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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

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O debate em versão de bolso: o que precisa de saber sobre as mais de 4 horas do Estado da Nação

Costa apareceu no Parlamento focado em bater recordes. "Propaganda", diz a oposição que aponta ao desgaste do Governo ainda que admita "dificuldade na alternativa". Esquerda faz-se cara.

Assim tirada de qualquer contexto, a frase de António Costa, o “otimista irritante” preferido do Presidente da República, parecia outra coisa: “Vamos lá encher o copo que isso é que interessa aos portugueses”. Mas o primeiro-ministro falava mesmo da velha imagem do copo meio cheio e meio vazio — que serve aos otimistas para apontarem dedo aos pessimistas e vice versa — para dizer à oposição que o tempo é de agir e “reerguer”. Só faltou mesmo o decreto oficial do fim da pandemia, porque tudo o resto esteve lá: Costa já só quer passar à frente da crise. Libertar. Saltar mais alto, mais longe e mais forte. Entretanto, a julgar pelos auto-elogios à sua governação, já leva a medalha de ouro, mesmo sem essa prova dada.

Citius, altius, fortius. A ambição de Costa e a avaliação que faz do seu Governo vai ao nível do atleta olímpico insuflado na sua confiança quando entra na arena para conquistar recordes. É o investimento no SNS que não tem par, o país que é o quarto mais seguro do mundo, a área ardida que é a menor da última década, a convergência com a UE em matéria de crescimento económico que foi maior de sempre no tempo deste Governo, bem como o excedente que foi o primeiro da democracia, a resposta à crise que foi melhor do que a de Passos Coelho. “Uma autêntica sessão de propaganda do Governo e do PS”, exclamou a dada altura o deputado do Iniciativa Liberal, com a oposição a tentar rebater números e a esquerda a tentar exercer influência. Leia aqui o que de essencial se disse, discutiu e até negociou (para futuro) no debate do Estado da Nação. Depois disto (e das votações desta sexta-feira) é tempo de férias parlamentares.

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O anúncio

Logo a abrir o debate António Costa apresentou a “ambição” de vacinar contra a Covid-19, nos fins de semana entre 14 de agosto e 19 de setembro, as cerca de 570 mil crianças e jovens entre os 12 e os 17 anos. Isto tudo a tempo do início do próximo ano letivo e para permitir que este decorra “sem o risco de novas interrupções no ensino presencial”. Estava lançada a primeira e única grande novidade do debate.

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A libertação

O primeiro-ministro tinha começado a introduzir a ideia esta semana, quando previu uma “libertação total da sociedade” no final do verão. Desta vez, quis falar, mais do que do estado da Nação, do futuro da nação: a pandemia é uma página que será preciso virar em breve e Costa tem vontade de fazer isso mesmo. Por isso, arrancou o discurso a agradecer aos profissionais que se destacaram durante a pandemia, mas sempre usando tempos verbais passados. Depois, falou de prioridades futuras — as políticas de habitação ou a transparência na gestão dos dinheiros europeus, por exemplo — e pediu ao país para “olhar em frente e pôr as mãos à obra”.

Depois de um ano e meio em que o impacto da Covid-19 “se sobrepôs a tudo o resto”, Costa quis olhar para as “oportunidades irrepetíveis” que os próximos tempos — e que os cofres europeus — trarão. Já no final, Santos Silva pediria à esquerda uma colaboração e oposição construtiva, de olho no PRR e no próximo Orçamento.

O amigo comunista

O ritual repete-se sem fim à vista: como numa espécie de conversa coreografada, o PCP pergunta por alterações às leis laborais — em especial às que ainda sobram dos tempos da troika –, o PS descansa o parceiro e, regra geral, continua tudo como dantes. Desta vez, no entanto, os socialistas decidiram dar um sinal de boa vontade: há semanas aprovaram na generalidade — no meio de vários chumbos — um projeto do PCP sobre o combate à precariedade e António Costa aproveitou o trunfo para lembrar ao parceiro de negociação que a relação é séria, já com o próximo Orçamento à vista.

Perante as exigências de Jerónimo de Sousa — sobretudo, leis do Trabalho e medidas do OE2021 que ainda estão por concretizar, como o subsídio de risco, mas também medidas que podem ser incluídas no OE2022, como passos para a rede pública de creches — António Costa estendeu uma mão amiga. Por um lado, elogiando a resposta que o último Orçamento, viabilizado pelos comunistas, permitiu dar à crise. Por outro, deixando garantias e promessas: a política de salários do Governo “não é congelar” e o projeto do PCP sobre precariedade vai ser trabalhado em conjunto com o PS. Resta saber se essa negociação será apenas para comunista ver ou dará, pela primeira vez em anos, frutos nas negociações laborais à esquerda.

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O ex-amigo BE

Se com o PCP a amizade parece duradoura, o Bloco de Esquerda mais parece um velho conhecido com quem o Governo está de costas voltadas. Catarina Martins até fez questão de arrumar a “tentação” das críticas que poderia fazer à direita — “não tem projeto”, “não se encontra” — para passar ao que interessava: ‘malhar’ no Governo.

Do SNS às leis laborais, o Bloco de Esquerda mostrou-se bem menos crente nas boas intenções de Costa, ou não fossem já esses os temas que travaram as negociações entre PS e BE e deram origem à série de arrufos que acabou com a antiga amizade à esquerda. Desta vez, o Bloco respondeu com dúvidas — “Vir agora dizer que agora é que é… quando?” — e muito ceticismo. Particularmente evidente quando, do lado da bancada do PS, Tiago Barbosa Ribeiro lançou diretamente o desafio: “O BE ainda continua cético relativamente ao caminho percorrido desde 2015 ou está disponível para construir em conjunto o caminho do Estado da Nação?”.

Catarina Martins terá reparado que teria no deputado e candidato à Câmara do Porto um alvo ideal: é que Barbosa Ribeiro é também uma das caras da ala esquerda e pedronunista do PS, além de coordenador da Comissão do Trabalho. Assim sendo, “não se sente mal” com as votações que faz, sobre Trabalho, no Parlamento?, perguntou e insistiu Catarina. O socialista ainda pareceu tentado a responder, mas Costa fez um vigoroso “não” com o dedo indicador, ordenando que o debate seguisse. E o debate seguiu.

O antigo “excelente ministro”

Na última vinda ao Parlamento (o que é mais raro atualmente), António Costa foi confrontado pela oposição com a saúde política do seu ministro da Administração Interna e insistentes pedidos de demissão, mas segurou-o de forma sonora com a convicção de ter ali “um excelente ministro” que queria manter no seu Governo. Entretanto, novos casos delicados a envolverem o ministro Eduardo Cabrita se sucederam e um relatório da Inspeção-Geral da Administração Interna aos festejos do campeonato de futebol a levantar dúvidas sobre a sua responsabilidade nos ajuntamentos em tempo de pandemia que aconteceram nessa noite, o caso voltou em força. Desta vez, o primeiro-ministro foi bem mais reservado do apoio ao seu ministro, perante as insistência da direita em pedir a cabeça de Cabrita. Questionado por Cecília Meireles do CDS sobre se conhecia o despacho assinado por Cabrita a autorizar os festejos, Costa foi lacónico: “Não, não conhecia”. E nada mais disse em todo o debate sobre o ministro mais fragilizado politicamente do momento.

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O mais “bizarro”

André Ventura, na corrida contra os poucos minutos de intervenção que tem no plenário, parece uma metralhadora de ataques e imagens encadeados que só travam quando Ferro Rodrigues, em tom enfadado, lhe lembra que o tempo acabou e lhe pede (como esta quarta-feira pediu) que ponha a máscara. Nesse atropelo de ideias e entre o “é uma vergonha” da praxe, Ventura quis atacar o ministro da Administração Interna e ao mesmo tempo Costa, dizendo que Cabrita funciona neste momento como um pára-raios do primeiro-ministro, já que enquanto dizem mal de um, poupam o outro. Mas saiu-lhe tudo ao contrário e disparou que é Costa que “foge como um pára-raios”. O socialista não perdoou e agarrou na escorregadela para atirar a Ventura. que lhe exigia um pedido de desculpa, que ele sim é que devia desculpar-se “pelo absoluto desconhecimento do que diz que só compreendemos pelo momento verdadeiramente delirante em que imaginou um pára-raios a fugir. Eu nunca vi um pára-raios a fugir, mas como já viu podemos saber bem qual a sua adesão à realidade”.

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O maior aplauso

A intervenção inicial do primeiro-ministro foi o único momento que fez os deputados socialistas presentes no hemiciclo levantarem de pé para um aplauso, depois de Costa desfiar todo um rol de conquistas e feitos do seu tempo de governação que a oposição passou boa parte do debate a classificar de “propaganda” mas que para o PS serviram de bandeira hasteada para mostrar à esquerda que olha desconfiada para um novo apoio orçamental e a direita que espera que o Governo caia de podre.

O maior apupo

Se o maior aplauso se ficou — sem história — por aquele que aqui descrevemos, o momento de maior contestação também foi aí que se sentiu e também ele sem qualquer chama. Enquanto de um lado a bancada socialista aplaudia de pé, do outro lado, na bancada do PSD, alguns deputados levantavam no ar polegares virados para baixo a dar sinal de desagrado com o discurso de António Costa. Nem uma pateada ou uma troca de argumentos mais acesa. Foi tudo.

O cansado

Rui Rio esteve fora do debate por motivos familiares e o PSD acabou representado no primeiro confronto com António Costa pelo seu líder parlamentar Adão Silva que apontou sem cerimónias à fragilidade política maior do Governo neste momento: o desgaste dos responsáveis por algumas pastas (aqui já se sabe que Eduardo Cabrita é campeão). Adão Silva não foi o único a apontar o “desgaste e cansaço” do Governo, com Catarina Martins a sublinhar também, mais adiante no debate, que há na equipa de Costa “mandatos que se arrastam”. E até o PAN atirava aos “ministros intocáveis” que Costa insiste em conservar. No PS, Ana Catarina Mendes aproveitou logo o vocabulário de Adão Silva para atirar à oposição o “cansaço” que esta apontava ao Governo. E Costa fez o mesmo, ao recomendar férias e descanso ao líder parlamentar do PSD. Uma canseira.

A dificuldade (da oposição)

A opinião até podia vir da bancada do PS, mas neste caso foi o próprio CDS a assumir o momento de autocrítica. Telmo Correia, líder parlamentar do CDS, encarregou-se de reconhecer que há “dificuldades de alternativa” à direita, das quais o PS se tem aproveitado (a isso não será alheio o facto de Correia, como os restantes do deputados do CDS, estar em rota de colisão com o líder do partido, Francisco Rodrigues dos Santos).

A crítica estendia-se ao PSD, que o CDS tem aliás acusado de colaborar pouco em assuntos como o escrutínio ao Governo — por exemplo, ajudando a acabar com os debates quinzenais, o que fez com que este estado da Nação se assemelhasse a um antigo quinzenal, mais prolongado.

Mas, por entre acusações do Governo e dos seus vizinhos de se dedicar a “casos e casinhos” e não aos problemas que interessam ao país, a direita teve dificuldade em mostrar a sua proposta alternativa, deixando que o debate político se centrasse sobretudo à esquerda. Com Santos Silva a classificar a oposição como “preguiçosa e monotemática” e Ana Catarina Mendes a acusar o PSD de “rezar” para que o Governo caia, um dos momentos mais difíceis para o PSD aconteceu quando o deputado Carlos Pereira começou a enumerar as propostas alternativas de investimento do PSD no PRR, todas mais baixas do que as do Governo. “Eram propostas para começo de conversa…”, ainda justificou o líder parlamentar social-democrata, Adão Silva, mas com o PS ao ataque, fez pouco efeito.

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