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O duplo assassinato de Calvo Sotelo

Há 84 anos deu-se o assassinato do deputado espanhol José Calvo Sotelo, líder da oposição monárquica constitucional ao Executivo da Frente Popular. Um ensaio histórico de José Luís Andrade.

A obediência é a contrapartida da legalidade e quando esta falta a obediência está a mais!

José Calvo Sotelo

Em 19 de Outubro de 1921, uma camioneta, posteriormente apodada de «fantasma» ou da «morte», percorreu Lisboa em buscas de vítimas propiciatórias a imolar no altar da revolução que então grassava na capital portuguesa. Em Portugal, só por ironia qualificado de «brandos costumes», a extrema-esquerda tinha acabado de derrubar o governo democrático e havia que entreter a canalha da rua com chacinas estimulantes. Os algozes que ocupavam a camioneta eram soldados das forças de segurança – Guarda Nacional Republicana – e alguns marinheiros. Supliciados durante o percurso ou no seu términus, no Arsenal da Marinha, haviam sucumbido, entre outros, António Granjo (o ex-primeiro ministro) e os oficiais da Marinha António Maria Machado Santos e José Carlos da Maia, ambos artífices maiores da implantação da República em 5 de Outubro de 1910.

Lembrei-me deste tipo de homicídio que em Espanha ficaria sarcasticamente conhecido como paseo, a poucos dias de se comemorarem 84 anos sobre o assassinato em circunstâncias análogas do deputado espanhol José Calvo Sotelo, um galego líder da oposição monárquica constitucional ao Executivo da Frente Popular. O corpo de Calvo Sotelo foi descoberto no dia 13 de Julho de 1936 abandonado num cemitério, na zona oriental de Madrid. A sua morte seria o detonador da sublevação militar de 17/18 de Julho de 1936, ao contribuir para remover as reticências legalistas de vários dos oficiais apalavrados na conjura, nomeadamente do general Francisco Franco, ex-chefe do Estado-Maior Central do Exército.

Com efeito, em março, altos quadros militares haviam-se reunido com a chefia da estrutura semiclandestina da Unión Militar Española, tendo acordado todos partir para a sublevação armada em caso de ameaça grave à «unidade da Pátria» ou degradação crítica da ordem pública. Combinaram igualmente oferecer o comando supremo ao general José Sanjurjo, então exilado em Portugal, mas entretanto não se conseguiam entender quanto à avaliação da criticidade das condições acordadas. Franco, por exemplo, insistia no diálogo com o Governo, aconselhava prudência aos seus pares e hesitava em avançar. Consensualmente reconhecida como condição limite, a execução de Calvo Sotelo às mãos dos socialistas iria encarregar-se de pôr a insurreição em marcha.

É importante notar, contudo, que o clima de insegurança e atemorização da população que reconhecidamente não alinhava com a esquerda revolucionária já se vinha verificando de há muito. Durante a insurreição socialista de Outubro de 1934, centenas de pessoas haviam sido vítimas de linchamento em condições de autêntica barbárie, nomeadamente nas Astúrias. A desintegração do regime continuaria na Primavera trágica de 1936, após a irregular vitória da Frente Popular (que hoje pelo trabalho dos historiadores Manuel Álvarez Tardío e Roberto Villa García sabemos ter sido um autêntico cambalacho).

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Grande parte do território espanhol vivia sob o regime excecional do «estado de alarme» proclamado em 18 de Fevereiro de 1936 pelo Executivo chefiado pelo maçon galego Manuel Portela Valladares, na véspera de pedir a demissão. Com Manuel Azaña no leme, de novo regressaram em força os incêndios e depredações a lugares de culto, a par da perseguição aos movimentos políticos mais firmes na oposição à revolução socialista marxista.

Depois de a Falange Española haver sido arbitrariamente ilegalizada a 14 de Março, a 18 de Abril de 1936, os movimentos políticos mais assertivos da direita, apodados de «Ligas fascistas e organizações afins», foram declarados fora da lei pelo Governo. Na mesma decisão, todos os militares reformados em 1931 que manifestassem atividade política perdiam os seus direitos. No fundo, todos os partidos e movimentos oposicionistas mais recalcitrantes arrostavam com a tentativa de aniquilamento por parte dos militantes do PSOE e da sua UGT.

José Calvo Sotelo, 1st Duke of Calvo Sotelo.

Entre fevereiro e julho de 1936, o galego nascido em 6 de maio de 1893, protagonizou vários debates nas Cortes, solicitando ao Governo que restabelecesse a ordem pública.

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Eram medidas sem precedentes num regime que, para consumo externo, se pretendia democrático. A proibição da Falange, e a prisão dos seus dirigentes, designadamente José Antonio Primo de Rivera, foi demagógica e oportunista. Segundo Stanley Payne, «ainda que a maioria dos atos de violência desde a instauração da República [Abril de 1931] tenha procedido sempre da esquerda, o governo de Azaña julgou que a proibição da Falange só podia beneficiar a ordem pública e reduzir as provocações e as desculpas dos revolucionários». Mas entre Fevereiro e 17 de Julho de 1936 contar-se-iam 273 homicídios políticos.

No dia 16 de Junho de 1936, Gil-Robles, o líder dos conservadores católicos, proferiu no parlamento espanhol, as Cortes, um discurso que iria ser uma espécie de preâmbulo ao que de seguida, nesse mesmo dia, iria ser pronunciado por Calvo Sotelo. De acordo com Gil-Robles, o Governo [da Frente Popular] não só «tinha vindo a exercer o poder com arbitrariedade mas com absoluta e total ineficácia. […] Nas vossas mãos o estado de exceção tem sido uma arbitrariedade contínua, um meio de opressão; muitas vezes, simplesmente um instrumento de vingança. Embora isso vos incomode, tenho de ler-vos alguns dados estatísticos: desde 16 de Fevereiro a 15 de Junho, ocorreram os seguintes atropelos: igrejas totalmente destruídas, 160; assaltos a templos, incêndios, destruição parcial, tentativas de assalto, 251; mortos, 269; feridos de diferentes graus de gravidade 1.287; agressões pessoais frustradas ou cujas consequências não foram investigadas, 215; assaltos consumados, 138; assaltos tentados, 23; centros privados e políticos destruídos, 69, assaltados, 312; jornais totalmente destruídos, 10; assaltos, tentativas de assalto e destruição parcial de jornais, 33; bombas e artefactos explosivos detonados, 146, desativados, 78.»

Os excessos e as afrontas à legalidade eram tais que muitos espanhóis, não se sentindo com vocação para vítima propiciatória, não se resignavam a ser imolados nos «altares da Revolução». E a reação da «Outra Espanha» não se fez esperar; a rebelião declarada era apenas uma questão de tempo. Grande parte da direita (que tinha recebido 48% do voto popular nas eleições de Fevereiro) e da classe média estava predisposta a romper com um regime de legalidade mais do que duvidosa, em que a violência e o arbítrio revolucionário predominavam sobre o cumprimento da lei. Perante a evidência de uma transformação política muito para lá do constitucionalmente permitido, com consequências na insegurança pública, a revolta dos acossados era inevitável, quase uma autodefesa.

A gota de água que extravasou o copo cheio surgiu em meados do mês de Julho. Calvo Sotelo era um polemista indomável que irritava e perturbava os dirigentes da Frente Popular. Quando, em 16 de Junho de 1936, proferiu nas Cortes uma intervenção inflamada sobre o caos social que então se vivia em Espanha, o presidente do Executivo, Santiago Casares Quiroga, ameaçou-o acintosamente. Como testemunhará mais tarde Josep Tarradellas, na ocasião, Dolores Ibárruri, dita La Pasionaria, sentenciou: «este homem falou pela última vez». Também o deputado socialista Ángel Galarza Gago, ex-Director-Geral de Segurança, havia proferido igualmente em pleno Parlamento ameaças de morte a Calvo Sotelo. Quando mais tarde soube do seu assassínio, afirmou: «Tenho uma grande pena pela morte de Calvo Sotelo; a pena de não ter participado nela.»

"Sob coacção, foi arrastado para o exterior, tendo prometido à família dar notícias logo que possível, «a não ser que estes cavalheiros me metam uma bala na cabeça». Palavras premonitórias, pois foi exactamente o que veio a acontecer. Poucos minutos depois de Calvo Sotelo se ter instalado no banco, entre dois guardias, a cerca de 250 metros de sua casa, El pistolero enfiou-lhe uma bala na nuca. E estes são os factos que, em traços largos, se colhem consensualmente na maioria das obras sobre o tema."

Depois de Gil-Robles ter elencado os inúmeros atropelos à legalidade perante a passividade das forças de ordem, impedidas de atuar por determinação governamental, Calvo Sotelo pronunciou aquele que seria de facto o seu último discurso parlamentar. Até pela sua velada atualidade, vale a pena lermos alguns excertos:

«A Espanha vive alvoroçada com aquela úlcera terrível que Gil Robles descreveu em palavras eloquentes, com estatísticas tão convincentes quanto expressivas; Espanha, nessa atmosfera letal, com todos mergulhados na angústia da incerteza, sente-se à deriva, sob as mãos ou nas mãos – como queiram dizer – de alguns ministros que são réus de sua própria culpa, mais precisamente escravos da sua própria culpa. […] Espanha não é isso. Nem isso é a Espanha. […] A República, o Estado espanhol, possui hoje agentes da autoridade em número equivalente a quase metade das forças que constituem o Exército em tempo de paz. […] Então, qual é a causa para este estado de coisas? […] A causa é que o problema da desordem pública é superior, não apenas ao Governo e à Frente Popular, mas ao próprio sistema democrático-parlamentar e à Constituição de 31. […] A Espanha padece o fetichismo da populaça, que não é o povo mas apenas a sua contrafigura caricatural. […] A turbamulta prevalece na vida espanhola de uma forma sarcástica, em conflito com as nossas soi-disant condições democráticas e, é claro, com os interesses nacionais. O que é a populaça? A minoria vestida de maioria. […]

Como disse Anatole France “uma tolice, não é pelo facto de ser repetida por milhares de vozes que deixa de ser uma tolice”. […] Quando se fala por aí do perigo dos militares monarquizantes, sorrio um pouco, porque não acredito – e não me negarão uma certa autoridade moral para formular esta asserção – que exista atualmente no Exército espanhol, quaisquer que sejam as ideias políticas individuais (que a Constituição respeita), um único militar disposto a sublevar-se a favor da Monarquia e contra a República. Se o houvesse, ele seria um louco, digo-o claramente, embora também considere que estaria louco o militar que, senhor do seu destino, não estivesse disposto a sublevar-se a favor da Espanha e contra a anarquia.

[…] Anteontem, o Sr. Largo Caballero proferiu um novo discurso e disse que a política do Governo da Frente Popular só é admissível para ele e para os seus enquanto sirva o programa da revolução de Outubro [de 1934], desde que se inspire na revolução de Outubro. Pois bem, Sr. Presidente do Conselho; se isso é verdade, se é certo que o Sr., intimamente vinculado a esses grupos como refirmou aqui em ocasião recente, tem de inspirar a sua política na revolução de Outubro, então estão a mais muitas notas, muitos discursos, muitos planos, muitos propósitos, tudo está a mais; e assim em Espanha só pode haver uma coisa: a anarquia.»

Depois das suas palavras, o presidente do Executivo, irado, ameaçou-o de que «após o que dissera, se algo ocorresse em Espanha ele seria o único responsável». Em resposta, Calvo Sotelo respondeu-lhe que «tem vindo a advertir para a necessidade absoluta de que se evite que o Exército se decomponha, se desagregue, perante a ação subversiva que em seu seio se tem promovido. […] Eu tenho, Sr. Casares Quiroga, costas largas. Dou-me por notificado da sua ameaça.» O jovem deputado socialista Santiago Carrillo, de forma audível, comentou então: «Fia-te na Virgem e não corras, não!»

O crime

Na segunda-feira, dia 13, pela calada da noite, duas carrinhas das forças de segurança saíram do quartel de Pontejos, em Madrid. Uma das viaturas, a camionete nº 17, ia sob o comando do capitão da Guardia Civil Fernando Condés Romero, que tinha às suas ordens vários guardias de asalto, dois civis membros das milícias socialistas e um guarda-costas dos dirigentes do PSOE, Luis Cuenca Estevas (com o nom de guerre Victoriano Cuenca) conhecido como El cubano ou El pistolero. Na outra carrinha iam cinco oficiais da polícia e vários civis, perfazendo um total de 18 ou 19 elementos. Com conhecimento de José Alonso Mallol, Director-Geral de Segurança, a sua missão era deter e eliminar os principais dirigentes da oposição parlamentar. Na sua mira estavam José Calvo Sotelo, destacado tribuno dos monárquicos liberais da Renovación Española e José María Gil-Robles, dirigente dos conservadores católicos.

Pelas três da madrugada, o grupo, cujo primeiro objetivo era Calvo Sotelo, deteve-se defronte da sua residência. Com a ajuda do porteiro, subiram ao andar onde habitava o líder parlamentar, tendo-o acordado sem qualquer oposição dos guarda-costas oficiais que prontamente se esfumaram. Calvo Sotelo alegou a sua imunidade parlamentar e exigiu o mandado judicial, mas Condés nem se deu ao trabalho de lhe responder. De acordo com o testemunho da sua filha Enriqueta, Calvo Sotelo, surpreso, clamou: «Detido? Mas porquê? E a minha imunidade parlamentar? E a inviolabilidade de domicílio? Sou deputado e a Constituição protege-me!» Condés, que trajava à paisana, mostrou-lhe o cartão de oficial da Guardia Civil e, aproveitando a hesitação de Calvo Sotelo, empurrou-o para fora.

Sob coação, foi arrastado para o exterior, tendo prometido à família dar notícias logo que possível, «a não ser que estes cavalheiros me metam uma bala na cabeça». Palavras premonitórias, pois foi exatamente o que veio a acontecer. Poucos minutos depois de Calvo Sotelo se ter instalado no banco, entre dois guardias, a cerca de 250 metros de sua casa, El pistolero enfiou-lhe uma bala na nuca. E estes são os factos que, em traços largos, se colhem consensualmente na maioria das obras sobre o tema. A narrativa factual é essa quer seja na monumental obra biográfica José Calvo Sotelo (2004), de Alfonso Bullón de Mendoza, quer em “La noche en que mataron a Calvo Sotelo” (1982), de Ian Gibson, quer em “Por qué y cómo mataron a Calvo Sotelo” (1982), de Luis Romero, a título de exemplo.

Todavia, há cerca de dois anos, na edição de 8 de Abril de 2018, o ABC publicou um artigo assinado pelo embaixador Francisco Vázquez Vázquez sobre o assunto. Intitulava-se Memoria Historica de Calvo Sotelo e afirmava que contribuía com dados novos para o esclarecimento do seu homicídio. O artigo de Vázquez, baseado na documentação do juiz de instrução Francisco García Vázquez que um amigo, filho deste, lhe facultara, põe em relevo as declarações de Blas Estebarán Llorente, um condutor de ambulâncias que se dizia próximo do dirigente comunista Jesús Hernández Tomás. Estebarán alega ter sido ele o condutor da ambulância que levou o cadáver de Calvo Sotelo para o cemitério. Mais afirma que, três meses antes do crime, havia sido contactado por Jesús Hernández, que se fazia acompanhar por um tal Antonio López, para lhe fazer saber que «contavam com ele para um serviço especial com a sua furgoneta-ambulância». Em súmula, o declarante aguçava indícios de estudada preparação para o crime e trasladava o ónus da autoria moral do assassínio do PSOE para o Partido Comunista de Espanha (PCE).

Ao trazer a lume as declarações desatendidas de Estebarán, o embaixador Vázquez pretendia afoitamente pôr em causa a narrativa que dá como razão para o homicídio de Calvo Sotelo uma «justa» vingança pelo assassinato, pouco tempo antes, do tenente José del Castillo, conhecido agitador socialista. Das declarações do condutor pode depreender-se calculada premeditação e não cólera recente para a perpetração do crime. Mas não deixa de ser altamente duvidoso que, em pleno galope revolucionário da Frente Popular, um condutor de ambulâncias que alegava proximidade com o PCE, venha pôr a boca no trombone, atribuindo a iniciativa do crime aos comunistas, desviando o foco da atenção sobre o partido socialista (PSOE). Talvez para baralhar os magistrados e o curso da investigação, lançando a dúvida?

Monarchist Calvo Sotelo'S Funeral In 1936

As cerimónias fúnebres de Jose Calvo Sotelo, em 14 de julho de 1936

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Estebarán também afirma que quem matou Calvo Sotelo foi o tenente da Guardia de Asalto Antonio Moreno-Navarro Toledo e não Victoriano Cuenca. A 14, data da declaração de Estebarán, ainda era responsável pelo processo o magistrado de turno da 3ª vara Urcisino Gómez Carbajo, que em 1931 interviera na investigação da bomba colocada na nossa embaixada em Madrid; o juiz de instrução era Francisco García Vázquez. Mas rapidamente o governo da Frente Popular se encarregaria de chamar a si a coordenação das diligências, nomeando um juiz especial, Eduardo Iglésias del Portal, um socialista da entourage de Indalecio Prieto, que, com a colaboração do Diretor-Geral de Segurança, José Alonso Mallol, empastelaria a investigação. E durante a Guerra Civil grande parte do processo ainda em aberto em Madrid, nomeadamente as conclusões periciais, foi roubada, tendo-se salvo, sabe Deus por que «milagre», as declarações de Estebarán.

É hoje sabido, quer mediante o testemunho de vários socialistas e comunistas «arrependidos», quer pelos relatórios postos a descoberto nos arquivos soviéticos, que o núcleo duro dos partidos da Frente Popular acordara em suprimir as figuras de proa da direita. O propósito era decapitar à nascença qualquer apoio político à conjura militar cuja evolução acompanhavam pari passu por agentes infiltrados. Gil-Robles, ao contrário de Calvo Sotelo, só escapara à matança porque nesse dia se deslocara a Biarritz.

Por pressão da Internacional Comunista e da sua secção espanhola, o PCE, também os anarquistas e os comunistas desalinhados (trotskistas e outros) haviam sido marcados para eliminar. Quanto a isso o citado testemunho de Estebarán não traz novidade. Mas o relato de operações facultado pelo deponente não corresponde ao modus operandi da clandestinidade dos comunistas, que, nessa altura, ainda evitavam misturar-se em «coisas sérias» com os «social-traidores» e «social-fascistas» dos partidos «burgueses» que era a forma como internamente designavam, entre outros, o PSOE e os jacobinos republicanos.

É verdade que as JSU, um instrumento concebido para o controlo das hostes socialistas mais extremistas, já haviam sido criadas a 1 de Abril. Mas Jesús Hernández, dado como mandante do crime por Estebarán, não estava envolvido naquela estrutura política liderada pelo então socialista (ainda) Santiago Carrillo. Hernández era um prócere comunista conhecido, diretor do Mundo Obrero e que havia sido eleito deputado em Fevereiro, por Córdova. Não parece verosímil que uma figura pública do PCE, membro do seu Comité Executivo, fosse o engajador do condutor de ambulâncias para um crime que necessariamente se volveria tão mediático.

Apesar de ainda enformar de algumas lacunas e detalhes por aclarar, a narrativa estabelecida em Julho de 1936 parece-me mais plausível e com maior credibilidade. Poderemos sempre interrogarmo-nos sobre se a iniciativa de execução de Calvo dentro da camionete nº 17 havia sido previamente combinada ou fôra resultado de uma inopinada decisão do pistolero Luis Cuenca mas poucas dúvidas restam sobre quem foram os verdadeiros executantes e como tudo se processou. Que sentido fazia acrescentar uma ambulância à história? Acresce que o testemunho dos coveiros de serviço na madrugada de 13, Esteban Fernández Sánchez e Daniel Tejero Cabello, é taxativo quanto ao veículo que despejou o corpo de Calvo, tendo até comunicado ao seu superior, Germán Castaño, o facto de o cadáver não ter aparecido no cemitério transportado por um furgão-ambulância como seria normal.

"Porque insiste o PSOE em limitar o estudo e o aprofundamento dos factos da Guerra Civil, com uma censura sectária e revanchista? Do que é que têm medo que se saiba? De que os espanhóis se apercebam de que contrariamente ao que a orquestrada narrativa do mainstream propala não foram nem os fascistas nem os comunistas que forjaram as condições objectivas que levaram a que a meia Espanha que se recusava a ser sacrificada em holocausto no altar da revolução se tivesse revoltado?"

O relato transcrito na denúncia de Estebarán tem todo o recorte de uma manobra de contra-informação destinada a ilibar o PSOE do assassinato de Calvo Sotelo. Mas a verdade é que praticamente todos os intervenientes na operação, quer civis quer guardias de Asalto, a maioria dos quais membros da unidade miliciana clandestina socialista La Motorizada, pertenciam ou à fação de expressão jacobina de Indalecio Prieto ou à bolchevista de Largo Caballero. E foram essas duas tendências maioritárias no PSOE de então as grandes responsáveis pelo eclodir da última guerra civil de Espanha como qualquer investigador imparcial da História dos acontecimentos que a ela conduziram pode atestar.

Como se pode justificar em termos democráticos a intentona revolucionária de Outubro de 1934, preparada a nível nacional e despontada violentamente nas Astúrias e em Barcelona? Na Primavera de 36, quem forçou o andamento revolucionário acelerado da Frente Popular senão Largo Caballero? De tal forma que o próprio Estaline instruiu Dmitriy Manuilsky e Vittorio Codovilla para que o abrandassem para não deitar a perder da fachada «democrática». Mas a narrativa esquerdista e progre insiste em considerar os sectores da direita como os únicos responsáveis pela Guerra Civil.

Porque insiste o PSOE em limitar o estudo e o aprofundamento dos factos da Guerra Civil, com uma censura sectária e revanchista? Do que é que têm medo que se saiba? De que os espanhóis se apercebam de que contrariamente ao que a orquestrada narrativa do mainstream propala não foram nem os fascistas nem os comunistas que forjaram as condições objetivas que levaram a que a meia Espanha que se recusava a ser sacrificada em holocausto no altar da revolução se tivesse revoltado? E de que quem montou e operou as tchecas e os paseos mais sanguinários foram socialistas? Na sua arrogante matriz ideológica de «despotismo iluminado», ignoram a distopia orwelliana e nada aprenderam com o insucesso das «leis da rolha» das ditaduras.

Num gesto que perdurará como exemplo de ignomínia facciosa, recentemente, sob a égide infamante da Lei de Memória Histórica, a municipalidade de A Coruña resolveu assassinar Calvo Sotelo pela segunda vez mandando retirar o seu nome de uma instituição de ensino que o ostentava. Como se Verdade e Liberdade não fossem as duas faces da mesma moeda e alguém conseguisse cortar a raiz ao pensamento.

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