É caso para dizer que ninguém ganhou ou que todos perderam. Mas uns perderam mais do que outros. A oposição interna não conseguiu votos suficientes para aprovar a proposta de estatutos que colocava em causa as opções da direção, mas Rui Rocha também não levou para casa uma vitória que podia ser um novo fôlego para a convenção eletiva que terá de enfrentar dentro de seis meses. Ainda assim, se a oposição interna estiver toda refletida em Tiago Mayan Gonçalves, a proposta que tinha a bênção da direção acabou por vencer com quase o dobro dos votos, o que pode dar a leitura que os descontentes diminuíram face a uma eleição muito disputada com Carla Castro.
À entrada de um dia em que os liberais apenas discutiram estatutos — e acabaram por ir para casa mais cedo porque não foi possível avançar para a especialidade pela falta de aprovação de uma das propostas por dois terços —, Rui Rocha deixava notar que “os instrumentos que existem já não são adequados a potenciar o partido no país e a capacitar o partido para fazer mais combate político e continuar a trajetória de crescimento“, mas também sublinhava que os atuais estatutos “não impediram a IL de crescer“. Rocha, quando questionado sobre o que o resultado podia significar, ainda rematou: “Não há nada que eu tema do que vai sair daqui. Neste momento não temo sequer que o céu me caia em cima.”
Ao longo do dia, Cotrim Figueiredo foi mais vocal ao dizer ser “importante que as pessoas percebam que os estatutos têm de acompanhar o crescimento do partido”. No palco, pediu diretamente dois terços para a proposta que emanou do Conselho Nacional “para a IL continuar a ganhar”.
Os apelos não foram suficientes para que a proposta fosse aprovada. Da primeira para a segunda ronda a proposta do Conselho Nacional, apoiada pela direção, ainda aumentou o número de votos a favor (de 291 para 319), diminuiu os votos contra (de 162 para 144), teve menos seis abstenções e menos quatro votos não expressos — nada que fosse suficiente para chegar aos dois terços necessários, tendo-se ficado pelos 58,86% quando precisava de 66,7%. Já a proposta encabeçada por Miguel Ferreira da Silva e também subscrita por Mayan Gonçalves obteve 28,60% dos votos. No final das contas, e de duas votações, fica tudo na mesma e a IL continua a trabalhar com os mesmos estatutos.
Tiago Mayan Gonçalves, em entrevista ao Observador, tinha defendido que a proposta do Conselho Nacional seria “um retrocesso para o partido” e colocaria em causa a “capacidade de fazer crescer o liberalismo em Portugal porque uma visão mais centralizada da governança do partido não consegue produzir tanta penetração do território”. Já Miguel Ferreira da Silva, o primeiro subscritor da proposta “Estatutos + Liberais” pediu que os liberais não tivessem medo e confiassem porque o que estaria em causa era o futuro e como se preparava o partido para uma fase de crescimento. Antes, tinha questionado sobre se o partido queria que um terço do partido se pudesse apropriar-se do Conselho Nacional.
As críticas de parte a parte foram muitas. De um lado, a ideia de que poderia estar em causa um sequestro do Conselho Nacional por parte da Comissão Executiva e a tese de que os membros não eram tidos em conta na vida do partido, de que há “centralismo“, bem como a pouca transparência atribuída à direção. Do outro, os pedidos para se recentrar as forças em combater a concorrência no exterior, para que não se levantassem trincheiras nem se alimentem guerrilhas internas.
O final da história escreve-se sem nenhuma evolução nos estatutos, nem tampouco com uma regressão. E, na verdade, os estatutos atuais nem sequer desagradam à atual direção, que tinha prometido uma discussão de revisão estatutária à boleia da disputa interna agitada, pelo que a suposta derrota — e ficar tudo na mesma — pode ser ainda menos relevante para Rocha.
Ninguém questionou liderança de Rocha, mas amanhã é outro dia
Apesar das críticas à centralização do poder na direção, ninguém questionou a liderança de Rui Rocha. A isso pode ter ajudado o facto de a discussão, no primeiro dia, estar dedicada exclusivamente aos estatutos e a Mesa estar atenta a desvios às intervenções.
Rui Rocha não teve problemas em puxar a si os louros da vitória das Europeias e o próprio João Cotrim Figueiredo disse ao Observador que foi ele que exigiu isso. O antigo líder da IL disse que não “existiu marca Cotrim” e que o seu resultado foi responsabilidade de todo o partido. Apesar de admitir que a sua notoriedade ajudou, diz que mesmo a “personalização” deliberada da campanha foi mérito da direção. Logo, de Rui Rocha.
Mesmo Tiago Mayan Gonçalves mostrou-se contido e disse que, para já, estava ali a defender uma revisão estatutária e o aumento da reflexão e discussão internas. Tiago Mayan Gonçalves diz que, apesar da derrota nos estatutos, o movimento “Unidos pelo Liberalismo” vai continuar. Isto porque também propõe uma “visão, estratégia, comunicação e criação de uma alternativa dentro do partido.” E acrescenta: “Está disponível para tudo isso.” Ainda assim, não houve uma crítica direta a Rui Rocha, mas à ala dominante do partido.
Como seria de esperar, o resultado das Europeias parece ter dado uma proteção-extra a Rui Rocha. Resta saber se, domingo, quando se vai discutir o programa político haverá críticas mais deliberadas ao líder do partido.