se e concorrer a uma liderança do partido.
E a participar mais na vida interna do partido?
Isso seguramente. Aliás, já o tenho feito na medida do que era possível para alguém que tem uma carreira no estrangeiro. Recordo que há quatro anos apresentei, no congresso do PSD, uma moção para uma reforma profunda do partido que acho que é uma das coisas de que o partido necessita. Posso continuar a intervir dessa forma, independentemente de um dia poder ou não vir a ser candidato à liderança do partido. Essas condições também só se verificam em determinados momentos e podem nem sequer vir a verificar-se.
“Desconheço muito daquilo que Montenegro pensa”
Apesar de ainda não ter formalizado a candidatura, Luís Montenegro, é, até ao momento, a única figura do partido com condições sérias de suceder a Rui Rio. Acredita que será um bom líder do PSD?
Conheci Luís Montenegro quando ele era líder parlamentar, tenho uma boa relação com ele. Tenho uma boa perceção dele como pessoa, mas ainda desconheço muito daquilo que ele pensa quer em termos de reformas profundas, que acho que o partido tem de fazer, quer em termos do pensamento e da visão estratégica que tem para o país.
Não deixa de ser revelador que diga que desconhece as ideias de Luís Montenegro quando ele já foi candidato à liderança do PSD?
Nessa altura estava em Florença… posso não ter prestado suficiente atenção e ser responsabilidade minha.
Mas espera que venha a existir uma alternativa?
Vou esperar para ver quais são os candidatos e as propostas para o partido. Não deixarei de trazer propostas para o partido como qualquer militante ativo deve fazer. Uma das reformas principais deve ser alargar a militância de forma exponencial. Devíamos questionar como é possível uma democracia em que cada vez mais a militância nos partidos é reduzida. Com duas consequências: a primeira, é que os candidatos a primeiro-ministro são escolhidos por um grupo muito pequeno de pessoas; em segundo lugar, quanto menos pessoas têm e quanto menos estiverem abertos à sociedade civil, menos quadros, menos qualificações, menos massa crítica os partidos têm para quando chegarem ao Governo estarem preparados para governar.
Não era importante para a democracia interna do PSD que existissem mais alternativas sólidas? A sensação que dá é a de que ninguém quer ser líder do maior partido da oposição.
Era importante existir mais uma alternativa, mas estou numa situação difícil para criticar porque eu próprio entendo que não reúno as condições políticas e pessoais para o poder fazer. Se não acontecer também nos devemos questionar dentro do próprio partido porque é que assim é. Isso também pode ser revelador da crise interna que o partido enfrenta e que devemos discutir independentemente de quem vier a ser o líder.
O facto de tanta gente ter mostrado indisponibilidade para avançar – o próprio Miguel Poiares Maduro, Paulo Rangel, Carlos Moedas – e de não existir ainda um leque sólido de candidatos, é um sintoma ou consequência da crise do PSD?
Os partidos políticos têm vindo a perder militância e têm vindo a perder participação política ativa dentro dos partidos. Devíamos procurar abrir o partido, duplicar o número de militantes nos próximos quatro anos, reforçar de novo a implantação territorial — que sempre foi um dos principais ativos políticos do PSD –, promover centros de conhecimento internos e de qualificação política interna, que também promovam algo que o partido tem tido grande dificuldade em fazer: transferir as suas propostas de políticas públicas para uma mensagem política global consolidada e reforçar a credibilidade do partido e dos seus quadros junto dos eleitores.
“A ambiguidade em relação ao Chega custou votos ao PSD”
Os eleitores do PSD conseguem entender que o próximo líder, sendo entronizado em julho, só esteja verdadeiramente em funções setembro, depois do verão? Não dá a sensação de que o partido fechou para obras?
É verdade que é problemático para a afirmação e presença do partido.
Sobretudo no início da maioria absoluta do PS.
Por outro lado, também acho que dois meses é pouco tempo para a reflexão que o partido deve fazer sobre os desafios que tem pela frente. Diz-se muito que o partido não consegue ir captar pessoas, mas quanto mais curtos os prazos mais difícil é que essas pessoas tenham possibilidade de entrar no partido e ter um papel mais ativo. Na política não pode ser tudo determinado pela velocidade. Temos de pensar em quais são os principais desafios e um deles é reformar internamente — não para olhar para o umbigo, mas porque é fundamental para abrir o partido ao país e ganhar credibilidade. O segundo é o nosso posicionamento político num contexto em que o eleitorado tradicional do centro tem uma composição muito diferente, com linhas de fronteiras ideológicas muito diferentes, e em que existe dificuldade acrescida com o aparecimento de forças políticas à nossa direita em crescimento.
Defende um partido sem ambiguidades para com o Chega, capaz de marcar diferenças em relação à Iniciativa Liberal e, sobretudo, em relação ao PS. Não andará muito longe do que a maioria do partido pensa. Mas a pergunta é: como é que isso se consegue?
O PSD não pode abrir a porta a qualquer acordo com o Chega. Deve assumir isso muito claramente, sem margem para ambiguidades. Isto não quer dizer ignorar as preocupações de parte do eleitorado do Chega. Um dos aspetos de uma agenda prioritária para o país, e que o PSD devia assumir e que o diferenciaria claramente do PS, é o combate à corrupção. Muito do eleitorado que hoje escolhe essas opções populistas fá-lo por frustração com a classe política atual. Existe a perceção de que o Estado está partidarizado e não é isento. Essa partidarização do Estado e ausência de isenção não é má só por significar que quem está nos cargos de topo do Estado está por razões políticas e não necessariamente de mérito. É muito pior.
O Chega é a maior ameaça ao PSD neste momento?
Não é a maior, o PSD não deve definir um posicionamento político por contraposição a um partido como o Chega. Sempre critiquei o facto de António Costa ter feito uma coligação com dois partidos radicais da esquerda. E uma das razões é que as diferenças são tão grandes que governar na dependência deles só serve para manter e gerir o poder. Não servirá para fazer nenhuma reforma. E o mesmo se aplicaria ao PSD se estivesse dependente do Chega. Só para ir para o poder, não vale a pena. E é mau do ponto de vista estratégico: como se viu nestas eleições, essa ambiguidade custou votos ao PSD. Mas agora o PSD também tem de afirmar uma mensagem política positiva, diferenciadora do PS.
“Governo parece uma espécie de Big Brother da liderança do PS”
Na última vez que esteve na Vichysoisse disse que a conceção de poder de António Costa é idêntica à de José Sócrates. Acha que vamos ver um António Costa diferente com maioria absoluta?
A composição deste Governo reforça o que eu disse. Qual é o ponto consensual em todas as análises? É que é um Governo mais partidário. Não gosto de dizer mais político, porque todos os Governos são políticos: quem é mais técnico passa a ser político, como aconteceu comigo. O problema é: qual é o critério de recrutamento político para o Governo? António Costa adotou um critério claramente partidário e numa linha de fidelidade e proximidade. Isto significa duas coisas: por um lado, parece uma espécie de Big Brother ou Casa dos Segredos da liderança do PS. Não sei se um futuro líder vai ser o último ou o primeiro líder a sair da casa.
Tenho curiosidade em saber em quem votaria.
Eu não votaria em nenhum deles, como é óbvio… Começaria por votar para que saísse António Costa, mas os portugueses decidiram de forma diferente. Mas o segundo aspeto é que não acho que os melhores ministros sejam necessariamente as pessoas com melhor capacidade técnica; é perfeitamente concebível ter ministros que não conhecem a fundo as suas áreas setoriais e no entanto têm capacidade de liderança política, de recrutar os melhores quadros.
O terem um percurso partidário é sinónimo de incompetência?
Não. Estou a dizer precisamente o contrário. Neste caso, são pessoas do PS e que cuja carreira é puramente político-partidária. Por exemplo, há modelos políticos, como na Escandinávia ou no Reino Unido, em que a política é concebida como uma profissão em si e as pessoas que vão para o Governo têm sobretudo esse conhecimento da política e dos partidos e não das suas áreas técnicas de excelência. O problema é que nesses países a Administração Pública é profundamente despartidarizada. É muito mais qualificada e independente do que em Portugal. Estar a aplicar esse modelo de governos profundamente partidários sem trazer pessoas de excelência técnica para a Administração Publica vai reforçar a partidarização do Estado. A segunda leitura que se pode retirar destas escolhas é de que o primeiro-ministro não tenciona fazer nenhumas reformas. Quer pessoas que giram o imediato, que façam a gestão política da governação e não as reformas profundas.
Voltando ao “Big Brother” de que falava. Acredita que o facto de os nomes falados para a sucessão de António Costa estarem todos integrados pode causar alguma competição e sabotagem dentro do Governo?
É possível. Mas aí vai depender também da capacidade de arbitragem do primeiro-ministro. O que eu acho é que o critério de seleção para o Governo não devia ser “vamos aqui colocar em teste os diferentes candidatos a líderes do PS”. Um governo português não deve ser uma prova de avaliação para a liderança do PS. Isso é mais um indício da partidarização e da mexicanização do nosso regime português.
Vamos agora avançar para a segunda fase da nossa refeição, o Carne ou Peixe, em que só pode escolher uma de duas opções. Preferia ser vice-presidente de Frederico Varandas no Sporting ou vice-presidente de Rui Rio no PSD?
Gostaria de ajudar ambos sem ser vice-presidente de nenhum.
A concluírem o mandato com dignidade, é isso?
Não, não.
Quem é levaria a um concerto de musica clássica na Gulbenkian: Luís Montenegro ou Ribau Esteves?
Não tinha problemas em levar nenhum dos dois. Gosto de levar as pessoas àquilo que elas gostariam de fazer.
Mas tem de levar um dos dois.
Dou-me bem com os dois. O auditório da Gulbenkian dá para mais do que três pessoas.
Preferia voltar a ser ministro de um Governo do PSD ou integrar um comité da FIFA?
Apesar de tudo, é mais fácil ter ambição de reformar alguma coisa num governo do PSD.
O que é que lhe custava mais: ver um PS no governo nos próximos dez anos ou o Sporting ficar afastado do título do campeão nacional?
Não gosto de nenhum tipo de monopólios. Agora tenho de dizer: sou apaixonado por futebol, mas o meu país e o futuro do país é seguramente mais importante do que o meu clube.