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Ordem Militar da Torre e Espada e três Cruzes de Guerra – o que coube a Raul Folques de mais de dez anos da participação na guerra colonial, em Angola e na Guiné. No dia 10 de Junho de 1973 a ser condecorado por Spínola, em Bissau
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Ordem Militar da Torre e Espada e três Cruzes de Guerra – o que coube a Raul Folques de mais de dez anos da participação na guerra colonial, em Angola e na Guiné. No dia 10 de Junho de 1973 a ser condecorado por Spínola, em Bissau

Ordem Militar da Torre e Espada e três Cruzes de Guerra – o que coube a Raul Folques de mais de dez anos da participação na guerra colonial, em Angola e na Guiné. No dia 10 de Junho de 1973 a ser condecorado por Spínola, em Bissau

"Neve Gelada". Há 50 anos, na Guiné, contra o PAIGC, a última grande operação do Exército Português em África

Começou a 21 de Março e terminou a 31, a poucos dias antes do 25 de Abril. Foi a última grande operação militar em África, na Guiné, contra o PAIGC. Ensaio de Xavier de Figueiredo.

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Não foi o adeus às armas, mas é como se tivesse sido. A actividade operacional a que aquela guerra obrigava manteve-se nos seus níveis normais. Mas operações em larga escala, como aquela, de planeamento exigente, movimentando larga soma de efectivos e material, essas ficaram por ali. Não houve mais nenhuma, nem ali, na Guiné, nem em Angola ou em Moçambique. Foi, por isso, a última grande operação militar das Forças Armadas Portuguesas (FA) na guerra colonial.

Era mais ou menos um mês o tempo que faltava para a eclosão do golpe militar do 25 de Abril na Metrópole e da abertura do processo descolonizador que se lhe seguiu – acontecimentos que muito tinham ficado a dever à usura e ao desgaste provocados pelo arrastamento de uma guerra para a qual cada vez menos se ia descortinando um fim militar. Continuava válida a máxima segundo a qual um exército regular podia fazer frente a uma guerra subversiva, mas não a podia derrotar, como ficara demonstrado na Malásia, no Quénia ou na Argélia.

O novo Comandante-Chefe da Guiné, general Bettencourt Rodrigues, aplicando ali uma maneira de proceder trazida de Angola – nunca perder a iniciativa, reagir prontamente a acções do adversário, eram os princípios que o guiavam – ordena o lançamento de uma operação destinada a “aniquilar, no mínimo a desarticular a presença do IN na região compreendida entre a fronteira do Senegal, Canquelifá, Cofa e Patom”. O sugestivo nome dado à operação é “Neve Gelada”.

Fazia algum tempo que Canquelifá, no NE da Guiné, em especial o quartel onde na altura estacionava a Companhia de Caçadores (C.Caç) 3545, do comando do capitão miliciano Fernando Cristo, homem de Coimbra, vinha sendo alvo de acções de flagelações do PAIGC, com o emprego de canhões sem recuo e morteiros 120. Em toda a zona envolvente ocorriam amiúde emboscadas e minagens destinadas a dificultar os reabastecimentos da posição. Há dois meses que a companhia não era reabastecida de víveres. Numa tentativa de aliviar a pressão ou prevenir surpresas, a companhia já fora reforçada com um pelotão de artilharia e outro de milícias.

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Acções de reconhecimento aéreo e outras, em especial baseadas em redes de informadores, permitem identificar duas “bases de fogos” (BfIn) do PAIGC, uma em Sinchã Jidé, outra em Gandemba. É daí que partem as flagelações. São montadas de manhã, nos dias escolhidos para as flagelações, com material e pessoal trazidos em viaturas procedentes do “lado de lá” da fronteira, no Senegal, aonde tornam depois de “concluído o trabalho”. Por aqueles tempos começaram mesmo a manifestar-se indícios de que o PAIGC poderia estar a preparar um assalto a Canquelifá – o que por si só, independentemente do desfecho disso, constituiria sempre um revés.

A força mobilizada para execução da “Neve Gelada” é constituída por três companhias do Batalhão de Comandos Africanos (BCmdsAfr), distribuídas por outros tantos agrupamentos, que recebem os nomes Alfa, Bravo e Charlie. No total, 450 homens. Foram igualmente mobilizados dois caças Fiat G-9, mantidos em alerta em Bissau, e quatro helicópteros, dois dos quais armados. O comandante da força e da operação é o major “Comando” Raul Folques. O 2º comandante é o capitão “Comando” Matos Gomes (que anos volvidos, inicialmente sob o pseudónimo Carlos Vale Ferraz, se lança numa actividade literária com enfoque na guerra de África). O oficial de operações é o capitão, também “Comando”, Batista da Silva.

Raul Folques, último comandante do Batalhão de Comandos Africanos, qualidade em que comandou a “Neve Gelada”. João Nandigna, ao seu lado, era 2º Sargento de uma das companhias da operação

Raul Folques, um algarvio de Vila Real de Santo António com fama de rijo e destemido, fora destacado para a Guiné em 1972. Já com a patente de major, a missão a que vai destinado é a de adjunto do tenente-coronel Almeida Bruno no comando do Batalhão de Comandos Africanos. Mais tarde substitui-lo-á no comando. Antes fizera três comissões em Angola, as duas últimas com participação activa na “Siroco”, uma operação helitransportada de “Comandos” que entre 1969 e 1971 limpou o Leste do território da presença do MPLA. Bettencourt Rodrigues, ainda brigadeiro, era o comandante militar da área, conhecida por ZML.

As três companhias, como o eram todas as unidades do Batalhão de Comandos Africanos, são quase completamente constituídas por efectivos autóctones da Guiné, incluindo os seus graduados. O de mais elevada patente, ao qual é atribuído o comando do agrupamento Alfa, é o capitão Zacarias Saiegh. É pessoal muito experiente, conhecedor do meio e do terreno e especialmente motivado. Mas também muito propenso a excessos de violência contra os elementos do PAIGC capturados. O que, tudo somado, explica o medo real que os Comandos Africanos infundem no PAIGC.

A sanha contra eles movida pela Segurança do novel Estado da Guiné-Bissau, nos primeiros anos de independência, foram sempre vistas como fruto de sentimentos de vingança ou então de desconfiança e medo, neste caso advindos de “pressentimentos” de que mais tarde ou mais cedo se deixariam tentar por acções conspirativas impelidas pelo seu valor militar. Muitos acabaram por ser mortos; a maior parte pôs-se a salvo, refugiando-se em Portugal ou no Senegal.

Supresa, factor determinante

A operação, na sua fase crucial, é desencadeada em 21 de Março, com o lançamento de dois agrupamentos numa manobra destinada a cercar simultaneamente as duas BfIn. O terceiro agrupamento foi mantido em Canquelifá, PC da operação, como força de reserva. A força completa havia chegado a Canquelifá, procedente de Piche, ao fim da manhã daquele dia. Menos de uma hora depois, às 13h15, o tempo necessário para todos aconchegarem o estômago com o recurso à ração de combate, os dois agrupamentos puseram-se em marcha em direcção aos alvos, sempre progredindo pelo mato.

Às 14h30, numa altura em que se encontravam ainda em fase de progressão, o quartel e povoação de Canquelifá começaram a ser alvo de uma nova flagelação com fogo ajustado de morteiros 120 e canhões sem recuo com origem nas duas BfIn. O que aquilo queria dizer era que a progressão de ambas as forças, apesar da mata aberta e de árvores de pequeno porte que é a daquela parte do território, não havia sido detectada pelo PAIGC, que também não se teria dado conta da chegada dos agrupamentos a Canquelifá. A não ter sido assim não teria iniciado a flagelação; estaria alerta para resistir.

Na Associação de “Comandos”, na Bateria da Lage, hoje a “segunda casa” de Raul Folques

Apanhada de surpresa quando o assalto final ocorreu, às 15h00, a força do PAIGC não quebrou nem destroçou. Resistiu tenazmente, conforme assinala o relatório da operação, o que obrigou ao emprego da força de reserva do capitão Matos Gomes, que tinha permanecido em Canquelifá. A resistência não tardaria, porém, a entrar quebra, com fuga dos guerrilheiros ilesos em direcção ao Senegal. Tinha sido mantido aberto um corredor com o fim de permitir a fuga, que deveria ser batido por um dos heli-canhões, que chegou tarde.

O estado de surpresa em que foram apanhados não viria a permitir ao PAIGC evitar o abandono do material pesado, designadamente três morteiros completos 120 e 367 granadas respectivas. Cai também nas mãos da força atacante uma partida de víveres. O relatório da operação refere igualmente que foram causadas 26 baixas ao PAIGC, “sendo 2 de cor clara, presumindo-se serem cubanos e 1 enfermeira, que se presume igualmente ser cubana” (sic). Do lado atacante registaram-se três mortos, seis feridos graves e 16 feridos ligeiros.

Vinte dias depois o 25 de Abril

A operação foi dada por concluída em 31 de Março, no termo de operações de limpeza destinadas a bater a área e a armadilhar o terreno. A 3 de Abril, a meio da manhã, é a vez de Bettencourt Rodrigues, chegado de helicóptero, vir em pessoa a Canquelifá. Os “Comandos” já haviam regressado a Bissau. Vem transmitir ânimo ao pessoal da C.Caç 3545 que ali permanece. Faltavam exactamente vinte e dois dias, contados um a um, para o irromper do pronunciamento militar de 25 de Abril que a seu tempo, pouco tempo, viria a dar por encerrada a guerra colonial em todos os seus três TO’s.

Antigos “Comandos” africanos da Guiné, estes os que ainda sobram de todos aqueles que se refugiaram em Portugal no rescaldo da descolonização

Quando Marcello Caetano convidou Bettencourt Rodrigues para governador da Guiné e comandante-em-chefe das FA no território, entregou-lhe, contado pelo próprio, cópia do relatório de uma missão de avaliação efectuada ali pelo então CEMGFA, general Costa Gomes. A conclusão que dele consta – a Guiné é militarmente defensável, bastando que ao dispositivo daquele momento sejam feitas algumas alterações – é partilhada por Bettencourt Rodrigues. Desde que chegou já procedeu a alterações que lhe pareceram convenientes, em especial na disposição da quadrícula, assim como pediu armamento mais sofisticado. Já o informaram que está em Lisboa, pronta para seguir, uma bateria de misseis antiaéreos “Crotale” para reforçar o sistema de defesa anti-aérea de Bissau.

A satisfação que Bettencourt Rodrigues irradia no dia 3 em Canquelifá, parece não ser estranha a um sentimento que geralmente compraz aqueles que por uma razão ou por outra por ele são invadidos: o de que a razão estava do seu lado. A “Neve Gelada”, é o que pensa, provara que as FA na Guiné não tinham perdido a iniciativa; mantinham plena capacidade táctico-operacional, razão pela qual nenhuma parte do território lhes estava vedada. A aviação também continuava a operar, apesar da ameaça dos “Strella”. Era o que o relatório de Costa Gomes queria dizer e aquilo em que também ele acreditava.

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