O processo de venda do Novo Banco está a entrar numa fase decisiva. Com a clarificação acionista nos dois bancos portugueses que estão na corrida, a expectativa é que os quatro concorrentes apresentem uma proposta vinculativa nas próximas semanas para fechar a venda até ao final do ano.
Portugal comprometeu-se com a Comissão Europeia a vender 100% da instituição e dos ativos até final de julho de 2017. Mas na prática e considerando o longo processo de autorizações de reguladores, a escolha do comprador deverá ficar fechada, o mais tardar, até ao final do ano. Esse é o calendário desejado pelo vendedor, segundo informação recolhida pelo Observador. Mas para tal, é necessário que apareçam ofertas vinculativas e que sejam comparáveis entre si, o que não existe até agora.
Ainda que essas ofertas ainda não se tenham materializado, o Observador sabe que a expectativa de valorização do Novo Banco é hoje substancialmente inferior à que foi no passado. Se há um ano se receava que as propostas fossem insuficientes para compensar o capital inicial injetado no Novo Banco em 2014, de 4.900 milhões de euros, ou mesmo os 3.900 milhões de euros emprestados pelo Estado ao Fundo de Resolução, os números que estarão hoje em cima da mesa estarão ainda mais aquém.
O efeito Caixa Geral de Depósitos tirou valor
E um dos fatores que mais peso teve na desvalorização do Novo Banco foi o aumento de capital da Caixa Geral de Depósitos. A noticia de que o banco do Estado ia precisar de quatro a cinco mil milhões de euros, conhecida no período em que estavam a ser preparadas as primeiras ofertas, teve um efeito muito negativo nas avaliações dos investidores internacionais aos bancos portugueses, alimentando o receio de que outras instituições iriam precisar de mais capital. E isso teve impacto no processo do Novo Banco, nos valores e na disponibilidade em apresentar propostas para todo o universo da instituição.
De acordo com informações avançadas pelo Expresso, as ofertas já apresentadas seriam apenas para partes da instituição e os valores não ultrapassariam os 500 milhões de euros.
Um sintoma desse impacto foi a hemorragia do valor em bolsa sofrida pelo BCP nos últimos meses, e que começou com o anúncio do aumento de capital do Banco Popular e se acentuou com a recapitalização da Caixa que acendeu os holofotes sobre as necessidades adicionais de capital de outras instituições portuguesas que ainda estão com prejuízos devido a imparidades de crédito. No caso do BCP, o JP Morgan avançou com as necessidades de reforço de provisões no valor 1.300 milhões de euros.
Desde o início do ano que o BCP perdeu quase 70% da sua cotação, valendo atualmente menos de mil milhões de euros em bolsa. A perda de valor acentuou-se sobretudo a partir de maio.
O BPI não sofreu uma pressão tão grande, em parte porque estava sob o efeito da OPA do CaixaBank, mas também porque já terá resolvido o grosso das imparidades de crédito, ainda que tenha um problema de rentabilidade do negócio doméstico, o que será ainda um incentivo adicional para ir ao Novo Banco.
A questão do preço será contudo menos relevante no atual concurso do que no procedimento lançado no ano passado, defendem fontes que estão a acompanhar o processo. Isto porque entretanto, a Comissão Europeia terá clarificado com as autoridades portuguesas que o empréstimo do Estado ao Fundo de Resolução não é uma ajuda de Estado, que tem de ser autorizada, porque se trata de uma operação entre duas entidades públicas. Ou seja, o governo tem margem para prolongar o prazo do reembolso deste empréstimo, o que já fez, numa primeira fase para dezembro de 2017.
Também os bancos deverão poder diluir por vários anos o impacto da perda a encaixar com o preço de venda na situação financeira do Fundo de Resolução, o que alivia encargos futuros no curto prazo.
Os quatro candidatos que se apresentaram no concurso promovido pelo Banco de Portugal apresentaram ofertas ou manifestações de interesse muito diferentes, no valor e no perímetro abrangido, o que dificulta a análise do vendedor, mas também no compromisso. Sabe-se, por exemplo, que o BCP escreveu uma carta com manifestação de interesse, mas não terá logo feito uma proposta específica. O objetivo é que apareçam novas ofertas sobre todo o horizonte em alienação, e não apenas sobre algumas partes, como acontece agora. E para tal, será dada mais informação aos interessados que também tiveram mais tempo.
Ganhar tempo para o BCP e o BPI poderem avançar
O compasso na avaliação das ofertas recebidas no final de junho também pretendia dar oportunidade a dois dos concorrentes, BCP e BPI, para arrumarem a casa em termos acionistas, o que lhes permitirá fazer ofertas mais agressivas e consequentes. A expectativa é que essa clarificação acionista, com possível impacto positivo ao nível da solidez financeira, aconteça até outubro, de forma a permitir a entrega de propostas vinculativas ainda nesse mês para fechar o dossiê.
O processo de arrumação de casa nos bancos nacionais já deu passos decisivos. Primeiro, o conselho de administração do BCP deu luz verde ao interesse da Fosun em comprar uma participação no banco que pode ir até 30% do capital, dando instruções à equipa de Nuno Amado para concluir as negociações com os chineses donos da Fidelidade, até ao final do mês. Este prazo permite avançar com uma proposta para o Novo Banco. O governo aprovou entretanto um diploma que facilita a fusão de ações de uma empresa cotada, que era uma das condições do grupo chinês para investir no BCP.
No BPI, também os acionistas deram finalmente luz verde à eliminação do limite aos direitos de voto no banco, viabilizando a oferta pública de aquisição (OPA) do CaixaBank, ao mesmo tempo que se chegou a um acordo com Isabel dos Santos para resolver o excesso de exposição a Angola. A clarificação acionista e estratégica permitirá à gestão liderada por Fernando Ulrich avançar com uma oferta mais competitiva do que a apresentada no primeiro concurso realizado no ano passado quando o banco vivia momentos de impasse.
“O banco está a estudar seriamente essa operação [a venda do Novo Banco] e o aspeto que hoje foi resolvido [a desblindagem] permite ao BPI tomar posições, porque já não está bloqueado (…)”, afirmou Artur Santos Silva, à saída da assembleia-geral do dia 21 de setembro,
De acordo com fontes do setor financeiro, a compra do Novo Banco pelo BPI, e a escala que isso proporciona, pode fazer a diferença entre manter uma estratégia autónoma ou transformar-se numa sucursal do CaixaBank em Portugal. Já o interesse do BCP, que não concorreu no ano passado, estará sobretudo ancorado na preocupação de não perder o estatuto do maior banco privado português para o concorrente BPI/Novo Banco.
No entanto, a instituição liderada por Nuno Amado tem uma margem de manobra mais limitada neste dossiê, sobretudo porque ainda não devolveu a totalidade da ajuda recebida pelo Estado, falta pagar 750 milhões de euros de CoCos (instrumentos de dívida convertíveis), o que condiciona a oferta para um banco concorrente à autorização da Comissão Europeia. Caso o BCP avance com o conforto do novo futuro acionista — ainda faltam alguns passos para o interesse da Fosun se materializar — então o grupo chinês voltaria, ainda que indiretamente, a entrar na corrida pelo Novo Banco.
A Fosun fez parte dos finalistas na primeira tentativa de venda do Novo Banco no ano passado, juntamente com a também chinesa Anbang e o fundo americano Apollo que foi o único deste trio a apresentar uma nova oferta no procedimento lançado no início do ano.
Na corrida estão ainda a dupla Apollo/Centerbridge, que investiu já na Tranquilidade (seguradora que era do Grupo Espírito Santo) e a Lone Star, uma empresa com investimentos financeiros na área imobiliária.
A venda direta e em bloco a um dos quatro investidores continua a ser o plano A, mantendo-se a dispersão em bolsa como o Plano B, mas num cenário menos provável do que quando começou a ser trabalhada a segunda tentativa de venda do Novo Banco. A contínua desvalorização dos bancos europeus em bolsa, acentuada pelo efeito Brexit, e o aumento da visibilidade dos problemas no balanço das instituições nacionais, tornaram esta opção menos viável, mas ela não caiu.
Apesar das reservas colocadas pelo supervisor, ao projeto do prospeto de admissão à cotação do Novo Banco, apresentado na primeira metade do ano. Ainda na semana passada, numa comunicação aos colaboradores do banco, o presidente referia a existência de novos investidores interessados na dispersão de capital. Em mensagem aos colaboradores, António Ramalho recusou ainda a possibilidade de a instituição ser vendida em partes, numa referência a algumas das propostas iniciais recebidas pelo Banco de Portugal e os seus consultores.
O presidente do Novo Banco veio entretanto esclarecer que a “prioridade específica” continua a ser a venda direta e destacou que é uma boa notícia” que “os quatro concorrentes aparentemente estejam a criar condições para poderem fazer as suas ofertas”.
Liquidação ordeira? Custaria demasiado
Afastada está, para já, a proposta que terá sido feita pelo Haitong (antigo Banco Espírito Santo Investimento liderado ainda por José Maria Ricciardi) para encontrar investidores fora do concurso internacional lançado pelo Banco de Portugal e Fundo de Resolução. Fonte próxima do dossiê garantiu ao Observador que esta manifestação de interesse, que passaria por um mandato para colocar 30% do capital, não está a ser considerada no processo em curso.
Completamente afastada está igualmente um cenário de liquidação, ainda que ordeira, colocado em cima da mesa numa carta do primeiro-ministro enviada a Bruxelas, no quadro das negociações para evitar a aplicação de sanções a Portugal. Se o Novo Banco não for vendido até agosto de 2017 — o prazo limite dado pela Comissão Europeia — “vai entrar num processo ordeiro de liquidação”.
Uma liquidação, ainda que ordeira, seria um duro golpe para o fragilizado setor bancário português e o último sinal que se pretende dar sobre a saúde da economia e sobre a capacidade para atrair investimento estrangeiro. Além de que esta solução traria uma fatura incomportável para o Fundo de Garantia de Depósitos que, por lei, tem de garantir depósitos até 100 mil euros por titular.
Em maio, António Costa tinha afastado a possibilidade de que uma eventual alienação por valor baixo do Novo Banco viesse a resultar num qualquer desconto por parte dos contribuintes.
“Independentemente do valor da alienação [do Novo Banco], as responsabilidades do Fundo de Resolução para com o Estado manter-se-ão. Uma alienação por um valor baixo pode implicar responsabilidades elevadas para os participantes no sistema, mas não contará com qualquer desconto por parte dos contribuintes”.
E adiar outra vez? Vantagem não é garantida
Adiar é um cenário sempre possível e poderá constituir neste caso o plano C, ainda que essa intenção não esteja para já a ser considerada. Não só teria de passar, outra vez, pelo crivo da Comissão Europeia, como não existe qualquer garantia de que mais tempo para vender permitiria obter uma proposta mais vantajosa. Essa é já uma conclusão possível do primeiro adiamento da venda do Novo Banco, que foi aliás assumida pela ex-ministra das Finanças.
Em entrevista ao Jornal de Negócios, Maria Luís Albuquerque afirmou que foi contra o adiamento da venda, uma decisão que terá sido tomada pelo Banco de Portugal, mas com o apoio do então primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho.
“Essa decisão não era do Governo, era do Fundo de Resolução — ou seja, do Banco de Portugal que optou por adiar a operação por considerar as ofertas insuficientes – Mas a minha posição na altura é que devia ter sido vendido.”
A ex-ministra das Finanças sublinhou ainda “que esperar por dias melhores para vender não tem sido uma estratégia positiva. Mais para a frente nunca foi melhor portanto não tenho razões para acreditar que adiar é bom.”
O cancelamento da concurso em setembro do ano passado foi justificado pelo Banco de Portugal depois de considerar que as condições das três propostas vinculativas não eram satisfatórias e que o processo foi condicionado por importantes fatores de incerteza.
“O Conselho de Administração do Banco de Portugal concluiu que nenhuma daquelas três propostas vinculativas apresentava condições adequadas em matéria de preço e de risco para o Fundo de Resolução. O Conselho entendeu que para esse resultado contribuiu um conjunto de fatores de incerteza que se manifestaram ao longo do processo de venda e que, não estando ainda afastados, beneficiarão de clarificações que ocorrerão a breve trecho.
Assim, (…) decidiu que o processo de venda será retomado quando os principais fatores de incerteza se encontrarem removidos e a venda se possa desenrolar em circunstâncias menos adversas e que melhor propiciem a obtenção de propostas mais condizentes com os objetivos fixados pelo Banco de Portugal.”
A degradação dos resultados da instituição e a necessidade de reconhecer mais perdas do que as previstas, pressionaram os fundos próprios do Novo Banco, gerando uma fonte de incerteza e risco sobre as necessidades de capital do banco que os interessados não estavam disponíveis para assumir, numa altura em que se esperavam os resultados dos testes de stress,
Por outro lado, a crise nos mercados chineses arrefeceu o apetite dos principais competidores, a Fosun e a Anbang, que recusaram melhorar as ofertas a pedido de do Banco de Portugal. O facto de estamos a um mês da realização de eleições legislativas, também terá contribuído para o adiamento.
O Banco de Portugal acabou por reconhecer também alguma falta de capacidade e experiência para conduzir um processo de venda com as especificidades e dificuldades deste, tendo avançado com a contratação do antigo secretário de Estado das Obras Públicas para liderar a segunda tentativa de venda. “Foi necessário encontrar um responsável de reconhecido mérito e elevada experiência em operações desta natureza que pudesse assegurar a coordenação e gestão de toda a operação, incluindo o acompanhamento do programa de transformação a implementar pelo Novo Banco, que é condição essencial para a sua venda”.
Sérgio Monteiro, que foi o principal rosto das privatizações da coligação PSD-CDS foi contratado ainda com o anterior governo no poder. Para além de Sérgio Monteiro, estão ainda a trabalhar no dossiê o Deutsche Bank como assessor financeiro, que substitui o BNP Paribas, e os assessores jurídicos Vieira de Almeida & Associados e pela Allen & Overy”.
Sabe-se que a primeira tentativa falhada de alienação custou 9,7 milhões de euros, de acordo com informação do relatório e contas do Fundo de Resolução. Ainda não se sabe quanto custará esta, já que nem todos os contratos são públicos ainda e questionado pelo Observador sobre o tema, o Banco de Portugal nunca deu respostas.
Sabe-se que o contrato de Sérgio Monteiro, que mantém o vínculo à Caixa BI, é válido por 12 meses e tem um valor global de cerca de 300 mil euros, incluindo IVA. A sua contratação foi polémica, mas o novo governo manteve o ex-secretário de Estado no comando do processo de venda e aceitou que a presidência do Novo Banco fosse assumida por António Ramalho, o ex-presidente da Infraestruturas de Portugal, que levou para a frente, com o apoio de Sérgio Monteiro, o projeto de fusão da Estradas de Portugal com a Refer.
Vender traz perda? E quanto custa manter no Estado?
É certo que uma das principais fontes de incerteza sobre a situação financeira do banco foi entretanto resolvida com a transferência no final do ano passado das responsabilidades para com as obrigações subordinadas para o Banco Espírito Santo. Mas se esta operação aliviou as necessidades de capital do Novo Banco em cerca de dois mil milhões de euros, foi de tal forma polémica junto dos mercados internacionais que acabou por aumentar a desconfiança dos investidores em relação à banca portuguesa e às decisões da regulação nacional.
Por outro lado, o Novo Banco ainda não se libertou da herança de créditos de má qualidade do tempo do BES. No primeiro semestre, teve prejuízos de 363 milhões de euros e não irá regressar aos lucros este ano.
Além disso, há sempre uma surpresa ou um desenvolvimento inesperado negativo no horizonte que podem comprometer uma transação que já é de alto risco. Se no verão passado foi a crise da bolsa chinesa e a crise grega, este ano tivemos o Brexit e a visibilidade internacional das dificuldades da banca portuguesa.
Mas se todos os argumentos apontam no sentido da venda, ainda que a um preço com um grande desconto, a verdade é que a decisão final, ainda que pertença do ponto de vista formal ao Banco de Portugal, não será tomada à revelia do governo. Ou seja, não a venda não avançará se o governo for contra. E é mais que provável que os parceiros à esquerda, o PCP e o Bloco de Esquerda sejam consultados antes de finalizada a decisão. Tanto mais, quando se sabe que a venda do Novo Banco é um dos pontos de fricção na coligação que apoia o executivo socialista, com os partidos de esquerda a defender a manutenção da instituição na esfera do Estado.
O governo de António Costa terá argumentos que podem ser usados para persuadir os mais resistentes à venda, acenando com os custos futuros de manter o Novo Banco na esfera pública e o espetro de uma reestruturação mais agressiva. Ainda na recente avaliação à economia portuguesa, o Fundo Monetário Internacional avisou: “As necessidades de capital do maior banco, a CGD, e possíveis perdas decorrentes da venda do Novo Banco podem exigir mais injeções de dinheiro público”
A capacidade de persuasão dependerá contudo muito das condições da oferta final, e que não passam apenas pelo preço, mas também pela integridade da área comercial e de retalho que constitui o coração do antigo Banco Espírito Santo.