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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Novo Banco. Anatomia das operações que geraram mais perdas cobertas com fundos públicos

Não foram os imóveis. As alienações com mais perdas que obrigaram o Fundo de Resolução a meter capital no Novo Banco resultaram da venda de participações e de créditos maus. É o que revela auditoria.

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O número impressiona. Até ao final de 2018, o Novo Banco acumulou perdas líquidas de 2.310 milhões de euros em ativos cobertos pelo mecanismo de capital contingente – através do qual a entidade pública Fundo de Resolução compensa o banco por perdas de capital em ativos herdados do BES. Mas esta fatura – que indiretamente vai parar ao contribuinte português – inclui operações concretas, com valores e histórias próprias que o relatório de auditoria da Deloitte ao BES/Novo Banco, divulgada com rasuras esta terça-feira, vem agora revelar. Ainda que, em alguns momentos, apenas parcialmente.

E nem sempre os maiores prejuízos resultaram das operações mais polémicas, como a venda da carteira de imóveis conhecida como ‘Projeto Viriato’, que segundo alguns políticos foi vendida ao “desbarato”. Pelo menos quando estamos a falar de perdas com direito a cobertura por parte do Fundo de Resolução, e indiretamente, a financiamento concedido pelo Estado a esta entidade para capitalizar o Novo Banco (como estipulado nos termos do contrato de venda).

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Destes 2.310 milhões de euros em perdas acumuladas até ao final de 2018, a maior fatia – 1.602 milhões de euros – teve origem em operações de crédito, “sendo de realçar que os 20 maiores grupos económicos representam cerca de 63% desse impacto”, indica a Deloitte. Contudo, os nomes destes grupos não são visíveis no documento que foi divulgado no site do parlamento. Alguns – contudo – são conhecidos, até por causa do rasto de perdas que deixaram em outros bancos: a Ongoing, Joe Berardo ou a Sogema, holding ligada ao empresário Moniz da Maia.

Há no entanto três operações de venda de ativos, realizadas já pela gestão privada do Novo Banco – portanto cobertas pelo mecanismo de capital contingente – e que passaram nos vários níveis de fiscalização e autorização por parte de entidades externas e supervisores, que se destacam pela dimensão das perdas. Sendo que estamos a falar das perdas que se materializaram em impactos negativos nos rácios do Novo Banco e que por isso justificaram pedidos de capital ao Fundo de Resolução. No total, representam cerca de 472 milhões de euros dos mais de 2.300 milhões de euros de perdas que foram contabilizados neste mecanismo até ao final de 2018.

A Deloitte sinaliza ainda que nem todos os prejuízos do Novo Banco dão origem ao direito de serem compensados com fundos públicos. As perdas nos ativos abrangidos pelo mecanismo de capitalização contingente totalizaram 2.661 milhões de euros até ao final de 2018. Mas no mesmo período, o Novo Banco recebeu do Fundo de Resolução 1.941 milhões de euros, relativos aos prejuízos reportados em 2017 e 2018. A diferença explica-se pelo impacto que as perdas nestes ativos têm nos rácios de solidez financeira do banco, o que também depende das exigências regulatórias que mudam todos os anos.

Já este ano houve uma tranche de 1.035 milhões de euros relativa aos resultados de 2019, ano que já não é coberto por esta auditoria, mas que será também alvo de escrutínio.

Sem identificar falhas ou insuficiências, a auditoria aponta para a inexistência de normativos para a avaliação dos conflitos de interesses nas operações, desde o tempo do BES, mas que abrange o tempo de gestão do Novo Banco.

Auditoria diz que Novo Banco fez vendas de participações e ativos sem analisar conflitos de interesse

A venda da GNB Vida e uma análise que parou no final de 2018

O ativo individual que mais perdas gerou foi a seguradora GNB Vida, vendida em 2019. A participação do Novo Banco na GNB Vida gerou, entre 4 de agosto de 2014 e 31 de dezembro de 2018, uma perda global de 380 milhões de euros. Mas a consultora realça especificamente um impacto de 287 milhões de euros para o Fundo de Resolução “resultantes das imparidades com a participação na GNB Vida”.

O processo que levou à venda da GNB Vida foi longo, conturbado e, sobretudo, polémico. A Deloitte conta parte(s) da história e vai somando os prejuízos. A seguradora – então BES Vida – “passou a integrar o Grupo BES desde 2006, com a aquisição por parte do BES de 50% do seu capital social ao Crédit Agricole, S.A. (acionista do BES) por um montante de 475 milhões de euros”.

Em 2014, uma análise de imparidade quando foi criado o Novo Banco apontava para 100 milhões de euros, valor que passou para 134,6 milhões de euros em 2016. A última avaliação externa à GNB Vida de 2015 apontava para um intervalo entre 632 e 711 milhões de euros, mas quando foi posta à venda, em 2017, o assessor financeiro avaliou a seguradora em 440 milhões de euros. A venda acabou por ser feita por 190 milhões de euros, com a possibilidade de receber uma componente variável até 125 milhões de euros.

No trabalho divulgado esta terça-feira, a Deloitte identifica problemas logo nesta fase. Para começar, a consultora não encontrou documentos “ou parecer técnico para suporte ao processo de tomada de decisão por parte do órgão superior” logo na compra inicial, em 2006. Pior: não encontrou um documento sobre a valorização da BES Vida nesta altura.

Se o processo nasceu torto logo em 2006 – quando foram comprados 50% ao Crédit Agricole, então acionistas de referência do BES – seis anos depois, em 2012, continuou a entortar. O BES adquiriu o remanescente da BES Vida por um montante de 225 milhões de euros, “passando a ser detentor de 100% do seu capital”.

Também relativamente ao momento desta compra dos restantes 50% ao grupo francês, a Deloitte não encontrou nenhuma evidência da valorização que o BES de Ricardo Salgado dava então a esta participação e que o levou a pagar 225 milhões de euros, ainda que com base em avaliação independente.

Em 2014, uma análise de imparidade quando foi criado o Novo Banco apontava para 100 milhões de euros, valor que passou para 134,6 milhões de euros em 2016. A última avaliação externa à GNB Vida de 2015 apontava para um intervalo entre 632 e 711 milhões de euros, mas quando foi posta à venda, em 2017, o assessor financeiro avaliou a seguradora em 440 milhões de euros. A venda acabou por ser feita por 190 milhões de euros, com a possibilidade de receber uma componente variável até 125 milhões de euros. O Novo Banco tinha como prazo limite para a venda da seguradora o final do ano passado.

A Deloitte foi parte desta operação, ao assegurar a assessoria financeira via Espanha. Os potenciais conflitos de interesses estão identificado num capítulo específico. Mas a auditora considerou que os trabalhos feitos para o Novo Banco não impediam ou desaconselhavam “a realização deste trabalho, tendo-se concluído que não foi identificada nenhuma situação que impedisse ou aconselhasse a não aceitação do trabalho.”

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Sobre a polémica suscitada entretanto em relação ao comprador desta participação, a Deloitte assinala que a sua análise termina no final de 2018 quando o capital da GBI (Global Bankers Insurance) era controlado pela Apax Partners LLP. “Os factos e atos de gestão ocorridos em 2019 não se encontram incluídos no âmbito de análise do presente relatório”.

E que factos são estes? No início de 2019, a seguradora GNB Vida esteve para ser vendida ao conglomerado norte-americano dos seguros que é controlado por um controverso magnata californiano chamado Greg Lindberg. No entanto, perante as notícias de que o californiano estava a ter problemas com a justiça, o supervisor português dos seguros – a ASF, ainda no tempo de José Almaça – bloqueou o negócio.

A venda acabou por se fazer, mas a uma empresa liderada por um executivo – Matteo Castelvetri – que fora próximo de Greg Lindberg (liderou fundos europeus do magnata californiano durante dois anos). A proximidade entre os dois levantou dúvidas sobre se Castelvetri não seria um testa de ferro de Lindberg, mas os vários reguladores e o Fundo de Resolução aprovaram a venda. Venda essa que – também devido ao atraso no processo – se ficou por 123 milhões de euros à cabeça (um valor 70% abaixo do valor contabilístico da seguradora nas contas semestrais do banco em 2019), a que se poderão somar outros 125 milhões da componente variável (mediante objetivos).

A alienação do BES V em França

O BES V, conhecido como o BES Vénétie, resultou da entrada do antigo BES com uma participação numa sociedade bancária com sede em Paris. Até 2014, o banco português realizou vários investimentos, nomeadamente aumentos de capital. E ainda na primeira metade de 2014, portanto pouco tempo antes da resolução, o BES comprou a uma sociedade do Grupo Espírito Santo, a Esfil, 44,8% do BES V, pagando 55 milhões de euros. Com a resolução, este ativo foi logo considerado não central e colocado à venda, tendo chegado a ser recebida uma proposta indicativa de 79 milhões de euros em 2015, mas o comprador potencial desistiu no ano seguinte.

"No processo de alienação do BES V, atento o valor implícito nas ofertas dos potenciais investidores em 2015 (5 ofertas não vinculativas recebidas) e 2016 (oferta subjacente ao acordo de exclusividade assinado), não foi obtida evidência da realização de uma análise de valorização e eventuais impactos no registo daquela participação financeira", indica.

O processo foi relançado em 2017, tendo suscitado um número reduzido de ofertas vinculativas que “indicia um baixo nível de atratividade do BES V para investidores externos”. Das três propostas não vinculativas, o Novo Banco selecionou para negociação a da Promontoria MMB, parte do Grupo Cerberus, e acabou por vender em 2018 por 48 milhões de euros, o que resultou segundo a auditoria numa perda de cerca de 100 milhões de euros.

Em relação a esta operação de venda, a Deloitte destaca que não foi efetuada uma análise à compradora “de forma a concluir acerca de eventuais riscos de branqueamento de capitais e de conflitos de interesses”. Esta foi uma daquelas operações cuja aprovação pelo supervisor, neste caso o Banco Central Europeu, foi feita com base na informação prestada pelo potencial comprador.

Quanto ao acompanhamento desta participação pelos serviços do BES/Novo Banco, a Deloitte registou falhas atrás de falhas. Primeiro – no tempo de BES, até agosto de 2014 – a consultora não conseguiu encontrar documentação que mostre que houve esse mesmo acompanhamento. Nada. “Não foi ainda obtida documentação que evidencie ações de acompanhamento desta participação por parte do Conselho de Administração ou Comissão Executiva do BES entre 2000 e 3 de agosto de 2014”, sublinha.

E já no tempo do Novo Banco, também pouco mudou. Pelo menos a princípio. “Apesar da existência de membros do Conselho de Administração Executiva envolvidos na gestão não executiva do BES V, só a partir de 2015 se verifica evidência de acompanhamento formal”. E a partir daí tudo mudou? Não, escreve a Deloitte.

“No processo de alienação do BES V, atento o valor implícito nas ofertas dos potenciais investidores em 2015 (5 ofertas não vinculativas recebidas) e 2016 (oferta subjacente ao acordo de exclusividade assinado), não foi obtida evidência da realização de uma análise de valorização e eventuais impactos no registo daquela participação financeira”, indica.

Nata: os créditos de má qualidade e o comprador que só foi avaliado após o negócio feito

Na lista dos negócios mais “vermelhos” (ou mais geradores de perdas) do Novo Banco surge a primeira carteira de créditos de má qualidade (descrito como não produtivos) alienada em 2018, conhecida como o projeto Nata I, com a Deloite a sublinhar que no caso destes compradores um dos processos de diligência para avaliar eventuais conflitos de interesse e riscos de branqueamento de capitais só foi concluído já depois da venda ter sido fechada.

Foram colocados mercado e integrados no mesmo pacote mais de 100 mil exposições de crédito, a maioria eram empréstimos, com um valor bruto (sem reconhecer perdas) de 1.675 milhões de euros. O valor líquido destes créditos era da ordem dos 630 milhões de euros.

O comprador foi identificado como um fundo de investimento com sede nos Estados Unidos, mas tal como aconteceu na transação relativa aos imóveis Viriato também aqui foram detetadas estruturas de propriedade complexas com passagem por várias jurisdições offshore, como as ilhas Caimão, Guernsey e o estado norte-americano do Delaware

O consórcio KKR/LX Partners foi escolhido para a fase de negociação, depois de ter proposto a oferta mais elevada de 505 milhões de euros. Com o fecho final desta transação, o Novo Banco registou perdas da ordem dos 110 milhões de euros, das quais uma parte substancial foi coberta pelo Fundo de Resolução, cerca de 85 milhões de euros.

O ativo à venda foi ainda alvo de alguns ajustes, antes da aprovação final pelo Fundo de Resolução que têm uma palavra final no destino dos ativos protegidos pelo mecanismo de capital contingente. A auditoria indica que o Novo Banco propôs financiar o comprador, com uma opção de financiamento de vendor finance, mas o detalhe desta parte surge rasurado. Esta operação também teve a assessoria financeira da Alantra, sociedade ligada a um antigo diretor do BES e que por isso tinha sido visada num parecer do compliance interno do Novo Banco.

O comprador foi identificado como um fundo de investimento com sede nos Estados Unidos, mas tal como aconteceu na transação relativa aos imóveis Viriato também aqui foram detetadas estruturas de propriedade complexas com passagem por várias jurisdições offshore, como as ilhas Caimão, Guernsey e o estado norte-americano do Delaware. Para apurar quem eram os detentores da propriedade, foi considerada a informação dada pelo próprio comprador, segundo a qual nenhum dos investidores associados aos fundos compradores detinha mais de 25%, percentagem a partir do qual seriam considerados beneficiários últimos.

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