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Portugal esteve a perder diante da Geórgia, mas dois ensaios de Storti colocaram os Lobos na frente do marcador

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Portugal esteve a perder diante da Geórgia, mas dois ensaios de Storti colocaram os Lobos na frente do marcador

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O amigo Jerónimo, jogar no Uruguai até aos exames e a aventura francesa: Raffaele Storti, o herói dos dois ensaios da Seleção no Mundial

Nasceu em Lisboa, o pai foi convidado para fazer testes de futebol na Serie A de Itália, acabou no râguebi por influência da família Portela, sonha com Top 14 de França: entrevista a Raffael Storti.

“Soube a pouco”, lamentou Raffaele Storti em relação ao empate de Portugal frente à Geórgia (18-18) no Mundial de râguebi. Era uma ocasião única para os Lobos se estrearem a vencer na competição. Apesar de não o terem feito, a Seleção fez algo inédito: evitar a derrota no maior palco da modalidade. Nesse jogo, Storti sobressaiu. O ponta marcou dois ensaios e tornou-se o primeiro português a fazê-lo nesta prova.

Afinal, somos melhores com as mãos do que com os pés: Portugal faz história no Mundial com o empate frente à Geórgia

Não lhe falta orientação para encontrar o caminho para a linha de ensaio, mas o percurso de Raffaele Storti não foi tão direto quanto isso. O ponta português é um dos jogadores que Portugal tem a atuar nas competições francesas e que vive uma realidade profissional (ao contrário de vários companheiros de equipa). Filho de pai italiano e mãe portuguesa, foi com o amigo e colega de equipa Jerónimo Portela que decidiu aceitar uma proposta do Peñarol, do Uruguai, e rumar à América do Sul para ter a primeira experiência como profissional, faltando às aulas da universidade para dar prioridade à carreira desportiva.

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A Covid-19 placou-o e não o permitiu estar no estrangeiro mais de dois meses e meio mas as portas não se fecharam aí. Após um ano a jogar novamente em Portugal, no Técnico, Storti rumou a França. Assinou com o Stade Français, uma das equipas do Top 14. Sem oportunidade para se estrear, para já, no principal campeonato francês, foi emprestado ao Béziers, onde foi o melhor marcador de ensaios da Pro D2, a segunda divisão gaulesa. No entanto, levou a eficácia ofensiva na bagagem para o Mundial e já a usou ao serviço da Seleção.

Raffaele Storti conseguiu a reviravolta frente à Geórgia com o segundo ensaio do jogo mas adversário ainda empatou no final

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O que é que já têm preparado para o próximo jogo contra a Austrália, que se espera que seja difícil?
Sabemos que a Austrália, apesar de não estar no melhor momento, continua a ser uma das melhores nações do râguebi mundial. Vai ser sempre um jogo muito difícil. São uma equipa jovem, muito dura, rápida, com pontas bastante fortes e avançados também muito fortes. Jogam direto, com poucos passes, mas com muita intensidade. Temos treinado para adaptar a defesa a este tipo de jogo.

O que seria um bom resultado para Portugal?
Seria competir e seria ganhar. Não delineámos um objetivo em termos de resultado. Vamos simplesmente competir e mostrar que merecemos jogar contra estas equipas.

O jogo frente à Geórgia foi muito renhido até ao final. Disseste numa entrevista à Lusa que reviste o jogo “1.000 vezes” na tua cabeça. O que é que achas que podia ter sido feito de diferente para saírem com a vitória?
O resultado soube a pouco, principalmente quando vimos a nossa primeira parte, cheia de erros individuais e coletivos. Demos muitas bolas fáceis ao trio de trás da Geórgia, demos vários espaços na defesa que não costumamos dar. Foram vários erros defensivos táticos que nos comprometeram a primeira parte. No ataque, não estávamos a conseguir impor o nosso jogo. Estávamos desorganizados. Conseguimos mudar na segunda parte.

Como conseguiram mudar o chip ao intervalo?
Parámos durante dez minutos. Com calma, falámos com os treinadores, recebemos o feedback de quem estava a ver o jogo de fora. Percebemos o que estávamos a errar. O Patrice [Lagisquet], para além do discurso mais tático e técnico, deu-nos um discurso motivacional que foi importante.

"Parámos durante dez minutos. Com calma, falámos com os treinadores, recebemos o feedback de quem estava a ver o jogo de fora. Percebemos o que estávamos a errar. O Patrice [Lagisquet], para além do discurso mais tático e técnico, deu-nos um discurso motivacional que foi importante."
Raffaele Storti

Até na própria linguagem corporal, a diferença da primeira para a segunda parte, a forma como celebravam ações bem sucedidas, foi diferente…
Foi importante celebrarmos essas pequenas vitórias que nos fizeram crescer no jogo e fizeram com que a Geórgia começasse a ir abaixo. Foi um culminar de ações boas que nos fez voltar ao jogo.

É com essa ideia de ‘passo a passo’ que vão entrar no jogo com a Austrália?
Exato. Estamos concentrados em pequenas ações e no jogo coletivo principalmente. Não nos podemos focar no resultado e ter a vitória na cabeça. Temos que pensar passo a passo. Vamos tentar fazer o nosso jogo. Implementar as coisas que temos vindo a treinar e depois logo se vê.

Enquanto grupo, o que é que vos passou pela cabeça naquela penalidade no último instante?
Foi um sentimento de alívio, porque era a bola de jogo, assegurámos o empate e tínhamos a possibilidade de conseguir a vitória. O que é mais difícil é o sentimento individual de quem tem a responsabilidade nos ombros de chutar a bola. Não é para qualquer um. O Nuno [Sousa Guedes] assumiu e fez muito bem. Às vezes, as coisas não correm como queremos, mas tenho a certeza que ele tem todas as capacidades para meter aquele chuto. Não deu, foi azar. Para a próxima vai dar de certeza.

Em termos de desempenho individual estiveste em destaque. Além de ter sido a primeira vez que Portugal não perdeu um jogo no Mundial, também te tornaste no primeiro jogador a marcar dois ensaios nesta competição. Já consegues olhar para isso como história?
Essa estatística é gira, mas também não passa de um facto. Claro que fico contente por ter conseguido ajudar a equipa neste resultado histórico. Isso sim, já é história termos conseguido empatar no Mundial. Essa estatística é gira, mas não é o que me vem à cabeça desse jogo. Fico contente por ter conseguido os ensaios, por ter ajudado a equipa e com a prestação individual e coletiva.

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Pela primeira vez um jogador marcou dois ensaios ao serviço de Portugal num Mundial de râguebi

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Tiveste uma sensação diferente por teres começado o jogo de início frente à Geórgia ao contrário do que tinha acontecido frente ao País de Gales?
É sempre diferente encarar o jogo a titular ou no banco. Quando começamos no banco, só entramos mais tarde no jogo e a preparação é diferente. Temos que estar sempre todos prontos para jogar. Estando no banco ou não é sempre um orgulho poder representar Portugal.

O contexto do Mundial – a preparação, a envolvência, a convivência com os muitos adeptos que têm marcado presença nos estádios – está a corresponder ao que tinham idealizado quando pensavam em jogar a prova?
Está a corresponder e a superar até. Tem sido verdadeiramente fantástico. Todo o apoio que nos têm dado, tanto cá em França, como em Portugal, todas as mensagens que temos recebido nas redes sociais, a visibilidade que temos tido na televisão, tem sido mesmo fantástico e positivo para o râguebi nacional.

Jerónimo Portela, o herdeiro de 2007 que foi homem do jogo no dia em que superou o pai

A comunidade portuguesa em França passa-vos essa confiança?
Sente-se muito. Mesmo no estádio vimos bastantes luso-descendentes. Tivemos a sorte de fazer um treino aberto ao público onde estavam dezenas de luso-descendentes que vieram conviver connosco a seguir ao treino. Foi bastante positivo para nos dar motivação e foi um orgulho enorme.

No segundo ensaio que marcas, o último passe é feito pelo Jerónimo Portela, com quem tens uma relação muito próxima. Foi ele que te ’empurrou’ para o râguebi…
Na altura, andávamos juntos na escola. Ele era meu amigo e jogava râguebi, o que, no meu colégio, não era muito comum. Foi ele e o pai [Miguel Portela, jogador da primeira Seleção portuguesa a marcar presença num Mundial de râguebi, em 2007]. Às vezes, ia a casa deles e diziam-me sempre para experimentar o râguebi. Acabei por ir para o Técnico, porque era mais perto de casa.

Em Portugal, nunca jogaram em conjunto.
Nunca jogámos na mesma equipa, só um contra o outro.

Como foram esses primeiros tempos de râguebi. Há quem diga que é um desporto muito violento. Tiveste a aprovação dos teus pais?
Os meus pais sempre preferiram que eu jogasse râguebi do que fizesse outros desportos, como futebol, por exemplo. O râguebi é um desporto com menos visibilidade e acaba por haver menos pressão nos jovens. Parece que no futebol querem ser todos profissionais e fazerem vida disso. O râguebi acaba por ser mais coletivo e não tanto individual. Os jogadores não querem fazer do râguebi carreira. Criei logo relações muito fortes no Técnico. Fui muito bem acolhido lá. Desenvolvi-me como jogador e como pessoa, foi muito positivo.

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Storti junto de Jerónimo Portela, colega de escola que o incentivou a jogar râguebi

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Olhando para o lado familiar, a tua mãe portuguesa, o teu pai é italiano. O que é que se fala mais lá em casa?
Fala-se as duas línguas. Com o meu pai, falo italiano, com a minha mãe, falo português. É uma mistura. Às vezes, respondo em português ao meu pai. É como sair.

Viveste sempre em Portugal?
Sim.

O teu pai jogava râguebi em Itália?
O meu pai sempre foi virado para o futebol. Até há uma história curiosa. Em Itália, ele vivia em Urbino e jogava no clube da cidade. Na altura,  quando ele tinha 16/17 anos, fizeram-lhe uma proposta para ir fazer treinos de captação à Serie A. Na altura, o meu pai não queria seguir a carreira de futebolista e rejeitou.

Como é que ele acabou por vir parar a Portugal?
Os meus pais conheceram-se em Bruxelas e ficaram lá a viver uns anos. Depois, a minha mãe voltou a Portugal e o meu pai seguiu-a.

Apesar de dizeres que muitos jogadores que começam a jogar râguebi em Portugal não têm a ambição de se tornarem profissionais, até porque o contexto não o permite, tiveste a sorte de poder ter essa experiência. Como é que acabas por ir parar ao Peñarol do Uruguai?
Em Portugal, os jogadores não perspetivam ser profissionais. Eu jogava râguebi só como hobby e as coisas foram avançando. Tivemos o Mundial Sub-20 no Brasil onde obtivemos bons resultados [Portugal perdeu a final para o Japão] e, com isso, visibilidade. Acabei por receber uma proposta, porque me viram jogar nesse torneio.

Eras agenciado?
Na altura estava a criar-se a liga da América do Sul e os agentes estavam a procurar jogadores pelas várias partes do mundo. Contactaram-me a mim e ao Jerónimo. Eu disse, ‘Porque não?’. Estávamos a meio da universidade. O plano era sair em janeiro e voltar em junho para acabar os exames. No Técnico não há presenças obrigatórias e íamos tentar manter o contacto online com a universidade. Com a Covid-19, isso não foi uma questão e acabámos o curso normalmente.

"Uruguai? Contactaram-me a mim e ao Jerónimo. Eu disse, ‘Porque não?’. Estávamos a meio da universidade. O plano era sair em janeiro e voltar em junho para acabar os exames. No Técnico não há presenças obrigatórias mas íamos tentar manter o contacto online com a universidade. Com a Covid-19, isso não foi uma questão e acabámos o curso normalmente."
Raffaele Storti

Foi quanto tempo?
Estive lá dois meses e meio. O Jerónimo esteve um mês e meio.

Quando chegaram lá, como foi a adaptação?
A adaptação a Montevideu foi muito fácil. Encontrámos uma cultura bastante parecida com a nossa. No clube, eram todos jogadores muito simpáticos, que nos queriam integrar no grupo de deles. Foi muito positivo nesse aspeto. Foram dois meses e meio fantásticos, onde aprendi imenso. Levo de lá muitos amigos que agora estão a jogar na seleção do Uruguai.

Montevideu e Lisboa, onde é que preferes viver?
Continuo a preferir Lisboa, claro. É a minha cidade natal e a minha cidade preferida para viver. Nada se compara à praia e ao clima de Lisboa.

Rumaste a França e continuaste o caminho da profissionalização. Foi uma satisfação por isso?
Depois do Uruguai, tive que voltar a Lisboa por causa da Covid-19. Nesse ano, joguei em Portugal. Tinha em vista ter uma nova experiência profissional, porque a que tinha tido não tinha sido cumprida a 100%. Acabei por falar com o Patrice Lagisquet. Ele tinha contactos em França e disse-lhe que queria ter essa experiência. O Manuel Cardoso Pinto já tinha ido, o Simão [Bento] tinha ido nesse ano. Eu também gostava de ir. Ele acabou por arranjar-me um agente, que por sua vez arranjou-me dois clubes. Acabei por ir fazer treinos de captação ao Bayonne. Treinei durante uma semana e recebi propostas do Bayonne e do Stade Français. Acabei por escolher o Stade Français.

Como foi esse processo de treinos de captação?
Só fiz no Bayonne. Foram testes físicos e dois ou três treinos de râguebi. Acabaram por ser treinos normais. Não fizemos muito contacto. Eles só queriam ver o meu nível, apesar de terem uma ideia, porque eu lhes mandei alguns vídeos meus a jogar na seleção e no clube. Honestamente, os treino foram tranquilos e correram bem. Para o Stade Français, não foi preciso fazer captações, fiz só uma entrevista.

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Filho de mãe portuguesa e pai italiano, Storti tem 22 anos e joga no Béziers por empréstimo do Stade Français

World Rugby via Getty Images

Em que é que se baseiam esse tipo de entrevistas? É mesmo uma entrevista de emprego tradicional?
É para me conhecerem, para saberem que tipo de pessoa é que sou, para perceberem se falo bem francês ou não, se encaixo bem no estilo de jogo.

Como é que estavas ao nível do francês?
Não estava muito bem, tivemos que falar inglês. O treinador que me entrevistou falava bem inglês, foi tranquilo.

Já estava previsto que o Stade Français te emprestasse ao Béziers?
Não. Fiz um ano no Stade Français. Na altura, por lesões e por opção técnica, não tive nenhuma oportunidade de jogar na equipa principal. Emprestaram-me à segunda divisão para ter tempo de jogo e acabou por correr muito bem. Falta-me esta época para poder ser considerado jogador francês na convocatória, decidiram que era melhor para mim continuar mais um ano emprestado na segunda divisão e depois voltar no quarto ano.

Teres tido rendimento na segunda divisão francesa ajudou-te a teres outra motivação para encarares o Mundial?
Claro. Correu-me bem a época no Béziers e aumentou-me a confiança. Tinha ficado bastante tempo sem jogar no Stade Français. Foi ótimo ter tempo de jogo e defrontar jogadores bem mais fortes e de um nível ao que estava habituado na seleção. Ter jogos desse nível todos os fins de semana melhorou-me como jogador.

Que portas esperas que o Mundial te abra a ti e a Portugal?
Individualmente, sei que este é o maior torneio de râguebi. É o torneio com mais visibilidade e a que todos os clubes estão atentos. Tenho o objetivo de jogar no Top 14, em França, vamos ver como corre. Não tenho isso em mente agora, estou mais concentrado nos jogos que vamos ter. Em termos nacionais, espero que a visibilidade que estamos a ter faça expandir o râguebi. Cada vez mais os miúdos se interessam por este desporto. Cada vez mais se criam novos clubes também. Acho que é importante consolidarmos isto. [Espero que] a Federação faça os investimentos certos para que consigamos aproveitar esta onda de interesse no râguebi nacional.

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